Pode adicionar-se aos frutos antecedentes um quarto fruto, nascido não tanto da quarta palavra, quanto da circunstância da ocasião em que ela foi proferida; quero dizer, das horrendas trevas, que sem muito intervalo a antecederam, pois são elas muito apropriadas para esclarecerem os Hebreus e para conservarem os Cristãos na verdadeira fé se quiserem prestar séria atenção à força do raciocínio que vamos propor, deduzido daquelas mesmas trevas. Esta demonstração pode coligir-se sem dificuldade nenhuma de quatro verdades.
A primeira é que estando Cristo na Cruz, o Sol se obscureceu completamente todo, de modo que no Céu se viram as estrelas, como se vêem de noite. Esta verdade resulta do dito de cinco testemunhas, merecedoras de todo o crédito, de diversas nacionalidades, e, que escreveram em diversos tempos e lugares, e por isso não podiam escrever coisas que entre si tivessem combinado, para as fazerem passar por fatos.
É a primeira de São Matheus (27), hebreu que escreveu na Judeia, e um dos que viram o obscurecimento do Sol; e decerto um homem, como ele era, sisudo e circunspecto, nunca escreveria na Judeia, e dentro de Jerusalém, como é crível, coisas que não fossem verdade; pois, fazendo-o assim, podia ser censurado e incorrer no desprezo dos habitantes daquela cidade e território, escrevendo como verdadeiras coisas, que todos sabiam que eram falsíssimas.
A segunda é de São Marcos (15), que escreveu em Roma, e viu também aquele eclipse, por que estava então na Judeia com os outros discípulos de Cristo.
A terceira é de São Lucas (23), que era grego, e escreveu na Grécia, e que presenciou também o eclipse em Antioquia, sua pátria, pois, tendo-o presenciado São Dionísio Areopagita em Heliópolis, no Egito, mais facilmente podia presencia-lo São Lucas em Antioquia, que fica mais próxima de Jerusalém do que Heliópolis.
A quarta e quinta são de São Dionísio e Apolofanes, que eram gregos, e ainda gentios, e que muito explicitamente dizem, que viram o eclipse, e sobre ele pensaram sumamente admirados.
São estas as cinco testemunhas, que depõem de vista às quais acrescem os anais dos antigos Romanos, e Flegon, cronógrafo do imperador Adriano, como dissemos no capítulo primeiro. Por isso a primeira verdade de modo nenhum pode ser negada sem louca ousadia nem pelos Judeus, nem pelos pagãos, pois entre os cristãos ela é de fé católica.
A outra verdade é que o mencionado eclipse não podia acontecer senão pela Onipotência de Deus e por isto não podia ser produzido de modo nenhum nem pelos demônios, nem pelos homens, auxiliados por eles; mas sim só por especial providência e vontade de Deus, Criador e Conservador do mundo. Esta verdade demonstra-se da maneira seguinte. O Sol não pode eclipsar-se senão por uma de três causas, ou interpondo-se a Lua entre ele e a Terra, ou por alguma grande e densíssima nuvem; ou pela retração e extinção dos seus raios. Quanto a primeira não podia naturalmente ter lugar aquela interposição, porque sendo então a Páscoa dos Judeus, achava-se a Lua oposta ao Sol, sendo por isso necessário, que ou houvesse o eclipse sem interposição da Lua, ou, que por um extraordinário e grandíssimo milagre, a Lua fizesse em poucas horas o curso, que havia de completar em quatorze dias; e que depois por outro milagre, como o primeiro, retrocedesse com tanta velocidade, que no espaço de três horas fizesse outra vez o caminho de quatorze dias. Ora no que respeita aos orbes celestes é inquestionável, que ninguém tem poder senão Deus; pois os demônios não tem poder senão no mundo sublunar; e é este o motivo por que o Apóstolo (Ef 2) chama ao demônio príncipe do poder desta atmosfera. Pela segunda causa não podia acontecer o eclipse, porque, como já deixamos dito, uma nuvem densa e crassa não pode ocultar-nos o Sol, sem também nos ocultar as estrelas; e consta pelo testemunho de Flegon, que no eclipse que sucedeu na Paixão de Cristo, se viram no Céu as estrelas, como se fôra noite. Pela terceira causa não podia ele ter lugar, como todos sabem, senão sendo retraídos ou extintos os raios do Sol por Deus, que o criou. Por isso a segunda verdade não é menos certa, do que a primeira; e não é preciso menos indiscrição; para negar esta, do que para negar aquela.
A terceira verdade é, que as trevas, de que agora tratamos, tiveram lugar por causa da crucificação de Cristo, e que foi efeito da Divina Providência: verdade, que se demonstra de que elas se conservaram o tempo, que Cristo, Senhor Nosso, esteve vivo na Cruz; isto é desde a hora de sexta até à de nona, como atestam todos os que daquele eclipse fizeram menção; e não podia suceder por acasos que umas trevas, cheias de milagres, coincidissem com a Paixão de Cristo, pois os fatos milagrosos não sucedem casualmente, mas sim pela providência de Deus, e nem a autor algum, de quem eu tenha conhecimento, que a outra causa atribua aquele tão admirável eclipse. Os que conheciam Cristo declararam que a Sua morte causara o eclipse, os que O não conheceram, confessaram admirados a sua ignorância.
A quarta verdade é, que aquelas trevas, tão prodigiosas, nada mais podiam significar senão, que a sentença de Caifás e Pilatos foi tão injusta, quanto podia sê-lo, e que Jesus é verdadeiro e próprio Filho de Deus, e o verdadeiro Messias, que os Judeus foi prometido. Foi esta a principalíssima causa pela qual eles exigiram a Sua morte, pois no conselho dos Pontífices, dos Sacerdotes, dos escribas, e dos fariseus, vendo o Pontífice, que os depoimentos produzidos contra Cristo, nada provavam, ergueram-se, e disse:
“Eu te conjuro pelo Deus vivo, que nos digas, se tu és Cristo, Filho de Deus” (Mt 26)
E declarando-lhe o Senhor, que O era, ele rasgou as Suas vestiduras, dizendo:
“Blasfemou; que necessidade tem já de testemunhas, eis aí acabais de ouvir agora uma blasfêmia. Que vos parece?”
Ao que eles responderam:
“É réu de morte”
Depois em presença de Pilatos, que desejava livrar o Senhor, disseram os pontífices e ministros:
“Nós temos lei, e, segundo ela, deve morrer, porque se fez Filho de Deus” (Jo 19)
Foi, pois esta, como fica dito, principalíssima causa por que o Senhor foi condenado à morte, como tinha predito o profeta Daniel, dizendo:
“Cristo será morto, e não tornará a ser o seu povo o povo que há de negar” (Dn 9)
E foi este motivo, porque Deus na Paixão do Senhor envolveu o mundo naquelas horrendas trevas, para mostrar com a maior evidência, que erraram os pontífices, que errou o povo, que errou Pilatos, que errou Herodes, e que o que estava pendente na Cruz, era o Seu verdadeiro Filho, e o Messias prometido. Que Ele o era, disse-o o Centurião em bem alta voz à vista dos sinais celestes:
“Na verdade este era o filho de Deus” (Mt 27)
E de outro modo: “Sem dúvida este homem era justo” (Lc 23), pois conheceu que aqueles sinais eram como a voz de Deus, que reprovava a sentença de Caifás e Pilatos, e que afirmava, que aquele homem fôra contra todo o direito condenado e executado, sendo Ele o autor da vida, o verdadeiro Filho de Deus e o Cristo, prometido na Lei. Pois que outra coisa quereria Deus dar a conhecer com aquelas trevas, às quais acresceu fenderem-se as pedras e rasgar-se o véu do Santuário, senão que Ele virará as costas ao Povo, que em outro tempo era Seu, e que estava contra ele encolerizadíssimo, por ele não ter conhecido o tempo da Sua vinda, que o Senhor claramente lhe predisse, segundo São Lucas? (19).
Se os Judeus considerassem nisto e ao mesmo tempo notassem que eles desde então foram dispersos entre as nações; que não tornaram a ter nem Rei, nem Pontífices, nem altar, nem sacrifícios, nem milagres, nem respostas de profetas; certamente conheceriam, que Deus os abandonara, e o que muito mais miserável é ainda, que ficaram réprobos, e que neles se está verificando à profecia de Isaías, quando apresenta o Senhor a falar-lhe, dizendo:
“Vai e dize a esse povo: ‘Ouvi bem claramente, e não quereis entender, vede perfeitamente, e não quereis conhecer’. Cega o coração deste povo, tapa-lhe os ouvidos, fecha-lhe os olhos, para que ele não veja com seus olhos, não ouça com seus ouvidos, nem entenda, para que se não converta e eu o salve” (Is 6)
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(BELARMINO, Cardeal São Roberto. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Antiga Livraria Chadron, Porto, 1886, p. 152-160)