Capítulo XII
Os minutos de cada dia em que assistimos aos santos Mistérios são mais preciosos que todos os outros. São verdadeiramente minutos privilegiados e tudo aquilo que então fazemos torna-se um tesouro para nós. As outras horas do dia comparadas a estes minutos não são senão vil metal ao lado do ouro mais puro; pois que todos os bens temporais têm infinitamente menos valor que uma só Missa.
Oh! Se vós, Cristãos, refletísseis nisso como seríeis assíduos em assistir ao Santo Sacrifício! Quanto ganham durante meia hora, o camponês que cultiva o seu campo, ou a costureira dando pontos? Uns vinténs apenas. Insensatos, pois, se invocam os seus afazeres para fugirem à Missa! Por uma só Missa enriquecer-se-iam de tal forma que o ganho chegaria para comprarem o Céu, e sacrificam esta fortuna a um trabalho pago com duas ou três moedas de cobre! Digamos, porém, mais: beneficiariam por todos os lados, pois que, na sua liberalidade, Deus compensaria a meia hora de cada dia tirada ao trabalho tornando depois este mais proveitoso.
Ainda uma outra reflexão para patentear melhor como é desarrazoada aquela negligência. Se das nuvens caísse ouro, não poríeis de parte as vossas ocupações? Não correríeis apanhá-lo? Pois bem, em cada Missa, ouro precioso cai do Céu. Este ouro é o acréscimo de graça divina, de virtude, de merecimentos, de glória celeste; é a consolação e a piedade, é a benção divina na ordem do tempo, é o perdão dos pecados, é o indulto da pena, é participação nos merecimentos de Jesus Cristo. Este ouro,
é a felicidade, a graça, a misericórdia, coisas todas de infinito valor.
Que mais diremos? Podemos dizer ainda que se, pelas nossas boas obras, aumenta a felicidade dos Anjos e dos Santos, pela Missa enchemo-los de alegria; se, pelas nossas boas obras, adquirimos uma fortuna, pela Missa proporcionamo-nos uma infinita recompensa. Esclareçamos esta verdade por meio de uma comparação. Dois trabalhadores foram cavar para uma vinha; um deles encontrou um tesouro; o outro nada achou e continuou a trabalhar ao suor do seu rosto até à noite, recebendo então o salário do costume e nada mais. O outro após a descoberta deitou-se a descansar, passou o dia sem ter de trabalhar, mas apesar disso ganhou cem vezes mais do que o companheiro. Assim sucede com as nossas diversas ocupações. Ainda que desempenhadas com a maior devoção não são dignas senão do salário vulgar, ao passo que a Missa é um tesouro.
A Santa Missa é o meio mais seguro de obter a proteção dos Santos para a hora da nossa morte, hora em que tanto carecemos dessa proteção. Nosso Senhor disse a Santa Mechtilde que, à hora da morte, enviaria em nosso socorro tantos santos quantas as Missas que tivéssemos ouvido.
Habituemo-nos a assistir diariamente à Missa. Se, porém, os deveres do nosso estado nos não permitem a frequência assídua à Igreja mandemos, ao menos algumas vezes dizer Missa a fim de suprir as nossas omissões no serviço de Deus e de pagar a enorme dívida que contraímos pelos nossos pecados.
E quem não puder assistir e não tiver meios para mandar dizer Missa, que há de fazer? Para esses temos este conselho a dar:
Hão de certamento conhecer algum homem, alguma mulher, alguma família multo necessitados e a quem seja precioso algum auxílio. Prestam-lhe, pois, esse auxílio e depois quando eles mostrarem o seu reconhecimento peçam-lhes que quando as suas ocupações nos dias feriados lhes permitirem ouvir Missa a vão ouvir por sua in tenção. Por certo acederão gostosamente ao desejo dos que os auxiliaram, indo eles próprios ou mandando seus filhos à Missa. E então os que a ela não podem assistir ter-se-ão proporcionado a felicidade de ter, enquanto desempenham as suas obrigações, um representante junto do altar. Esta prática é sumamente vantajosa.
Nem faça dúvida esta possibilidade da assistência de uma pessoa por outra ao Santo Sacrifício. Com a audição da Missa não acontece o mesmo que sucede com a Comunhão. Comungar por outrem seria em certo modo pensar em comer por outrem e não é possível fazer com que outrem aproveite do alimento que tomamos. Não se infira daqui, porém, que as nossas comunhões, sob outros pontos de vista, não possam ser muito úteis aos nossos irmãos. Com efeito: muitas vezes oferecemos a Comunhão pelas almas do Purgatório. Quer dizer: aproveitamos o grau particular da graça de Deus a que nos elevamos para pedir, com mais ardor e confiança, pelos fiéis da Igreja padecente. É este o verdadeiro sentido daquela expressão. Mas é diferente o que sucede com a Missa. O Santo Sacrifício não foi instituído apenas para quem a ele assiste ou para os que o oferecem. Jesus Cristo pode ser imolado a favor dos ausentes, tanto pelo sacerdote, como pelo povo. Na verdade, como o padre diz no Memento dos vivos, os que assistem à Missa oferecem-na por si próprios e pelos seus. Mais ainda: — podem aplicar a outrem uma parte dos merecimentos que tiram do Santo Sacrifício e das riquezas satisfatórias que dele colhem. O papa Leão III não conhecia melhor socorro do que a Missa e celebrava-a com grande devoção, não apenas uma ou duas vezes por dia, mas ao menos sete e por vezes nove, como nesse tempo era permitido.
O santo bispo Ulrich tinha por costume cantá-la três vezes, a não ser que a doença ou algum negócio importante disso o impedissem.
Santa Hedwiges, duquesa da Polônia, ouvia diversas Missas todas as manhãs e, se não havia bastantes padres na sua capela, mandava chamar outros indenizando-os do transtorno que lhes causasse. Rainaldi refere que São Luiz, rei de França, assistia sempre a duas Missas e muitas vezes a quatro. Tendo-lhe constado que certas pessoas o criticavam, achando que esse hábito era próprio de monge e não de rei e que melhor faria se em vez de passar as manhãs na Igreja dedicasse esse tempo aos negócios públicos, deixando a Missa aos padres, mostrou-lhes o seu espanto por essas queixas fazendo-lhes ver quanto era desarrazoado que o criticassem por empregar assim uma parte do seu tempo, quando por certo ninguém o censuraria se aos jogos ou à caça dedicasse o dobro desse tempo. Excelente lição que não se aplica somente à côrte de Luiz IX, mas a muita outra gente. Com efeito: muitos pensam que perdem muito tempo e proveito se, nos dias de semana, ouvem uma ou duas Missas, mas não têm escrúpulo de dispender longas horas a conversar, a jogar ou a dormir. Que cegueira! Segundo conta o mesmo Rainaldi, Henrique I, rei da Inglaterra, assistia três vezes por dia ao Santo Sacrifício, ainda que estivesse cheio de trabalho com os negócios do Estado. Ao receber um dia a visita do rei de França, disse-lhe este, que se não devia ir à Missa com tanta frequência como aos sermões. Assim será, respondeu Henrique I; comigo, porem, sucede que terei mais satisfação em ver as feições de um amigo do que em ouvir tecer louvores dele. Da mesma forma pensamos nós e muitas vezes aos que nos perguntavam se era preferível assistir à Missa a ouvir uma prática, temos respondido darmos preferência à Missa.
Era a devoção a que mais queria o bem-aventurado Antonio de Stroncone. Ajudava à Missa com tal fervor e tinha tanta consolação, que perdia a vontade de beber e comer. Se houvesse Missas desde a aurora até à noite não sairia da Igreja. Mesmo na sua velhice e quando já com grande dificuldade se movia, não deixava de assistir aos santos Mistérios. Até quando já estava em artigo de morte quis sair da cama para ir à Missa. Aos religiosos que o aconselharam a não o fazer, receosos de que este esforço acabasse de lhe esgotar as forças, respondeu:
«Se soubésseis quais são os benefícios que a alma recebe na Missa não falaríeis assim»
Segundo Baronio, o imperador Lotário ouvia todos os dias três Missas, mesmo que estivesse em campo com os exércitos. Larius conta que Carlos Quinto apenas uma vez faltou à Missa. O breviário romano menciona a emoção, avizinhando-se do êxtases, que à Missa sentia São Casimiro. Lê-se na Vida de São Wenceslau que, tendo o imperador Otão convocado os príncipes e senhores a reunir em Worms, avisou-os para comparecerem de manhã cedo no palácio para o conselho. Antes, porém, de se dirigir para ali, foi o Duque de Boemia ouvir Missa. Entretanto juntavam-se o imperador e os outros príncipes, impacientando-se com o atraso em que ele se achava, a ponto do imperador Otão, exasperado, dizer aos presentes que, se o Duque ainda viesse, ninguém se levantasse e lhe desse lugar. Terminada a Missa, chegou o Duque, e o imperador viu que a seus lados vinham dois anjos. Imediatamente se levantou, desceu do trono e foi ao seu encontro abraçando-o. A assembléia deixou perceber o seu espanto por ver o imperador faltar assim ao que determinara. Então ele desculpou-se dizendo que não tinha podido deixar de prestar homenagem ao Duque por causa dos anjos que o acompanhavam.
O célebre marechal Tilly era fiel à mesma devoção, fossem quais fossem os perigos que corresse. Os seus contemporâneos tiveram conhecimento de um fato que bem mostra como esta assiduidade agradava a Deus. Conta-o o Pe. Gobat e passou-se durante a campanha de 1663. Certa manhã, estando o marechal a ouvir a Missa dita numa quinta pelo seu confessor o Pe. João Pierson, veio o barão de Lindela comunicar-lhe que o Duque Cristiano de Brunswick ia em marcha na direção do campo imperial.
«Meu caro Lindela, respondeu Tilly, como vê estou aqui preso por um negócio urgente. Regresse depressa ao campo; ponha as tropas em linha, que eu lá irei ter logo que a Missa termine»
O barão obedeceu. Mas ao chegar ao campo persuadiu-se de que o marechal mudara de ideia pois que o viu a cavalgar no meio das tropas, que animava com vigor a correr sobre os hereges. Pouco tardou a ser destroçada a cavalaria inimiga e a infantaria morta e aprisionada. Terminada a Missa, sem que antes tivesse saído da Igreja, o marechal monta a cavalo e galopa para o campo de batalha onde nota com surpresa o sucesso dos seus. Confirmada a vitória e partilhados os despojos dirige-se a Lindela e pergunta-lhe de que resultaria aquele glorioso triunfo.
«A presença de Vossa Excelência, responde o oficial, animou os soldados. Quando regressei ao campo bem o vi penetrar nas linhas inimigas seguido da nossa cavalaria»
Reconheceu então Tilly a assistência do Céu, pois que ele bem sabia não ter chegado senão no fim do combate. Calou-se, porém, para não mostrar que fora considerado digno de ser favorecido por um prodígio. O Pe. Pierson revelou, no entanto, que o marechal assistira à Missa até ao fim e assim ficou provado que o Anjo da guarda do capitão austríaco se tinha batido em seu lugar, como outrora o tinha feito, contra os mouros, o celeste protetor de um general espanhol.
Se, pois, os reis, se as altas individualidades sobrecarregadas com os negócios públicos, ouviram com fervor, todos os dias da sua vida, não só uma, mas diversas Missas, como é que nos desculparemos perante Deus de lhe termos sido infiéis, nós que só temos ocupações triviais? Temamos que o supremo Juiz com toda a justiça diga a nosso propósito:
É «servo inútil, ligai-lhe as mãos e os pés e lançai-o nas trevas exteriores: ali onde haverá choro e ranger de dentes» (Mt 25, 30)
A Missa na hora da morte
Um bom homem, conta Pinelas, que toda a sua vida ouvira Missa assiduamente, pondo toda a confiança nessa santa prática, ao chegar a sua última hora, morreu tranquilamente. O seu pároco contristado pela perda de um paroquiano tão edificante aplicava-lhe todos os seus sufrágios. Ao cabo de um certo tempo apareceu-lhe esse indivíduo resplandecente de luz.
«Quem sois»? — preguntou-Ihe o sacerdote.
— «Sou aquele homem por quem tens orado com tanto fervor».
— «Em que situação vos encontrais no outro mundo ?»
— «Pela graça de Deus estou no numero dos escolhidos.e embora não tenha necessidade das vossas orações, agradeço-vos carinhosamente»
O pároco então perguntou-lhe qual dos atos de virtude com que o defunto enriquecera a sua vida, tinha sido mais precioso aos olhos de Deus e mais agradável à Sua Divina Majestade.
«Foi a assistência diária à Missa, lhe respondeu ele; foi isso que me valeu uma morte sossegada e um julgamento misericordioso»
Almas tímidas, tomai ânimo! É-vos fácil seguir o exemplo deste bom cristão, sobre tudo se habitais uma cidade onde se celebram Missas a todas as horas da manhã, o que vos permite escolher o momento mais favorável, em relação ao vosso trabalho ou aos deveres do vosso estado. Enquanto àqueles que, apesar do seu desejo, não podem ir à Igreja, devem tirar um quarto de hora às suas ocupações e consagrá-lo a ler as orações da Missa; é esse também um meio excelente de nos prepararmos para uma boa morte.
A fé nos confirmará na esperança segura da vida eterna que o Santo Sacrifício da Missa nos garante. Assim pensavam os Santos Padres que também se preparavam para a morte pela devota celebração da Missa.
São Teodoro Studita, zeloso defensor da fé católica contra os iconoclastas, caíra gravemente doente. Já o apertavam as ânsias da morte, quando implorou do Senhor a graça de celebrar os santos mistérios a fim de por eles se preparar para a luta suprema contra o inimigo infernal. Apenas acabada a oração, o mal diminuiu de intensidade. Levantou-se o Santo, foi à Igreja e disse Missa com tal fervor e compunção, que arrancou lágrimas a todos os assistentes. Foi essa a sua última e melhor preparação; porque, mal desceu do altar deitou-se sobre o seu leito e extinguiu-se docemente na paz do Senhor.
São Tarasino, patriarca de Constantinopla, igualmente devoto fiel da Missa, vencia as dores físicas e reanimava as forças esgotadas pelo seu ardente amor por Nosso Senhor. Quando ao celebrar já não podia conservar-se de pé, encostava o peito ao altar.
Assim continuou até ao dia em que a sua alma voou para o seio dAquele que os seus lábios tantas vezes e tão piedosamente fizeram descer sobre o altar.
Muitos piedosos sacerdotes têm a mesma devoção e não conhecem melhor preparação para a morte do que a Missa quotidiana.
Jesus Cristo o prometeu a Santa Mechtilde, como já referimos:
«À hora da morte Eu protegerei e consolarei aqueles que tiverem assistido assiduamente ao Santo Sacrifício da Missa; enviarei ao seu encontro para os acompanhar ao meu tribunal tantos grandes da minha côrte, quantas Missas eles tiverem ouvido»
São Bonifácio, bispo de Mayence, conta numa carta a sua irmã este caso de um religioso ressuscitado:
Quando apareci diante de Deus para ser julgado, todos os meus pecados se apresentaram diante de mim como outras tantas figuras vivas e horrendas. Um dizia: Eu sou a vaidade pela qual te elevavas acima do teu próximo.
E outros: Eu sou as mentiras que proferiste. E nós a multidão de palavras inúteis que disseste; e nós ainda, as distrações, os pensamentos inúteis a que te entregaste na igreja e noutras partes.
E assim uma multidão de espectros me rodeou acusando-me com medonhas vozes, destes pecados e de todos aqueles que eu omitira na confissão por negligência, por esquecimento ou por ignorância. Também ali estavam os demônios que precisavam as ocasiões, os lugares e as circunstâncias em que me tinha tornado culpado. Por fim as raras boas obras que eu tinha feito durante a vida apresentaram-se por sua vez, e procuravam ser ouvidas: Eu sou a obediência, disse uma, que sempre prestaste aos teus superiores; e eu o jejum com que mortificaste o teu corpo; eu sou, disse uma terceira, a oração a que tanto te aplicaste.
Eu sentia-me consolado à medida que cada uma dessas boas obras se aproximava; os anjos presentes prestavam o seu testemunho, louvando-as muito.
Caro leitor, o que aconteceu a este bom religioso, acontecerá certamente a vós, a mim, a todos os homens. Quando os nossos pecados se apresentarem debaixo de horríveis formas, as nossas ações também ali estarão para nos animar, e se tiverdes ouvido muitas Missas, estas virão todas com a sua doce presença dissipar os vossos terrores. Dirão: Vamos acompanhar-te ao tribunal do justo Juiz, nós, as Missas às quais tão fielmente assististe. Ali te desculparemos, e testemunharemos da tua devoção para com o Santo Sacrifício; diremos quantos pecados já expiaste, quantas dívidas pagaste. Coragem: abrandaremos assim a cólera do Supremo Juiz e alcançaremos o teu perdão.
Que grande consolação para a alma angustiada, encontrar amigos tão fiéis, tão poderosos advogados! Oxalá vos aconteça o que aconteceu a São Nautier, bispo de Breslau. Este prelado tinha uma devoção especial à Missa, e assistia a todas as que se celebravam na sua catedral. No momento da sua morte uma piedosa mulher ouviu uns cantos angélicos, tão suaves, que se julgou transportada ao Paraíso. Como desejasse saber a causa desse prodígio, ouviu uma voz celeste que lhe dizia:
«A alma do Bispo Nautier acaba de se separar do seu corpo, e os anjos transportam-na para o céu»
Perguntou ainda essa mulher, como tinha ele merecido tamanha honra e glória ao que a voz lhe respondeu:
«Pela sua devoção ao Santo Sacrifício da Missa»
Que exemplo tão consolador!
O piedoso prelado evitou o Purgatório e foi levado ao céu pelos anjos, graças à sua devoção pela Missa.
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(E.D.M, Padre Paul Henry O’Sullivan. As Maravilhas da Santa Missa. Lisboa, 1925, p. 84-93)