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Os Serviços Sinagogais no Cenáculo

Sumário. Origem da sinagoga. Significado do vocábulo. As sinagogas da Palestina no tempo de Cristo. O edifício das sinagogas, que tinha como modelo o Templo, originou o vestíbulo, nave e santuário do edifício das igrejas. Origem das caixas dos pobres e das pias de água benta. Por que o altar fica na extremidade leste da igreja. Por que as mulheres cobrem a cabeça dentro da igreja. Origem do púlpito. A língua do povo da Judeia no tempo de Cristo. Por que se reza a Missa em línguas mortas. Origem da lâmpada do santuário e dos assentos para o clero. A famosa sinagoga alexandrina. Os dois Messias em que os judeus acreditavam. O protótipo da grade de altar e do círio pascal. Onde os autores dos Evangelhos encontraram as genealogias de Cristo, e origem dos registros de batismo e de matrimônio. O rabi, e significado dessa denominação. Por que Cristo não começou a pregar antes dos trinta anos. Cristo chamado de rabi nos Evangelhos. Por que o sacerdote é chamado de “padre”. Origem de “Rev.”, “Revmo.” e “Excia. Revma.”. Como Cristo e seus seguidores percorreram a Judeia. Como os rabis instruíam seus seguidores. Jesus enquanto rabi. Os presbíteros ou anciãos na sinagoga. Origem do capítulo da catedral. O arquissinagogo. Origem da diocese e da paróquia. Os apóstolos da Igreja judaica antes de Cristo. Por que os apóstolos escolhiam sete diáconos. A formação de um rabi no tempo de Cristo. O ministério de porteiro na Igreja judaica. As coletas e os coletores da Igreja derivaram da sinagoga da época de Cristo. Como teve início a ordem dos exorcistas. As ordens menores prefiguradas. A música da Igreja. Como eram cantados os salmos no Templo e na sinagoga. Instrumentos musicais. Origem do coro da igreja. O canto acompanhado de música no Templo e na sinagoga. Os dois coros. Origem da música da Igreja. A arca no Templo e na sinagoga. Como Moisés escreveu os cinco primeiros livros do Antigo Testamento. O rolo da Lei. Como se dava a leitura das Escrituras no tempo de Cristo. Por que os fiéis ficam sentados enquanto se lê a Epístola na Missa. Como os hebreus liam porções da Bíblia relativas à festa. Esse costume continuou na Igreja. Os homens que faziam a leitura das Escrituras. Por que beijamos o Evangelho depois de lê-lo. Por que sete ministros servem ao bispo quando este pontifica. Detalhes da leitura da Bíblia na antiga sinagoga. Como Cristo fez a leitura na sinagoga. Por que o sacerdote estende as mãos na Missa. As orações pelos mortos no tempo de Cristo. Testemunho de acatólicos. Crença judaica no purgatório. Legações deixadas pelos judeus por orações pelo repouso de suas almas. Origem das Missas de sétimo dia, de trigésimo dia e de aniversário da morte. Orações judaicas aos Santos no Céu. Orações Kadish pelo repouso das almas dos mortos. Uma cena nas ruas de Nova York. Orações judaicas pelo repouso das almas de seus amigos mortos na Rússia. “Deus tenha misericórdia de suas almas.” A origem da Missa nupcial. Bênção da virgem, mas não da viúva, na Igreja hebreia, com as origens dos costumes matrimoniais. A Missa na era apostólica. Como os apóstolos fundaram dioceses, e nomes de alguns bispos que eles sagraram na Síria, etc.

AFIRMAM os autores que, no tempo de Cristo, os serviços sinagogais celebravam-se em 480 prédios escolares e edifícios públicos de Jerusalém (Talmude de Jerusalém, Meguilá, III, 73; EDERSHEIM, Life of Christ, I, 119,). O mais excelente desses edifícios públicos, excetuando-se o Templo, era o cenáculo sobre os sepulcros de Davi e dos reis. Ali, no shabat, na páscoa e nas demais festas hebraicas, eles se reuniam para o culto matutino, à tarde para o Minkhá (“vésperas”) e para as orações da noite. Mantêm os rabis que essas horas de oração remontam a Abraão, Isaac e Jacó, Moisés e os profetas havendo-as desdobrado nos cerimoniais do Templo e da sinagoga do tempo de Cristo.

Moisés guiou os hebreus até avistarem a Terra Prometida, mas ele próprio não entrou. Josué — ou, como era chamado em grego, Jesus — liderou-os Palestina adentro, depois da morte de Moisés. Um mistério está inscrito nisso. Pois alguém maior do que Moisés, Jesus Cristo, estava predito conduziria o mundo a penetrar os mistérios do Cânon da Última Ceia, a Missa com a Consagração, o Sacrifício Eucarístico e a Comunhão. Os serviços sinagogais levavam a Missa até o fim do Prefácio. Aí se detinha o culto celebrado pela Igreja judaica. Mas Cristo e os Apóstolos levaram a Última Ceia até o fim da Missa. A primeira parte da Missa se estriba no culto praticado no Templo judeu e na sinagoga, pouco modificado. Mas a fé cristã sobrenatural permite-nos enxergar as maravilhas celestes da Presença Real. Vejamos, pois, a sinagoga e o culto aí exercido no tempo de Cristo. Então entenderemos melhor os ritos, cerimônias e orações daquela noite histórica.

Quando os hebreus foram transportados à Babilônia, em todo lugar onde dez homens, chamados batlanim, formando um grupo chamado kehilá, vivessem, eles adoravam a Deus segundo o cerimonial do Templo arruinado, excetuando-se o sacrifício, que estava proibido fora de Jerusalém (Dt 16,5,6, etc). Assim, eles construíram edifícios voltados para a cidade sagrada, para lembrá-los da Palestina, dos esplendores do arruinado Templo de Salomão, e do Messias que estava profetizado nasceria da raça deles, e, segundo eles pensavam, a fim de fundar para eles um reino de incomparável esplendor estendendo-se sobre a terra inteira (GEIKIE, Life of Christ, I, 81, 174 a 187; II, 614).

Nesses edifícios eles adoravam ao Deus de seus pais, que tinha punido a sua raça pelos pecados de idolatria. Então começaram eles a estudar melhor seus livros sagrados, e as tradições que provinham de tempos imemoriais. Desde essa época, os judeus nunca mais caíram em idolatria, a sinagoga tendo-os conservado na fé judaica (EDERSHEIM, Life of Christ, I, 19 a 30, 433 a 456).

Uma tradição perpetuou-se e cristalizou-se no Talmude segundo a qual Moisés subiu o Sinai na quinta-feira, onde permaneceu quarenta dias e recebeu a Lei, e retornou na segunda- feira, quando os encontrou adorando o bezerro de ouro (Ex 32,19), e eles separaram as segundas e quintas-feiras em acréscimo ao shabat como dias de jejum e de oração. Disso se gloriava o fariseu: “Eu jejuo duas vezes por semana” (Lc 18,12). Nesses dias, por eles chamados de shabats, os fazendeiros entravam nas cidades para vender seus produtos, o sinédrio ou tribunal reunia-se em sessão, e serviços especiais eram celebrados nas sinagogas (Mc 1,21; 3,2; 6,2; Lc 4,16; 13,10; At 13,14; 15,21;16,13; 17,2; 18,4; etc).

Durante o cativeiro, Daniel, Ezequiel e outros profetas consolaram-nos com oráculos de Deus que prediziam que eles voltariam para a Palestina, que o Templo seria reconstruído e que viria o Messias. Vendo o seu próprio nome na profecia de Isaías, sendo informado de que eles adoravam ao mesmo Deus Todo- Poderoso que ele adorava sob o nome de Ahura Madza, e que o zoroastrianismo ensinado pelos magos sacerdotes persas era similar ao culto hebreu de adoração a Jehová, Ciro mandou que eles voltassem para reconstruir a cidade e o Templo (Is 44,26,28,45; Dn 10).

Quando, sob a liderança de Esdras, os judeus exilados retornaram, em toda cidade e aldeia da Terra Santa eles construíram um lugar de culto que chamaram em hebraico beit ha-Knesset (“casa de reunião”), em siro-caldeu bet kenishta ou bet ha-Tefilat (“casa de oração”), em grego sinagoga (“congregação”) e em hebraico assefat (“assembleia”) (S. AGOSTINHO, Enar. in Psal. LXXVI, n 11). Suas ruínas ainda se veem, espalhadas por toda a Palestina. O Capitão Wilson examinou os restos de sete sinagogas na Galileia, a maior com vinte e sete metros e meio por treze metros e meio, a menor com catorze metros e oitenta por dez metros e oitenta. Em Roma, Alexandria, Atenas, Antioquia e por todos os lugares pelos quais se espalharam os judeus a fim de dedicar-se aos comércios antes do tempo de Cristo, eles tinham sinagogas para os membros de cada ramo de negócios, profissão e corporação de trabalhadores, onde as funções litúrgicas eram em hebraico, e os sermões, na língua do povo. Ali os hebreus adoravam ao Jehová de seus pais, em meio à horrenda degradação do paganismo, esperando a vinda do Messias, que eles pensavam iria reuni-los novamente na Judeia e fazer deles os governantes da terra inteira. Assim entendiam eles as profecias referentes a Cristo e à Igreja.

Deus entregou sua revelação à humanidade por intermédio da raça judaica, Cristo era judeu e seguia todos os costumes e ritos religiosos de seu povo (S. AGOSTINHO, Enar. in Psal. XLIV, n. XII). A Igreja é a filha do judaísmo. Não encontramos cerimônia alguma da Igreja que tenha sido copiada do paganismo, como sustentam alguns escritores. Por vinte séculos a Igreja e a sinagoga caminharam lado a lado, inteiramente separadas, mas tendo muita coisa em comum. Vejamos a sinagoga, para conseguirmos entender a Última Ceia e a origem do cerimonial da Missa.

A palavra “sinagoga” se encontra uma vez no Êxodo, quatro vezes em Números, o mesmo tanto nos Salmos, uma vez nos Provérbios, seis vezes no Eclesiástico na Bíblia Vulgata latina. Poucos autores tratam da sinagoga de maneira exaustiva; talvez o preconceito tenha sido um obstáculo ou o judeu perseguido se recusasse a dar informações. Oitenta vezes a palavra se acha na Bíblia como reunião ou congregação. Ao verem o rosto de Moisés “cornudo”, eles voltaram, tanto Aarão como os dirigentes da assembleia (Ex 34,31) — a palavra traduzida aqui como “assembleia” é “sinagoga”. Noutros lugares, entretanto, a palavra “sinagoga” se conserva nas traduções da Bíblia.

Comecemos pelo vocábulo. Sinagoga é o equivalente grego do vocábulo hebraico moed (“lugar de encontro marcado”). Posteriormente foi chamada de beit Knesset (“casa de reunião”). Autores clássicos como Tucídides (2, 18) e Platão usaram a palavra “sinagoga” (Repub. 526). A Bíblia Septuaginta traduz vinte e uma palavras hebraicas com o termo “sinagoga”, implicando em reunião. Emprega-se 130 vezes para um encontro marcado, vinte e cinco vezes para uma reunião (“re-união” ou “convocação”), e “Igreja” e “assembleia” (ou “congregação”) aparecem no mesmo versículo (Pv 5, 14. Ver S. AGOSTINHO, Ques. in Evang., L. II, VIII; Enar. in Psalm. LXXXIV; in Psalm. LXXIII, 1; Enar. in Psalm. LXXX, 11; Enar. in Psalm. LXXXII, 1).

No Novo Testamento, a palavra é aplicada frequentemente ao tribunal onde tomavam assento os juízes (Mt 10,17), ou à corte (Mt 23,34; Mc 13,9;Lc 12, 11; 22,11). Mas enquanto casa de culto ela era chamada de beit ha-Knesset (“casa de reunião”). Durante os dias da semana, o edifício era usado como edifício escolar para as crianças, e era chamado de beit ha-Midrash (“casa de estudo”).

O Novo Testamento cita a palavra vinte e quatro vezes, frequentemente designando os lugares de reunião dos convertidos apostólicos. Santo Inácio de Antioquia usa a palavra para designar a Igreja (Epist. ad Trall. c. 5), assim como faz Clemente de Alexandria (Stroma, VI, 633). Mais tarde, quando a divisão entre judeus e cristãos ficou mais saliente, os últimos passaram a usar exclusivamente a palavra “Igreja”.

Os autores judeus reclamam grande antiguidade para a sinagoga, sustentando que todo lugar onde os hebreus “apareciam diante do Senhor”, ou “rezavam juntos”, era uma sinagoga. O Targum de Ônquelos, e o de Jônatan, julgam encontrá-la em Jacó habitando em tendas (Gn 25,27) e na convocação de reuniões ou ajuntamentos (Jz 5,9; Is 1,13, etc). Onde é que rendiam culto os hebreus que viviam em lugares distantes do Templo, a muitos quilômetros da cidade sagrada? Onde observavam as festas, jejuns e luas novas, quando não podiam subir até Jerusalém? Dizem os autores judeus que nas sinagogas, construídas em todas cidades em tempos remotos, muito antes do cativeiro babilónico (MIGNE, Cursus Comp. S. Scripture, III, 1233, etc.).

Quando, além dos sacerdotes do Templo e dos levitas, os profetas se ergueram para instruir o povo e prenunciar o Messias, eles estabeleceram escolas de profetas para cantar os louvores de Deus. Em diversas partes da Palestina havia casas purificadas, ou sinagogas, onde os filactérios ou terafim, chamados “frontais”, eram quase adorados. Os anciãos de Israel, sentados diante de Ezequiel (Ez 8,1; 14,1; 20,1; 33,31) para saber do profeta os oráculos de Deus, mostram que a sinagoga foi revivida durante o Exílio. O grande Vidente disse-lhes que Deus estava na Babilônia assim como na Judeia, e que Ele os reuniria — de volta outra vez para a Palestina (Ez 11,14ss).

Toda a história do tempo de Esdras supõe sinagogas, senão existentes antes, ao menos do tempo dele, e muitos escritores citam-no como o seu fundador (1Es 8,15; 2 Es 8,2; 9,1; Zc 7,5). Naquela época, a sinagoga foi ou instituída ou revivida. As palavras de São Tiago Apóstolo: “Porque desde os tempos antigos Moisés tem em cada cidade os que o pregam nas sinagogas, onde ele é lido todo shabat’ (At 15,21), parecem datar a sinagoga a partir de Moisés. Mas os Macabeus mencionam somente Masfa como lugar de oração (1Mac 3,46), talvez porque Jerusalém estivesse então em ruínas.

Os autores judeus dizem que a sinagoga do tempo de Cristo existia desde os dias de Moisés, desenvolveu-se durante o cativeiro babilónico, foi fomentada por Esdras, desenvolveu-se ulteriormente sob a égide do sumo sacerdote João Hircano, e que, nos dias de Cristo, toda cidadezinha e aldeia na Judeia onde vivessem 120 famílias tinha uma sinagoga, e que a área rural circundante estava dividida em distritos, cada qual tendo sua própria sinagoga. Os apóstolos copiaram a Igreja judaica e dividiram os distritos em dioceses, pondo à testa de cada uma um bispo, com seus doze sacerdotes ou presbíteros.

Durante o cativeiro babilónico, a sinagoga exerceu profunda influência sobre os hebreus, uniu-os para combater sob a liderança dos Macabeus, adestrou-os na fé de Israel e estabeleceu escolas para as crianças, para que elas jamais abandonassem depois o judaísmo. Quando os sacrifícios cruentos foram restabelecidos no Templo reconstruído, os serviços sinagogais, com sua profunda devoção, culto edificante e a majestosa liturgia do Templo, uniam o povo, atraíam conversos do paganismo e satisfaziam os anseios do coração humano por religião pura.

Os profetas haviam cessado de ensinar, e paralelamente aos ministros do Templo despontava uma outra ordem de mestres religiosos: o escriba e o rabi, não necessariamente nascidos da tribo de Levi e da casa de Aarão. Floresciam as escolas e colégios onde esses homens eram instruídos, depois do que, eram ordenados com imposição de mãos. A sinagoga e o rabino chegaram até nossos dias substancialmente os mesmos que no tempo de Cristo.

Enquanto que a planta do tabernáculo e do Templo veio do céu, nenhum tamanho fixo foi estipulado para o edifício da sinagoga; este variava de acordo com o tamanho e as posses da assembleia. Mas o edifício ficava sempre numa parte proeminente da cidade, sobre um monte próximo, ou então se elevava um alto poste do seu telhado, para indicar o lugar aos passantes. O edifício era erigido mediante a cobrança de impostos do povo do distrito circundante, por contribuições espontâneas dos judeus ricos (Lc 7,5) ou por algum convertido amigável. Geralmente ficava ao lado do sepulcro de um rabi célebre ou de algum judeu de destaque.

Assim que concluído, sua dedicação era celebrada com grande cerimônia, como o Templo de Salomão — para sempre consagrado a Deus; assim como nossas igrejas consagradas, não podia ser usado para outros fins, e os atos comuns da vida, tais como comer, beber, dormir, etc., estavam proibidos ali. Havia apenas uma exceção a esta regra. A páscoa hebraica sendo um banquete religioso, podia-se celebrá-lo na sinagoga, e geralmente se fazia isso. Ninguém podia atravessá-la como atalho; caso deixasse de ser sinagoga, não podia ser dedicada a nenhum outro uso, como casa de banhos, lavanderia, curtume, etc. À frente da porta ficava uma espécie de capacho, no qual eles limpavam os pés; ali deixavam eles suas sandálias ou sapatos, mas usavam seus turbantes dentro do edifício o tempo inteiro (Talmude babilônico, Meguilá, Cap. IV, Guemará, p. 77).

O edifício da sinagoga era construído tendo como modelo o Templo. Entrando neste último, primeiro se topava com o chol (“o profano”), o lugar onde os pagãos podiam cultuar, para além do qual estavam proibidos de passar, sob pena de morte. O chol represen¬tava os gentios sem fé. Circundava todo o edifício. O lugar seguinte chamava-se chel (“o sagrado”). Em seguida vinha o átrio das mulheres, para além do qual mulher nenhuma podia penetrar, para lembrá-las do pecado de Eva. Adentrando mais, ficava o átrio de Israel, onde os homens adoravam. Era separado do átrio dos sacerdotes por um parapeito baixo de mármore, para além do qual ficava o átrio dos sacerdotes, em cujo meio se erguia o grande altar dos holocaustos. A oeste ficava o Santo. Dentro da “casa de ouro” ficava o Santo dos Santos. Cada um desses espaços e átrios era mais alto do que os espaços exteriores que descrevemos, e a eles se chegava por magníficas escadarias de pedra.

As divisões da sinagoga eram três: o vestíbulo, a nave e o santuário. Os edifícios das igrejas, tendo sido copiados da sinagoga, têm sempre essas três divisões: o vestíbulo representa os infiéis; a nave, os cristãos; e o santuário, o céu, copiado do Santo do Templo ou do santuário do cenáculo. Vejamos a sinagoga particularizada- mente.
No vestíbulo da sinagoga havia caixas para pôr dinheiro, como os cofres do Templo — estes últimos sendo chamados de corban. Numa delas, eles punham dinheiro para as despesas da sinagoga; noutra, ofertas para os pobres da assembleia; noutra, esmolas para os pobres de Jerusalém; e noutra, doações para as obras de caridade locais, das quais escreve São Paulo (1Cor 16, etc). Surgiu daí o costume de haver caixas dos pobres nas nossas igrejas. Nas paredes eram afixados os avisos de festas, de jejuns, os nomes dos que estavam sob caret (“expulsos”, excomungados) e os nomes dos defuntos para os quais seus amigos pediam orações. Ali por perto havia uma caixa na qual eram guardados os instrumentos musicais usados pelo coro.

No batente direito da porta ficava dependurada uma caixinha, a mezuzá, contendo um pergaminho com uma oração escrita, que eles recitavam ao entrar. Recordava-os do sangue do cordeiro pascal sobre os umbrais das portas, quando seus pais deixaram o Egito. À esquerda da escadaria que sobe até o Santo do Templo, havia um grande “mar” de bronze, no qual os sacerdotes se banhavam antes de entrar em função (EDERSHEIM, Life of Christ, I, 273, etc). Este reservatório e aquela caixinha deram origem às pias de água benta junto à entrada de nossas igrejas, e ao costume de benzer-se com água benta e rezar ao entrar, para recordar aos cristãos o batismo, através do qual entram na Igreja.

A nave da sinagoga tem galerias em três lados, o lado defronte à porta sendo ocupado pelo santuário. Uma sinagoga do presente é tão parecida com uma igreja católica que quase nenhuma mudança, exceto pôr um altar dentro dela, seria necessária para transformá-la numa igreja. Assim, os edifícios das sinagogas e das igrejas não mudaram durante vinte séculos.

No tempo de Cristo, nem todas as sinagogas tinham essas galerias, a nave dividia-se em divisões iguais, os homens ocupando a parte à tua direita, e as mulheres a outra, com uma partição de cerca de um metro e meio de altura correndo pelo meio. Uma separação dos sexos ainda mais estrita vigora hoje entre os judeus orientais e ortodoxos, as galerias sendo separadas por treliças. Os orientais consideravam as mulheres mais profundamente maculadas pelo pecado de Eva — isso prepondera especialmente entre os muçulmanos. O judeu de nossos dias reza: “Ó Senhor, te dou graças por não me teres feito mulher”, e a mulher diz: “Ó Senhor, te dou graças por me teres feito como eu sou” (Livro de Orações judaico).

Eles arquitetavam a sinagoga de maneira que o santuário ficasse voltado para Jerusalém; e, nesta última cidade, o santuário ficava voltado para o Templo, direção esta chamada em hebraico kedem (“à frente”, “adiante”). O santuário do cenáculo ficava voltado para o oriente, vindo daí o antigo costume de direcionar o santuário de nossas igrejas para o oriente.

No tempo de Cristo o santuário era chamado pelos judeus helenistas de Bimá, ao passo que os judeus romanos chamavam-no de rostro (“plataforma”) (Na Liturgia de São Crisóstomo o santuário é chamado de Bimá), tal como os palcos dos teatros e as tribunas dos edifícios públicos. Unicamente os homens podiam ocupar o santuário durante os serviços divinos; e as mulheres não tinham permissão de participar do culto público jamais (MIGNE, Cursus Comp. S. Scripture, III, 1432, etc). Daí São Paulo dizer: “As mulheres estejam caladas nas igrejas… Porque é vergonhoso para uma mulher o falar na igreja” (1Cor 14,34). Como sinal de sujeição, elas sempre tinham a cabeça coberta ao rezar. “É decente que uma mulher faça oração a Deus sem estar coberta?”, diz São Paulo (1Cor 11,13); daí que as mulheres até o presente nunca descubram a cabeça durante os serviços na igreja ou na sinagoga.

À tua direita, mas no interior do santuário, havia um rostro ou púlpito chamado darshan, do qual o pregador proferia o midrash (“sermão”), sobre a parte da Lei ou dos Profetas que havia sido lida. Veio daí o costume de pregar sobre a Epístola ou o Evangelho, e o púlpito de nossas igrejas. À medida que os homens liam as lições da Bíblia, um deles, chamado meturgeman (EDERSHEIM, Life of Christ, I, 10, 11, 436, 444, 445), ficava de pé ao lado e ia traduzindo as palavras na língua do povo, que no tempo de Cristo não entendia hebraico antigo.

Antes do cativeiro da Babilônia, o povo da Palestina falava o puro hebraico chamado lashon hakodesh (“língua sagrada”) ou lashon hakamim (“língua dos sábios”). Durante os setenta anos de exílio, porém, o hebraico foi por eles mesclado com palavras babilónicas, e, quando retornaram, o povinho simples falava o siro-caldeu, que alguns autores chamam de língua aramaica (MIGNE, Cursus Comp., II, 1346; EDERSHEIM, Life of Christ, I, 10, 130). Depois da conquista grega, muitos vocábulos gregos foram adotados. Quando vieram os romanos, introduziram grande número de termos em latim, de sorte que, no tempo de Cristo, predominava uma mistura de línguas, especialmente na Galileia, que quer dizer “o círculo dos gentios” — de gelil (“círculo”) e hagoím (“gentios”). Essa parte da Palestina era tão rica que era chamada “o úbere da terra”, e as muitas famílias gentílicas, que se haviam instalado ali, romperam o isolamento do judeu. Daí Cristo ter convertido muitos galileus e escolhido os seus apóstolos dentre eles, sendo Judas, sobrinho de Caifás, o único judeu estrito entre eles (EDERSHEIM, Sketches, 40).

Os sermões desses antigos pregadores chegaram até nós sob o nome de targuns e de midrashes. Mas eles não fizeram mudança alguma no hebraico antigo de Moisés e do Templo, e os serviços sinagogais continuam até o presente em puro hebraico, que apenas os judeus doutos hoje entendem. As pessoas que veem defeito em rezar-se a Missa em latim, em grego e em línguas que o povo não entende, não se dão conta de que Cristo frequentou o culto nas sinagogas, onde as funções eram em língua morta (MIGNE, Cursus Comp. S. Scripturee, I, 529 a 600, etc).

No interior do santuário, diante da arca que continha os rolos santos, ficava pendurada uma lâmpada perpétua, alimentada com óleo de oliva, recordando-os da Shekiná, “uma nuvem durante o dia e um fogo durante a noite”, no tabernáculo e no primeiro Templo. Essa lâmpada hoje se vê na nossa lâmpada do santuário diante do Santíssimo Sacramento. Ao longo dos dois lados do santuário, havia cadeiras para os ministros que celebravam os serviços para o knesset (“a assembleia”). Essas cadeiras são vistas nas cadeiras e bancos no coro de nossas igrejas. Nas sinagogas abastadas, esses assentos eram finissimamente esculpidos e ornamentados, tal como os assentos no coro das catedrais e das grandes igrejas da Europa. Citemos o seguinte, do Talmude babilónico:

“Quem não viu o diplostoa (‘pórtico duplo’) de Alexandria, no Egito, não viu a glória de Israel. Dizia-se que era uma grande basílica (‘palácio com colunatas’), e o palácio podia abrigar o dobro dos homens que saíram do Egito. Havia setenta e uma cátedras (‘cadeiras de braço com escabelo’), para os setenta e um sábios do grande sanedrim, e cada cátedra era feita de não menos que vinte e uma miríades de talentos de ouro. E havia um Bimá de madeira no meio do palácio, onde ficava o hazan ou sacristão da assembleia, em pé com uma bandeira nas mãos, e quando chegava o momento, na oração, de responder ‘Amém’, ele erguia a bandeira, e o povo todo dizia: ‘Amém’. E eles não tomavam assento promiscuamente, mas separadamente. As cadeiras de ouro eram separadas, e as cadeiras de prata eram separadas, os ferreiros sentavam-se à parte, os carpinteiros à parte, e todos os diversos ofícios tinham assento separadamente, e quando um pobre entrava, reconhecia quem eram seus colegas de ofício e ia até eles, e assim conseguia trabalho para o sustento de si próprio e de sua família (Talmude babilônico, tratado Suká, c. V). O relato diz que Alexandre da Macedônia matou todos eles, por violarem o mandamento (Dt 17,16) que proibia os israelitas de voltar para o Egito.

 

“O átrio das mulheres antes não tinha balcão, mas eles cercaram-no com um balcão e ordenaram que as mulheres deviam sentar-se em cima, os homens embaixo. Antes as mulheres tinham assento nos aposentos internos e os homens nos externos, mas desse modo se originava muita leviandade, e ordenou-se que os homens tivessem assento interiormente e as mulheres externamente. Mas ainda assim leviandades se produziram, por isso foi ordenado que as mulheres se sentassem acima e os homens embaixo” (Talmude babilônico, Suká, 78. Ver EDERSHEIM, Life of Christ, I, 58 a 64)

O relato trata então dos dois messias que eles achavam que os profetas tinham predito, um que havia de nascer da tribo de José, e que seria o Messias sofredor, citando-se aí as profecias dos seus padecimentos e morte referentes ao Cristo, e o outro o Messias glorioso, nascido da família de Davi, que devia vir triunfalmente e consolidar seu reinado sobre a terra toda, concluindo-se com estas palavras: ‘E o Senhor me mostrou quatro carpinteiros’ (Zc 1,20). “Quem são os quatro carpinteiros? O Messias filho de Davi, e o Messias filho de José, Elias e o Sacerdote Sedec” (Suká, 79 a 82).

A palavra “carpinteiros” no original hebraico na versão de Douay está “ferreiros”, mas na versão King James está “carpinteiros”. Destarte foi transmitido, nessas tradições judaicas, que o Messias havia de ser carpinteiro. Os Evangelhos e os escritos daquele tempo nos informam de que Cristo trabalhou como carpinteiro antes de dar início à sua vida pública.

Uma grade, copiada das lâmpadas de ouro que formavam uma balaustrada entre o átrio dos sacerdotes e o Santo do Templo, separava o santuário da sinagoga da nave, ocupada pelo povo. Foi essa a origem da grade de altar em nossas igrejas.

À tua direita no interior do santuário havia um grande candelabro de sete lâmpadas, que teve como modelo aquele famoso de ouro que havia no Templo, chamado tsemath (“rama”). Lembrava- os do “ramo” ou “rebento” da família de Davi: o Messias (“o Ungido”, “o Cristo”), predito a vir repleto dos sete dons do Espírito Santo (Is 2,1,2,3; Zc 3,8,9; 6,12) e a encher o mundo de verdades celestes, de raios refulgentes, os ensinamentos do seu Evangelho. Eles pensavam que ele devia fundar um reino sem rival, cobrindo a terra inteira. Os escribas, os fariseus e os rabis julgavam que somente os judeus seriam governantes nesse reino.

Desde os dias de Moisés, eles conservavam no Templo as yachas (“genealogias”), os registros de nascimentos e de matrimônios da família de Aarão, que eles consultavam ao elegerem o sumo sacerdote e o clero subalterno (EDERSHEIM, Life of Christ, I, 9; GEIKIE, Life of Christ, I, 51). Nessa mesma linha, em toda sinagoga eles mantinham registros meticulosos dos nascimentos, matrimônios, mortes e confirmações dos meninos. O tribunal ou sinédrio local, encontrado por toda parte onde vivessem 120 famílias, conservava esses registros. São Mateus e São Lucas puderam então encontrar nas sinagogas de Belém e de Nazaré a genealogia de Cristo, conservada nos seus Evangelhos. Daí provêm, nas igrejas paroquiais, os registros dos nascimentos, mortes, confirmações, funerais, etc.

O professor da sinagoga, o darshan, era chamado de rabi, raban ou raboni. A palavra rab na língua babilónica significa “senhor” ou “mestre”. Assim, Nabuzardan é chamado rab tabachim (“mestre do exército”) (4 Rs 25,8). Assuero pôs um rab ou “mestre” para presidir a cada mesa, no seu grande festim (Est 1,3). Asfenez era rab (Dn 1,3) dos eunucos. Um rab dos saganim (“sátrapa”) era governante de cada província, e um rab dos chartunim era “chefe dos que interpretavam sonhos” (Dn 1,2). O primeiro a ser chamado rabi foi o filho daquele Hilel que ficou tão famoso como fundador da beit Hilel (“escola de Hilel”). Esse filho foi, segundo alguns, aquele santo Simeão que segurou nas mãos o Menino Jesus quando apresentado no Templo. O título de rabi não foi amplamente utilizado antes de Herodes Magno (Geikie, Life of Christ, I, 6, 26, 77, 169, 170, 215 a 248, etc.).

O diretor de uma escola ou de um colégio era um hakham (“sábio” ou “doutor”). Quando ficava famoso como professor, era um cabar rabin (“companheiro dos mestres”), que dirimia disputas acerca da Lei (Migne, Cursus Comp. S. Scripturee, III, 1189), casava as pessoas, outorgava divórcios, dava aulas, presidia às grandes sinagogas, punia os maus e podia excomungar (GEIKIE, Life of Christ, II, p. 178. Ver EDERSHEIM, Life of Christ, I, 11).

Esses doutos rabis viajavam pelo país pregando, e reunindo discípulos em número de doze, dado que o sumo sacerdote era servido por doze sacerdotes em seu ministério no Templo, em memória dos doze filhos de Jacó, os pais das doze tribos de Israel. Esse costume Cristo seguiu, quando viajou pela Judeia com seus doze apóstolos.

João Batista, desde o dia em que foi confirmado, aos doze anos, até completar trinta anos de idade, viveu no deserto. Então, seguindo os costumes dos rabis, ele reuniu discípulos em torno de si — muitos deles seguiram Cristo depois que João o apontou como o “Cordeiro de Deus” que ia tirar os pecados do mundo (Jo 1,29).

Além dos doze seguidores imediatos, esses rabis tinham setenta e dois seguidores, imagens dos netos de Noé, os pais e fundadores das nações (Gn 10; Edersheim, Life of Christ, II, 135 a 142). Muitas vezes, ricas senhoras seguiam esses rabis para aprender a Lei e para servir a eles (Lc 23,27). Grupos de judeus, cada qual liderado por um rabi, costumavam subir a Jerusalém para a festa da páscoa, assim grandes multidões seguiram Jesus ao Templo no Domingo de Ramos.

Cristo era conhecido pelos nomes aplicados a esses rabis. O texto grego dos Evangelhos mostra-nos do que é que o chamavam. Ele chama-se pelas designações:

didaskalos (“professor”): Mt 10, 24; 26, 18;

kathegetes (“líder”, “guia”, no sentido de rabi): Mt 23, 8-10;

grammateus (“escriba”, “douto”, “jurista”): Mt 13, 52.

Ele é chamado de:

didaskalos (“mestre ensinante”): Mt 8, 19; 9, 11; 12, 38; 17, 23; 22, 24;

rabi (“grande homem”, “professor”): Mt 26, 25-49; Mc 14, 45; IX, 4; XI, 21; João I, 38-49; III, 2, 26; IV, 31; VI, 25-92;

raboni (“meu rabi”, “meu senhor”): Marcos X, 51; João XX, 16.

Rabi, “meu mestre”, ou “meu senhor”, atribuiu-se pela primeira vez aos professores de religião no tempo de Herodes Magno (Palestine in the Time of Christ, 305), quando os rabis tiveram as ideias mais extravagantes acerca de sua própria importância (Geikie, Life of Christ, I, 69-70; ii, 19, 20, 161; ii, 585, etc.; Migne, Cursus Comp. S. Scripture, III, 1189).

No seu Evangelho São Lucas emprega o grego didaskalos como equivalente de rab ou rabi (“meu senhor”), aplicado muitas vezes a Cristo. A ordem mais baixa dos rabis era o rab, depois vinha o rabi, e o mais alto era o raboni, títulos que se perpetuaram na Igreja como Rev., Revmo. e Excia. Revma., aplicados aos dirigentes espirituais. Em inglês é “milorde”; em francês, “monsenhor”; em italiano, “monsignore”, etc., títulos estes aplicados na Europa aos bispos. É o equivalente do título com que designavam Cristo naquele tempo, em que não era respeitoso chamar um professor pelo nome próprio (Nork, 192).

Os fariseus, os escribas e os rabis gostavam de ser chamados de “pai”, tal como os sacerdotes são hoje chamados “padre”. Mas a tal ponto eles tinham exagerado sua própria importância, que Cristo mandou seus apóstolos chamarem a “Deus seu Pai no céu, e Cristo seu Pai na terra” (Mt 23,9,10). O costume de chamar de “Padre” a um sacerdote ou bispo vem desse título que Nosso Senhor aplicou a si mesmo.

Ninguém daria ouvidos a um rabi antes de ele ser ordenado com a imposição de mãos dos rabis quando fizesse trinta anos de idade. Se começasse a pregar antes desse tempo, todos caçoariam dele. É por essa razão que Jesus viveu ocultamente, trabalhando como carpinteiro em Nazaré depois da morte de José, sustentando sua Mãe viúva, até ele completar trinta anos. Então ele chamou membros do grupo de João Batista e pescadores da Galileia para serem seus seguidores, selecionando dentre estes os seus doze apóstolos. Por mais de três anos eles percorreram a Judeia, tal como muitos grupos liderados pelos rabis daquele tempo.

Nos declives e nos vales, nas ruas das aldeias, onde quer que a noite os surpreendesse, eles faziam as orações do Templo e da sinagoga, depois das quais estendiam as duas cobertas e a palha que cada um trazia num cesto e, tendo uma pedra como travesseiro, assim como Jacó (Gn 28,18), eles adormeciam ao lado da sagrada forma de Jesus Cristo.

Por que o Senhor passou sua vida pública vagando de lugar em lugar? Ele queria treinar seus apóstolos como soldados, acostumá-los às fadigas, exercitá-los mediante um severo noviciado, endurecer seus músculos, fortalecer a vontade deles, a fim de que estivessem preparados mais tarde para viajar pelas nações enquanto pregavam o Evangelho dele, e para capacitá-los a suportar todos os tipos de provações e fadigas, mesmo o martírio destinado a todos eles, exceto São João (21,22).

A Judeia era então densamente povoada, e os rabis, com seus grupos, costumavam atravessar os campos e as cidades, sendo seguidos por multidões de gente. Quando entravam numa cidade, toda a população comparecia. Nos distritos rurais, o rabi muitas vezes se sentava num alto rochedo, ou no topo de uma colina ou monte, tal como fez Cristo quando proferiu o Sermão da Montanha. O rabi punha seus estudantes mais avançados a seus pés, cercando-o como os apóstolos ao redor de Cristo; os ouvintes menos avançados abaixo dos primeiros, como os setenta e dois discípulos abaixo dos apóstolos; e o povo mais embaixo, sentado em esteiras ou no chão.

As crianças honravam enormemente ao rabi professor da beit ha-Midrash (“escola”). Ele sussurrava as palavras dele, que um estudante avançado repetia de forma que todos os alunos conseguissem escutar (GEIKIE, Life of Christ, i, 231 a 235). Os judeus daquele tempo diziam a seus filhos: “Esfregai-vos na poeira dos pés de vossos mestres.” As crianças costumavam lavar os pés de seus professores como sinal de amor e veneração. Para mostrar-lhes o amor que lhes tinha, Cristo inverteu o costume quando lavou os pés dos apóstolos, na Última Ceia.

Declaram os judeus que há treze classes de rabis (mestres): Moisés, Josué, Eleazar, os setenta homens que Moisés escolheu para ajudá-lo a governar, os Juízes, os membros do sinédrio daquela época, os profetas, os vinte e seis grandes mestres depois do cativeiro babilónico, os tanaítas mencionados na Mishná talmúdica, os amoraítas que comentaram a Mishná, os giours (“doutores excelentes”), os saboreus (“questionadores”) e, por último, os gaonitas, mestres do nosso tempo.

Os rabis chamados maguidim percorriam o interior campestre ensinando nas sinagogas, cada um seguido pelo seu grupo de discípulos. “Jesus percorria toda a Galileia ensinando nas sinagogas deles, e pregando o evangelho do reino, e curando todas as doenças e enfermidades que havia entre o povo” (Mt 9,35).

“E, tendo partido dali, ele chegou à sinagoga” (Mt 12,9). “E, chegando à sua terra, ele ensinou-lhes nas suas sinagogas” (Mt 13,54). “E em dia de shabat, entrando na sinagoga, ele lhes ensinava” (Mc 1,21). Mais oito textos dos Evangelhos dizem que ele entrou nas sinagogas, ensinou e fez milagres diante dos judeus ali congregados. O sermão dele referente a comer seu Corpo e beber seu Sangue foi pregado numa sinagoga de Cafarnaum (Jo 6,60), “cidade do profeta Naum”, palavra esta que significa “o confortador”.

Um rabi presidia a uma pequena sinagoga. Já as assembleias grandes e prósperas eram dirigidas por um colégio de doze rabis (Geikie, Life of Christ, ii, 595), chamados em hebraico parnasim e em grego presbyteri: “homens amadurecidos”. Os presbíteros, mencionados pela primeira vez em Esdras (6, 8), se encontram vinte e quatro vezes na Bíblia, traduzidos como “os anciãos” na King James Bible e como “os antigos” na versão de Douay. Ao dirigente ou presidente desse senado, os gregos chamavam archisynagogos (“dirigente da sinagoga”). Ele governava a assembleia, cuidava do edifício e da propriedade, e podia punir os membros rebeldes com a pena de caret (“expulsão”, “excomunhão”). Esse senado era uma imagem do sumo sacerdote junto com seus doze sacerdotes, que exerciam o cerimonial do Templo.

Cristo atuou como rabi durante a sua vida pública, doze vezes esse nome é aplicado a ele no Evangelho, e ao escolher os seus doze apóstolos ele seguiu a praxe do Templo e da sinagoga. Os apóstolos fundaram dioceses (“residência” ou “administração”) no meio das nações, assim como a Judeia estava dividida em distritos, tendo cada um uma sinagoga com aqueles doze dirigentes à sua testa. Em toda cidade eles ordenavam doze sacerdotes, chamados presbíteros, e como seu superior eles punham um bispo (“superintendente”), para governar a igreja junto do seu senado de doze sacerdotes, semelhantemente à constituição da Igreja judaica. Na Igreja primitiva só encontramos a diocese. A paróquia teve origem e incremento em Roma, quando a cidade foi dividida em distritos, nos dias de Pedro. Alexandria logo seguiu o exemplo, as outras cidades copiaram, mas paróquias rurais, cada uma das quais tendo à sua testa um sacerdote como pastor, só foram fundadas no século XII.

Na época de Cristo, o arquissinagogo era sempre um rabi ordenado, assim como o eram os membros do senado, ou parnasim. Mais tarde, porém, o cargo pôde ser ocupado por um leigo, e hoje ele é chamado de “presidente da assembleia”, ou rosh ha-Knesset (“dirigente da casa de reuniões”). Ele convocava os membros a reunir-se, presidia a todas as reuniões, tomava assento no Bimá durante os serviços de culto, convidava os pregadores, chamava os sete homens a subir para lerem a Lei, e cuidava dos negócios. O rabi tinha pouca voz nas finanças, mas zelava pelas doutrinas do judaísmo (Mc 5,22,35,36,38; Lc 8,41;13,14; At 18,8-17; EDERSHEIM, L. C., I, 63).

Um importante oficial da sinagoga era o sheliash, em hebraico, ou apostolos, em grego, que significa “ser enviado”. Os apóstolos transportavam as coletas, recolhidas na Babilônia e nas colônias judaicas do Império Romano, até Jerusalém, para sustento do Templo, com os meio-siclos que todo judeu estava obrigado a entregar todo ano, para custear as despesas da religião — o Templo e seus sacrifícios (Migne, Cursus Comp. S. Scripture, II, 1328).

Os sacerdotes do Templo também enviavam todo ano apóstolos de Jerusalém às diversas sinagogas do mundo, para levar saudações de seus irmãos na Judeia e para garantir que o culto sinagogal se observasse corretamente nessas terras distantes (MIGNE, Cursus Comp. S. Scripture, III, 828, 829). Quando, por conseguinte, os seguidores de Cristo saíram de Jerusalém para ir às nações, no intento de pregar o Evangelho aos pagãos, foram chamados de apóstolos, nome e missão que eram já bem conhecidos no judaísmo, muito antes de Cristo.

Toda sinagoga tinha um comitê de sete “homens a postos”, que costumavam jejuar às vezes quatro vezes por semana, de segunda a quinta-feira inclusive. No shabat, os “homens a postos” liam as seções da Bíblia que começam por: “No princípio Deus criou”, etc. (Gn 1,1-5); na segunda-feira, liam: “Faça-se o firmamento”, etc.; na terça: “As águas, etc.” (Gn 1,6); na quarta-feira: “Sejam feitos luzeiros”, etc. (Gn 1,14); na quinta: “Produza a terra, etc.” (Gn 1,24); e na sexta-feira: “Assim foram acabados”, etc. (Gn 2,1-4).

“A seção longa era lida por duas pessoas, e a breve por uma, o que se fazia entretanto durante a manhã e durante as preces adicionais, mas à tarde eles entravam na sinagoga e recitavam as seções de cor, tal como se recita o Shemá. Na sexta-feira eles não iam à sinagoga em absoluto, em honra do shabat” (Talmude, Ta’anit, cap. IV, 79-81, 62, 63, etc).

Esses homens eram convocados a subir ao interior do Bimá, ou santuário da sinagoga, para ler as seções da Escritura. Chama- se isso a leitura dos rolos da Lei. Nas sinagogas de nossos dias, na páscoa e solenidades deles, se leem cinco lições; na véspera do banquete pascal e shabat, sete lições da Lei e uma dos Profetas. O rabi e o hazan leem também cada qual uma seção, totalizando nove lições. Foi esta a origem das nove lições de Matinas. As lições da Semana Santa, assim como as dos judeus, não têm o “Ordena… O Senhor abençoe”, etc., como as lições dos ofícios comuns (Talmude babilónico, Cap. iv, para as regulamentações relativas aos “homens a postos”. O Talmude babilónico, no tratado Meguilá (“Livro de Ester”), traz regras minuciosas atinentes às cerimónias de leitura dos Livros sacros).

Os sete homens que liam a Lei eram os principais membros da assembleia, e por vezes eles cuidavam das viúvas, dos órfãos e dos pobres. Quando os apóstolos selecionaram e ordenaram os sete diáconos, eles seguiram o antigo costume da sinagoga (At 6). O leitor era chamado de maftir (Migne, Cursus Comp. S. Scripturee, III, 967) e era posto na mesma classe de Moisés, dos patriarcas e dos profetas.

Os sacerdotes do Templo e os levitas eram homens nascidos da família de Aarão e de Levi, mas qualquer homem podia se tornar um rabi. Por isso, Cristo escolheu seus apóstolos e discípulos não entre os sacerdotes do Templo, mas entre os galileus, sem fazer violência ao costume. O rabi quando menino frequentava a escola de seu torrão, e subia a Jerusalém para completar seus estudos. Os pré-requisitos e os talentos eram os mesmos que São Paulo determina para a seleção de um bispo (1Tm 3,1-7; Tt 1,6-9). Antes de o ordenarem, ele tinha de ser douto, atuante, pai de família, apto a ensinar, bom cantor e não envolvido com negócios. Ainda se exigem essas coisas dos rabinos de nossos dias.

O personagem seguinte era o shazan (Geikie, Life of Christ, I, 178), chamado hoje pelos judeus de hazan (“ministro”), em grego diakonos (“operário”), em hebraico shemash. Essa palavra é mencionada no relato de Cristo na sinagoga: “E, depois de fechar o livro, ele restituiu-o ao ministro” (Lc 4,20) — o hazan. Desempenhava este, assim, os encargos dos nossos diácono e subdiácono, quando servia ao rabi (Edersheim, Life of Christ, I, 231, 438, 443). As mesmas regras eram observadas na escolha dele que na do rabi. Ele abria as portas da sinagoga, preparava as coisas para o serviço, atuava frequentemente como professor escolar, cantava os serviços e respondia ao rabi durante o culto divino. Os bons cantores e hazans atuantes, no presente, recebem salários polpudos, por vezes de $ 2.000 a $ 3.000 por ano. Com o rabi ele era ordenado, no tempo de Cristo, com longa cerimônia e imposição das mãos dos rabis e dos hazans sobre sua cabeça. Isso deu origem ao costume de impor as mãos do clero junto com as do bispo sobre a cabeça do clérigo, no dia da ordenação deste último.

Além desses ministros, em toda assembleia havia dez homens chamados batlanim (“homens com tempo livre”). Estes não estavam obrigados a trabalhar para ganhar a vida, por isso podiam frequentar não somente o shabat, como também os serviços religiosos das segundas e quintas-feiras. Nenhuma assembleia estava completa nem função religiosa alguma podia ser celebrada sem eles. Numa sinagoga que o autor visitou, todos tiveram de esperar, antes de dar início ao culto, até que dez homens estivessem presentes, as mulheres não sendo contadas, já que não podem oficiar nenhuma função religiosa. Sete desses homens, chamados Stationarii, ou viri Stationis, na sinagoga do Império Romano, coletavam as esmolas da sinagoga para os pobres, liam a Lei durante os serviços de culto, e deram origem ao clero de Ordens Menores na Igreja. Eles são por vezes chamados de pastores, em hebraico hazans, em grego hiepeus (“sacerdote”), ao passo que o rabi era chamado às vezes de apostolos (“enviado”, “legado” da assembleia). Estas palavras se encontram nos decretos dos imperadores romanos mais recentes, acerca dos judeus depois da destruição do Templo.

Cada sinagoga tinha cinco ou sete gabai zedakah (“coletores de doações de caridade”), que recolhiam donativos durante o serviço religioso. O povo ofertava ou dinheiro ou comes e bebes. Isso ocorria depois da leitura da Lei e dos Profetas. O costume foi continuado na Igreja primitiva, quando as pessoas traziam suas ofertas e punham- nas sobre uma mesa no santuário, e essa parte da Missa é chamada Ofertório.

Dois judeus recolhiam as doações, e quatro ou cinco as distribuíam. Eram os principais homens da assembleia e cuidavam das viúvas e dos órfãos. Fazemos, pois, os coletores da Igreja remontarem até a sinagoga. Alguns autores julgam que os apóstolos tinham em mente esses sete homens, quando ordenaram os sete diáconos (At 6; EDERSHEIM, Sketches, p. 283).

Os judeus do tempo de Cristo tinham uma ordem de exorcistas, “que percorriam o país e tentavam invocar sobre os que tinham espíritos malignos” (At 19,13; Mt 12,27; Mc 3,15-30; Lc 6,18, 8,29, 11,24). Quando Cristo deu poder sobre os espíritos imundos, ele seguiu as regulamentações da sinagoga.

O leitor verá nesses quatro ministros da sinagoga as ordens menores da Igreja, que vêm desde os tempos apostólicos. São mencionadas nos registros mais antigos e se encontram em todas as liturgias apostólicas. Os sacerdotes que preparavam o pão e o vinho no Templo figuravam os acólitos; os homens que liam as Escrituras, os leitores; os hazans que abriam as portas do Templo e da sinagoga, os porteiros; e os homens que expulsavam demônios, os exorcistas.

O serviço sinagogal era sempre cantado, nos dias de Cristo. Desde o tempo em que Jubal inventou os instrumentos musicais (Gn 4,21), a canção, o tamborim e a harpa (Gn 31,27) se usaram nos casamentos, nas reuniões religiosas e nos alegres festins comemorativos. Música e poesia caminhavam de mãos dadas. Os poetas compunham e cantavam suas canções, acompanhando-se a si mesmos com instrumentos musicais. Esse costume vingou entre todos os povos primitivos (Migne, Cursus Comp. S. Scripture, iii, 1029).

Moisés cantou seu hino de glória ao Senhor (Ex 15,1). Todo o Israel, formando um coro possante, externou sua alegria em louvor a Jehová quando encontraram água no deserto (Nm 21,17). Deus mandou Moisés compor, antes de morrer, um glorioso cântico de louvor e profecia (Dt 31,19, etc.).

Através da história dos hebreus encontramos o hino, o “canto sacro” e o cântico de “louvor” durante o culto religioso. Setenta e quatro vezes o cântico se acha no Antigo Testamento. Quando Moisés construiu o tabernáculo, partes das funções eram cantadas pelos coros de sacerdotes e de levitas, e foi esta a ordem das cerimônias até que o Templo substituiu o tabernáculo (Migne, S. Scripture, ii, 1129, 1131, 1132, 1155, etc).

Davi, sétimo filho de Jessé, enquanto apascentava os rebanhos de seu pai sobre as colinas de Belém, movido pelo espírito da poesia, compôs canções com louvores ao Deus de seus pais. Rei escolhido em lugar de Saul, após trazer a arca para Jerusalém Davi organizou os sacerdotes e os levitas em vinte e quatro classes, para o melhor serviço do Templo que o seu filho Salomão havia de construir. Foi então que teve início a composição do Livro dos Salmos, o hinário do Templo. Mais tarde, outros poetas-profetas adicionaram salmos (“canções de louvor”), até que o hinário dos hebreus, o Livro dos Salmos, se constituiu tal como nos foi legado.

Escrito em puro hebraico, em versos por vezes de métrica impecável, com figuras contundentes, repleto de história da nação, unindo o passado, o presente e o futuro, contando a história do Davi rei e do Davi Cristo, da Igreja dos hebreus e da Igreja Católica, das tristezas de Davi e dos sofrimentos de Cristo, do cativeiro da Babilônia, da pregação dos Apóstolos e da conversão dos pagãos, das glórias do reino do Redentor e do triunfo dos Santos — os Salmos provêm dos reinados de Davi e de Salomão como as mais notáveis composições de qualquer tempo ou povo.

Sempre utilizado, desde então, como hinário do Templo, cantado duas vezes por dia por dois coros, de sacerdotes e de levitas, cada um formado de mais de 500 membros, os Salmos eram cantados nas sinagogas depois da destruição do Templo. Até hoje, em suas sinagogas, espalhadas pelo mundo aonde quer que tenham vagueado, os judeus cantam ainda esses esplêndidos cânticos religiosos e hinos proféticos devocionais. Eles consideram Davi seu maior rei, e o mais santo. Mas como podem agora defender que esses hinos digam respeito a um rei, adúltero e assassino que morreu faz 3.000 anos, especialmente quando em centenas de lugares é mencionado o Messias, objeto de tamanha expectação? É de ficar perplexo.

A flauta, em hebraico mashroquita (“soprar”), sob formas diversas era usada no Egito 2.000 anos antes de Cristo. Era instrumento de predileção dos pastores gregos e romanos, e se usava nas bandas militares e em festivais e funerais. Seu nome em latim vem de fluta, uma enguia das águas sicilianas, com sete aberturas de cada lado quais buracos de flauta (Migne, Cursus Comp. S. Scripturæ, III, 1002).

O flautim é uma oitava mais agudo, e muitas flautas, afinadas em uníssono, tornaram-se o órgão, que se utilizava antes do dilúvio (Gn 4,21). Davi introduziu nas funções do Templo o órgão (1Par 15,16), traduzido como “instrumentos musicais”.

Os músicos às vezes tocavam duas flautas ao mesmo tempo, uma delas uma oitava mais aguda do que a outra, como vemos em esculturas e pinturas de pastores e de sátiros. Os pagãos tocavam flauta tanto nos festins como nos funerais. Os rabinos ensinavam que não menos de duas flautas devem ser tocadas num funeral, tendo os judeus aprendido esse costume com os gregos e os romanos.

Vários tubos de flauta reunidos para formar um só instrumento deram origem ao órgão hidráulico, inventado por Ctesíbio de Alexandria no século II antes de Cristo. No Templo havia um grande órgão, chamado por eles de magrefah, sendo de pele de elefante os seus foles (Edersheim, Temple, 137; Geikie, Life of Christ, i, 338). Dava sustentação ao canto. Escrevem os rabinos que se podia ouvi-lo até em Jericó, mas é coisa incrível, porque a distância é de vinte e quatro quilômetros. Quando emitia uma nota específica, o sacerdote, detrás do véu no Santo, espargia o incenso sobre o altar de ouro. Desde o princípio se utilizou órgão em nossas igrejas.

No tempo de Davi, 4.000 cantores formavam os coros dos levitas sob a direção de Asaf, Hemã e Iditun, e cantavam o serviço religioso do Templo. Asaf teve quatro filhos; Iditun, seis; e Hemã, catorze; cada filho sendo posto na direção de um coro ou banda, e assim Davi dividiu os levitas em vinte e quatro bandas ou “classes”. Cada filho desses grandes professores de música tinha sob sua direção onze professores de música vocal e instrumental. Eles ensinavam os sacerdotes e os levitas a cantar as glórias de Jehová. Famílias ficaram famosas por suas habilidades musicais. No tempo de Cristo, esses filhos de Caat ficavam no centro, com os filhos de Merari à esquerda, e os descendentes de Gerson à direita. Ao passo que a família de Iditun, nos dias de Davi, tocava a cítara chamada kinôr, a família de Asaf tirava música do saltério, chamado em hebraico nebel, e a de Hemã tocava os mesiltaim (“os tímbales”), ditando o ritmo. Foram estes os três principais instrumentos musicais utilizados no templo desde o tempo de Davi, e são chamados pelos autores judeus de viola, saltério e címbalos.

“E estando agora livre de guerras e perigos, e desfrutando para o futuro de profunda paz, Davi compôs canções e hinos a Deus com diversos tipos de metro, estando algumas de suas composições em trímetros e algumas em pentâmetros. Ele também fez instrumentos de música e ensinou os levitas a cantar hinos a Deus, tanto no dia chamado shabat como noutros festivais. Agora, a construção dos instrumentos se dava da seguinte maneira. A viola era um instrumento de dez cordas, e era tocada com arco. O saltério tinha doze notas musicais, e era tocado com os dedos. Os címbalos eram instrumentos grandes e largos, e eram feitos de latão.” (Josefo, Antiguid. jud., L. VII, c. xii, n. 3)

Segundo Josefo, Davi compôs o Livro dos Salmos, não em épocas diferentes como geralmente se supõe, mas perto do fim da vida, e só ele é o seu autor. Diz ele que Moisés compôs seu Cântico no Mar Vermelho e o seu outro Cântico em hexâmetros. Mas os Salmos eram de métrica diversificada.

Os hebreus transportaram sua música, instrumentos e liturgia do Templo destruído até a Babilônia, e usavam-nos nas sinagogas. Quando voltaram e reconstruíram o Templo, eles prolongaram o serviço do Templo nas sinagogas que tinham construído em todas as cidades da Judeia e pelas cidades e vilarejos do mundo aonde se tinham espalhado no tempo de Cristo. Os serviços sinagogais eram sempre cantados pelos sacerdotes, pelos levitas e pelos membros da assembleia (Migne, S. Scripturee, iii, 915-2, 1345).

Os coros dos levitas no Templo de Salomão trajavam túnica branca de bisso e linho fino, para distingui-los dos sacerdotes, que usavam vestes litúrgicas de tecido de ouro; nas festas solenes eles vestiam paramentos com ornatos magníficos. Algum tempo depois da morte de Cristo, Herodes Agripa deu aos levitas permissão de se paramentarem com túnicas semelhantes às usadas pelos sacerdotes no seu ministério, o que Josefo afirma ter sido contrário à lei.

Sacerdotes e levitas formavam dois coros, um respondendo ao outro, usando como hinários os Salmos, Jó, Provérbios, Eclesiástico e o Cântico dos Cânticos — o Livro dos Salmos sendo o mais empregado. Seguindo o exemplo de Maria irmã de Moisés e das mulheres que cantaram e dançaram junto com ela (Ex 15,20,21), as mulheres cantavam nas sinagogas. Não verificamos que alguma vez as mulheres tenham formado um coro no Templo, talvez cantassem no átrio das mulheres assim como faziam nas assembleias.

O coro dos sacerdotes dava início ao salmo, cantava até o asterisco em nossos breviários, e os levitas cantavam o restante do versículo como em resposta. É por essa razão que a parte final dos versículos ecoa o pensamento da parte inicial, pois os Salmos foram escritos para o serviço litúrgico do Templo. Os dois coros do Templo e da sinagoga transformaram-se nos dois coros da Igreja, ou no coro dos sacerdotes que fica no santuário e no coro leigo na galeria onde fica o órgão. Da Igreja judaica vieram os versículos e respostas, e partes proferidas pelo celebrante da Missa, e essas coisas se veem nos missais, breviários, rituais, livros litúrgicos, e se encontram não somente em latim, como em todas as igrejas orientais.

Os ofícios de hinos e músicas sacras do Templo foram introduzidos na sinagoga muito antes do tempo de Cristo e continuam até nossos dias, tanto entre os judeus como entre os cristãos. Os serviços pascais hebraicos eram sempre cantados, em imitação do culto praticado no Templo. Muitas razões compelem-nos a concluir que as funções religiosas da Última Ceia foram cantadas. O Evangelho afirma que eles cantaram um hino antes de saírem do cenáculo (Mt 26,30; Mc 14,26).

A páscoa judaica que o autor presenciou em Jerusalém foi cantada pelos treze judeus com a entoação e melodia peculiares deles. Os cristãos orientais cantam a Missa com a rústica entoação anasalada deles, lembrando-nos da música vocal judaica. Os católicos-romanos cantam os ofícios da Semana Santa ao redor do sepulcro de Cristo em Jerusalém, e é tão impressionantemente superior à música oriental, que acorrem grandes multidões. As profecias referentes à Paixão e morte do Salvador são lidas nessa ocasião no local onde se cumpriram.

Na semana seguinte os cristãos orientais, armênios, coptas, gregos, nestorianos, jacobitas, etc., reúnem-se na Igreja do Santo Sepulcro, cada grupo sendo liderado por seu clero e bispo, o laicado indo à frente, depois os clérigos e por último o bispo. A um grupo segue-se outro, até contarem seis ou oito, e cada grupo tendo uma língua, rito e método de canto diferentes, todos juntos produzem a mais tremenda dissonância jamais ouvida na terra.

O Papa Gregório I reformou a rústica música judaica e oriental, e ele é o autor do que hoje é chamado de canto gregoriano ou cantochão — a música oficial da Igreja. Santo Agostinho diz que Santo Atanásio condenava certas maneiras de modular a voz ao cantar os Salmos, as quais ele próprio não condena, o que mostra que nossas funções litúrgicas eram cantadas nos primórdios da Igreja (S. Agostinho, Confes., L. xc, xxxiii).

No Santo dos Santos do Templo, a arca, com a Shekiná a repousar sobre o seu propiciatório, contendo as tábuas da Lei, era santíssima para o hebreu. A arca da sinagoga, que contém Torá (“a Lei”) e Haftará (os “Livros Proféticos”), era o objeto mais sagrado. Era uma caixa de cerca de 0,3 metro quadrado e pouco menos de 1 metro de altura, e, coberta por um véu, ficava perto da parede mais afastada, no meio do santuário, e a ela se tinha acesso por degraus. Na Igreja primitiva, o altar era feito do mesmo tamanho e formato da arca judaica. Os cristãos gregos e os cristãos orientais têm altares do mesmo tipo, que se erguem no meio do santuário cortinado, o trono do bispo ficando detrás, sobre o qual ele se assenta virado para o povo. Os orientais cobrem o altar com toalhas de altar feitas de seda e não permitem sobre ele nada além dos livros litúrgicos — o Missal no centro, o livro dos Evangelhos à tua esquerda e o das Epístolas à tua direita, repousando sobre a mesa do altar coberta de seda. Mesmo as velas têm de ficar sobre uma pequena prateleira, no Rito eslavo. Os judeus não permitem nada além dos rolos da Lei dentro da arca.

Os judeus aqui nos E.U.A. configuram a arca como um nicho decorativo resguardado por cortina e tendo duas portas que abrem para fora, atrás das quais eles guardam os rolos, o lugar sendo acessado por degraus. A arca da sinagoga veio lá do Templo, porque Deus mandou Moisés pôr a Lei, ou seja, os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, dentro da arca (Dt 31,25,26). No tempo de Cristo, uma outra caixa recebia Haftará (“os Profetas”), porque só foram escritos depois do tempo de Moisés.

O autor examinou diversos rolos da sinagoga, que os judeus alegam estarem escritos hoje exatamente como nos dias de Moisés. Estão escritos nas peculiares letras hebraicas angulares, traçadas com pena de junco. A última linha de um parágrafo tem as letras espaçadas de forma que todas as linhas fiquem do mesmo tamanho. Esses rolos vêm da Europa, onde são produzidos por doutos escribas — em geral homens de idade avançada, versados nas tradições bíblicas e talmúdicas. A Torá utilizada nas sinagogas jamais era impressa com tipografia, mas era sempre copiada com extremo cuidado e labor, como nos antigos tempos de Cristo e dos profetas.

Os judeus dizem que é difícil de ler esses rolos, porque eles têm de se lembrar das vogais e de inseri-las ao longo da leitura da Lei na sinagoga. Há muitos séculos as vogais foram introduzidas em alguns escritos. Noutros escritos em hebraico as vogais foram adicionadas, e aparecem como pequenos pontos e sinais. Mas nenhuma mudança jamais foi feita nos rolos dos cinco livros de Moisés, que são copiados até hoje no mais puro hebraico (Geikie, Life of Christ, I, 553; ii, 607, 608, etc). O Talmude de Jerusalém foi escrito no hebraico de Moisés e do Templo, enquanto o Talmude babilônico foi escrito no hebraico mesclado com babilônico formando uma língua chamada siro-caldeu, do tempo de Cristo. Os judeus do nosso tempo publicam obras e jornais em suas línguas vernáculas, tais como alemão, russo, etc., usando as letras hebraicas nos rolos, nos Talmudes e nas publicações modernas destes.

Os judeus chamam esses cinco primeiros livros da Bíblia de “os cinco livros de Moisés”, os gregos chamaram-nos de Pentateuco (“os cinco livros”). Mas seu antigo nome hebraico é Torá (“a Lei”), palavra encontrada mais de seiscentas vezes na Bíblia. Por vezes a palavra Lei designa esses cinco livros que Moisés escreveu, noutros textos refere-se à Lei com o cerimonial do Templo, ao passo que frequentemente significa toda a religião hebraica, com o Antigo Testamento, o Templo, a sinagoga e a fé dos judeus. Contudo, quando os judeus do presente mencionam a Torá ou a Lei, referem- se a esses cinco livros que Moisés escreveu nos rolos e colocou no Templo dentro de uma arca especial, e os quais eles alegam terem sido transmitidos na sinagoga até o dia de hoje na forma exata como Moisés os escreveu nos rolos de pergaminho.

Essas peles de ovelha têm cerca de 0,2 metro quadrado, cada uma tendo sido cortada de uma pele inteira, raspada até ficar quase tão fina quanto uma folha de papel e tingida de branco; são chamadas “velo”, de vel (“pele”), donde se originou nossa palavra “volume”. São então costuradas numa só peça usando entranhas de ovelha, de modo a formarem uma faixa de vários metros de comprimento. No meio de cada pedaço quadrado de velo vêm escritas duas ou três colunas dos escritos hebraicos, não da esquerda para a direita como nossos livros, mas da direita para a esquerda como todos os escritos semitas. Começa-se pelo que seria a capa de trás dos nossos livros.

As longas páginas de velo são enroladas em duas varas, suas extremidades tendo cilindros para que o velo não encoste na mesa. As extremidades das varas e cilindros são ornadas de prata, ouro ou outros ornamentos, decoradas e magnificamente rematadas conforme as posses da assembleia. O rolo da Lei, com seus adornos, é coberto por um rico estojo ornamental, quando é posto dentro da arca. Durante o serviço sinagogal, ministros paramentados como nosso clero subalterno sobem até a arca, afastam de lado o véu e retiram a Lei. Formando uma procissão, eles vão até o púlpito de leitura, onde ela é lida em tom alto e cantado. Isso deu origem à cerimônia de cantar o Evangelho. O diácono, tomando o Missal, põe-no sobre o altar e ajoelha-se em oração. Retirando o Missal do altar, ele recebe a bênção do celebrante e vai junto com os outros ministros até o lugar onde o Evangelho é cantado. O leitor encontrará em Zanolini (De Festis et Sectis Judaeorum) descrições exatas do culto sinagogal no tempo de Cristo. Os autores judeus e protestantes que citamos tratam amplamente do assunto.

O serviço sinagogal (Palestine, 338-343) começava com salmos, orações e doxologia (“louvor”). Em seguida, eles liam a parte da Lei, ou Torá de Moisés, relativa à festa. Durante essa leitura, todos sentavam-se, salvo o leitor, e é por essa razão que hoje na igreja todos se sentam durante a leitura da Epístola na Missa.

Como as Escrituras estavam em hebraico antigo, que o povo não entendia, alguém ficava em pé ao lado do leitor e traduzia as sentenças na língua do povo: em siro-caldeu, na Palestina, ou em babilônico, grego, latim, etc., conforme o lugar onde ficasse a sinagoga (At 15,21; Lc 4,16). O leitor, ou maftir, cobria a cabeça com o xale ritual de oração chamado talit, ao qual alude São Paulo (Rm 4,7). Como os judeus se consideravam uma nação de sacerdotes, qualquer um podia levantar-se na sinagoga e ler as Escrituras (Lc 4,16; At 13,15).

Depois de lerem a porção dos “livros de Moisés” relativa à festa, eles liam uma parte das profecias. Geralmente ficavam de pé enquanto eram lidas as profecias, e isso deu origem ao costume de ficar de pé durante o Evangelho em nossas igrejas. Depois disso eles se sentavam, enquanto o leitor, o rabi ou alguém da assembleia pregava do púlpito o sermão. As partes eram selecionadas de sorte que a inteira Torá, ou Pentateuco, se lesse no decurso de três anos. Mais tarde, mas antes de Cristo, dispôs-se de forma que eles lessem a Torá inteira em um ano. Isso deu origem, na Igreja primitiva, à leitura de uma parte de cada um dos livros da Bíblia durante o ano.

Na Escritura e escritos judeus, a palavra shabat (“repouso”) significa não somente o sábado, que é o dia feriado judaico de culto religioso, mas qualquer solenidade, festival ou festa (Zanolini, Disp. de Fest. Judaeorum, Cap. Prim).

Durante as solenidades do shabat e da páscoa judaica, sendo esta última seu principal dia santo, todo trabalho era interrompido, aliás eles só podiam andar oitocentos metros. Eles adoravam a Deus com culto solene no Templo e na sinagoga durante a páscoa. O respectivo tratado do Talmude (Shabat, Cap. vii, Sec. 2), em trinta e nove capítulos, cita as coisas proibidas no shabat. Três coisas principais se faziam no shabat e nas festas solenes: soavam as trombetas, preparavam-se as mesas, acendiam-se as lâmpadas e velas, celebravam-se os serviços sinagogais e liam-se a Lei e os Profetas. Mas os preparativos e os serviços da páscoa judaica eram elaboradíssimos.

As Leis de Moisés eram lidas primeiro, no que os gregos chamavam de parashá (“seção”), e seu apêndice, a profecia, era também entoado, assim como primeiro lemos a Epístola e depois o Evangelho. Recitavam-se as orações usuais, e se adicionavam duas para a páscoa judaica, sendo a última uma oração pelo rei a quem serviam (ZANOLINI, Cap. I). São Paulo, pedindo que os cristãos rezem por seus príncipes e lhes obedeçam (Tt 3,1), seguia a sinagoga e o Templo, onde dia após dia se ofereciam sacrifícios pelo imperador romano. Depois dessas funções religiosas, eles sentavam-se ou reclinavam-se à mesa para comer (Zanolini, Ibidem. Ver sua Nota referente às três seções da sessão à mesa). Alegam alguns autores que o costume de ler seções da Escritura veio de Moisés, outros que veio de Esdras, mas o Concílio de Jerusalém define com estas palavras:

“Desde os tempos mais antigos, Moisés tinha em cada cidade homens que pregavam a Escritura nas sinagogas, onde todo shabat ela era lida.” (Sín. de Jerusalém, C. 15, V. 21)

Na Babilônia, no tempo de Cristo, eles liam na íntegra a Lei, ou Pentateuco, uma vez por ano. Ainda é esta a prática dos judeus modernos, mas na Judeia eles leem a íntegra dos livros de Moisés em três anos. Dividiam-se estes em seções (Geikie, Life of Christ, ii, 584) não assinaladas nos rolos, mas cada parte estava fixada pelo costume. Enquanto o leitor lia o hebraico, alguém ficava de pé ao seu lado com um ponteiro, para que o leitor não saltasse nenhuma palavra. Num shabat comum, seis homens da assembleia eram convocados a subir, e, nos dias de festa, sete homens, cada um lendo uma porção. Em seguida, dois outros homens, chamados pelo hazan, liam duas lições dos Profetas. Isso deu origem às nove lições da Semana Santa, e do Breviário. As funções da Semana Santa permaneceram quase inalteradas desde as origens da Igreja. Na Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, estas lições são lidas olhando para a porta do túmulo, e as profecias são impressionantes quando ouvidas no exato lugar em que acontecem. Pessoas de todas as nações da terra enchem o antigo edifício que Santa Helena erigiu no Ano do Senhor 312.

O Talmude conta-nos como eram lidas no tempo de Cristo. “Quando do vencimento do shabat de shekalím (a época da coleta do meio-ciclo na páscoa judaica), a porção própria desse shabat é a tetsavé. Seis pessoas devem ler do versículo 20 do XXVII até o versículo 11 do XXX, e uma do 11 de XXX até o versículo 17.” “Disse Abyi que o povo vai achar a porção comprida demais, e não perceberá que foi lida a porção shekalím, e por isso diz ele que seis devem ler do 20 do XXVII até o 17 do XXX, tetsavé, e depois um outro deve vir e repetir do 11 do XXX até o 17. Quando o primeiro dia do mês de adar cair na véspera do shabat, diz Rahb, a porção shekalím deve ser lida no shabat anterior, porque as mesas dos trocadores de dinheiro são montadas duas semanas depois da leitura”, etc. Eram estes os cambistas que Cristo expulsou do Templo. Os sacerdotes do Templo auferiam um desconto de $ 45.000 das transações.

“Três homens são convocados (Talmude babilónico, Meguilá, 57-89) para ler os Rolos santos nas segundas e quintas-feiras, e, na tarde de shabat, nem mais nem menos do que esse número podem ser chamados, nem seção alguma dos Profetas pode ser lida então. Quem começa a leitura dos Rolos santos deve pronunciar a primeira bênção antes de lê-los, e quem conclui a leitura deve pronunciar a última bênção depois de lê-los. Em todos os dias em que um sacrifício adicional estiver prescrito, que não sejam porém festivais, quatro homens são chamados, cinco nos festivais, seis no dia da expiação e sete no shabat.”

O serviço sinagogal da tarde era constituído principalmente de salmos, e isso deu origem à nossa função de vésperas, quando não se lê o Evangelho. “Não se dá o mesmo com a leitura da Torá (a Lei), que só pode ser lida quando a assembleia se senta.

“Os rolos do Pentateuco devem ser lidos por um, e outro deve interpretar, mas não um ler e dois traduzirem; já os Profetas, porém, um deve ler e dois interpretar. Ninguém pode ler menos de dez versículos na casa de oração. A que correspondem esses dez? Aos dez homens desempregados na sinagoga. O principiante pronunciará a bênção antes da leitura, e o último leitor depois.”

Eles beijavam as palavras sagradas dos rolos antes e depois de lê-los. No nosso tempo, eles esfregam no texto a ponta do xale ritual de oração usado sobre os ombros e beijam isso. O rito judaico de beijar os rolos da Lei vemos nós quando o celebrante da Missa beija o início do Evangelho depois de lê-lo, e pronuncia a bênção sobre o diácono ajoelhado. Esse rito provém da bênção judaica antes da leitura da Lei (Talmude babilónico, Ta’anit, cap. ii, 41, 75, etc., onde é elencada a ordem das bênçãos).

O serviço litúrgico do Templo era mais elaborado que o da sinagoga. Doze sacerdotes serviam ao sumo sacerdote, seis de cada lado, e o segan à sua direita, como sacerdote assistente.

“Os seis homens que leem no dia da expiação, a quem correspondem eles? Disse ele: ‘Aos seis que ficavam de pé à direita e aos seis à esquerda de Esdras, como está escrito (2Esd 8,4), com os nomes dos seis homens que ficavam de pé à direita e dos seis que ficavam de pé à esquerda.’”

A Missa, tendo vindo da páscoa judaica ou Última Ceia e só indiretamente do Templo, segue aquela no número de seus ministros e cerimônias. Daí que o bispo, o sumo sacerdote da Igreja, é servido não por doze sacerdotes como o pontífice no Templo, mas por sete ministros como o rabi era servido na sinagoga. “A Torá era lida por sete homens.” Encontramos isso reiterado em muitos lugares do tratado Meguilá do Talmude:

“Não menos de três versículos dos Rolos santos podem ser lidos na sinagoga por cada pessoa. Somente um versículo da Lei pode ser lido por vez para o intérprete. Dos Profetas, contudo, também se podem ler três, mas se cada versículo formar uma seção separada, cada um deve ser lido separadamente. Podem-se saltar passagens, na leitura dos Profetas, mas não na dos Rolos santos. Duas semanas antes da páscoa serão feitas prédicas acerca da páscoa. No primeiro dia da páscoa, a porção do Levítico relativa ao festival tem de ser lida (Lv 23,5-22). Na páscoa devem ser lidas as porções referentes ao festival, e as porções dos Profetas devem ser tomadas a Josué, 5, 9, sobre Guilgal (Gálgala em nossas traduções), etc.; e presentemente no exílio, quando observamos dois dias como festivais, o primeiro dia deve ser sobre Guilgal; o segundo dia, a partir de 4 Reis, 22, sobre Josias; e, no último dia da páscoa, devem ser escolhidas pequenas porções, nas quais se fale acerca da páscoa.”

Em todas as festas judaicas, partes da Bíblia relacionadas às festas eram lidas no Templo e nas sinagogas, e foi derivado daí o costume de ler na igreja porções da Bíblia relacionadas com as festas.

“Cumpre abrir os Rolos Santos e neles deitar os olhos, pronunciar a bênção e então ler. Quem junta os Rolos Santos, enrolando-os, deve fazê-lo de maneira que os pergaminhos costurados fiquem no meio, para fazê-lo facilmente. Eles só podem ser enrolados desde o exterior, de maneira que as letras não possam ser vistas de fora.”

Seguem-se então detalhes sobre o modo de enrolar e de segurar os rolos. Os livros foram escritos a princípio em longos pergaminhos enrolados, donde veio talvez nossa palavra “volume” (“enrolado”). Durante os serviços sinagogais, o rabi e os ministros sempre ficavam de pé, assim como o celebrante e seus ministros ficam em pé enquanto celebram as funções da Igreja. No Templo ou na sinagoga, o povo prostrava-se treze vezes contra o chão, ao ouvir o nome de Jehová e durante as partes mais solenes das funções sacras. Vemos resquícios disso no final do Evangelho, quando a assembleia que está de pé se ajoelha. O celebrante lê a Epístola e o Evangelho, antes de serem cantados. Era desse jeito também na Igreja primitiva. Conta-nos Santo Agostinho que “Enquanto Lázaro, o diácono, lia os Atos que diziam respeito à vinda do Espírito Santo e entregava o livro ao bispo, Agostinho, disse o bispo: ‘Desejo ler, porque a leitura dessas palavras me dá mais prazer do que pregar’.” (S. Agostinho, Sermo ccclvi, de Vita Cler).

Quando foi que eles começaram a ler os Profetas? Quando o rei grego Antíoco proibiu todos os sacrifícios e toda leitura, em público e em privado, das Escrituras, sob pena de morte, os judeus dividiram os livros proféticos em seções e começaram a lê-las nas sinagogas (Zanolini, Opere citato; I Macab. I, 52). Os Macabeus restauraram o culto sinagogal e dotaram- no de maiores esplendores. Os Atos dizem: “Depois da leitura da Lei e dos Profetas, os chefes da sinagoga mandaram-lhes Paulo e Barnabé, pedindo-lhes que pregassem ao povo.” (At 13,15). O próprio Cristo leu o profeta Isaías na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16).

Foi o texto do profeta (Is 61,1ss) que dizia respeito a ele o que ele leu naquele dia, perto do fim de agosto. Cristo leu a nitsavim (“seção”) daquele dia. Mas os judeus, vendo-o predito nela, trocaram-na mais tarde por outra seção, que eles leem no presente naquele dia, para que o povo não veja o Redentor que ela profetizou. A leitura da Lei e dos Profetas nas igrejas, portanto, foi-nos legada pela Igreja judaica, que desde tempos remotos seguiu o costume sinagogal (Constituições Apost., Livro 8; “Recognitiones” Clementinas, etc. Quanto ao culto sinagogal, ver Migne, ii, 1346-1368; Talmude babilónico, Meguilá, o tratado inteiro).

Como aconteceu de Cristo ter sido chamado a subir naquele dia, para a leitura das palavras de Isaías referentes a ele mesmo? Qualquer homem na assembleia podia ser convidado a ler se tivesse mais de trinta anos de idade. Depois de seu jejum de quarenta dias na Montanha da Quaresma, Cristo, em seu trigésimo ano, deu início ao seu ministério público. “E ele foi a Nazaré, onde tinha crescido, e entrou na sinagoga segundo o seu costume no dia do shabat, e levantou-se para fazer a leitura. E o livro do profeta Isaías lhe foi dado. E, quando desenrolou o livro, encontrou o lugar onde estava escrito: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, donde me ungiu para anunciar a boa-nova aos pobres, enviou-me para sarar os contritos de coração, para proclamar aos cativos a redenção, e aos cegos a vista, para pôr em liberdade os oprimidos, para pregar o ano favorável do Senhor, e o dia da retribuição (Is 61,1ss).’ E, tendo enrolado o livro, entregou-o de volta ao ministro, e sentou-se. E os olhos de todos na sinagoga estavam fixos nele.” (Lc 4,16-20).

Enquanto um dos homens lia os rolos no original hebraico, que o Am ha-Arez (“povo da terra”) não entendia, outro ficava em pé a seu lado e o traduzia para o siro-caldeu falado por eles. Então o pregador falava-lhes sobre o texto. O nome do homem que traduziu o texto de Isaías para Cristo naquele dia não é citado. Mas Jesus pregou então, ao povo na sinagoga, o seu primeiro sermão. “E maravilhavam-se das palavras de graça que procediam da sua boca, e diziam: Não é este o filho de José?” (Lc 4,22).

Se um judeu não pudesse estar presente aos serviços sinagogais, por motivo de enfermidade, etc., ele se vestia com o talit (“xale de oração”), punha seus filactérios sobre a testa e no braço esquerdo, ficava em pé ao lado da cama, num canto silencioso de casa ou em seu local de trabalho, e recitava as orações enquanto as funções eram celebradas de manhã, ao meio-dia e de tarde na sinagoga ou no Templo. A isto os rabinos chamavam “Atiçar dentro deles o reino de Deus” ou “do céu” (Mt 6,5). Essas cerimônias recordavam- lhes o longamente esperado reino do Messias, que o Príncipe de Davi havia de estabelecer para eles sobre a terra toda. Desses costumes nos foram legadas as orações da manhã e da noite.

Durante os serviços litúrgicos da sinagoga e do Templo, os sacerdotes ao rezar estendiam as mãos, seguindo o exemplo de Moisés ao rezar pela vitória sobre os inimigos de Israel, quando Aarão e Hur seguraram os braços dele erguidos (Ex 17,12; EDERSHEIM, Temple, 141). Mas durante essas orações era-lhes proibido conservar as mãos mais alto do que os filactérios que traziam na testa (Lv 9,28). “Por que então”, diz o Talmude, “é presentemente costume os sacerdotes erguerem as mãos na oração da tarde no dia de jejum? Por ser rezada bem perto do pôr do sol, a oração da tarde é considerada equivalente à oração de encerramento” (Tratado Ta’anit (“jejuns”) do Talmude babilónico, 81).

Isaías na sua descrição profética da Última Ceia (Is 25,6 até o fim do capítulo) predisse o Senhor durante a primeira Missa em Sião, como mais adiante explicaremos. Ele prossegue: “Enquanto ele estenderá as mãos no meio deles, como o nadador estende a mão para nadar”, etc.

Na sequela do Templo, da sinagoga e da Última Ceia, na Missa o celebrante estende ainda as mãos, com seu corpo formando uma cruz. Porque a cerimônia judaica referia-se ao Crucificado, que estendeu as mãos na cruz, quando viria a redimir nossa raça. E o celebrante que hoje oferece o sacrifício da Missa como memorial da Crucificação estende ainda as mãos durante as orações. Como não pode ficar o tempo todo com as mãos estendidas em forma de cruz, ele as mantém próximas ao seu corpo.
Em todas as Missas nós rezamos pelo repouso das almas dos mortos. Terá Cristo rezado pelos mortos na Última Ceia? Não encontramos registro algum, mas era costume do Templo e da sinagoga no tempo dele.

Orações pelo repouso das almas dos mortos se encontram nas mais antigas crônicas do Templo e da sinagoga. Mesmo Maomé rezava pelos mortos, assim como todas as facções maometanas fazem ainda. Foi mostrada ao autor uma mesa ornamental, sobre a qual, toda sexta-feira, o quediva do Egito põe o Corão e, ao seu lado, ajoelha-se e reza pelo repouso das almas de suas duas filhas, ali onde os corpos delas repousam dentro da mesquita, que se ergue à tua esquerda enquanto sobes até a cidadela do Cairo. Os judeus de Nova York chamaram a atenção do autor, em diversos momentos, para as orações solenes pelos mortos durante os serviços sinagogais. A crença deles com respeito ao purgatório, às almas ali detidas e ajudadas pelos jejuns e orações de seus amigos na terra, é a mesma que a da Igreja.

Citemos as palavras de um douto escritor protestante que investigou a questão (Rev. E. H. Plumptre, M. A., Prof. de Teologia no King’s College, Londres, in Smith, Dic. of Bible, vol. iv, p. 3137).

“Seja qual for a explicação que se dê para isto, é certeza que as Orações pelos Mortos aparecem no culto da Igreja já nos primeiros vestígios deste de que dispomos em seguida aos monumentos imediatos da idade apostólica. Isso foi descrito por um autor, do qual ninguém pode suspeitar de tendências romanistas, como ‘uma prática imemorial’. Ainda que ‘a Escritura silencie, todavia a antiguidade fala com clareza’. Essas orações ‘encontraram um lugar em todas as mais antigas liturgias do mundo’.” (Ellicott, Destiny of the Creature, Ser. VI)

De fato, como (perguntamos nós) poderia ter sido diferente? O forte sentimento manifestado no tempo dos Macabeus, de que era “um santo e salutar pensamento orar pelos mortos” (2Mac 12,43-46), seguramente estava debaixo da influência dos escribas farisaicos predominantes, para chegar a aparecer, como fez, nas devoções da sinagoga. Até onde rastreamos no passado essas devoções, podemos dizer que também aí a prática é “imemorial”, no mínimo tão antiga quanto as tradições dos padres rabínicos (Buxtori, De Synagog., p. 709, 710; McCaul, Old Paths, c. 38). Há uma probabilidade indefinidamente grande de que as orações pelos finados, o Kadish do judaísmo posterior, fossem bem conhecidas das sinagogas da Palestina e de outros países, de que os primeiros crentes cristãos não se espantaram com elas como se foram uma inovação, de que passaram sem ser condenadas por nosso Senhor mesmo. O autor citado enxerga uma provável referência a elas em 2Tim. 1, 18. S. Paulo, recordando Onesíforo como alguém cuja “casa” tinha ficado enlutada por causa dele, roga que ele encontre misericórdia do Senhor “naquele dia”. Logo, as orações pelos mortos dificilmente podem ser consideradas contrárias às Escrituras (Citado em Smith, Dic. of Bible, art. Synagogue (“sinagoga”).

Em todas as Liturgias apostólicas, e em todos e cada um dos Ritos orientais, encontramos prece pelos mortos, ofertas por orações, estipêndios entregues pelo laicado por Missas pelo repouso das almas dos defuntos. Pelas paredes das catacumbas, nas lápides, nos monumentos da idade apostólica, nas paredes dos edifícios das igrejas hoje transformadas em mesquitas, em Constantinopla, etc., o autor viu: “Descansem em paz”, “Rogai pelo repouso da alma de fulano”, etc. Essas inscrições estão em grego, em latim e noutras línguas antigas. O Livro de Orações dos judeus, utilizado no mundo todo, copiando os serviços litúrgicos do Templo e da sinagoga, tem orações pelo repouso dos parentes e dos amigos defuntos, e nenhum serviço sinagogal está completo sem o Kadish, chamado de “Orações pelos Mortos”. Os abusos nas ofertas de Missas pelos mortos e nas indulgências, que grassavam antes da Reforma, induziram os reformadores a ir longe demais e abolir essas orações e doutrina referentes ao purgatório.

Os judeus de nossos dias creem que seus mortos vão para um lugar como o purgatório, onde permanecem por um tempo e são ajudados pelas orações de seus amigos. As crianças rezam pelos pais no dia da morte destes, no terceiro, no sétimo e no décimo- terceiro dias, e no aniversário da morte. Esses costumes, que vieram do Templo e dos serviços sinagogais, deram origem ao sepultamento dos mortos no terceiro dia, à Missa de trigésimo dia, de aniversário da morte e às Missas pelos mortos (Sketches of Jewish Life, 173; Geikie, Life of Christ, II, 605. Ver todo o tratado Ebel Rabá (“grande luto”) no Talmude babilónico).

Os judeus observavam um costume fúnebre peculiar, sendo o terceiro, o sétimo e o décimo-terceiro dia considerados como dias de luto especiais, mas, quando esses dias caíam em dias de festa, tinham regras especiais (Tratado Mo’ed Katan (“festividades menores”), Mishná, p. 36). A coabitação, o uso de sapatos, etc., eram proibidos nesses dias (Ibid. 39). Somente os parentes próximos rasgavam as vestes e tomavam “a refeição de luto” (Ibid. 40). “Quando um caixão está sendo removido de um lugar para outro, os presentes devem ficar em pé formando uma fileira e pronunciar a bênção de luto e as palavras de consolação” (Ibid. 41). Um douto estudioso, ou um rabi, pronunciava a oração funeral, por vezes em versos (Ibid. 42,43). As “mulheres enlutadas” se lamuriavam nestes dias, mas não batiam palmas (Ibid. 45).

No tempo de Cristo os judeus rezavam (Smith, Dic. of Bible: Synagogue Worship (“culto sinagogal”), n. 4) pelo repouso das almas dos mortos. Os judeus de nossos dias não continuam por um ano inteiro a rezar por eles, para não dar a entender que tenham permanecido um ano no purgatório (Edersheim, Sketches of Jewish Life, p. 174, 180). O Livro de Orações judaico usado hoje na sinagoga (Daily Prayer Book (“Livro de Orações Diárias”), p. 326) traz, na oração pelos mortos, as palavras seguintes:

“Digne-se Deus lembrar-se da alma de meu venerado pai (mãe), que partiu para o seu repouso. Que sua alma esteja em ligação estreita com o elo da vida. Que seu repouso seja glorioso, com a plenitude do júbilo na tua presença, e com deleites para todo o sempre, à tua mão direita. Pai de misericórdia, em cuja mão estão as almas dos vivos e dos mortos, alegre-nos o teu consolo ao recordarmos (neste dia santo) nossos amados e honrados parentes que partiram para o seu repouso… E que suas almas repousem na terra dos vivos, contemplando a tua glória e regozijando-se na tua bondade”, etc.

Eles seguiam o exemplo de seus ancestrais, que ofereciam sacrifícios no Templo pelo repouso dos mortos, como fizeram os Macabeus: “Pois é um pensamento santo e salutar o de rezar pelos mortos, para que eles sejam libertados de seus pecados.” (2Mac 12,46)

Os rabis do tempo de Cristo faziam uma distinção entre o onen (“o sofredor”) e o avel (“o enlutado”). O primeiro aplicava-se ao dia do funeral e aos sete dias seguintes; o último, ao mês subsequente ao funeral. As orações pelos mortos eram recitadas na sinagoga ou alhures. Uma regulamentação estrita estava preceituada ao sumo sacerdote (Lv 21,10-12). Era o costume dizer: “Sejamos nós a tua expiação”, ou: “Soframos nós o que devia ter caído sobre ti”, ao que ele respondia: “Benditos sejais para sempre”, ou: “Sede benditos pelo céu”. No velório, os amigos tomavam uma “refeição de luto”, na qual não se deviam beber mais de dez taças de vinho (Ter. Ber. III, 1). O Meguilat Ta’anit (“rolo das festas”) traz as datas em que o luto estava proibido.

Eles também rezavam para os Santos no céu, nos seguintes termos: “Que eles no céu patenteiem o nosso merecimento para uma pacata preservação, e recebamos nós uma bênção do Senhor e justiça do Deus de nossa salvação, e boa compreensão aos olhos do homem.” As Orações aos Santos nas funções da Igreja foram copiadas da Igreja judaica no tempo de Cristo.

O gueto de Nova York tem muitas transações curiosas, sendo uma delas a recitação do Kadish pelo repouso das almas dos mortos. Os filhos ou os membros da família recitam-no de manhã, de tarde e de noite, todos os dias, durante um ano depois do enterro, enquanto viver um membro varão do falecido. O Kadish deve ser recitado numa reunião de minyan (“dez homens ou mais”), na sinagoga ou em casa. Se nenhum descendente masculino lhe tiver sobrevivido, um grupo profissional de rezadores de Kadish é pago para fazer as orações.

Muitas vezes os judeus fazem provisões, em seu leito de morte, deixando dinheiro para “um Kadish para si”, tal como os cristãos legam parte de sua herança por Missas pela sua alma. Em geral, um amigo do doente é designado para garantir que se façam essas orações, e ele é especialmente lembrado no testamento. Essa provisão por orações pelo repouso da alma é o desejo pio de todo judeu.

Os recitadores de Kadish profissionais, chamados “batlanim”, são, em sua maioria, estudantes mendicantes da Torá e do Talmude que desejam tornar-se rabinos, alunos de faculdade de direito ou ingressar em profissões doutas, mas não têm dinheiro para custear sua instrução e tiram proveito desse meio para continuar seus estudos das Leis de Moisés, sua “esposa dileta”.

Não há um estipêndio fixo, e eles oferecem seus serviços à família que não foi abençoada com filhos, durante o tempo de luto, e acertam de rezar pela alma do defunto desde o purgatório até à entrada no Paraíso. Essas orações se transmitiram no judaísmo desde muito antes dos dias de Cristo, e nelas se basearam as Missas, estipêndios e orações pelo repouso dos mortos.

23 de novembro de 1905, parecia que quase toda a população judaica de Nova York comparecera a uma vasta procissão pelas ruas do East Side, para chorar os massacres de seus irmãos na Rússia. Por quarteirões, em redor da sede na Grand Street, as ruas ficaram cheias, razoavelmente abarrotadas, com uma massa de humanidade hebraica movendo-se como ondas, empurrando, gesticulando, enquanto quatro homens passavam pelo meio, carregando sobre os ombros um caixão vazio, coberto com uma mortalha de veludo preto bordado em prata, representando os mortos tal como faz o catafalco nas nossas igrejas em Missa de exéquias sem corpo presente. Esse é um dos mais antigos dos cerimoniais judaicos, remontando a Moisés ou aos reis. Essas orações viveram lado a lado, em ambos os credos cristão e judaico, cujos membros muitas vezes foram hostis na idade média.

Todos os ramos da raça semita estavam bem representados. Judeus da Alemanha, Polônia, Rússia, Turquia, Espanha e dos países do Oriente ali estavam, apinhando as calçadas, aglomerando- se no meio das ruas, subindo os degraus dos comércios e das habitações particulares — todos unidos de coração e mente enquanto a língua de todos recitava as orações pelo repouso das almas de seus irmãos russos assassinados.

Patriarcas com solidéus de veludo, de barbas brancas descendo até à cintura, cada fio de cabelo das quais era precioso, empurravam e conversavam com as gerações mais jovens, com as mulheres de peruca e xale mostrando sua viuvez, com as moças emplumadas, produtos das oficinas de costura clandestinas que exploram sua mão de obra barata, e com os rapazes nascidos em liberdade, que mal manifestavam as qualidades judaicas.

Mas o porte dessas vastas multidões era diferente daquele dos que costumam comparecer a paradas e desfiles. Não havia risos, não se ouviam piadas, nada de cutucadas amigáveis enquanto marchavam, encabeçados por bandeiras pretas, por estandartes vermelhos de sindicato, todos usando distintivos pretos nos braços, ou drapejados em luto profundo. Andavam lado a lado quatro pessoas, seguidas de mais quatro, e assim abrangendo cinco quarteirões, deslocando-se eles como uma vasta maré humana que logo se avoluma em poderosa torrente, enchendo as ruas como se fossem elevar-se pelas paredes altas dos edifícios, pelos quais passavam como através de um cânion.

Com música pesarosa eles entoaram o hino fúnebre e orações pelas almas dos defuntos, acompanhados por bandas de música. À medida que o som da banda se projetava adiante, subiam as janelas, mulheres com a cabeça coberta com xale de oração preto de luto surgiam, erguiam as mãos com o rosto contorcido, os olhos cheios de lágrimas, e misturavam seus choros com as vastas multidões nas ruas. Do coração de todo israelita irrompia o brado: El male rachamim (“Deus tenha piedade de suas almas”), repetido vezes sem conta.

Quando eles chegaram a uma sinagoga, a procissão toda se deteve diante dos degraus lotados de gente. No local reservado, o rabi e os príncipes da assembleia conduziram as preces pelo eterno repouso dos falecidos, parte canção, parte cântico, parte gemido de dor: “Deus tenha piedade de suas almas:” “Deus tenha piedade de suas almas:” “Deus tenha piedade de suas almas.” A banda tocou o kim alei eclun (“a canção lutuosa de Salomão”), e eles recomeçaram, uma vez mais, as comoventes orações pelo repouso dos mortos. Eles se detiveram mais longamente diante da beit ha-Medrish (“a casa de oração”), a sinagoga onde costumava pregar o famoso rabi José, aquele líder em Israel, versadíssimo no Talmude, cujo funeral quase produziu um levante contra os judeus. Ali os homens e as mulheres cantavam em fileiras separadas, porque eles não julgam apropriado que os sexos se misturem no culto divino, mesmo em nossos dias. Era um estranho cântico o produzido por aquela cantoria. As diferenças de entonação e de timbre se encontravam no meio e formavam um som meio áspero, meio estridente, totalmente estranho, que se elevava e despencava, aumentava e diminuía numa cadência tão diferente do coro cristão como o canto árabe. Citamos esse incidente do nosso tempo, com costumes da antiga sinagoga, para mostrar que em toda a sua história o judeu rezou pelo repouso das almas de seus defuntos, e que foi dele que a Igreja herdou essa doutrina — o grito do coração humano pelos mortos que amamos em vida — que tem sido, talvez, a mais atacada.

Vejamos agora a origem de nossos costumes matrimoniais e da Missa nupcial.

O Talmude proibia o matrimônio em caso de homem com menos de treze anos e um dia, e em caso de moça com menos de doze anos e um dia. A quarta-feira era o dia do desposório de uma virgem, e a quinta-feira, da viúva (Mishná, Ketuvot, I, seção 1). Os judeus modernos designam a quarta e a sexta-feira para a primeira, e a quinta para a última. Os pais escolhiam esposa para o filho. Os judeus modernos muitas vezes empregam um casamenteiro, um shadshen, que age como amigo entre as partes (Gn 24,12).

Uma vez obtido o consentimento da noiva e dos pais, seguia-se o desposório. Não era como o nosso “noivado”; era, sim, um contrato muito solene e formal, ratificado por meio de presentes para a noiva chamados mohar, palavra que ocorre três vezes na Bíblia hebraica (Gn 24,10-22; Ex 22,17; 1Rs 18,25). O pai dela dava a ela um dote, que depois do cativeiro babilônico era outorgado por escrito mediante uma ketuvá (“uma escritura”), dote que era controlado pelo marido dela.

O desposório, chamado pelos romanos de esponsais, era celebrado com uma grande festa, em que o noivo punha a aliança de casamento no dedo dela, como penhor de fidelidade e de adoção na família dele. Ela agora era considerada uma esposa (Phil., De Spec. Leg., p. 788). Se ela fosse infiel, em meio aos hebreus na frente da casa do pai dela, ela era lapidada até a morte (Dt 22,23,24), mas o homem podia dispor dela desembaraçando-se dela discretamente, se não quisesse que ela fosse morta. Foi isso que José pensou em fazer quando descobriu a Virgem grávida (Mt 1,19).

A essência do matrimônio estava na mudança da noiva para o seu futuro lar. Essa era uma grande cerimônia pública. O noivo vestia sua roupa de gala e punha sobre a cabeça o belo turbante que o profeta chama de pera (Is 61,10) em forma de diadema (Ct 3,11). Queimava-se diante dele uma oferta de mirra com incenso puro, ou então ele era incensado por um servidor, tal como o clero é incensado em Missa solene. A noiva se preparava no dia anterior com um banho (Picart., i, 240), punha seu vestido de noiva e, pouco antes do tempo marcado, cobria toda a sua pessoa com o véu de noiva chamado tsa’iph; os romanos o chamavam de nubere (“velar”), porque cobria não só o rosto, mas toda a sua pessoa (Gn 24,65; 38,14,15); era sinal de submissão ao marido. Os gregos chamavam o véu de noiva de exoysia (“autoridade”). Ela cingia a cintura com uma cinta de grande valor, chamada kishshurim (“o adorno”), a que os romanos deram o nome de zona. Sobre a cabeça, ela punha a callah (“filó de fundo”), uma coroa de ouro puro ou dourada, caso a família fosse rica, mas de flores de laranjeira, se a família fosse pobre. Depois da destruição do Templo sob Tito, A. D. 70, essa coroa de ouro foi proibida, como sinal de humilhação.

Se a noiva fosse uma virgem, ela usava o cabelo escorrido pelas costas (Ketuvot, II, seção 1); já uma viúva prendia o cabelo. O vestido de noiva da virgem era branco, muitas vezes bordado com fio de ouro; a viúva usava vestido colorido, e o cerimonial era breve e simples.

Quando chegava a hora combinada, geralmente tarde da noite, o noivo ia à casa dela com o seu séquito de padrinhos, chamados em hebraico mere’im, assistido pelo seu paraninfo (chamado hoje em inglês seu “best man”) e precedido de uma procissão; rodeados de uma banda de músicos e de cantores, com homens segurando tochas, eles iam para a casa da noiva, que os aguardava com suas virgens. A noiva, seus pais e amigos, mais o noivo, formavam uma grande procissão e, com música e cantoria, voltavam em marcha para a casa do noivo, perto da qual um grupo de virgens, dez com lâmpadas acesas, encontrava-os na rua, e desfilavam todos em cortejo para dentro da casa (Mt 25,6). Dentro de casa, eles celebravam uma grande festa, a que compareciam todos os amigos das duas famílias, cada convidado trajando fato branco de casamento (Mt 22,11). Se ela fosse uma virgem, distribuíam-se cereais e trigo seco — a origem do arroz nos nossos casamentos —, como sinal de prosperidade e de felicidade para o casal. Os festejos duravam sete dias, algumas vezes uma quinzena; mas, no caso de uma viúva, só uma noite.

Do casamento hebreu nós copiamos: o anel do bispo, porque ele se casa com a sua diocese; as flores de laranjeira, o véu de noiva, a Missa nupcial e a bênção da noiva. Mas a viúva não recebe bênção no seu segundo matrimônio. Entre os cristãos orientais, a noiva e o noivo usam coroas de metal durante as cerimônias de bodas.

A festa de casamento era elaboradíssima nas famílias ricas, o cerimonial e a etiqueta sendo os mesmos que na festa dos ázimos.

Moisés firmou uma aliança, o Antigo Testamento, entre Deus e os israelitas, que violaram essa aliança quando caíram em idolatria sob seus reis. Mas o profeta predisse que “os dias virão, diz o Senhor, e eu farei uma nova aliança com a casa de Israel, e com a casa de Judá. Não segundo a aliança que fiz com seus pais, aliança esta que eles invalidaram”, etc (Jr 31,31,32). Moisés firmou a aliança com sangue de animais, prenunciando o Novo Testamento, a aliança feita com o sangue da Vítima do Calvário (Ex 24,8), “do Novo e eterno Testamento — o mistério da fé”. O texto grego diz: diathekn “no sangue dele”.

“E eles não partirão o pão, ao que está de luto, para confortá-lo pelos mortos, nem lhes darão a beber da taça, para confortá-los, por seu pai e sua mãe.” (Jr 16,7)

 

“Assim diz o Senhor: Eis que eu profanarei o meu santuário, a glória do vosso reino.” (Ez 24,21)

Com a morte de Cristo, o Antigo Testamento expirou, começara o Novo. A sinagoga foi repudiada, a Igreja foi consolidada em Pentecostes.

O Senhor partiu o pão eucarístico para os discípulos que duvidavam, em Emaús, e foi somente então que eles o reconheceram (Lc 24,30,35). Os apóstolos saíam de casa em casa, partindo o pão eucarístico da Missa com orações (At 2,42); “diariamente, perseverando concordemente na frequência ao Templo e partindo o pão de casa em casa, eles tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração” (At 2,46). “No primeiro dia da semana, quando nos reuníamos para partir o pão” (At 20,7), “subindo e partindo o pão e jejuando”. As palavras gregas do original, “eulogia” e ” eucharistia”, mostram que a fração ou o partir do pão era o Sacrifício Eucarístico da Missa. A primeira palavra, eulogia (“louvor”), mostra que eles começavam com os louvores e orações da sinagoga, seguindo o exemplo de Cristo na Última Ceia, e terminavam com a consagração e distribuição da Eucaristia (1Cor 2, 20, 21, etc.; S. Inácio, Epist ad Smyr., c. 4; Sozomeno, Hist. Eccl., VII, c. 19; Concílio de Cartago, Cân. XLI).

Seguindo o exemplo da Última Ceia, as reuniões se faziam ao entardecer, nas sinagogas, no shabat, e as instruções ocupavam o tempo até depois da meia-noite (At 20,7). Cantavam-se os salmos e as preces da sinagoga, e os membros da Igreja nascente saudavam uns aos outros com um ósculo santo (1Cor 16,20;2Cor 13,12). São Paulo menciona quatro vezes (Rm 16,16; 1Cor 16,20; 2Cor 13,12; 1Ts 5,26; 1Pd 5,14) o beijo de amizade e de amor, costume hebraico continuado na Igreja e que esteve na origem da cerimônia do “beijo da paz” dado pelo clero durante a Missa (Tertuliano, De Orat., c. 14; Justino Mártir, M. Apol., 11; Migne, Cursus Comp., II, 1348).

Os apóstolos, seguindo o exemplo do Senhor, entraram nas sinagogas em todas as terras onde os judeus se encontrassem, e pregaram primeiro para os hebreus. Como na sinagoga o serviço do shabat no sábado era o mais frequentado, eles pregavam nesse dia, e ao anoitecer rezavam Missa. As funções litúrgicas prolongavam-se noite adentro, e mais tarde a Missa foi rezada nas primeiras horas da manhã de domingo. Daí que, nos tempos apostólicos, o domingo tomou o lugar do sábado dos judeus. Quando afinal a Igreja rompeu com a sinagoga, foi chamado de “o dia do Senhor”, em comemoração da Ressurreição e da vinda do Espírito Santo no Domingo de Pentecostes (At 2).

Milhares de velas iluminavam os átrios do Templo, ardiam lumes nas sinagogas durante os serviços de culto, numerosos lumes tu encontrarás na sinagoga do presente, assim como velas iluminaram o cenáculo durante a Última Ceia; “e havia grande número de lâmpadas na sala superior onde nós estávamos reunidos”, dizem os Atos (20,8). A Missa sendo rezada à noite nos dias dos Apóstolos, sobre os altares ardiam velas. As velas ardendo sobre nossos altares foram legadas, não das catacumbas, como afirmam alguns autores, mas do Templo, da sinagoga e da Última Ceia.

Esse serviço sinagogal — o canto dos Salmos, a leitura da Lei e das Profecias antes do Sacrifício Eucarístico — prolongou-se nas matinas e laudes, com seus salmos, noturnos, orações, versículos, responsórios, vésperas e os ofícios de nossos breviários. Seus arranjos e divisões peculiares mostram que são oriundos da era apostólica. A Última Ceia começou com os serviços sinagogais que sempre eram recitados à noite antes de dar início ao festim da páscoa judaica, e esta é a razão daquele antigo costume de rezar o ofício, até a tércia, antes de rezar Missa.

Foram muitas as disputas entre cristãos e judeus referentes ao Crucificado; por fim, a sinagoga excluiu os apóstolos, que então passaram a ir às casas dos convertidos. Eles constataram que o serviço sinagogal não servia para o Sacrifício Eucarístico. Novos elementos, a divindade de Cristo, a Presença Real, o sistema sacramental e grande número de outras verdades haviam sido acrescidas ao judaísmo.

Sobre a base da liturgia da Última Ceia, eles alicerçaram novos ritos — liturgias da Missa que se transmitiram de viva voz, até que, mais tarde, foram postas por escrito. Estas eram ditas nas línguas do povo. Os cristãos orientais afirmam que as suas liturgias chegaram até nós inalteradas desde os apóstolos. Numerosos termos hebraicos incorporam eles nessas liturgias, tais como: Amém (“assim seja”); Aleluia (“louvai a Jehová’); Hosana (“salva, eu te rogo”); Sabaot (“exércitos”); “o Senhor esteja convosco”; “a Paz seja convosco”, etc.

Mostramos como o Espírito Santo inscreveu uma verdade religiosa em cada objeto e gesto do culto praticado no Templo e na páscoa judaica. A liturgia e o cerimonial da páscoa judaica estavam carregados de tipos, de imagens e de símbolos do Messias, de sua Paixão e do Sacrifício Eucarístico. Quando os apóstolos instituíram as liturgias da Missa, eles seguiram a lição que Deus ministrara no culto e no cerimonial judaicos. Cada objeto, movimento e cerimônia da Missa ensinam às pessoas verdades que estão embutidas nas funções litúrgicas, de maneira que a Missa é um livro escrito pelo próprio Deus por meio dos apóstolos. Esses ritos e cerimônias nós explicamos em uma obra anterior (Teaching Truth by Signs and Ceremonies – “Ensinando a Verdade com Sinais e Cerimônias”).

Os apóstolos exerciam as funções sinagogais, liam a Lei e as Profecias, e em seguida pregavam, exortando o povo a levar uma vida reta. A “Mesa do Senhor” era preparada com velas, flores e enfeites (At 20,7-11). Os doze sacerdotes liam junto com o apóstolo as orações da liturgia, e desse modo celebravam eles a Eucaristia. Eles faziam uma coleta para o sustento da religião (2Cor 9,1-15; Justino Mártir, Aplogo., I). Algumas vezes essas ofertas eram enviadas para os convertidos pobres de Jerusalém (Ibidem).

O apóstolo permanecia junto deles instruindo, fazendo conversões, até que se formasse uma assembleia. Então, escolhia doze dentre eles e ordenava-os sacerdotes, chamados em grego “presbíteros”. Ele impunha as mãos sobre um deles e ungia-o bispo, sagrando-o com os óleos santos, como era costume na ordenação dos rabis e dos juízes de Israel, muito antes do tempo de Cristo. Muitas obras da Igreja primitiva mencionam esses fatos.

Assim, as Homilias Clementinas (esta obra, de autenticidade duvidosa, é mencionada por Orígenes, Cap. 22, Filocalia e outros escritores como existente no começo do século III) dizem que Pedro fundou uma igreja em Tiro e pôs à sua testa como bispo um dos presbíteros, e então partiu para a Sidônia (Hom. VII, Cap. V), onde fez o mesmo (Hom. VII, Cap. VIII), assim como em Beirute e em Laodiceia (Hom. VII, Cap. XXII).

“E tendo-os batizado nas fontes que ficam perto do mar, e tendo celebrado a Eucaristia, e tendo nomeado Maroones como bispo deles, e tendo separado doze presbíteros, e tendo designado diáconos e disposto as questões relativas às viúvas, e tendo pregado acerca do bem comum o que era proveitoso para o ordenamento da Igreja, e tendo recomendado a eles obedecer ao bispo Maroones, três meses inteiros havendo se passado já, ele (Pedro Apóstolo) disse adeus aos de Trípoli da Fenícia e fez sua viagem até Antioquia da Síria, acompanhando-o o povo todo, com a honra devida.” (Homilias Clementinas, Hom. XI, Cap. XXXVI. Ver J. Iahn, Archeologia Biblica. De Liturgia Apostolica, etc)

Essa curiosa obra da antiguidade afirma que eles se reclinavam à mesa ao comer (Ibidem, Hom. x, Cap. xxvi), e mostra-nos que Pedro se paramentava como os bispos de nossos dias. Quando Clemente pediu permissão para ir junto com ele, Pedro respondeu sorridente:

“Pois quem mais há de tomar conta destas várias túnicas esplêndidas, com todas as minhas trocas de anéis e de sandálias?” (Hom. XII, Cap. VI)

A Constituição Apostólica diz (alguns, como Whiston, Bunsen, etc., julgam que com poucas corrupções estas venham da era apostólica — outros, que vêm do segundo ou terceiro século. Livro VII, seção iv.):

“Agora, no tocante àqueles bispos que foram ordenados contemporaneamente a nós, nós vos damos a conhecer que são eles os seguintes: — Tiago, bispo de Jerusalém, irmão do Senhor (ele era seu primo que, segundo o costume judaico, era chamado seu irmão); o segundo foi Simeão, filho de Cléofas (Cléofas era irmão de São José, o esposo da virgem. Ele se casou com Maria irmã da virgem, da qual teve quatro filhos e duas filhas. Seu filho mais velho recebeu o nome de José; o segundo, Tiago chamado Alfeu; o terceiro, Judas Tadeu; e o quarto, Simão. Sua primeira filha recebeu o nome Maria, o mesmo de sua mãe; a segunda, Salomé, casou-se com Zebedeu, do qual teve Tiago e João apóstolos. Era Cléofas quem ia para Emaús junto de outro discípulo depois da crucifixão, a quem o Senhor encontrou no caminho. Ver Dutripon, Concordantia S. Scripture, verbete Cléofas), depois do qual o terceiro foi Judas, filho de Tiago. De Cesareia da Palestina, o primeiro foi Zaqueu (este era o rico publicano de Jericó, um coletor de impostos “de baixa estatura” (Lc 19, 2-6), que escalou o sicômoro para ver o Senhor, quando ele passava pela cidade a caminho de Jerusalém para morrer. Hospedou o Salvador naquela quinta-feira à noite, e a ele Jesus disse: “Neste dia a salvação entrou nesta casa” (Lc 19, 9). Os escritos rabínicos mencionam um Zaqueu que vivia em Jericó nessa época, que fora outrora publicano), depois do qual foi Cornélio, e o terceiro foi Teófilo. De Antioquia, Evódio ordenado por mim, Pedro; e Inácio, por Paulo. De Alexandria, Aniano foi o primeiro ordenado por Marcos, o evangelista. Da Igreja de Roma, Lino, filho de Cláudia, foi o primeiro (mencionados por São Paulo, 2Tm 4, 21), e Clemente depois da morte de Lino, o segundo ordenado por Pedro. De Éfeso, Timóteo ordenado por Paulo, e João por mim, João. De Esmirna, Aristo o primeiro (isto é um erro, pois Policarpo foi o primeiro bispo de Esmirna), depois do qual Estráteas, filho de Loide (era avó de Timóteo, 2Tm 1, 5). De Pérgamo, Gaio. De Filadélfia, Demétrio, por mim. De Atenas, Dioniso. De Trípoli, Maratones, etc., — Estes são os bispos aos quais nós confiamos as dioceses no Senhor.” (Const. Apost., L. VII, Sec. IV, XLVI. Citamos isso como um espécime desta obra antiga peculiar, sem garantir a sua autenticidade)

Ao dizer: “Crescei e multiplicai-vos” (Gn 1,22; 8,17; 9,1), Deus abençoou o homem e os animais, a fim de que propagassem sua espécie. Seguindo esse exemplo, o patriarca abençoava seu filho mais velho, fazendo dele o herdeiro de sua propriedade e sacerdócio, e no seu leito de morte abençoava todos os membros da família. Ao fim do cerimonial do Templo, o sumo sacerdote abençoava as multidões, e o rabino despedia com sua bênção a assembleia.

Em conformidade com essas cerimônias da Igreja judaica, ao subir ao céu Cristo abençoou seus discípulos.

“E erguendo as mãos ele os abençoou. E sucedeu que enquanto os abençoava ele partiu, subindo ao céu.” (Lc 24,50)

Seguindo esses exemplos, o celebrante abençoa a assembleia no fim da Missa. Isso encerrava a Missa na Igreja primitiva, e mais tarde se adicionou o Evangelho de S. João. Logo, quando as pessoas pedem a bênção do padre ou do bispo, estão seguindo o antigo costume da Igreja hebraica. Essa bênção tem sua forma mais alta na Bênção Apostólica do Papa, que remonta aos dias dos Apóstolos e dos Patriarcas.
Vejamos agora as vestes litúrgicas que Cristo e os Apóstolos usaram na Última Ceia, pois nelas encontraremos a origem dos paramentos da Igreja.

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