Capítulo X
Entramos na Igreja. O sacerdote sobe ao altar, revestido dos paramentos sagrados: formemos em nós mesmos a intenção de oferecer a Missa. Rezemos as orações próprias da Missa, que mais nos comovam o coração; rezemo-las até à Consagração, unidos ao celebrante por uma oração contínua. A partir este momento, apliquemo-nos a adorar Nosso Senhor e a oferecê-lO com o sacerdote ou por palavras nossas ou por meio do nosso livro.
É possível que alguém diga:
— Eu tenho escrúpulo em renunciar às minhas orações, prediletas pelas da Missa
Sossegai: as vossas orações ordinárias comparadas à Missa, são como o cobre comparado ao ouro. Nada impede, aliás, que as rezemos em seguida, a qualquer hora do dia, se tivermos ocasião de o fazer. Se um dia tivermos de faltar aos nossos exercícios de piedade, esta falta ser-nos-á menos prejudicial, que se faltássemos ao Divino Sacrifício.
Ao Confiteor batamos três vezes no peito, em sinal de penitência e suscitemos na nossa alma um sincero arrependimento das nossas culpas. Desta forma representamo-nos Jesus prostrado no jardim das Oliveiras. Em seguida acompanhemos os atos do sacerdote. Mas, sobretudo, façamos a nossa oferta com fervor e humildade, no momento da oblação do pão e do vinho, refletindo na nossa indignidade, que nos deveria impedir de nos apresentarmos na presença de Deus.
Ao Sanctus inclinemo-nos profundamente para adorar a Santíssima Trindade, em união com os Serafins, que fazem ouvir em todo o Céu esta sublime oração.
Depois do Sanctus vem o Canon. O sacerdote reza-o em voz baixa para não expôr à profanação os augustos mistérios que encerra.
«Neste momento — diz o Apóstolo São Tiago, na sua liturgia — todo o homem deve calar-se, temer e esquecer as coisas terrestres, porque o Rei dos reis e Senhor dos senhores vem imolar-Se e dar-Se em alimento aos homens. Diante dEle caminham os anjos, velando a face e cantando cânticos, com grande alegria»
A propósito destes cânticos, escreve Santa Brigida as linhas seguintes:
«Um dia, assistindo eu ao Santo Sacrifício, pareceu-me, após a Consagração, que o sol, a lua e todas as estrelas, todos os planetas, todos os Céus, em todas as suas evoluções, cantavam com a mais doce e retumbante voz. A eles se juntava uma multidão inumerável de músicos celestes, cujos acentos eram tão melodiosos, que eu não posso dar d’eles a menor ideia. Os coros dos Anjos desciam, contemplavam o sacerdote, inclinados para ele com respeitosa ternura, enquanto os demônios fugiam espavoridos»
O Céu inteiro concorre à consumação do maior dos milagres, ao passo que nós, pobres e mesquinhos pecadores, assistimos a ele sem respeito, sem fé, como a uma cerimônia ordinária. Ah! Se Deus nos abrisse os olhos, de que admiráveis espetáculos não seríamos testemunhas! Veríamos a assembleia celeste atenta à renovação da vida, Paixão e morte do Salvador. Veríamos o sol, a lua e as estrelas prestar a estes mistérios a homenagem do seu brilho, os planetas celebrar as suas fases, ao mesmo tempo que os coros angélicos entoam os seus cânticos de louvor e glória. E, penetrados de piedoso temor, escreve São Tiago, esqueceríamos todas as coisas terrestres.
No momento em que são pronunciadas as palavras sacramentais, abrem-se as portas do Céu e o Filho de Deus, em pessoa, desce com grande majestade. O Salvador dignou-Se revelar a Santa Matilde de que maneira opera este ato inefável:
«Eu venho — disse Jesus — com tal humildade, que não há alma nenhuma, por mais miserável que seja, até à qual eu não me abaixe contanto que ela o queira. Venho com tal doçura, que trato com infinita misericórdia os meus inimigos mais encarniçados e não espero mais que um deseja da sua parte para perdoar-lhes as dívidas. Venho com tal amor, que enterneço os corações mais duros, se eles correspondem à minha bondade. Venho com tanta liberalidade, que ninguém, por grande que seja a sua indigência, se retira sem ir carregado de riquezas. Venho com um alimento tão excelente, que os mais esfaimados e os mais sedentos serão fartos e saciados. Venho com tanta luz, que posso dar vista a todos os cegos. Venho, emfim, com a plenitude de graças suficiente para vencer todas as resistências e sacudir o torpor das almas mais tíbias e preguiçosas»
É de todo impossível exagerar a bondade de Nosso Senhor quando desce ao altar! Só deseja levantar os pecadores, perdoar aos seus inimigos, tocar os obstinados, enriquecer os necessitados, alimentar os esfaimados, dar vista aos cegos e excitar os indiferentes. É o pleno cumprimento da palavra evangélica:
«O Filho do Homem veio para procurar e salvar o que havia perecido»
Deus deu o Seu Filho ao mundo, não para o condenar, mas para o salvar, para o levantar, para o tornar feliz.
Jesus não veio com intuitos de punir, de castigar, mas sim de perdoar e abençoar. Por isso não devemos de forma alguma temer-nos de aparecer perante Ele. Não é um juiz, é um mediador. O nosso triste estado, longe de constituir motivo para uma nova falta por aparecermos diante de Deus cheios de misérias, só excita a infinita misericórdia e compaixão do Salvador, contanto que vamos arrependidos dos nossos pecados e com sincero desejo de devoção e fervor.
Meditemos um instante sobre o que pode a Humanidade de Jesus reproduzida sob as espécies sacramentais, em virtude das palavras sagradas.
O Divino Mestre está ali realmente. Ele nos vê, Ele nos ouve, Ele nos ama, como via e amava Pedro e João, Marta e Maria Madalena e todos os doentes e aflitos e pecadores que recorriam a Ele na Judeia. Nenhum entendimento humano pode profundar tão grande mistério, nenhum coração mortal, saborear tal suavidade.
Eis como Santa Brigida fala da Transubstanciação, que ela viu em espirito:
«Logo que o sacerdote pronunciou as palavras sacramentais, o pão converteu-se em um pequeno cordeiro, que tinha face humana e era cercado por uma chama ardente. Todos os Anjos presentes O adoravam e serviam; e eram tão numerosos como os grãos de poeira que enchem o ar. Havia além disso, tamanha multidão de Bem-aventurados, que a minha vista não podia medir o espaço por eles ocupado»
Grandiosa e magnifica solenidade, na verdade! Aqueles milhares de espíritos bem-aventurados ocupavam-se todos em louvar e servir o Cordeiro. A Santa não diz de que maneira, mas nós podemos bem imaginar que uns faziam oscilar turíbulos magníficos; outros erguiam tocheiros preciosos e outros ainda entoavam cânticos de divina melodia ou tangiam instrumentos de celeste suavidade e harmonia.
Se uma só vez nos fosse dado ver o que se passa na Consagração, qual não seria o nosso extraordinário assombro!
«O homem deve tremer — escreve São Francisco de Sales — o mundo deve estremecer, todo o Céu se deve comover, quando, sobre o altar, entre as mãos do sacerdote, aparece o Filho de Deus vivo. Ó grandeza admirável! Ó diminuída dignidade! O Verbo, o Senhor de todas as criaturas, humilha-Se para a salvação dos homens, ao ponto de Se esconder sob a aparência de pão!»
E, todavia, nós não pensamos nestas grandes maravilhas, não pensamos sequer no Salvador, enquanto os Anjos tremem na Sua presença, como se canta no Prefácio, e os demônios fogem espavoridos, conforme o mesmo Jesus revelou a Santa Brigida:
«Da mesma maneira que só por esta palavra: — Sou eu! — os meus inimigos caíram por terra, às palavras da Consagração: — Este é o meu Corpo — os demônios põem-se em fuga»
A exemplo dos Anjos e dos Santos façamos quanto em nós cabe para servir o Salvador e participar no seu adorável Sacrifício. Deixemos então todos os nossos cuidados da terra, deixemos mesmo para segundo plano todas as nossas devoções e, elevando os nossos olhos para o altar, compenetremo-nos bem da presença divina e adoremos humildemente o Cordeiro, oferecendo-O ao Pai, perseverando nestes exercícios enquanto Jesus permanecer sobre o altar.
Bem raros são, — ainda mal! — os homens que assim ouvem Missa! Quantos estão, durante o Sacrifício incruento, entregues a outras práticas de piedade, esquecidos de que Jesus está sobre o altar, que ali desceu por causa deles!
Suponhamos que um amigo nos convidou muitas vezes a ir vê-lo. Depois de muito instados, resolvemos enfim, ir a sua casa. Ora ao entrarmos, ele não nos cumprimenta, não nos dirige sequer a palavra, não nos oferece sequer uma cadeira, como se fôssemos para ele meros desconhecidos. Não nos ofenderíamos desta grosseria? Não daríamos por mal empregados os nossos passos?
Pois bem: em todas as Missas, Jesus desce do Céu para nos visitar, para nos consolar, para nos encher de suas graças. Está diante de nós, olha-nos, espera que Lhe falemos. E que importância damos nós à Sua presença? Não O saudamos, não O adoramos, não Lhe prestamos honra alguma, fazemos as nossas devoções habituais, que não têm relação alguma com a Missa, ou entregamo-nos mesmo a pensamentos indiferentes e alheios ao lugar santo e mais ainda ao supremo ato a que assistimos.
Que devemos fazer, pois, neste momento grandioso e terrível? Imitar o sacerdote. Caindo de joelhos, ele adora o verdadeiro Deus, que tem entre as mãos. Como ele, inclinemos profundamente a cabeça ponderemos bem que o Salvador está oculto sob as aparências da Hóstia e adoremo-lO. A Sagrada Escritura recorda-nos em muitas passagens este dever e especialmente na história dos três Reis Magos.
«Chegando a Belém, eles encontraram o Menino com Maria, Sua Mãe e, prostrando-se em terra, adoraram-lO»
Quando o cego de nascença compreendeu que Jesus era o Filho de Deus, caiu de joelhos e adorou-O. Os discípulos dão-nos o mesmo exemplo:
«Quando encontraram o Salvador sobre a montanha da Galileia, onde Ele os mandara esperá-lO, adoraram-nO»
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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 65-70)