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Obrigação de nos Mortificarmos

Meditação para o Décimo Quinta Sábado depois de Pentecostes. Obrigação de nos Mortificarmos

Meditação para o Décimo Quinta Sábado depois de Pentecostes

SUMARIO

Depois de termos meditado sobre a penitência, meditaremos sobre a mortificação, que é a sua consequência, e consideraremos:

1.° O preceito;

2.° A prática.

— Tomaremos a resolução:

1.° De combater em nós a paixão do gozo, o amor das nossas comodidades, e de nada fazermos por motivos tão pouco dignos de um discípulo de Jesus Crucificado;

2.° De sacrificarmos hoje a Nosso Senhor alguma coisa que nos agrade, ou alguma repugnância que sobrevier no cumprimento dos nossos deveres.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra de Nosso Senhor:

“Se alguém quer vir após de mim, negue-se a si mesmo” – Si quis vuit venire post me, abneget semetipsum (Mt 16, 24)

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo declarando-nos no Evangelho que não quer no seu serviço essas almas frouxas, indolentes, efeminadas, que só vêem o prazer do momento e buscam a sua própria satisfação, membros delicados que não condizem com uma cabeça coroada de espinhos. Ele não reconhece por seus discípulos senão as almas fortes, generosas, intrépidas no sacrifício; que sabem violentar-se, levar a sua cruz e mortificar a sua índole, para a sujeitar ao dever. Ofereçamo-nos a Ele com estas generosas disposições.

PRIMEIRO PONTO

Preceito da Mortificação

De todos os pontos da moral cristã, nenhum é tantas vezes recomendado no Evangelho como o preceito da mortificação, isto é, de procurarmos, com as privações, o sofrimento e as violências contra nós mesmo, reprimir a nossa má índole e combater as suas tendências, para a manter sempre no dever: porque as palavras de Nosso Senhor que ordenam que renunciemos a tudo, a nós mesmo, que nos violentemos e tomemos a nossa cruz, significam que devemos mortificar-nos. A razão deste preceito, é porque sem mortificação não há virtude, nem razão, nem felicidade.

1.° Não há virtude, pois que para ser humilde, é preciso mortificar o nosso amor-próprio, a nossa vaidade; para ser manso, é preciso mortificar o nosso gênio, a nossa impaciência e ira; para ser obediente, é preciso mortificar a nossa vontade, os nossos caprichos, as nossas fantasias; para ser casto é preciso mortificar o amor do prazer, não contentar a carne, mas crucificá-la, e guardar-nos continuamente das suas seduções. Sucede o mesmo com todas as virtudes. Assim como não se endireita um membro torto senão ligando-o, assim também não se faz voltar a alma à retidão primitiva de nenhuma virtude, de onde o pecado a desviou, senão violentando-a.

2.° Sem a mortificação, não ha razão. É coisa humilhante ver quão pouco razoável é a razão sem a mortificação; faz-se consistir o prazer, como bruto, na bebida e comida; olham-se como um dos gozos da vida, usa-se deles com excesso até sentir incômodo e perder o tino. É razoável? Sem a mortificação, vive-se de caprichos e fantasias; obra-se a cada momento o que apraz, e não o que se deveria obrar; faz-se da noite dia, deitando-se tarde, e do dia noite, levantando-se mais tarde; desprezam-se os negócios, o cuidado da casa e da família, a vigilância dos filhos e criados, a ordem e a economia no governo doméstico, a proporção entre o que se possui e o que se gasta: é razoável? Sem a mortificação, não se busca senão a satisfação própria, antepondo o prazer ao dever, o gozo à consciência: é razoável? Sem a mortificação, nada se quer sofrer da parte dos outros, e quer-se que eles sofram tudo da nossa parte, que tolerem os nossos defeitos; sem que toleremos os seus; quer-se que cedam à nossa vontade, sem que cedamos jamais a sua; que se deixem escarnecer por nós, repreender, tratar com altivez, e que lhes seja vedado proceder do mesmo modo conosco? É razoável? Finalmente, cada vez que pecamos, é recusado mortificar-nos, porque não queremos privar-nos de coisa alguma, ou porque queremos gozar; ora todo o pecado é contrário à razão, porque a razão nos diz que obedeçamos a Deus, que nada manda que não seja justo e equitativo.

3.° Sem a mortificação, não há felicidade; não há felicidade no serviço de Deus, que retira as suas graças e consolações à medida que se busca o gozo na criatura e não nEle, e que se Lhe recusa o que nos pede; não há felicidade com o próximo, que afastamos com a disposição em que; estamos de não prestar nenhum serviço que incomode, com esse amor-próprio que procura o que agrada sem temer incomodar os outros, com esse gênio melindroso, com essa liberdade de falar que não sabe conter uma palavra ofensiva ou pouco benévola; finalmente, não há felicidade conosco:

a) Porque cada vez que se satisfaz a vontade desordenada, sofre-se a pena do remorso, que diz que se fez mal;

b) Porque todo aquele que tem afeições, indigna-se contra os que querem privá-lo do objeto que ele ama, aflige-se se é preciso, que ele próprio se prive dele, e assim é essencialmente desgraçado.

SEGUNDO PONTO

Prática da Mortificação

A prática desta virtude deve ser contínua, regulada pela prudência, acompanhada de amor e alegria.

1.º Contínua: porque, assim como aquele que navega um rio impetuoso, é levado pela corrente, se deixa um só instante de remar em sentido contrário, assim também será inevitavelmente arrastado ao mal aquele que deixar de lutar com energia contra a sua má propensão; porque a nossa índole corrompida incita-nos incessantemente ao mal, não duvidando perder-nos, contanto que ela fique contente. É uma escrava sempre pronta a rebelar-se, que só sabe fazer mal. Tudo nesta má índole é perigo, a vista, a língua, o gosto, e o tato espalhado por todo o corpo. Ora tantos inimigos conjurados nos perderão infalivelmente, se deixarmos um só dia de mortificá-los.

2.º A prática da mortificação deve ser; regulada pela prudência: seria um zelo indiscreto entregarmo-nos a excessivas mortificações, que arruinassem a saúde. A saúde é um depósito que Deus nos confiou; não temos direito de destruí-lo. Concedamos ao corpo o necessário, mas recusemos-lhe o que só é prazer e gozo.

3.° Finalmente, a mortificação deve ser acompanhada de amor e alegria. Deus não aceita senão os sacrifícios que o amor Lhe oferece com alegria (1); e o homem não praticaria a mortificação, se o amor lh’a não fizesse achar deliciosa. O amor, diz a Imitação,torna leve tudo o que é pesado, e doce o que é amargo (2). A alma que ama, sabe que os sofrimentos são a melhor prova de amor; e assim como tem imenso desejo de mostrar a Deus que o ama, assim também tem imenso desejo de padecer. Sal e que os sofrimentos são o alimento do amor, o meio mais seguro de nele progredir porque o coração se afeiçoa mais a Deus à proporção que mais se desafeiçoa de si próprio e das criaturas; e assim como tem imenso desejo de amar cada vez mais, assim também tem imenso desejo de padecer cada vez mais. Daí este brado de Santa Tereza:

Ou padecer ou morrer!

Daí nas almas, que amam verdadeiramente a Deus, o santo ardor com que se entregam à mortificação.

Examinemos a nossa consciência. Quais são as nossas disposições a respeito de um objeto tão importante para a salvação?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Hilarem datorem diligit Deus (Cor 9, 7)

(2) Amor… leve facit omne onerosum… et omne amarum dulce ae sapidum efficit (3 Imitação 5, 3)

 

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo VI, p. 190-194)