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Excelentes sentenças sobre a misericórdia de Deus para conforto dos pusilânimes

Capítulo 4. Excelentes sentenças sobre a misericórdia de Deus para conforto dos pusilânimes - Bálsamo Espiritual
Quem perdendo a esperança do perdão divino se abandona à desesperação, não acredita que Deus é Onipotente; pois pensa que há pecados que Ele não possa perdoar; mas também o supõem mentiroso, pois tendo prometido pelo Profeta que apenas o pecador chorar suas culpas o Senhor as esquecerá de todas, contra isto dizem os descendentes de Caim: A gravidade do meu pecado impossibilita o perdão. Blasfemo, o que dizes? Se Deus não pode perdoar, vencido pela grandeza do pecado, tu o privas da Onipotência; se não quer per-doar, O acusas de mentiroso, pois não cumpre o que tantas vezes prometeu por meio dos Profetas.

O Salmo 144 diz que o Senhor é piedoso, clemente e mui misericordioso; manso e suave com todos, e que Sua misericórdia excede todas as Suas obras. Há, pois, coisa mais admirável do que haver criado o Céu com tantas estrelas que o iluminam, a terra com inumerável diversidade de animais, árvores, e tudo o mais, haver criado exércitos de Espíritos Angélicos? Quem ousaria afirmá-lo, se o Profeta não dissesse claramente que a misericórdia de Deus excede todas as Suas obras?

Às vezes a Sagrada Escritura chama grande à misericórdia, outras vezes excessiva, também pela palavra multidão encarece sua grande abundância. Davi no mesmo lugar abrange a grandeza e mansidão da divina misericórdia, dizendo: Ó Deus tende piedade de mim conforme a multidão das Vossas misericórdias, purificai-me dos pecados; pois a grande miséria atrai suma misericórdia; considerando a gravidade do crime de Davi, conhecerás a extensão da clemência que o perdoou, atende de quantos modos ele caiu em tal desvario, avaliarás a magnitude da divina bondade, a qual nenhum gênero de pecado exclui, nenhum número determina, Deus, que é nosso Rei, Pai, Senhor e Esposo; quantas vezes fizermos verdadeira penitência, tantas vezes nos perdoa a pena com que nos ameaçara e nos recebe no Seu rebanho, e no seio da Sua caridade, e até esquece os pecados feitos, leva a Seus ombros para o aprisco a ovelha desgarrada, convida a congregação dos Santos para a festejarem alegres; o Senhor vai ao encontro do filho pródigo que volta à casa paterna depois de longa peregrinação, dá-lhe cândidas vestes, o anel, manda matar o melhor cordeiro que tem para saciar-lhe a fome, o que significa isto senão a extrema misericórdia de Deus? O Apóstolo não teme escrever o seguinte aos Efésios:

“É certo que estamos condenados à morte eterna como os Gentios, mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo muito que nos amou, mesmo estando mortos pelo pecado, em Cristo nos deu a vida”

Mais claramente nos dá a entender São João o extremoso amor do Pai por nós, dizendo no Evangelho:

“Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho, para que todos acreditassem nele e alcançassem a vida eterna”

São Paulo escrevendo aos Romanos disse:

“Quem não perdoou a seu próprio Filho, mas entregou-o à morte por amor de nós, e com Ele nos deu tudo, como se podem achar limites em tal misericórdia?”

Nada temos que Deus não nos desse: tudo que somos, podemos, possuímos, é misericórdia Sua; se o Senhor criasse tudo para Si, devia ser louvado Seu poder e sabedoria, porém todas as coisas criou para nós, e ainda desconhecemos Sua infinita bondade? Para quem existe o firmamento, brilha o sol de dia, a lua e estrelas de noite, senão para o homem? A quem dão sombra às nuvens, e a chuva fertiliza os campos, sopram os ventos, correm os rios, rebentam as fontes, movem-se os mares, estão represadas as lagoas? Para quem produz a terra fértil, abundam os animais, todas estas riquezas são para o homem… Nenhuma Deus reservou para Si, entregou-as a ele, e só quer que lhe fosse sujeito.

Muitas vezes o misericordioso Deus costuma dar trabalhos ou para nos purificar do mal que fizemos, ou nos afastar do que íamos fazer, ou como meio de praticar a virtude, assim foi tentado Abraão, Jó, com diversas tribulações, do mesmo modo se purificam neste mundo com varias aflições, como o ouro no fogo, os que querem servir Jesus Cristo. Muitas pessoas quando adoecem, ou lhes morre a mulher ou os filhos, ou se lhes diminuem a fortuna, murmuram contra Deus, não considerando que são os revezes sinais certos da misericórdia divina; ouçamos o que nos aconselha Salomão:

“Meu filho, não despreze o flagelo do Senhor, nem percas o ânimo quando te castigar, pois ama o que pune como seus filhos”

São Paulo diz o mesmo por outras palavras, e aconselha que em havendo tribulação perseveremos na disciplina, como filhos de Deus. Se Sua misericórdia nos concede alguma serenidade, demos-Lhe graças, cuidando de não abusar da Sua benignidade, porém se os desgostos nos cercarem e fatigarem também Lhe havemos de dar graças, e entreguemo-nos à Sua santa vontade, pois para obter a saúde do corpo confiamos em um médico, que é homem, e deixamos um cirurgião ferir-nos, cortar-nos, queimar-nos, não havemos de fiar-nos em nosso Criador, Pai, Salvador, para obter a saúde eterna de nossas almas? Não ousamos dizer ao médico, curai-me desta ou daquela forma, e queremos ensinar a Deus como nos há de salvar?

Cada um investigue sua consciência, e considere de quantos modos, e o número das vezes que tem ofendido a Deus, com quantos defeitos se misturam nossas boas obras, assim compreenderá quanto deve à imensa misericórdia de Deus, que suporta com grande paciência nossa miséria, e tantas vezes nos convida à penitência, e tem gosto sempre que os pecadores se convertem. É mui justo que com lágrimas de sangue chore aquele, que por sua vontade se afasta da fonte da vida eterna, e não acaba de se decidir a fazer penitência, para conseguir o lugar de que se desviara, deixando a casa de seu amantíssimo Pai. Longe do Senhor estava Pedro quando três vezes O negou com juramento, entrou em si lembrando-se das palavras de Cristo, e começou a chorar amargamente, e converteu-se.

Por intermédio de Jeremias, o Senhor convida Seu povo a fazer penitência: meus filhos ingratos convertam-vos, pois ei de ser vosso Esposo; pela boca de Jó o Senhor abre os ouvidos aos pecadores para emendá-los, exorta-os a deixarem as maldades, mas ai daqueles que com pedra e lodo os fecham!

“Hoje, diz Davi, se ouvirdes sua voz, não endureçais vossos corações em quanto tendes vida e Deus não cessa de vos chamar para a penitência, oferecendo-vos o perdão”

Ezequiel também em nome de Deus promete perdão a quem se converte; e que há de esquecer as culpas passadas. Se o pecador fizer penitência e obedecer aos meus mandamentos, há de viver eternamente, diz o Senhor; e mais adiante: deixai as ofensas que me agravaram, buscai ter novo coração e novo espírito, para que haveis de morrer, povo de Israel, eu não quero a perdição de ninguém, diz o Senhor também. Não excluo do perdão nenhuma espécie de culpas, nem a grandeza e multidão delas: emenda-te e teus erros serão esquecidos.

Do fundo d’alma recorremos ao Senhor, que por nós derramou todo o Seu sangue, implorando-O assim:

“Acolhei o bem que fizermos que seja obra Vossa, e purificai-nos do mal que praticamos, enriquecei-nos com Vossos dons para glória Vossa e salvação nossa”

Diz o Senhor pelo Profeta Joel:

“Convertei-vos ao vosso Deus, pois é benigno, misericordioso, sofredor, de muita misericórdia que sobrepuja a malícia humana”

A gravidade de tuas culpas talvez te faça perder o ânimo, mas estriba-te na grandeza da divina misericórdia, vê de quantos modos a encarece o Profeta: diz que Deus é benigno, o que bastará para se não desesperar do perdão, acrescenta: é misericordioso para que entendamos que não só nos favorece nos trabalhos, mas também se compadece de nós, e não contente ainda diz: que é sofredor, como desesperas, pois pecador? Ouve o que se segue: Se os pecados são muitos não desconfies, que a misericórdia também é muita! Basta que te convertas, acudas a quem te chama e convida, mas se te amedrontam as ameaças do castigo, recobra ânimo, sendo tantas vezes ofendido, o Senhor te chama e estimula a fazeres penitência, oferece-te o perdão, deixa as ameaças, perdoa a pena do inferno, não volta às costas ao pecador que se converte e faz penitência, mas o recebe com os braços abertos.

Diz também Zacarias: convertei-vos a mim, assegura o Senhor dos exércitos, e eu me converterei a vós, isto significa, conhecei a própria miséria e buscai minha misericórdia, eu me converterei a vós então aparecerei misericordioso e auxiliarei vossos intentos para o que não puderdes fazer com vossas forças, o conseguirdes com meu divino auxílio.

Ninguém pode ter saudável aborrecimento de seus pecados se Deus não o lhe der, se em vez de coração de pedra, não lhe der um sensível e manso; e em vez do nosso imundo, não criar em nós outro reto, se ao nosso espírito desregrado não substituir outro justo e judicioso: lê com frequência a vida de Cristo e só encontrarás perpetua misericórdia para todos? Graciosamente sarava os enfermos, alimentava os famintos, acudia aos que estavam em grandes perigos, limpava os leprosos, dava vista aos cegos, movimento aos entrevados, expelia os demônios dos corpos, ressuscitava mortos, perdoava aos contritos, absolvia os penitentes; observa também Sua doutrina, em que se expande a imensa misericórdia de Deus, em quantas parábolas nos repete o mesmo, para que não possa esquecer-nos? Vede a da ovelha desgarrada, levando-a aos ombros para o aprisco? A da dracma perdida e achada, a dos sadios que não precisam de médico, a do servo a quem foi perdoada toda a dívida, a do credor que perdoou a ambos os devedores, a do Publicano e Fariseu, a do caminhante ferido pelos ladrões a quem curou o Samaritano, a do mordomo benigno com os devedores, a do filho pródigo a quem o Pai acolheu? Até a palavra Evangelho não promete clemência? Vista a cegos, liberdade a cativos, movimento a paralíticos, enfim causa grande contentamento ao Senhor que tanto deseja o bem dos homens. O nome de Jesus significa Salvador, não consolida a esperança da salvação? Para que esta seja mais firme o Filho de Deus subiu ao altar da Cruz, onde se ofereceu por nossos pecados em eficássimo sacrifício para expiá-los todos; crucificado orou por aqueles que o injuriavam, afrontavam e crucificavam, pensas tu, que se conhecem, confessas teus pecados, pedes misericórdia, o Salvador lhe a recusará? Tem confiança, a qual sendo verdadeira e firme tudo alcança, o que desconfia do médico pede sua cura. A Cananeia implora Cristo, e sua filha recobra a saúde; o Centurião confia, e conserva-se-lhe a vida do seu servo, que estava paralítico. O príncipe da Sinagoga recorre ao Senhor e sua filha ressuscita; um pai pede, e seu filho fica livre do espírito maligno; os Apóstolos clamam a seu Mestre, nós nos afogamos, e salvaram-se; até a muitos o Senhor não esperou que lhe pedissem: viu a fé dos que lhe traziam o paralítico, e lhe disse: confia, filho, que teus pecados estão perdoados; uma consternada Mãe somente chorava e os que a acompanhavam e o jovem morto levantou-se vivo; Marta e Maria choram, e Lázaro ressuscita; Madalena pecadora unge e beija os sagrados pés do Salvador, e escuta-O dizer-lhe: Estão perdoados teus pecados; pede com instância quem conhece a extensão de seu mal, e com feliz êxito, quem confia em Deus. A mulher que padecia fluxo de sangue tocou nas vestes de Cristo, logo sentiu o efeito da virtude que dela saia; se não te atreves a chamar a Cristo, se não podes tocá-lO, ao menos de joelhos roça suas vestes, recorre a algum Santo em quem resplandeça a piedade, para que te recomende ao misericordioso Senhor, sempre disposto a salvar, veio ao mundo, e o manjar que o sustentava era atrair os pecadores para a penitência. Os cegos e ingratos são aqueles que desprezam misericórdia tão disposta a valer-lhes; porém mais infelizes os que desesperam da boa vontade que benignamente se lhes oferece, com facilidade se aplaca, e a custo pune; o que significa a voz que soou assim: por que haveis de morrer casa de Israel?

Deus faz tudo para nosso bem, e nós queremos perder a esperança de alcançá-lO? No Evangelho vê-se que o Senhor chorou sobre Jerusalém, que continuando a pecar promovia sua perdição; quantas vezes te quis reunir como a galinha recolhe debaixo de suas asas a seus tenros filhos, e tu não quisestes… O clementíssimo Senhor chora porque os miseráveis não O deixam salvá-los, e nós poderemos desanimar? No Evangelho todos se alegram por que o filho morto ressuscitou e achou-se o perdido; o bom Pai anima os Anjos e Santos a se alegrarem quando um pecador se converte, e tu miserável desesperas, dificultas tua salvação que tanto gosto daria ao Senhor? Que deveras se alegra com a emenda dos maus; podemos pensar que negará o perdão a quem fizer penitência, fugindo das culpas? Convida a todos para as Suas bodas, e quer Sua casa cheia, obriga até os cegos e coxos a entrarem, porque te deténs? E não tens ânimo para deixar a comida dos porcos? Para que resistes à misericórdia do Senhor?

Que maior desvario pode haver do que privar-nos dos bens eternos por coisas transitórias e caducas? Que maior sabedoria do que lucrar a imortalidade à custa de breves sofrimentos? Loucos são os que perseveram nas culpas, e discretos os que emendam a vida. Com quantos trabalhos buscamos o ouro… E desdenhamos o tesouro de misericórdia oferecido? Que loucura se desesperar-se o pecador? As riquezas mundanas dando-se se esgotam, mas o manancial da divina misericórdia nunca se pode amesquinhar. Deus prometeu aos homens, diz São Paulo, e não pode faltar à Sua promessa, o Senhor por meio de Isaías diz aos Israelitas, que todos estavam contaminados pela maldade. Lavai-vos, reprimi os maus pensamentos, deixai o mal, habituai-vos a fazer o bem, procurai que se faça justiça, socorrei os oprimidos, acudi aos órfãos, defendei as viúvas, e vinde, a mim, que não vos ei de desamparar. Se vossos pecados forem imensos, eu vos purificarei de todos, se me obedeceres comereis a nata da terra; quem será tão desavisado que se não queira salvar? Como é fácil obedecermos a um Pai amorosíssimo, que só nos ordena o que nos conduz para a Bem-aventurança? Fazei penitência, pois o Reino do Deus está mui próximo: o Filho o promete, o Pai é o fiador, e recebemos como prenda o Espírito Santo, e hesitas em aceitar tal benignidade? Os Apóstolos também dizem: Fazei penitência, batizai-vos em nome de Jesus Cristo, para se perdoarem vossos pecados, e receberdes o Espírito Santo; desdenhai esta vida miserável, torpe e mesquinha e alcançareis à eterna, acodem ao chamamento soldados, mulheres imundas, idólatras, malfeitores, incestuosos, ninguém é excluído, a todos está aberta a porta da misericórdia, esquece-se a vida passada com tanto que haja verdadeira emenda.

Assim como a terra regada com abundantes águas do Céu, se aquele que a cultiva com desvelo dá somente espinhos e abrolhos, é péssima, e lança-se no fogo o que produz; também às vezes Deus entrega os pecadores que obstinadamente desprezam Sua divina bondade, a um entendimento depravado, não é, pois, ato de prudência dilatar a emenda da vida, mas atendendo à voz do Senhor, que nos convida, devemos logo despojar-nos do velho homem e seus viciosos apetites, pois se resistirmos, em castigo poderá suceder que não nos ouça quando O implorarmos; terrível ameaça faz o Senhor aos que não querem ceder-Lhe quando misericordiosamente os chama, pois diz: Desdenhastes meu chamamento, dei-vos a mão, e a repelistes, desprezastes minhas admoestações e conselhos, rir-me-ei de vós na hora da morte, quando vos vir reduzidos aos recursos terrenos que só apreciáveis e vão escapar-vos: chegou-vos a morte como tempestade que inesperadamente se levanta então me chamará opressos com angústias, e não vos socorrerei, madrugareis para invocar-me, e não vos acudirei, por que aborrecestes a correção e não tivestes meu santo temor, não obedecestes a meus mandamentos, e murmurastes ouvindo minhas repreensões. Enquanto dura esta vida há esperança de clemência, ainda vives, implora-a, e emenda-te.

Provendo-nos o Salvador de remédios variados para nos salvar, deixou cair varões perfeitos em graves culpas, para não perdermos o ânimo, e com o fim que estes exemplos nos animassem a esperar o perdão. Quem foi mais louvado nos livros sagrados do que Davi, era Profeta e Rei, aceito a Deus, havia a promessa que Cristo nasceria da sua geração e, todavia tão excelente varão caiu em hediondo pecado, seguido de muitos outros! Ouviu a repreensão e espantosas ameaças do Senhor, pela boca do Profeta Natan; então Davi só com duas palavras trocou à ira de Deus em misericórdia: Pequei lhe disse, e logo Natan lhe respondeu: Também o Senhor perdoou teu pecado, e não morrerás. Para que ele se emende são extensas as ameaças, mas breve a voz de misericórdia que diz: não morrerás. Permitiu Deus que Pedro, a quem havia escolhido para Príncipe da Igreja, caísse em grave erro, somente chorando alcançou misericórdia; quando o Senhor o encarrega das ovelhas, por quem ia dar Sua vida, para que as apascentasse, por ventura lembra-lhe o pecado de O ter negado três vezes? Não! Porque já estava purificado com suas lágrimas, seu erro não deixara vestígios na memória de seu clementíssimo Mestre: temos notáveis exemplos de pecadores incorrigíveis, mas também os há de penitentes; não imitemos os primeiros, não tentemos o Senhor, mas se alguém cair no mal, tem estímulos para a conversão e não deve desesperar-se, pois muito mal faram não imitando na penitência os que imitaram na culpa.

Considera quanta esperança concebeu Davi na clemência de Deus confessando com boa vontade seu pecado, e o castigo que merecia, diz-lhe: Molhai-me com o hissopo, e ficarei limpo; lavai-me e serei mais alvo do que a neve; do lavatório do sangue do Cordeiro sem mácula espera a purificação de sua alma, e conhecendo que é pecador desde o ventre de sua mãe, espera a renovação da completa inocência; acredita também que a tristeza da penitência se transforme em gozo espiritual. Diz este admirável Penitente: Jubilaram meus ouvidos, e alegrar-se-ão também meus ossos humilhados e abatidos; Salvador meu, confortai-me com vosso espírito principal. Bela confiança do pecador! Quem houve que suplicando devotamente a Jesus assim: Tende piedade de mim, que ao mesmo tempo não alcançasse misericórdia? A saúde da alma se obtém como a restituição da vista concedida ao cego que chamava: Filho de Davi tende piedade de mim! e recuperou a vista. Chamemos também nós: Jesus, tende misericórdia de mim! Triunfai do tropel de maus e inquietos pensamentos, e de mendigos neste mundo o Senhor nos fará herdeiros do Reino celeste; está patente o Altar da divina misericórdia, abre-se a casa de refúgio da suma clemência, e tu foges para o profundo abismo de malfadada desesperação. O Salvador te oferece à mão, abre-se o Céu, e tu caminhas para o infernal despenhadeiro; abre-se o regaço e asilo da divina bondade e tu foges desesperado? O ladrão na cruz ouve o Senhor dizer-lhe: Hoje estarás comigo no Paraíso, e tu desvairado, condenas-te ao inferno?

Quando o Filho de Deus veio ao mundo trouxe-nos a misericórdia, vamos recebê-la, o clementíssimo Salvador se curva absolvendo e dando liberdade à adultera, para O buscarmos dediquemos-Lhe nosso afeto, sendo a prova deste deixarmos todos os vícios, os médicos fazem assim: primeiro purgam o corpo, para depois com mais fruto lhe aplicar outros remédios. Pecador vomita da alma os maus desejos, cobiças, que ofendem a Deus, lança fora a luxúria, avareza, ambição, vanglória, ira e os maus vícios, para que Deus te encha de graça. Quem persevera nas culpas e pede perdão destas, não faz quase o mesmo do que o servo ou inimigo armado, que com a espada na mão pede paz a seu rei? O que busca acha o que pede recebe, ao que bate abre-se-lhe a porta. Se suplicares misericórdia, vai com sinceridade, se bates à porta da misericórdia vai com verdade. Queres exemplo de alguém que pede em regra? Considera o filho pródigo, que tendo deixado os porcos, regressou para casa paterna e disse:

“Pai pequei contra vós e contra o Céu, tratai-me como um de vossos servos”

Ouvi também o Publicano, que conhecendo seus pecados, não se atrevia a levantar os olhos para o Céu, nem chegar-se ao altar, mas de longe batia no peito, dizendo:

“Senhor tende piedade de mim pecador”

Afirma São Jerônimo que Judas pecou mais gravemente desesperando da salvação, do que vendendo a Cristo, assim como Caim ofendeu mais a Deus, desesperando do perdão, do que matando seu irmão.

Muitos dos que tinham crucificado a Cristo, diz Santo Agostinho, crendo nEle, e convertendo-se depois de Lhe tirarem a vida, mereceram o perdão, e deixaram exemplo aos outros pecadores, que não hão de temer que não se lhe perdoe qualquer pecado, por mais enorme que seja, porque pela morte de Cristo se perdoou aos que o mataram, quando se arrependidos se confessaram.

O mesmo Santo escreve desta maneira: Queres obter misericórdia do Senhor, foge dos pecados e serás perdoado; queres possuir a sua verdade? Abraça-te com a justiça, e serás coroado desta; Deus não é misericordioso de forma que seja injusto, nem é justo a ponto que não seja misericordioso; acaso te parece pequena misericórdia relevar o Senhor teus primeiros pecados? Alguém poderá dizer que os homens com a esperança de perdão reincidem nos pecados, mais cometeriam desesperando do perdão, se o não houvera, pensarias: Se sou pecador mau e perverso, e já estou condenado, farei tudo que me agradar, e der gosto, visto que sem esperança de futura felicidade, em se acabando esta vida só me restam tormentos a padecer… Tal desesperação te faria mais depravado.

Quem te diz: Não quero a morte do pecador, mas sim que se converta e viva, facilita-te a emenda, para que a esperança do perdão não excitasse os homens a repetir culpas, fez incerto o dia da morte. Se te convertes, o Senhor promete perdão, mas não te assegura o dia de amanhã; se até hoje vivestes mal, e vives ainda, emenda-te hoje. Neste caso Deus te perdoará tudo.

Depois que o Senhor te enriquecer com vontade reta, de forma que deixando as culpas, te decides a viver bem, e buscas agradar e servir a Deus, se por fraqueza tropeçares, ou caíres, embora seja bastante vezes por dia, sempre que isto suceder levanta-te e não desesperes da clemência divina, que é imensa. Certamente Deus merece ser muito louvado e amado, pois tão benignamente acolhe os pecadores.

Ensina São Bernardo que os maus diferem dos bons, porque os primeiros cometem culpas, mas não buscam emendar-se, porém os justos se esforçam e levantam delas.

Quando conheceres que errastes em qualquer coisa, recorre ao clementíssimo Deus, com firme confiança abraça a mão dulcíssima, sempre disposta a acolher-te, pede-lhe, beijando-a, que te dê alentos… Pelas habituais negligências e faltas não sucumbas ao desalento, nem abandones as boas obras e pios exercícios; renova os bons propósitos e fala assim à tua alma: Cuida em praticar virtudes, e santos exercícios, como se não tivesses ofendido a Deus, pois isto Lhe agrada, não te inquietes de mais por causa de vícios, que ainda conservas, e pensas que não aproveitas na vida espiritual, antes te atrasas, com vigor peleja contra tuas más inclinações, ainda que sintas atrativo para o mal, não lhe dando consentimento, e resistindo varonilmente, até adquires merecimento. Há pessoas tão escrupulosas que pensam que suas boas obras desagradam a Deus, repele com diligência tal pensamento.

Santa Catarina de Sena em uma carta escreve pouco mais ao menos o seguinte: Nunca deixeis todos os dias de ir argumentando as boas obras começadas e aperfeiçoando-as, resistindo aos embaraços e tentações que o demônio vos suscite, pois costuma forjar enredos, para vos encaminhar para desordenada tristeza e tédio, perturbações do espírito e desesperação, mas embora em um homem só estivessem amontoados todos os pecados, não impediriam que recebesse em si o fruto do sangue do Filho de Deus, contanto que perseverasse na verdadeira fé, esperança na infinita misericórdia de Deus.

O pecado tem a sede na corrupta natureza do homem, mas se este vê que Deus lhe incute vontade reta… Desviando-se das trevas da mente e hesitações, persevere na vida cristã, siga a luz da graça, que em si está oculta. Ao demônio que atualmente o tenta com desalento, trevas espirituais, responda:

Se a graça de Deus não estivesse em mim, seguiria as perversas sugestões da tua malicia, mas confio em meu piedoso Salvador, que me há de defender e livrar.

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(Blósio, Venerável Luis; FRASSINETTI, Padre José. Bálsamo Espiritual. B. L. Garnier, Rio de Janeiro, 1888, p. 84-109)