Skip to content Skip to footer

Do quarto fruto da terceira palavra

Capítulo 12: Do quarto fruto da terceira palavra
O encargo e jugo, imposto por Deus a São João de tomar a seu cuidado a Virgem Mãe, foi certamente encargo suave e jugo leve. Quem, pois não conviveria da mais boa vontade com aquela Mãe, que em seu ventre trouxe nove meses o Verbo Encarnado, e, que com Ele conviveu trinta anos inteiros com a maior dedicação e afeto? Quem não terá inveja ao Predileto do Senhor, que na falta do Filho de Deus mereceu a companhia da Mãe de Deus? Mas, se não me engano, também podemos nós com os nossos rogos alcançar da benignidade do Verbo, por amor de nós encarnado, e do extremoso amor de quem pelo mesmo motivo Se sujeitou ao tormento da cruz, que Ele também nos diga: Eis aí vossa Mãe; e à sua Mãe diga: Eis aí os teus filhos.

O piedoso Senhor não é avarento de graças, com tanto que nós com fé e confiança, e com o coração sincero, nos aproximemos do seu Trono de Misericórdia. Quem quis que nós fossemos cordeiros do Reino de seu Pai, não se recusará certamente a querer que sejamos cordeiros do amor de sua Mãe; e nem a mesma Virgem Benigníssima se enfadará com a multidão de seus filhos, pois tem um amplíssimo regaço e muito desejo de que se não perca nenhum dos que seu Filho remiu com tão precioso sangue e com tão preciosa morte. Recorramos, pois, confiadamente ao Trono da graça de Cristo, e peçamos-Lhe com orações e lágrimas que a respeito de cada um de nós diga a sua Mãe: Eis aí o teu filho e a respeito de sua Mãe a cada um de nós diga: Eis aí tua Mãe. Quão bem não estaremos nós com a proteção de tal Mãe! Quem se atreverá a arrancar-nos do seu regaço?! Que tentação, que tribulação haverá que possa vencer a nossa confiança na Mãe de Deus e nossa Mãe?! Nem nós seremos os primeiros, que consigamos tamanho benefício. Muitos nos precederam já, muitos, torno a dizer, tem recorrido ao especial e maternalíssimo patrocínio de tão poderosa Virgem; e ainda nenhum voltou envergonhado ou triste; mas todos alegres e contentes e confiados no valimento de uma Mãe, que tanto pode, esperam naquela de quem está escrito: “Ela esmagará, a tua cabeça” (Gn 2), que também eles hão de impunemente passear sobre o Áspide e Basilisco, e hão de pisar o Leão e o Dragão (Sl 50). Ouçamos de entre muitos alguns, porém especialmente aqueles, que certificam que na proteção da Virgem depositavam singular confiança; para se poder acreditar que eles são do número daqueles, a quem o Senhor tenha dito: Eis aí tua Mãe, e de quem sua Mãe tinha dito: Eis aí o teu filho.

Seja o primeiro Santo Efrém Sírio, Padre antigo, e tão Célebre, que, segundo testifica São Jerônimo (2), eram os seus livros publicamente lidos nas Igrejas depois das Sagradas Escrituras. Este num panegírico da Mãe de Deus diz:

«Imaculada e puríssima Virgem Mãe de Deus, Rainha de todas as criaturas, Esperança dos desanimados»

E abaixo:

«Tu és o porto dos que estão quase a soçobrar na tempestade, a consolação do Mundo, a libertadora dos encarcerados, o abrigo dos órfãos, a redentora dos cativos, o alívio dos enfermos, a salvação de todos»

E abaixo:

«Abriga-me debaixo das tuas azas, e protege-me; compadece-te de mim, que estou manchado de lodo»

E abaixo:

«Ninguém mais tenho em quem possa confiar. Ave, Paz, Alegria e Salvação do Mundo»

Ajuntemos a Santo Efrém, São João Damasceno, que foi dos que mais devoção tiveram à Virgem Santíssima, e mais confiaram no seu patrocínio. Diz ele num discurso da Natividade da Virgem:

«Ó filha e Senhora de Joaquim e Ana, ouve a oração deste pecador que, apesar de o ser, te ama, venera ardentemente, e, que em ti só confia, que sejas a diretora da sua vida, a sua reconciliadora com teu Filho, o penhor seguro da sua salvação, alivia-me da carga de pecados que me oprimem; sufoca as tentações, que me querem arrastar e governar a minha vida pelo caminho da piedade e santidade, para que, por ti conduzido, eu consiga a celeste bem-aventurança»

A este acrescentarei dois padres latinos. Santo Anselmo no livro das excelências da Virgem (1) diz numa parte:

“Por isso conjecturo, que aquele que ao menos merecer lembrar-se afetuosamente da Santíssima Virgem, esse tem já uma grande prova a favor da sua salvação”

E abaixo (2):

«Mais depressa se consegue algumas vezes a salvação, recorrendo-se ao seu nome (o da Virgem Mãe) do que invocando o do Senhor Jesus, seu único Filho, e não porque ela seja nem superior a seu Filho, nem mais poderosa do que Ele; pois a preeminência e poder do Filho não lhe procede de sua Mãe, mas sim a desta de seu Filho. Porque é então, que muitas vezes a salvação se consegue mais prontamente, recorrendo antes à Mãe, do que ao Filho? Vou dizer a minha opinião a este respeito. O Filho é Senhor e Juiz de todos, e toma conhecimento do mérito de cada um; por isso, quando deixa de ouvir sem demora a invocação do Seu nome, procede sem dúvida com justiça, e invocando o nome de Sua Mãe, a sua meritória intercessão faz com que o invocante seja ouvido, ainda que para isso não tenha merecimentos»

É, porém São Bernardo, quem admiravelmente descreve o pio e inteiramente maternal afeto da Virgem Santíssima aos seus devotos, e correspondentemente a exímia e filial piedade dos que reconhecem por sua Mãe e Bem-aventurada Virgem. No segundo sermão sobre a embaixada do Anjo, diz ele:

«O quem quer que sejas que conheces que no mar deste Mundo mais flutuas entre tormentos e temporais, do que pisas terra firme, não desvies os olhos do fulgor deste astro (de Maria, Estrela do mar) se não queres ser engolido pelas ondas. Se soprarem os ventos das tentações, se te vires nos escolhidos da tribulação olha para a Estrela, chama por Maria. Se te vires batido das ondas da soberba, da ambição, da maledicência, da inveja, volta-te para a Estrela, chama por Maria. Se agitado pela perversidade de algum crime, confundido pelo remorso, aterrado pela severidade do Juiz, começares a ser devorado pelo inferno da tristeza e pelo abismo da desesperação, lembra-te de Maria, nos perigos, nas aflições, nas más circunstâncias, lembra-te de Maria, pede proteção a Maria, seguindo-a, não te perdes no caminho, rogando-lhe o seu valimento, não desesperas, tendo-a no pensamento, não erras»

No sermão da Natividade da Virgem Bem-aventurada, ou do Aqueduto, diz:

«Vede, com que afetuosa devoção quis que honrássemos Maria, Aquele que em Maria depositou complemento de todo o bem, para por isso mesmo conhecermos, que, se alguma esperança tem, se alguma graça recebeu, se a salvação conseguiu tudo dela nos dimana»

E baixo:

«Por isso sejamos devotíssimos de Maria com toda a afeição dos nossos corações, com toda a força da nossa vontade, porque assim o quer Aquele que tudo quer que obtenhamos por sua intercessão»

E segunda vez:

«Meus filhinhos, Maria é a escada dos pecadores; é em quem tenho uma confiança, que não pode ser maior; é toda a minha esperança»

A estes dois Santíssimos Padres acrescentarei mais dois, também da escola dos Teólogos, e tão santos como aqueles. Santo Tomás no seu opúsculo da Saudação Angélica (3) diz assim: “Bendita entre as mulheres”, porque foi ela a única que aniquilou a maldição, trouxe a bonança, e abriu a porta do Paraíso, e por isso lhe compete o nome de Maria, que significa Estrela do mar, pois assim como por aquela estrela os navegantes se dirigem ao porto, assim também os cristãos, guiados por Maria, se encaminham à Glória. São Boaventura na sua aljava (4) diz:

“Assim como ó Bem-aventuradíssima, todo aquele que te despreza e é por ti desprotegido, não pode deixar de se perder, também é impossível que não se salvem os teus devotos e teus protegidos”

O mesmo Santo na Vida de São Francisco, falando da confiança, que este tinha na Bem-aventurada Virgem (5) diz:

“Tinha um afeto indizível à Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, por ser ela a quem devemos ser irmãos do Senhor da Majestade, e por nos ter conseguido misericórdia. Confiado nela abaixo de Cristo tomou-a para sua Protetora e dos seus, e em sua honra jejuava devotíssimamente desde a Festa dos Apóstolos, São Pedro e São Paulo, até a Ascensão”

A todos estes faço gosto de acrescentar o Papa Inocêncio III, que foi singular devoto da Virgem Mãe de Deus, e; não só lhe fez magníficos elogios em sermões, mas até construiu em sua honra um mosteiro, e o que é mais de admirar, excitando o povo à confiança na Santíssima Mãe de Deus, quase profetizando, disse coisas, que depois comprovou com feliz resultado em si mesmo. Diz ele no 2.º Sermão da Assunção:

«Quem está na noite da culpa, ponha os olhos na Lua, dirija às suas súplicas a Maria, para que ela, intercedendo por ele a seu Filho, lhe alumie 0 seu coração para a penitência. Pois que pecador ela recorreu, que não fosse ouvido?»

Consulte o leitor o que escrevemos do Papa Inocêncio III, livro 2.°, cap. IX do Gemido da Pompa. De tudo isto claramente se corrige, que dos sinais de eleição para a Bem-aventurança não é dos últimos a singular devoção da Mãe de Deus; pois parece, que não é possível, que se perca aquele a respeito de quem Cristo disse a Virgem: Eis aí teu filho, com tanto que ele ouça atentamente o que Cristo lhe disse: Eis aí tua mãe.


Referências:

(1) Cap. 3.
(2) Cap. 6.
(3) Opusc. 8.
(4) Liv. 1 cap. 5.
(5) Cap. 9.

Voltar para o Índice de As Sete Palavras de Cristo na Cruz, de São Roberto Belarmino

(BELARMINO, Cardeal São Roberto. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Antiga Livraria Chadron, Porto, 1886, p. 119-128)