Capítulo XIX
Quantas vezes ao entrarmos nas nossas Igrejas nos causa pena, muita pena, a indiferença, a falta de fé com que parte da assistência, sobre tudo os homens, ouve missa!
Já pensaram os nossos leitores na gravidade da culpa em que incorrem tantos cristãos ao portarem-se e bastas vezes na Igreja com a mesma sem-cerimônia que usam em casa? Em alguns a temeridade chega a ponto de levá-los a olhar para todos os lados, a dar fé dos que entram e saem, a pensar em assuntos mundanos e a conversar inútil e descaradamente em quanto no altar se celebra o tremendo Sacrifício, Mistério augustíssimo ante o qual os próprios Anjos velam respeitosos o rosto.
Podia Cristo dizer-lhes, tão justificadamente como as disse aos vendilhões do Templo aquelas palavras que o Evangelho nos transmitiu:
«A minha casa é casa de orações é vós a tornastes covil de ladrões»
Corneille de la Pierre explica bem que:
«As Igrejas cristãs são verdadeiramente a casa de Deus, visto que Jesus. Cristo nelas reside real e pessoalmente no Santo Sacramento»
Ora se Nosso Senhor expulsou às chibatadas os judeus profanadores do Templo, porque não havia de expulsar do mesmo modo os cristãos que profanam as Igrejas?
Transcrevem os Bolandistas esta passagem da Bem-aventurada Verônica do Binasco:
«Um dia, quando ouvia missa, pus os olhos numa freira de joelhos perto do altar. E logo um Anjo, que costumava conservar-se ao meu lado, me repreendeu tão severamente, que julguei morrer de medo. Olhou para mim severamente e preguntou-me com aspereza:
— Por que motivo assim deste largas ao coração? Por que razão olhaste com curiosidade para tua irmã? Fica sabendo que pecaste.
Continuou no mesmo tom e, por ordem de Deus, impôs-me, para castigo da minha falta, uma dura penitência que me valeu três dias de lágrimas. Agora, quando assisto ao Santo Sacrifício, nem ouso mexer a cabeça, tão grande receio tenho de ofender a Majestade divina»
Por esta confissão de uma alma que o Céu iluminava do alto, podemos ver quanto desagrada ao Senhor a liberdade do olhar durante a Missa.
Se a simples curiosidade merece censura, que diremos das conversas e das outras faltas e irreverências que tantas vezes vemos nas Igrejas?
É muito mais fácil calar a boca do que fixar a vista. Assim também, falar na Igreja é geralmente pecado maior de que n’ela deixar os olhos divagar.
São Cesário é de opinião que quem falta à Missa, tem menor, culpa que os que importunamente falam durante a celebração do Mistério, porquanto estes distraem o próximo. Desculpais-vos, dizendo que preciso é responder aos que vos interrogam? Pretexto vão! Só um motivo muito grave e necessidade urgente podem desculpar o ato de falar com demora, enquanto se reza a Missa. Quantas pessoas a ouvem mal por isso?
Convém, pois, saber que contraímos pesada responsabilidade, cada vez que tomamos parte nas conversas dos outros.
De joelhos
Acrescentaremos que se deve assistir à Missa, de joelhos, com o maior respeito, como São Paulo parece indicar no celebre texto:
«Dobrem-se, ao nome de Jesus, todos os joelhos no Céu, na terra e nos infernos»
Conservemos principalmente essa atitude respeitosa e humilde enquanto o Divino Salvador está sobre o altar, isto é desde a Consagração até à Comunhão. Muitas pessoas têm o péssimo costume de estar de pé durante a Missa.
Ajoelharão talvez à Comunhão para logo depois se levantarem. Ora isto não é decente nem está em concordância com a fé católica. Quem vê esses assistentes levantarem-se, poderia supor que Jesus Cristo já não está sobre o altar.
Vê-se, às vezes, pessoas sentadas depois da Consagração. Se razões de saúde as obrigam a sentar-se, ajoelhem ao menos, desde a Consagração até à Comunhão.
As senhoras
É vergonha dos católicos portarem-se nas suas igrejas, como nem os protestantes nem os judeus procedem nos templos deles. Maior vergonha ainda é ver no recinto sagrado mulheres e moças, trajadas como se fossem para um baile ou para um teatro.
São Paulo condena tão deplorável abuso:
«Toda a mulher que ora… (diz) não tendo a cabeça coberta, desonra a sua cabeça»
O Papa São Lino, baseado neste texto, decretou que todas as mulheres estivessem de cabeça coberta nas Igrejas; e São Carlos Borromeu estatue que se recuse a entrada às que de outro modo se apresentarem, porque, segundo Clemente de Alexandria, a vaidade delas é laço em que podem cair os corações dos homens. Dirigem-se menos estes severos avisos às camponesas e operárias cujo trajo é geralmente modesto, do que às senhoras de certa posição, que demasiadamente se adornam por vaidade e orgulho.
Thomas More, o célebre chanceler de Henrique VIII da Inglaterra e mais tarde glorioso mártir da fé, disse um dia a sua filha, em extremo apurada no vestuário:
«Deus infinitamente justo, se em paga de todo esse vosso cuidado vos não der o inferno, cometerá certamente uma injustiça clamorosa»
Tomem tento neste conselho as mulheres a quem o desejo de agradar preocupa excessivamente.
«Sois alguma noiva que vai para a boda? — perguntava um dia São João Crisóstomo a uma das que assim procedem. — Se entrais no lugar sagrado para implorar misericórdia, de que serve esse luxo? É esse o trajo da cristã arrependida? Não somente saireis sem justificação, como ainda aumentareis o número das vossas dívidas e provocareis novamente a ira do Céu contra vós»
Conta Tomás de Cantimpré, que uma criança de sete anos, ao passar diante de um cruzeiro, quando ia à Missa com sua mãe, ricamente vestida, lhe disse:
«Olhai para Cristo suspenso na Cruz, nu e ensanguentado. Não vos envergonhais de ir ouvir Missa, tão ricamente vestida? Vede não acabeis por cair eternamente no inferno, com esse tão lindo vestido»
A mundana julgou ouvir a voz de Deus na do inocente. Logo depois da Missa, voltou para casa, pôs de parte seus atavios, passou a vestir-se com simplicidade e, quando enviuvou, entrou num convento. Seu filho, pouco depois, foi admitido na Ordem Dominicana.
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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 123-126)