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Do segundo fruto da sexta palavra

Capítulo 26: Do segundo fruto da sexta palavra
Pode colher-se outro fruto da segunda explicação da palavra de Cristo: “Tudo está consumado”, pois dissemos com São João Crisóstomo que se concluiu com a morte de Cristo a sua trabalhosa peregrinação que não pode negar-se que foi excessivamente custosa, mas que também foi recompensada pelo pouco tempo da sua duração e pela glória e honra que dela lhe resultou. Foi de trinta e três anos: que é, porém o trabalho de trinta e três anos comparado com o descanso da eternidade. Sofreu o Senhor fome, sede, muitas dores e injúrias sem número, pancadas, ferimentos e até a morte, mas agora bebe torrentes de prazer, de prazer interminável. Humilhou-Se, é verdade, tornado o opróbrio dos homens, rebotalho da plebe (Sl 21) por pouco tempo. Deus, porém exaltou-O, e deu-Lhe um nome como não há outro; pois ao nome de Jesus dobrasse todo o joelho no Céu, na Terra, e no inferno (Fl 2). Pelo contrario, os pérfidos judeus pouco tempo exultaram com a Paixão de Cristo; Judas, escravo da avareza, pouco se gozou com o lucro de algumas moedas; o gosto que Pilatos teve de não perder a amizade de Augusto e de tornar a ganhar a do rei Herodes, de pouca duração foi também; e há quase mil e seiscentos anos desde que sofrem os tormentos do inferno, e o fumo das chamas que os abrasam subirá por séculos de séculos (Ap 19).

Disto aprendam todos os servos da Cruz, humildes, pacíficos, sofredores, que fortuna não é a de tomarem a sua cruz nesta vida e seguirem o caminho de Cristo, e nenhuma inveja tenham aos que neste mundo são reputados felizes, pois a vida de Cristo e dos Santos Apóstolos e Mártires é o comentário tão verdadeiro, quanto é possível, das palavras do Mestre de todos os mestres:

“Bem-aventurados os pobres, bem-aventurados os pacíficos, bem-aventurados os que choram, bem-aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino do Céu, e pelo contrário ai de vós que sois ricos, porque tendes a vossa consolação, ai de vós que estais fartos, porque vireis a ter fome, ai de vós que agora ris, porque gemereis e chorareis” (Mt 5; Lc 6)

E posto que não só às palavras de Cristo mas até à Sua vida e morte, isto é, não só ao texto mas ao comentário, poucos prestam atenção nas escolhas deste mundo; contudo o que quiser sair dele, entrar no seu coração meditando seriamente, e dizer a si próprio: «Ouvirei o que me diz o Senhor Deus» (Sl 84), e ao mesmo tempo com humilde preces e gemido de pomba, se dirigir aos ouvidos do Mestre de quem é o livro e o comentário, facilmente conhecerá a verdade; e ela o livrará de todos os erros tornando-lhe fácil o que até então lhe parecia impossível.


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(BELARMINO, Cardeal São Roberto. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Antiga Livraria Chadron, Porto, 1886, p. 225-227)