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Jesus nasce na Missa

Jesus nasce na Missa
Capítulo I

Que este mistério se renova em cada Missa, prová-lo-ei pelo testemunho de um mestre célebre:

«A Santa Missa, diz Marchant, é uma representação viva e perfeita, ou antes uma renovação da Encarnação, do nascimento, da vida, da paixão, da morte de Cristo e da redenção, que realizou»

Estas palavras parecerão estranhas a muitos, mas, segundo a exposição seguinte ninguém lhes contestará a verdade.

Jesus Cristo não se contentou de Se fazer homem uma vez única. Encontrou, na Sua sabedoria infinita, o sublime segredo de reproduzir todos os dias, a toda a hora, em toda a parte, em nova Encarnação operada no altar, a satisfação já uma vez oferecida à Santíssima Trindade.

Esta Encarnação, não é menos real que a primeira. Citaremos o testemunho da Igreja, expresso na Secreta do 9.° Domingo após o Pentecostes.

«A obra da nossa salvação opera-se tantas vezes quantas é celebrada a memória desta Vítima»

A Santa Igreja não diz: «A obra da nossa salvação é representada», mas, «a obra da nossa salvação opera-se». Ora esta obra não é senão a Encarnação, o Nascimento, a Paixão e a Morte de Jesus.

Santo Agostinho atesta-o igualmente.

«Como é alta, — diz ele, — a dignidade do padre, em cujas mãos Jesus Cristo de novo se faz homem! Como é celeste o mistério que o Pai, o Filho e o Espirito Santo operam pelo ministério do padre!»

São João Damasceno professa a mesma doutrina:

«Se alguém preguntar como o pão é Transubstanciado no corpo de Jesus Cristo, responder-lhe-ei: O Espirito Santo vem sobre o padre com a Sua sombra, e atua como atuou no seio da Bem-aventurada Virgem Maria»

São Boaventura é ainda mais afirmativo:

«Deus, — diz ele, — ao descer todos os dias do Céu sobre o altar, não fará menos do que fez, quando se humilhou até revestir natureza humana»

Escutemos o próprio Cristo:

«Assim como me fiz homem no seio de minha Santa Mãe, — disse Jesus ao Bem-aventurado Alano de la Roche, — assim também renovo a minha Encarnação, todas as vezes que se celebre a Missa»

Vê-se que o Verbo divino se faz carne nas mãos do padre, de uma forma diversa, evidentemente, mas por uma operação semelhante do Espirito Santo.

É caso de exclamar ainda com Santo  Agostinho:

«Ó grande dignidade dos padres, em cujas mãos Jesus Cristo se encarna de novo! Ó grande dignidade dos fiéis, para cuja salvação o Verbo se faz carne por uma forma mística todos os dias, na Santa Missa!»

É sobretudo o caso de repetir a palavra dos nossos Livros Santos:

«Deus amou tanto o mundo, que lhe deu o seu Filho único»

Que doce consolação para nós, homens miseráveis, sermos tão ternamente queridos do nosso Deus!

O piedoso Tomás de Kempis deu-nos o conselho seguinte:

«Quando dizeis ou ouvis Missa, lembrai-vos que participais de uma obra tão grande, tão admirável como se, nesse mesmo dia, Jesus Cristo descesse do Céu e Se encarnasse no seio da Virgem Maria»

Que felicidade não seria a nossa, se Nosso Senhor voltasse visivelmente à terra! Quem não se apressaria a ir adorá-lO e pedir-Lhe as Suas graças? Por que não assistimos nós, pois, à Missa com grande devoção? Uma só resposta existe: é fraca a nossa fé, e compreendemos muito mal este benefício divino.

Santa Gertrudes e a Missa

«Um dia, — conta Santa Gertrudes, —prostrada humildemente durante a Missa, eu dizia a Nosso Senhor, imediatamente antes da Consagração: Ó doce Jesus, a obra que ides realizar é tão excelente que, pobre criatura indigna, não ouso levantar meus olhos. É bastante para mim humilhar-me e ficar no mais profundo vale de humildade, que possa encontrar, esperando que me deis a minha parte do Sacrifício, que é fonte de vida para todos os eleitos. Cristo respondeu-me: Da tua parte, toma tu a firme resolução de Me servir, mesmo no meio das maiores penas, a fim de que este Sacrifício, que é salutar aos vivos e aos mortos, se cumpra em toda a sua excelência. Terás ajudado a minha obra»

Como Santa Gertrudes, no momento da Consagração, reflete no grande milagre, operado por Deus no altar, concebei o ardente desejo de ver a imolação de Jesus contribuir para maior glória da Santíssima Trindade e salvação dos fiéis.

O poder do Sacerdote no Altar

Considerai quão enorme é o poder de consagrar, que Jesus Cristo concede aos padres:

«O poder de meu Pai é tão grande, — diz Nosso Senhor ao Bem-aventurado Alano de Ia Roche, — que criou do nada o Céu e a terra; mas o poder do padre é tal que faz nascer o próprio Filho de Deus na santa Eucaristia, e consegue que, por este Sacramento e este Sacrifício augusto, o tesouro da salvação passe às mãos do sacerdote»

O Salvador acrescenta:

«A Missa é a maior parte da glória de Deus, é a principal alegria de minha santa Mãe, é as delícias dos Bem-aventurados, é o melhor socorro dos vivos, e a maior consolação dos mortos»

Repitamos as palavras de São João:

«Deus amou tanto o mundo, que lhe deu o Seu Filho único, a fim de que todos, que tiverem fé nEle, se não percam, mas tenham a vida eterna»

Deus provou a primeira vez este grande amor ao mundo, quando lhe enviou o Seu Filho. Todos os dias, a todas as horas, prova-lho de novo, fazendo descer novamente do Céu o mesmo Verbo, para reproduzir o mistério. Pela Encarnação de Nazaré, Jesus Cristo adquiriu um tesouro infinito de méritos; na do altar, torna participantes deles, todos os que ouvem ou celebram devotamente a Missa. Eis um exemplo notável:

O Amor infinito de Jesus na Missa

Conta-se, na crônica dos Frades Menores, que o Bem-aventurado João de Alverne oferecia o divino Sacrifício com grande fervor, e sentia então muitas vezes tamanha suavidade espiritual, que ficava aniquilado. No dia da Assunção da Santa Virgem, devia oficiar solenemente; mas, apenas chegou ao altar, experimentou transportes íntimos tão vivos, que receou não poder chegar até o fim. A apreensão realizou-se. À Consagração, quando considerava o amor imenso que, por toda a eternidade, levara Jesus Cristo a descer do Céu para revestir natureza humana, amor que o decidiu a renovar incessantemente a Encarnação, na Santa Missa, o Bem-aventurado sentiu inflamar-se-lhe o coração, e faltaram-lhe as forças para pronunciar as palavras sacramentais. Disse por fim.  «Hoc est… Hoc est enim»... sem conseguir acabar. O Padre Guardião e outro religioso, tendo-lhe notado aquela perturbação, correram para junto dele, a prestarem-lhe auxílio. Os assistentes estavam aflitos, pois supunham tivesse acontecido qualquer acidente ao Padre que acabou finalmente por pronunciar as duas últimas palavras: «Corpus Meum». Então João de Alverne viu a Hóstia transformar-se em uma criança, na qual reconheceu o Menino Jesus. O Salvador desvendou-lhe a profunda humildade, que O impeliu a fazer-Se homem, e a renovar na Missa a Sua Encarnação. Esta revelação esgotou as forças do religioso que tombaria por terra sem sentidos, se o Guardião e o outro Padre, que estavam perto dele, não o sustivessem. Algumas mulheres deram-lhe sal a aspirar e reanimaram-no assim. Se bem que tivesse ficado extenuado, a ponto de não poder mover-se nem sequer levantar as mãos para fazer o Sinal da Cruz, no entanto concluiu o Santo Sacrifício, assistido do seu superior. Logo a seguir, perdeu novamente os sentidos, e tiveram de o levar para a sacristia. Tinha toda a aparência de cadáver: o corpo gelado, os dedos tão contraídos, que lhos não podiam estender. Esteve assim durante muitas horas; choravam-no como se estivesse morto. Quando voltou a si, pediram-lhe que por amor de Deus dissesse o que lhe tinha acontecido e o que vira no seu êxtases. Cedendo às instâncias repetidas dos fiéis:

«No momento da Consagração, — disse, — refleti no amor imenso, que impeliu Nosso Senhor a fazer-Se homem e a renovar a Sua Encarnação na Missa; então, o meu coração tornou-se em como que cera quente, e pareceu-me que as carnes me ficavam desamparadas de ossos. Eu não podia estar de pé, nem dizer as palavras sacramentais. Quando por fim, à custa de grandes esforços, as pronunciei, vi nas minhas mãos, em vez da santa Hóstia, o doce Menino Jesus. Um só dos Seus olhares trespassou-me até o fundo da alma, e tirou-me a força física que me restava. Cai exânime, fiquei, porém, inflamado de amor por esta Criança Divina»

O Bem-aventurado acrescentou ainda muitos pormenores das impressões, que experimentara durante o seu enlevamento, e expôs às almas piedosas o amor infinito que Jesus nos testemunha no Santo Sacrifício. Muitas outras santas personagens gozaram as mesmas consolações de João de Alverne. Vós as sentiríeis também, e das mais inefáveis, se tivésseis o piedoso costume de assistir à Missa.

Carlos Magno e Wittikind

O grande imperador Carlos Magno combateu por muitos anos os Saxões. Inspirado nas doutrinas cristãs, este soberano procurava levar a todos os povos, que submetia, a luz da fé e os benefícios da civilização. Vencidos os feros saxões, enviou-lhes missionários, que os convertessem. Mas o chefe destes povos, o rebelde Wittikind, incitava-os constantemente à apostasia, destruindo com pertinácia a obra do grande imperador dos francos.

Pela duodécima vez foi Carlos Magno às florestas germânicas, à frente de um numeroso exército. Era na quaresma. Ao aproximar-se a Páscoa, o imperador ordenou a todos os seus soldados que se preparassem para receber piedosamente os Sacramentos. A Semana Santa foi celebrada no acampamento imperial com toda a devoção.

Wittikind, apesar de inimigo da religião cristã, sente uma curiosidade enorme de ver as cerimônias do culto do imperador dos francos. Despe o seu vestuário suntuoso de chefe, enverga umas roupas andrajosas e, assim disfarçado apresenta-se no acampamento, a pedir esmola. Era Sexta-feira Santa. O altivo bárbaro nota como o imperador e os seus soldados, tendo observado um rigoroso jejum, se confessam e preparam para a Sagrada Comunhão. No domingo de Páscoa observa as cerimônias do Santo Sacrifício, para ele tão novas e cheias de mistério. Mas eis que, ao chegar ao momento de consagração, vê entre as mãos do sacerdote um Menino de incomparável beleza.

À vista deste espetáculo, uma grande alegria penetra no seu coração. Durante o resto do Santo Sacrifício, não tira os olhos do celebrante. Mas a sua surpresa cresceu de ponto ao ver que os soldados se ajoelhavam junto do altar e recebiam das mãos do celebrante o mesmo misterioso Menino, que Se deixava consumir de cada um deles, mas de maneira muito diferente. Com efeito, o gracioso Menino ia para uns com manifesta alegria, ao passo que a outros era entregue com grande repugnância, debatendo-Se com os pés e com as mãos, como se quisesse resistir.

O chefe dos saxões não saia do seu extraordinário assombro, pelas maravilhas que vira.

No fim das santas cerimônias postou-se à porta da igreja, entre os mendigos, que esperavam a esmola do imperador.

Este saiu distribuindo a cada um o seu óbulo. Mas quando Wittikind estendeu a mão, um oficial de Carlos Magno reconheceu-o por um dedo torcido, que o bárbaro tinha, e avisou o soberano.

— Por que se dissimula o Duque dos saxões sob os andrajos de um mendigo? — perguntou o senhor do Ocidente.

Tomado de surpresa e receando ser julgado em flagrante delito de espionagem, Wittikind respondeu:

— Senhor, não interpreteis mal o meu procedimento. Animava-me unicamente o desejo de assistir livremente ao Sacrifício dos cristãos.

— E que viste tu?— volveu o imperador.

— Prodigio tal, que nunca ouvi nem imaginei outro igual e que não o posso compreender.

E contou tudo o que observara no acampamento, durante aqueles três dias, pedindo que lhe explicassem o que eram e significavam aqueles fatos tão extraordinários.

Carlos Magno, maravilhado das graças tão insignes que Deus concedera ao rude Saxão, explicou-lhe o que significavam todas as cerimônias da Semana Santa, e disse-lhe o que era a Missa, a Confissão, e a Comunhão. Comovido até ao mais íntimo da alma, Wittikind quis ser completamente instruído na fé cristã, converteu-se, recebeu o batismo e levou consigo sacerdotes, que fossem ensinar, no ducado de Saxe, a fé de Jesus Cristo.

Este fato é uma grande prova da Presença real. Os nossos olhos pecadores não vêm a beleza infinita de Jesus, mas a Santíssima Trindade vê em todo o Seu esplendor a Vítima eterna e recebe da Missa uma glória infinita e a Santíssima Virgem, os Anjos e os Santos experimentam alegria inefável, cada vez que o Filho de Deus é oferecido sobre o altar, como foi revelado ao D. Alano de la Roche por Nosso Senhor em pessoa.

Quando os Anjos vêem Jesus nascer na hóstia, ajoelham, adorando-O, como fizeram junto do presépio de Belém, cumprindo assim mais uma vez aquela profecia, que São Paulo aplica ao mistério do Natal:

«Quando Deus introduziu o Seu Filho na terra, disse:

— Adorem-nO todos os Anjos»

Estes celestes espíritos, cheios de reverente temor, unem-se numa comum alegria para louvar a Majestade divina, como diz a Igreja no Prefácio da Missa. Unamo-nos com eles e louvemos este amável Jesus, que em cada Missa renova o mesmo mistério para nos fazer participar mais largamente dele.

Nenhum espírito humano poderia explicar dignamente verdade tão sublime; seria necessária a ciência dos Anjos.

O nascimento de Jesus, que uma vez aconteceu visivelmente, repete-se todos os dias nos nossos altares, de uma maneira invisível, quando, à palavra do sacerdote, o Filho de Deus desce sobre a ara, debaixo das aparências das sagradas espécies.

Reproduzida pela virtude da transubstanciação, a Humanidade de Jesus conserva-Se tanto tempo em nosso poder quanto o pão e o vinho conservarem as suas aparências, retirando-Se apenas quanto estas se corrompem e desaparecem.

Pensemos, pois, na alegria infinita, na glória imensa que o Eterno Pai recebe, quando Jesus Lhe é apresentado pelas mãos do sacerdote. Por certo que são iguais às da noite de Natal, porque, quer na gruta de Belém, quer sobre o altar das nossas Igrejas, está o mesmo Jesus, de Quem o Eterno Pai disse: —«Este é o meu Filho muito amado, em Quem pus todas as complacências», com a diferença apenas que Cristo estava então revestido da Sua carne mortal, ao passo que agora o Seu Corpo, onde as Cinco Chagas brilham como cinco sóis, é imortal.

Estas delícias, esta glória incomensurável sobrexcedem infinitamente às que o Altíssimo recebe dos louvores dos Anjos, das adorações dos Santos, das boas obras dos homens, porque só a Santíssima Humanidade de Cristo unida hipostaticamente à Divindade é capaz de amar e honrar devidamente a Santíssima Trindade. Podemos fazer uma ideia desta verdade pelas palavras que Jesus disse a Santa Mathilde:

«Só eu sei e compreendo perfeitamente como me imolo cada dia sobre o altar para salvação dos fiéis, o que não podem compreender perfeitamente nem os Querubins, nem os Serafins, nem nenhuma potência celeste»

Sim! Só Jesus conhece bem, em cada dia, à Missa, quanto o Seu amor e a Sua oblação são agradáveis a Deus. O nosso doce Salvador desempenha as Suas funções sublimes com suavidade e amor infinitos, que enchem o Céu de alegria e nos conseguem preciosíssimas bênçãos.

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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 1-9)