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Que doce e amável é o jugo do Senhor! Só levando-O podemos ser felizes

Pegue sua cruz e segue-me!

Capítulo XLV

Venite ad me, omnes qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos. Tollite jugum meum super vos, et invenietis requiem animabus vestris, jugum enim meum suave est, et onus meum leve – “Vinde a mim todos que andais em trabalho e vos achais carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e achareis descanso para as vossas almas, porque o meu jugo é suave, e o meu peso leve” (Mt 11, 28-30)

Os homens buscam naturalmente a felicidade; para a conquistarem sacrificam muitas vezes o repouso e a saúde, expõem até a vida aos maiores perigos; mas quantos a acham? Ai! Ainda se com todos os seus esforços alguns chegassem a consegui-la! Donde procede isto? É que eles a procuram onde ela não existe; querem ser felizes, mas procurar a felicidade onde ela reside não querem. Querem achá-la nas riquezas, nos prazeres dos sentidos, nas honras, na ciência; mas cedo ou tarde se convencem que tudo isto não lhes pode de modo algum contentar o coração.

Vede este homem: toda a vida trabalhou por adquirir riquezas; no meio de tantos trabalhos, tantas fadigas, tantas vigílias um só pensamento o sustentava, o pensamento da felicidade. Agora que ele nada no seio da abundância, que vive no meio dos seus tesouros, que tudo parece sorrir-lhe, agora por certo é feliz. Ai! Reconhece que suas riquezas estão abaixo de si, e que não é para elas que foi feito; sente que, longe de lhe darem a felicidade, só lhe dão inquietações e cuidados; não lhe falta nada, e está devorado de desejos sempre renascentes; queria repouso, e ei-lo em incessante movimento por causa destas mesmas riquezas. Pobre infeliz! Tantas fadigas para adquirir seus tesouros, para agora só os possuir com temor, e os perder com dor!

O voluptuoso engolfa-se em suas hediondas paixões; nada recusa a seus imundos apetites; busca nos prazeres dos sentidos a felicidade por que suspira. Decepção cruel! Onde esperava colher rosas, só acha duros espinhos. Sua paixão pede-lhe sem descanso pasto; e ele, infeliz! Dá-lh’o e bem sente que nada a pode fartar! Sente que sempre lhe brada: Mais, mais. A felicidade não se acha, pois, nos prazeres dos sentidos?… Ouço a voz do voluptuoso que responde: Não, não: neles pretendi eu encontrá-la, neles a procurei eu, e vi que esses falsos prazeres duram um só instante, ao passo que os remorsos que o seguem são eternos.

O ambicioso moveu céu e terra para chegar às honras: encontrou-as; está satisfeito. Todo o mundo exalta a sua felicidade, inveja a sua sorte. Só ele é desgraçado; quisera uma coisa que lhe lisonjeasse o orgulho e saciasse ao mesmo tempo o coração, e reconhece, mas, ai! Tarde de mais, que se iludiu e que só agarrou vão fumo.

O sábio todos os dias ajunta conhecimentos novos aos que já possuía; todos os dias aprende, todos os dias descobre verdades novas. E com tudo isto é feliz? Ai! Seu coração fica muitas vezes vazio, e ele acaba por compreender que toda a ciência é nada, e que é impotente para o tornar verdadeiramente feliz.

Ó meu Deus! Onde está, pois, a felicidade? Onde irei eu procurá-la neste mundo? Nos palácios dos reis e dos grandes? Mas eles são a morada de inquietadores cuidados e de angustias tanto mais amargas quanto se encobrem sob a capa da alegria. Nas casas dos ricos? Mas lá eu só vejo lágrimas. Na tenta do pecador? Só lá descubro o cruel remorso. Onde encontrarei, pois, ó meu Deus! Essa felicidade sem a qual não posso passar? Onde poderei depor este peso de misérias que me oprime? Ah! Ouço a vossa resposta, ó doce Jesus!

“Vinde a mim, dizeis-me, e eu vos aliviarei”

Sim, Jesus meu, só vós podeis dar-me a calma, a paz, a felicidade que eu desejo e sem a qual me não é possível viver. Debalde a pedirei às riquezas, às honras, aos prazeres, a qualquer criatura que seja, nunca chegarei a consegui-la. Sempre meu coração estará doente, sempre estará inquieto, sempre estará descontente. Sois vós que assim o permitis, ó meu Deus! Porquanto este coração, havendo só para vós sido criado, sempre está inquieto, enquanto não é todo vosso; todo outro objeto que não vós pode ocupá-lo, mas sacia-lo e faze-lo feliz, não pode.

Tomai sobre vós o meu jugo. Ó míseros filhos de Adão! Este é o único meio que tendes de chegar à verdadeira felicidade. Deixai de uma vez vossas paixões, calcai aos pés o vil respeito humano, vício de almas covardes e sem energia, desprezai o jugo de um mundo desprezível, e tomai sobre vós o jugo de Jesus Cristo… Que esta palavra jugo não aterre; o jugo que o Senhor impõe não se assemelha em nada ao jugo do demônio e do mundo; é um jugo cheio de doçura, é um jugo extremamente leve. Ó feliz! Mil e mil vezes feliz quem leva este santo jugo! Feliz quem ama a Jesus! Compreendo o que há de suave em seu serviço, e de inefável em seu amor.

O grande São Paulo assim que sentira a doçura do jugo do Senhor, logo brada:

“Estou certo que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem a violência, nem a altura, nem a profundidade, nem outra criatura alguma poderá apartar-me do amor de Deus em Jesus Cristo nosso Senhor”

No meio das fadigas, dos trabalhos, das privações contínuas e dos perigos do seu apostolado, gozava de felicidade tão grande, que escrevia aos fiéis de Corinto estas notáveis palavras:

“Estou cheio de consolação, exubero de gozo no meio de todas as minhas tribulações”

Quando é que um homem embebido nos prazeres do mundo pôde dizer outro tanto? Quando é que ele disse do seio mesmo dos seus maiores prazeres:

“Sou feliz?”

Nunca, nunca. Ao contrário, a triste experiência de todos os dias lhe há por muitas vezes arrancado um testemunho que, em sua boca, é de grande peso, e com o rei Salomão ele diz:

“Em tudo eu só descubro o vácuo e a dor; tudo neste mundo é só vaidade e ilusão”

Exortavam São Policarpo a abandonar o serviço de Jesus Cristo, e ameaçavam-no com a morte, se não obedecia.

“Que! Respondeu ele cheio de indignação, há oitenta e seis anos que o sirvo, ele me torna feliz acumulando-me de toda a sorte da graça, e vós quereis que eu o abandone? Não, não, antes morrer!”

Santo Agostinho, antes de sua conversão, passara uma vida toda sensual, passara grande número de anos no esquecimento de Deus e desregramento das paixões. Chamado enfim à virtude, e transportado de jubilo santo por haver sido libertado de suas cadeias, assim prorrompia em reconhecimentos: Rompestes, ó meu Deus! Rompestes os meus laços! Que o meu coração e a minha língua vos louvem eternamente por me haverdes feito receber o jugo tão amável e tão leve peso da vossa lei! Quão suave se me fez subitamente o privar-me desses gozos vãos, dessas ninharias vis! Mas que minha alma antes tanto receava perder, já inundada de gozo as deixava. Era que vós mesmo a expelíeis do meu coração, doçura verdadeira e soberana, vós as expelíeis, e entraveis em seu lugar, suavidade superior a todos os prazeres, incógnita, porém, à carne e ao sangue!… Então estava o meu espírito livre desses mordazes cuidados que dilaceram aos que correm após as honras, os bens, e prazeres dos sentidos, e todas as minhas delicias eram dirigir-me a vós, minha glória, minha riqueza, meu Salvador, meu Senhor e meu Deus… Quão tarde comecei a amar-vos, dizia muitas vezes, ó beleza tão antiga e tão nova! Quão tarde comecei! Mas finalmente fizestes chegar até mim vosso odor celeste; e desde esse momento suspiro por vós. Fizestes-me gostar vossas inefáveis doçuras, e elas me deram por vós uma fome e sede que me devoram. Ó meu Jesus! Não é amar-vos bem, amar convosco alguma coisa que se não ame por vós. Ó amor cujo fogo arde sempre e nunca se extingue! Ó caridade! Que sois o meu Deus, abrasai-me.

São Francisco Xavier achava tanta felicidade no serviço de Jesus, que muitas vezes, não podendo mais conter a alegria interior que o inundava, clamava:

“Senhor, Senhor, basta, não posso suportar mais!”

Podia multiplicar estes exemplos até ao infinito; limito-me porém a estes quatro que tomei, como ao acaso, nos anais dos santos. Quem ama a Deus bem me compreende e sabe quanto é doce servi-lo. Oh! Sim, digo-o, repito-o, e possam todos os homens ouvir a minha voz: feliz, mil e mil vezes feliz quem ama e serve a Jesus, nosso bom Mestre! Uma profunda paz será seu quinhão: Pax multa diligentibus legem tuam. Gozará neste mundo de uma felicidade que Jesus só pode dar; gozará da serenidade tão doce de uma consciência pura; seu coração será inundado de prazeres, de consolações inefáveis; sofrerá com santa resignação os males desta vida e verá aproximar-se a morte sem perturbação e sem temor, pois sua alma estará sem manchas e sem remorsos. Pax multa diligentibus legem tuam! Sim, meu Jesus, Pax multa diligentibus legem tuam! A paz é quinhão de quem vos ama; fora de vós não se pode achar esta paz. Que outros busquem por sua herança os prazeres, as honras, as riquezas; eu, ó Jesus, eu escolho-vos a vós pelo Deus do meu coração. Vós sois a minha herança, a minha felicidade, o meu tesouro, a minha vida, o meu tudo; vós só me bastais.

Bem o sinto; não posso viver sem a calma e a paz que uma boa consciência dá; não posso viver sem Jesus. É preciso, pois, custe ele o que custar, que eu seja deste bom Mestre. Que felicidade, quando eu já não tiver nada que exprobar-me! que felicidade, quando, levantando os olhos ao céu, poder dizer comigo mesmo: Aquele belo céu em que brilham com tanto fulgor cem milhões de estrelas, é o palácio da meu pai, do meu melhor amigo, do meu Deus. Ele me ama, e eu o amo também. Que felicidade! almas mundanas e eternas, vós não a compreendeis, mas purificai o coração, e para logo compreendereis o quanto é grande.

Meu doce Salvador! Dignai-vos admitir-me em o número de vossos fiéis servos e de vossos filhos queridos! Longe estou eu, bem o sei, de merecer tal favor; os inumeráveis pecados da minha vida passada me torna indigno, e sei demasiado quão justa é a vossa indignação. Ai! Filho ingrato e desnaturado, abandonei-vos vergonhosamente para me pôr ao serviço do vosso mais cruel inimigo! “Ó meu pai! Já não sou digno de ser chamado vosso filho”, mas não obstante quero sempre esperar em vossa bondade. Eis-me aqui a vossos pés todo enternecido à vista da vossa misericórdia, e confuso de vos haver faltado ao respeito abandonando-vos; dignai-vos restabelecer-me em vossa boa graça, e inflamai-me do vosso santo amor para que não mais vos deixe. Ó meu Jesus! Não poder eu amar-vos tanto como vós mereceis! Ah! Ao menos, amo-vos de todo o coração, mais que a todas as coisas, mais que a mim mesmo, e desejo o vosso paraíso para nele poder amar-vos eternamente, sem temor de vos perder. “O que há para mim no céu, e que desejo eu sobre a terra, senão a vós, ó Deus do meu coração, e minha partilha por toda eternidade”? Ó Jesus! Vós sois o meu único tesouro, o meu único amor; vós só me bastais. Ó Maria! Minha esperança depois de Jesus, por vossas preces atrair-me todo a Deus, e obtende-me a perseverança final. Assim seja.

RESOLUÇÕES PRÁTICAS

Não tardar em nos darmos todos a Deus

Eis-nos chegados brevemente, meu caro Teótimo, ao termo da nossa carreira; empenhei-me em te fazer compreender o melhor que pude, toda a extensão do amor de Jesus por ti; esforcei-me por te levar ao reconhecimento para com ele, e trabalhei por excitar em teu coração todos os sentimentos de confiança filial que este bom Senhor deseja ver no coração dos que o servem. Atingi eu o meu fim? Podes agora responder-me:

“Amo ao meu Deus de todo o meu coração, e tenho em sua misericórdia uma confiança que nada m’a pode arrebatar?”

Ah! Espero que assim seja! Espero que Jesus terá abençoado os meus fracos esforços, e que a tua alma se terá deixado enlear dos encantos do seu divino amor. Vive, pois, feliz e em paz, e estreita-te mais e mais ao nosso bom e eterno Mestre, até que a morte venha buscar-te e conduzir-te a seus pés, para receberes a coroa imortal de gloria e recompensa que prometeu aos seus fieis servos.
Mas de onde me vem esta tristeza súbita que se apodera da minha alma? Ai! Meu caro Teótimo, descobrir-te-ei com simplicidade o que se passa dentro do meu coração. Parece-me ver entre os que se deram ao trabalho de 1er esta obra, parece-me ver um pobre cristão que não quererá aproveitar, e que embora esteja convencido da necessidade em que está de trabalhar na sua salvação e de pagar a Jesus amor por amor, dirá todavia do fundo do seu coração:

“Amanhã, amanhã; amanhã hei de converter-me; amanhã deixarei de ser ingrato e começarei a amar a Jesus”

Quem quer que sejas que assim falias, eu te suplico, não endureças o coração, e volta a Deus que te chama; vai nisso a tua felicidade neste mundo e no outro. Ora confessa a verdade: não é certo que vivendo assim longe do teu Deus, arrastas uma vida miserável? Não é certo que tua alma se assemelha a um mar cujas ondas estão continuamente agitadas? Não é certo que o remorso vem incessantemente perturbar teus falsos prazeres? Responde, responde. Em vão procuras iludir-te; em vão trabalhas por persuadir-te que és feliz: em ti mesmo trazes dois testemunhos que tu não logras enganar, dois testemunhos, a cujos olhares e exprobrações contínuas não podes fugir — Deus e a consciência. Vai para onde quiseres; para o céu, para o inferno, para o centro da terra, oculta-te nas mais espessas trevas: sempre estarás em presença destes dois testemunhos, sempre eles te repetirão: “A vida é curta, a morte está perto, e os baratros do inferno abrir-se-ão debaixo de teus pés”; sempre no meio de tuas faltas, de teus prazeres, eles te bradarão:

“Desgraçado, para isto é que viestes ao mundo? Assim é que trabalhas na tua salvação?”

— Verdade é, me respondes, que estes dois testemunhos seguem-me por toda a parte; mas acostumei-me ás suas exprobrações, que quase me não fazem já impressão alguma na alma; vivo em paz.

— Tu vives em paz! E nutres não obstante o pecado em teu coração! E não amas a Deus! Ah! mal, mal haja a tua paz! É mil vezes mais horrenda que a tempestade.

— Mas afinal, eu não vejo que me tenha acontecido lá muito grande mal por haver pecado e não ter servido ao Senhor; meus negócios correm bem, as riquezas aumentam-se-me, as honras chovem sobre a minha cabeça; que melhor me iria se eu servisse a Deus?

Ó insensato, pois tu não sabes que toda essa felicidade de que te vanglorias é como um fosso pro¬fundo no qual bem depressa vais cair? Não sabes que Deus alarga de algum modo as rédeas ao pecador para em seguida as apertar? Ah! A sua alegria é como a do peixe que devora com gosto o anzol que o vai agarrar; tua felicidade durará pouco, e cedo deixarás a outros tuas riquezas e honras. Não sabes que nunca Deus está mais irritado contra o pecador do que quando permite que prospere no meio das suas iniquidades? Ah! Meu irmão, eu te conjuro, compreende melhor os teus verdadeiros interesses, e procura primeiro que tudo o reino de Deus e a sua justiça. Ai! Se tu semeais na iniquidade não tardarás a colher males.

“À hora da morte esvaecer-se-ão todas as tuas esperanças; serão como a lanugem que pelo vento é levada, e como a espuma tênue que desaparece no meio das ondas agitadas, e como o fumo que se dissipa nos ares, e enfim como as impressões que deixam na memória do viajante os objetos que ele só vê de passagem. No momento em que menos o pensares, perecerás a um assopro de Deus, e serás consumido pelo turbilhão da sua cólera”

— Mas tudo isso não passa talvez de vãs ameaças!

— Vãs ameaças! Escuta a resposta que te dá o Espírito Santo, no livro de Job:

“Desde que o homem está posto sobre a terra sempre se notou que o triunfo do mau dura pouco, e que sua alegria é de um momento. Eu vão eleva a cabeça orgulhosa até ao céu, perecerá e será rejeitado como vil esterco. Todos os que o viam em sua gloria perguntarão: Onde está? Como sonho que voa não será achado, desaparecerá como visão noturna. Seus filhos morrerão na miséria, e suas próprias mãos lhe retribuirão o mal que fez”

— Eu de boa vontade me converteria; mas temo a critica do mundo.
— Deixa lá falar mundo e faze tu o teu dever. Pois que! Quando toca a ganhar alguma miserável soma de dinheiro, a chegar a algum posto mais elevado, a obter algum emprego mais lucrativo, trabalhas abertamente e com ousadia, importando-te pouco o que os mais possam pensar ou dizer de ti, e quando é preciso ganhar o céu, então nada ousas fazer com receio de desagradar a tal ou tal pessoa, a tal ou tal amigo! Quando é preciso mostrares-te cristão, tornas-te escravo dos outros! Ó baixeza! Ó covardia! Cora de vergonha, indigno cristão, cora de vergonha! Tens coragem e energia para tudo, exceto para servir ao teu Deus! Falia! Quando estiveres condenado por agradar aos homens, irão eles arrancar-te dos abismos do inferno? Rir-se-ão da tua fraqueza, e te desprezarão.

— Que ei de eu então fazer?

— Que hás de fazer? Calcar aos pés o respeito humano; mostrar-te à face do céu e da terra quem és, isto é, cristão, verdadeiramente digno de tão glorioso titulo; cumprir exatamente todos os deveres que ele te impõe.

— Mas falarão de mim!

— Sim, e dirão de ti que tens coragem, dirão que tens uma grande alma, e, por um que censure a tua conduta, haverá cem que a proporão por modelo. E a final, que o mundo diga o que quiser, não é menos verdade que tu pertences a Jesus Cristo; e que te deves dar todo a ele. Acaso será Jesus um Senhor do qual será vergonhoso ser servo? é desonroso o confessar-se seu discípulo?

— Mas a confissão horroriza-me.
— Ah! É que tu não a conheces. Não sabes que inefáveis consolações ela derrama numa alma cruciada do remorso; não sabes que doce paz ela der¬rama num coração que nunca experimentara seus encantos; não sabes que feliz mudança opera em todos os pobres pecadores que a ela recorrem. Meu caro irmão, acredita no que te digo. Sou ministro do Deus da verdade, e nenhum interesse tenho em estar a enganar-te; desejo pelo contrario a tua felicidade tanto como a minha. Pois olha, posso asseverar-te que nada no mundo há comparável à felicidade que experimenta uma alma sinceramente convertida para Deus, quando depois de ter descoberto todas as chagas, ouve de sua boca estas palavras:

“Vem em paz, da parte de Deus te declaro que todas as tuas faltas te estão perdoadas, tudo está esquecido. Vai e não peques mais”

Sei que custa algumas vezes descobrir todas as misérias a um outro homem. Mas deve uma vergonha passageira ser posta em comparação com os felizes frutos que ela produz? Não vale mais humilhar-nos alguns instantes aos pés de um nosso semelhante, e obter deste modo o perdão das nossas faltas, do que esperar que Deus se encarregue de humilhar-nos? Ah! Se não queres abater-te pela humilde confissão das tuas culpas, o mesmo Deus saberá abater-te pelo peso do seu braço. E poderás tu sustentar o peso dessa mão onipotente que te esmagará? Poderás evitar seus terríveis golpes? Sabe-o bem: quanto esta mão é doce e suave para levantar o homem que se humilha a si mesmo, tanto é forte e pesada para abater o soberbo. Vai, meu caro irmão, vai lançar-te aos pés de um padre de Jesus Cristo, mostra-lhe todas as chagas da tua alma; e Deus as limpará; descobre- lhe todas as tuas iniquidades, e Deus as curará. Coragem! Faze algum esforço, o resto Deus o fará. Vai ter com Jesus e Maria; conjura-os a que venham em teu socorro, e aprende a gostar por ti mesmo quão doce é servir ao Senhor. Coragem! A vida é curta, foge como um sonho, e depressa a morte te virá ferir. Oh! Como estarás consolado em teus últimos momentos de haveres feito uma boa confissão enquanto andavas ainda de saúde! como serás feliz de ter posto em ordem a consciência! Dá-te pois, ao Senhor, não amanhã, mas hoje, mas já; custe o que custar, entrega-te a ele como filho, para depois lhe não pertenceres como escravo. Entrega-te a ele, serve-o facilmente, e ama-o até o teu suspiro: o céu será a tua recompensa.

Ah! Meu Deus! Quantos infelizes pecadores a quem se disse cem vezes, enquanto viviam: “Convertei-vos, e fazei uma boa confissão”, e que à força de sempre diferirem para amanhã, foram surpreendidos pela morte! Onde estão agora? Ai! No inferno a deplorar sua desgraçada sorte, a maldizer sua covardia, e estão lá para sempre! Ó meu irmão! Aprende do seu exemplo a ser sábio e a não diferir a tua conversão. Se hoje te custa a romper por este laço perigoso, a destruir este hábito criminoso, a vencer o respeito humano, a fazer uma boa confissão, amanhã muito mais te custará. Volta, pois, a Deus sem mais tardar. Lança-te nos braços de Jesus: ele é a bondade e a misericórdia mesma, ele nunca repeliu o pecador arrependido. Feliz quem o busca mais feliz quem o achou! Mil vezes mais feliz quem o ama! Goza de uma felicidade que nenhuma língua humana pode exprimir.

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(Pinnard, Abade Dom. As Chamas do Amor de Jesus ou provas do ardente amor que Jesus nos tem testemunhado na obra da nossa redenção. Traduzido pelo Rev. Padre Silva, 1923, p. 329-340)

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