E o Apóstolo Paulo falando de Cristo, diz (Col 2): "Em que se acham todos os tesouros da sabedoria e da ciência", por isso não fez aquela pergunta, para saber; mas a fim de nos exortar a perguntarmos, para das respostas ficarmos sabendo muitas coisas que nos são úteis, e mesmo necessárias. Mas porque abandonou Deus seu Filho na Sua tribulação e no sofrimento das dores atrocíssimas? Ocorrem-me cinco motivos que vou expor, para dar, aos sábios ocasião de fazerem melhores e mais úteis indagações."Senhor, tu bem sabes, bem conheces que te amo" (Jo 21)
E três das sete palavras do Senhor, proferidas na cruz, foram-no antes de começarem as trevas, e antes da hora sexta; e as quatro últimas, depois das trevas e por isso mesmo depois da hora 9ª. São Marcos, porém, ainda com mais clareza explica tudo, dizendo:"E chegada a hora de Sexta, se cobriu toda a Terra de trevas até a hora de Nona" (Mc 15)
E depois acrescenta:"Era a hora de Terça, quando o crucificaram"
"E chegada a hora de Sexta converteu-se o dia em trevas"
Explica-se literalmente a quarta palavra
Expusemos no livro antecedente as três primeiras palavras, que Nosso Senhor pronunciou da cadeira da Cruz perto da hora sexta pouco depois de crucificado. Neste exporemos as quatro, que depois das trevas e silêncio de três horas o mesmo Senhor, e da mesma cadeira, próximo a morrer, pronunciou bradando. Parece-me, porém necessário dizer antes, que trevas foram aquelas de que foram produzidas, e para que fim; trevas que separam as primeiras três palavras das quatro últimas; pois diz São Mateus (27, 46):Que aquelas trevas foram causadas pela falta da luz solar, declara-o expressamente São Lucas (23, 45): E o Sol escureceu-se, diz ele. Tem, porém de desatar-se nesta passagem três nós de dificuldades, pois os eclipses do Sol acontecem na Lua nova, quando ela se mete de permeio entre ele e a Terra, mas isto não pode acontecer na ocasião da morte de Cristo, por não haver então conjunção da Lua com o Sol, como sucede na Lua nova, a Lua estava então oposta ao Sol, como sucede na Lua cheia, pois era então a Páscoa dos Judeus, que segundo a Lei começava no dia 14 do primeiro mês. Além disto, ainda quando houvesse conjunção da Lua com o Sol durante a Paixão de Cristo, não podiam as trevas durar três horas, isto é, desde a sexta até a nona; pois não pode um eclipse do Sol durar tanto tempo, principalmente sendo total, que obscureça toda a sua luz, é esta obscuridade se possa chamar trevas; pois a Lua tem mais celeridade de movimento que o Sol, e por isso não lhe pode interceptar toda a luz senão por curtíssimo espaço, porque começando a retirar-se logo, deixa ao Sol alumiar a Terra com o seu costumado fulgor."Desde à sexta hora toda a terra se cobriu de trevas até à hora nona, e perto desta, Jesus clamou: Eli Eli lammá sabactáni: isto é — meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste"
Isto cumpriu com todo o rigor possível a Bem-aventurada Virgem; pois estava junto da Cruz, sofrendo a maior dor com a maior constância. Aquela dor era a prova do sumo amor a seu Filho, pendente da Cruz; aquela constância asseverava a sua muito submissa obediência a Deus: doía-se de que seu Filho inocente, que afetuosissimamente amava, fosse atormentado de cruelíssimas dores; mas nem por isso a elas obstaria por palavras ou por obras, ainda que pudesse, porque sabia que Ele padecia aqueles martírios por determinação e presciência de Deus Pai (At 2)."Quem ama seu filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim" (Mt 10)
Com esta passagem da sua epístola dá ao Apóstolo a conhecer, que nós pelo mistério da Cruz podemos saber que a grandeza da caridade de Cristo é tamanha, que excede todo o saber humano, por ser maior do que a força da nossa inteligência pode compreender, pois nós, quando sofremos alguma grande dor, ou dos olhos, ou dos dentes, ou da cabeça, ou de outra alguma parte, tanto dela nos deixamos dominar, que a mais nada damos atenção; e por isso nem recebemos amigos, que venham visitar-nos, nem outros indivíduos, que por diversos motivos nos queiram falar."E conhecer também a caridade de Cristo, que excede todo o entendimento" (Ef 3, 19)
Explica-se literalmente a primeira palavra de Cristo na Cruz
Cristo, Jesus, Verbo do Pai Eterno, e de quem seu mesmo Pai disse claramente: Ouvi-o (Mt 17), e, que de Si mesmo disse também claramente: Um só é o vosso Mestre, o Cristo (Mt 23), para desempenhar cabalmente a Sua missão, não só nunca deixou de ensinar, enquanto viveu; porém, mesmo da cadeira da Cruz fez uma pregação curta, mas ardente, proveitosíssima, de muita eficácia e inteiramente digníssima de ser recolhida pelos cristãos no íntimo do coração, de lá ser guardada, meditada e posta em prática. A primeira sentença é esta: Jesus então dizia: Meu Pai perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem (Lc 23, 34), a qual quis o Espírito Santo, que como nova e insólita fosse profetizada por Isaías naquelas palavras:"Meu Pai perdoa-lhes; não sabem o que fazem" (Lc 23, 34)
Com quanta verdade o Apóstolo São Paulo, disse (1Cor 13, 5): A caridade não busca os seus próprios interesses, pode facilmente conhecer-se da ordem daquelas sentenças; pois delas, três dizem respeito ao bem dos outros, três ao bem próprio, e uma é comum, o Senhor, porém, teve primeiramente cuidado dos outros, e em último lugar de Si."E rogou pelos transgressores" (Is 53, 12)
Meditação para a Décima Sexta Segunda-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
O primeiro objeto sobre que devemos praticar a mortificação, são as nossas paixões. Veremos: 1.° A necessidade de as mortificar; 2.° A necessidade de mortificar principalmente a paixão dominante. — Tomaremos a resolução: 1.° De aproveitarmos com alegria todas as ocasiões, que se ofereceram durante o dia, de mortificar-nos; 2.º De nos examinarmos cada dia acerca da paixão dominante. O nosso ramalhete espiritual será a palavra da Imitação:"A medida dos vossos progressos será a medida das violências que a vós mesmos fizerdes" - Tantum proficies quantum tibi ipsi vim intuleris (1 Imitação 25, 11)