Capítulo IX
Nós devemos fazer o mesmo que o sacerdote faz. O Santo Sacrifício não é só propriedade do povo que assiste. Não é só o sacerdote que oferece a Deus o Sacrifício incruento. Os fiéis que assistem, devem fazer o mesmo, devem oferecer o Sacrifício com o sacerdote.
Na verdade que coisa mais oportuna poderiam eles fazer? Por isso ao depôr o cálice sobre o altar, o sacerdote, diz:
«Nós, Vossos servos e Vosso povo santo, oferecemos à Vossa sublime Majestade um Sacrifício puro, um Sacrifício santo, um Sacrifício sem mácula, o Pão sagrado da Vida eterna e o Cálice da eterna salvação»
«Em toda a Missa — diz o grande teólogo Sanchez — o sacerdote não profere palavras mais preciosas, porque nem ele nem nós podemos fazer coisa melhor que oferecer a Deus este augusto Sacrifício»
É, pois, um procedimento pouco conforme aos nossos interesses mesmo, se, depois da consagração, nos damos por satisfeitos com as nossas pobres e áridas orações e não nos unimos ao sacerdote, oferecendo a Deus o Seu Divino Filho.
Somos fracos e miseráveis pecadores e por nós mesmos nada poderíamos oferecer a Deus. Todavia Deus supriu à nossa miséria facultando-nos um tesouro infinito, de que São Paulo fala nos seguintes termos:
«Deu-nos Deus o Seu Filho único, como não nos daria com Ele todas as coisas?»
Este dom não no-lo faz Deus uma só vez, mas renova-o em cada Missa, como temos dito já. Põe-no ao nosso dispor, para que nos desempenhemos de todas as nossas dívidas. Queremos ser ricos? Ofereçamos muitas vezes ao Pai o Santo Sacrifício. Naqueles momentos preciosíssimos digamos com todo o coração:
— Ó meu Deus, eu Vos ofereço o Vosso querido Filho, a Sua Encarnação, o Seu Nascimento, a Sua dolorosa Paixão; ofereço-Vos o Seu suor de sangue, a Sua coroação de espinhos, as Suas humilhações, os Seus sofrimentos, a Sua crucificação, a Sua morte cruel, o Seu Sangue precioso; ofereço-Vos, para Vossa maior Glória e salvação da minha alma, tudo o que o Vosso amado Filho fez, tudo o que suportou numa palavra, todos os mistérios que Ele fez na terra e reproduz sobre o altar.
Esta oração tão simples, é eficacíssima, é a que todos os fiéis, mesmo os menos instruídos podem facilmente reter na memória, sendo por isso muito recomendável a todos os que não sabem ler.
Mais, no princípio de cada Missa, devemos dizer:
«Meu Deus eu quero não só oferecer esta Missa, mas quero oferecer todas as missas que se rezam no mundo inteiro»
Uma, pois, das mais assinaladas graças concedidas por Deus ao mundo é, ter permitido não só aos padres, mas aos simples fiéis, às mulheres; às crianças, que ofereçam à sua sublime Majestade o augusto Sacrifício da Missa. Os Judeus eram menos privilegiados. Na antiga lei, a imolação das vítimas, a oferta do incenso, pertenciam exclusivamente aos sacerdotes. O incenso, levava-o o povo para os holocaustos e os sacrifícios da paz, mas era-lhe vedado queimá-lo. Quem transgredisse esta prescrição incorria em grave culpa.
A este proposito, mostra-nos a Sagrada Escritura a resistência do sacerdócio, às pretensões temerárias do rei quando lhe disseram:
«Não é a vós, Rei, que compete queimar o incenso, mas sim, aos filhos de Aarão, para isso consagrados. Saí depois do santuário e não desprezeis o nosso conselho; visto que não vos será levada a bem essa ação pelo Senhor Deus»
A estas palavras, Ozias, enfurecido, pegou no turíbulo por entre palavras de ameaça, mas no mesmo momento Deus feriu-o de lepra.
Na lei da graça as coisas passam-se de outra maneira. Os simples fiéis podem tocar no turíbulo; são mesmo convidados a oferecer o holocausto. Notai como São Pedro se refere à dignidade dos Cristãos:
«Vós sois a geração escolhida, o sacerdócio real, a nação santa, o povo de aquisição, para que publiqueis as grandezas dAquele que das trevas vos chamou à sua maravilhosa luz»
Segundo o príncipe dos Apóstolos, todos os fiéis de um e outro sexo exercem, pois, à Missa uma espécie de sacerdócio. Que favor não é para vós, Cristãos, poderdes oferecer a Deus o corpo e sangue de Jesus Cristo? Usai frequentemente deste direito, sede fiéis a esta oblação na certeza de acumulardes uma fortuna imensa. Não temos dúvida em dizer mesmo, que de outra forma não ouvireis como podeis e como deveis a Santa Missa.
Com efeito, escreve um piedoso autor, «ouvir Missa não é somente a ela assistir, é ainda oferecer o Sacrifício com a intenção de o fazer em união com o celebrante».
Também essa é a nossa opinião. Para tirar todo o proveito da Missa é indispensàvel não só querer ouvi-la ou assistir a ela, mas oferecê-la a Deus com o padre. Esta necessidade provém também da sua própria natureza, visto que é um sacrifício. Consequentemente, os fiéis que se contentam em rezar à Missa, satisfazendo embora ao preceito eclesiástico, não participam das graças próprias da oblação. A seguinte comparação tornará mais nítido o nosso pensamento.
Consideremos duas pessoas. Uma delas reza diversos rosários, oferecendo-os a Jesus Cristo e a sua santa Mãe. A outra pessoa ouviu e ofereceu a Deus apenas uma Missa. Qual delas será mais generosa? Qual delas será mais recompensada? É com certeza a segunda. A primeira oferece oração muito santa, mas cujo valor, no entanto, não vem senão da devoção de quem a rezou, ao passo que a outra tem nas mãos um dom absolutamente divino. O que oferece é a carne de Cristo, são as lágrimas, a morte, os merecimentos de Cristo.
Mas, dir-nos-eis: a primeira ao menos oferece aquilo que lhe pertence; e outro tanto se não pode dizer da segunda, visto que o merecimento do santo Sacrifício é de Jesus Cristo. E nós respondemos, repetindo-vos: aquele que oferece a santa Missa dá o que é seu, visto que realmente lhe pertencem os merecimentos do Salvador. Em verdade, no altar, apropriamo-nos de tudo que Jesus Cristo mereceu pela Sua Paixão, pela efusão do Seu precioso sangue, pela Sua morte. Se não quereis acreditar nestas consoladoras palavras acreditai ao menos nas da Igreja:
«O Sacrifício incruento, diz-nos o Concílio de Trento, — é o meio pelo qual recebemos os frutos do Sacrifício cruento»
É tão realmente propriedade vossa o que dessa forma adquiris, como o que adquiris à custa dos vossos esforços pessoais e, assim, tendes o direito, durante a Missa, de oferecerdes, como vossos, os merecimentos de Jesus Cristo.
Pensai, pois, na extensão da graça que vos concede o Salvador, quando, fazendo-vos de um modo especial sacerdotes, vos confere o poder de oferecer ao Altíssimo este sublime Sacrifício, como é próprio de um padre, quer dizer não só por vós próprios, mas também pelos outros.
«O celebrante, diz Fornerio, não imola ele só a Vítima eucarística. Vós associais-vos à sua ação e todos os Cristãos se lhe associam convosco.»
É este o sentido das palavras que a Igreja põe nos lábios do seu ministro depois do Sanctus:
«Lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas e de todos os fiéis aqui presentes, pelos quais Vos oferecemos, ou que eles próprios Vos oferecem este Sacrifício de louvor, por si e por todos que lhes pertencem»
A cooperação dos assistentes consta ainda das palavras Orate Fratres que o padre pronuncia antes da Secreta:
«Rogai, Irmãos, que o meu sacrifício, que é também o vosso, seja agradável a Deus Pai Todo-Poderoso»
Este pedido fá-lo a todos os circunstantes, como se dissesse: A minha obra é vossa tanto como minha; o meu Sacrifício pertence-vos tanto como a mim; por consequência deveis ajudar-me a oferecê-lo. Depois da elevação do cálice diz:
«Por esta razão, Senhor, nós vossos servos e toda a vossa santa grei, oferecemos à vossa preclara Majestade uma Hóstia pura, uma Hóstia santa, uma Hóstia imaculada»
O padre exprime assim a parte que os fiéis têm na oblação da Missa.
Jesus um dia, durante o santo Sacrifício, disse a Santa Mechtilde:
«Dou-te o meu divino Corpo, a minha dolorosa Paixão, para que m’os possas por tua vez apresentar como pertença tua. Oferecemo-los que eu t’os restituirei; depois novamente m’os oferecerás e, de cada vez, o teu merecimento se multiplicará; pois o que o homem faz na terra será centuplicado na eternidade»
Não é só a Santa Metchilde; é a nós todos que Nosso Senhor doa os seus merecimentos.
Tomemos, portanto, para nós o conselho que acabamos de recordar, e ponhamo-lo em prática.
À Missa oferecemos a Deus a Humanidade de Cristo, quer dizer da mais nobre das criaturas, da que mais perfeita saiu e poderia sair das Suas mãos: é essa a taça preciosa. Oferecemo-la, quando, depois da Consagração, levantando os olhos ao Céu, dizemos:
Meu Deus! Ofereço-vos o vosso querido Filho imolado sobre o altar
Magnifica é já uma tal dádiva. Mas não fica por ai; na taça de ouro colocamos uma jóia cujo valor só é igual ao do Infinito: a Divindade de Cristo «habitando na sua Humanidade», segundo a expressão de São Paulo.
Este precioso dom não o temos por empréstimo; é propriedade nossa. Outrora recebemo-lo do Céu; a cada Missa volta a tornar-se nosso, como resulta das já citadas palavras, segundo as quais o sacrifício do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo pertence verdadeiramente ao padre e ao povo. Ainda uma vez, que tesouro!
«O homem, diz o Padre Sanchez, pela santa Missa, desde que saiba ouvi-la, torna-se mais rico do que pela posse de todos os bens criados»
Inútil é acrescentar que para este autor, como para todos os Doutores, ouvir Missa é oferecer ao Eterno Pai o Seu Filho muito amado.
À oferta da Santa Hóstia juntai a do precioso Sangue. Nada há mais eficaz para desarmar a cólera celeste. Revelou-o Nosso Senhor um dia a Santa Madalena de Pazzi. Desde então passou a Santa a oferecer repetidamente pelos vivos e pelos mortos, com o maior fervor, este precioso Sangue, chegando a fazê-lo cinquenta e quatro vezes por dia. Por seu lado, Jesus Cristo mostrou-lhe as almas de que, por este meio, ela tinha obtido a conversão nesta vida ou a libertação na outra.
«É muito de temer, repetiu ela muitas vezes, que a impenitência dos pecadores seja proporcional à nossa preguiça. Ah! Se nós oferecêssemos por sua intenção o Sangue de Jesus Cristo, Deus reconciliar-se-ia com eles e os preservaria das penas eternas»
Como já dissemos, a oferta do preciosíssimo Sangue pode fazer-se em qualquer ocasião e em qualquer lugar, mas em parte alguma tão frutuosamente como na Missa, pois que ai é real. Quem disser à Missa: «Senhor, pelas mãos do padre, ofereço-vos este Sangue divino», oferece realmente o preciosíssimo Sangue que o padre tem no cálice, e esta oferta é-lhe mil vezes mais vantajosa do que -se se contentasse com palavras pronunciadas fora do santo Sacrifício.
«Se um homem, — acrescentava Santa Madalena de Pazzi, — oferece o Sangue de Jesus Cristo a Deus Pai, faz-lhe uma dádiva superior a todas, dádiva tão grande, que Deus, ao recebê-la se considera devedor para com a Sua criatura»
Não exagerará, porém, a Santa? Não, pois que, à exceção do Deus infinito, nada há no Céu, nem na terra que iguale em valor este Sangue, de que uma única gota é mais preciosa que um oceano do sangue dos mártires e «de que uma única gota, também, diz Santo Tomás, bastaria para purificar o mundo de todo o pecado».
Assim, pois, ainda que Deus vos retribua concedendo-vos a remissão dos pecados ou dando-vos mesmo o bem, a sua munificência é infinitamente inferior à vossa.
Procedamos, pois, junto do altar como procederíamos junto da Cruz; recolhamos o Sangue que escorre das chagas de Jesus para o oferecer a Deus. Só Deus sabe e poderia revelar-nos quais os tesouros de graças e de perdão com que corresponderá à nossa oblação. O que podemos dizer, é que não teremos coisa alguma a invejar aos que estavam junto da Cruz, quando o Filho de Deus nela se oferecia ao Eterno Pai na primeira sexta-feira santa.
Um dia Santa Matilde rezava nove Pai-Nossos em honra dos nove coros angélicos, querendo desta forma fazer levar as suas orações a Deus pelo Seu Anjo da Guarda. Apareceu-lhe Jesus e disse-lhe:
«Encarrega-Me a Mim da tua mensagem, porque toda a oferta que Me é confiada se aumenta e nobilita entre as Minhas mãos»
Tomemos para nós este convite divino. Quando assistirmos ao Sacrifício augustíssimo, peçamos a Jesus, com todas as forças da nossa alma que o apresente por nós ao Eterno Pai.
Assistamos a ele com reverencia e temor. Não falemos, não estejamos a rir nem a olhar para quem entra e sai. Entre a Consagração e a Comunhão estejamos sempre que nos seja possível de joelhos. Muito pouca fé demonstra quem, salvo casos excepcionais, se assenta em momentos tão solenes.
Os pecados cometidos durante a Missa têm uma gravidade particular. Ofendendo os olhos do Salvador, têm o caráter de uma espécie de sacrilégio.
«Aqueles que conversam e riem à Missa — diz São João Crisóstomo — mereciam ser fulminados na Igreja»
Estas severas palavras dirigem-se de uma maneira especial, aos pais e mães que não corrigem as distrações de seus filhos. Infelizmente, muitas vezes não são os mais pequenos que mais faltam ao respeito devido a Jesus Cristo. Quantas pessoas, que pareciam pela idade, incapazes de proceder assim, entram ruidosamente na Igreja, incomodando a todos, falam, gesticulam, riem, conduzindo-se, diante do Filho de Deus, pior do que se conduziriam numa vulgar sala de visitas!
Meditemos estes ensinamentos da Igreja, mas não pensemos que com eles a nossa Mãe espiritual quer significar que podemos abster-nos de outras boas obras. O que ela quer dizer é que os fiéis não podem fazer nada mais santo que ouvir a Santa Missa, ministrar ao sacerdote, mandar celebrar este augusto Sacrifício, recitar as suas orações e oferecê-lo em união com o sacerdote.
Abramos, pois, os olhos, abramos também os ouvidos; abramos sobretudo o coração e escutemos a doutrina da nossa Mãe. Muitas ações podemos nós praticar para maior glória de Deus e dos Santos, mas não podemos oferecer-lhes nada mais agradável que o divino Sacrifício. Podemos deixar após a nossa vida terrestre muitas boas obras, mas nada podemos fazer tão salutar, tão útil, como assistir à Santa Missa. Assim como o sol excede em força e em brilho todos os planetas e presta por si só mais serviços à terra, que todos os outros astros, assim a devota audição da Missa é superior a todos os outros méritos que possamos alcançar e consegue-nos mais graças que todas as outras boas obras que façamos durante o dia. A Missa é tão superior a todas as orações e a todas as obras de penitência, como um pequeno fragmento de ouro vale mais que um grande pedaço de chumbo.
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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 57-64)