Meditação para a Quarta-feira da Terceira Semana da Quaresma
SUMARIO
Como a contrição, para ser válida, deve fundar-se em motivos de fé, como vimos na nossa última oração, meditaremos sobre o primeiro destes motivos, e veremos:
1.° Quanto o pecado, considerado como ofensa de Deus, é um mal digno de todas as nossas lágrimas;
2.° Quanto mais horrendo ainda o tornam as circunstâncias em que o pecador o comete.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De nos penetrarmos bem deste grande motivo de contrição antes de nos apresentarmos no sagrado tribunal;
2.º De o recordarmos cada dia, de manhã e à tarde, para nos excitarmos ao horror do pecado.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do filho pródigo:
“Meu Pai, pequei contra o céu e diante de vós, já não sou digno de ser chamado vosso filho” – Pater, peccavi in caelum et corum te: jam non sum dignus vocari filius tuus (Lc 15, 18.19)
Meditação para o Dia
Adoremos Nosso Senhor posto de joelhos diante de Seu Pai (1). Nesta posição humildosa, pede-Lhe perdão da ofensa que Lhe faz o pecado; oferece-Lhe a Sua reparação e consente em sofrer o Seu castigo. Unamo-nos aos sentimentos do Seu coração aflito; e supliquemos-Lhe que nos permita participar dessas santas disposições.
PRIMEIRO PONTO
Quanto o pecado considerado como ofensa de Deus, é digno de todas as nossas lágrimas
Ai! Meu Deus, ainda que eu não Vos tivesse ofendido senão em coisas de puro conselho, seria isto bastante para merecer todas as minhas lágrimas; portanto não é uma irreverência bem deplorável que, quando me dizeis: «Faze isto, porque me serás mais agradável; não foiças isto, porque me desagradarias», eu tenha a impudência de não me sujeitar aos Vossos desejos, e de não ceder senão quando me mandais expressamente, dizendo-me:
«Vil escravo, que não obedece sem que o ameacem; falso amigo, que não respeita os desejos do seu amigo, e não receia desagradar-lhe»
A impudência é muito maior ainda, ó meu Deus, quando, passando dos conselhos aos mandamentos, me dizeis: «Faze isto, eu t’o ordeno; não faças isto, eu t’o proíbo: senão me obedeces, serás castigado com as pena do purgatório», e quando não obstante isto me atrevo a fazer o que lhe proibis, a omitir o que me ordenais! Que! Senhor, eu vil criatura, bicho da terra, que poderíeis aniquilar com um lance de olhos, e que conservais por pura misericórdia, desobedeço-Vos; eu que quero que tudo se sujeite à minha vontade, e me indigno se os meus criados não executam de pronto as minhas ordens, desobedeço-Vos; e vendo, pela fé, os Vossos olhos fixados em mim, faço à Vossa vista o que muitas vezes não quisera fazer à vista de um criado, e isto não uma vez, mas milhares de vezes, mas todos os dias! Não é esta uma culpa que merece todas as minhas lágrimas? Todavia não é ainda senão ó pecado venial.
— Que é então, ó meu Deus, o pecado mortal? Ah! Ainda que cometesse um só em minha vida, seria bastante para votar às lágrimas da contrição todo o resto da minha existência. Ao menos, no pecado venial, não renunciava inteiramente à Vossa amizade; não trocava os meus direitos ao céu pelo inferno: mas aqui vejo, que vou perder toda a Vossa amizade, incorrer no Vosso ódio, expôr-me à Vossa ira; e não tenho isto em consideração! Se eu soubesse que, cometendo o pecado, desagradaria tanto ao mundo como a Vós, prejudicaria a minha honra, a minha fortuna, o meu gosto, a minha inocência, abster-me-ia de o cometer; e porque, pecando, não ofendo senão a Vós, não perco senão a Vossa amizade, sucumbo ao pecado! Perdão, Senhor, de semelhante desprezo. Eu vejo-Vos, se peco, manifestar contra mim todo o poder das Vossas vinganças, toda a eternidade dos Vossos castigos, e satisfaço-me a despeito das Vossas ameaças! Vejo que só exigis de mim coisas infinitamente justas, que a minha consciência me dita, que a minha razão aprova; e desprezo os Vossos preceitos a despeito da minha razão, a despeito da minha consciência! Ponho em paralelo convosco um prazer efêmero, um prazer que não entra na alma senão para lhe levar a desgraça com o remorso, e nesta alternativa, a paixão prevalece, leva-vos vantagem! Ó crime! Ó desordem! Ó abismo de iniquidade! Perdão, Senhor, misericórdia!
SEGUNDO PONTO
Quanto mais horrível ainda tornam o pecado as circunstâncias em que o pecador o comete
1.º Há aqui perfídia: porque no batismo, em tantas confissões e comunhões, tinha-Vos jurado fidelidade, ó meu Deus! E eis que depois de tantas promessas, Vos tenho sido infiel! Ó fé dos tratados, onde estás? Ó juramentos violados! Ó insulto ao primeiro chefe! Ó cristão desleal! Ó traidor perjuro!
2.° Há aqui ingratidão: Jesus Cristo morreu por mim, deu-Se a mim nos Sacramentos, tem-me perseguido com as Suas graças e com o Seu amor, prodigaliza-me de dia e de noite os Seus benefícios na ordem natural e sobrenatural; e eu voltei-me contra Ele! Empreguei em ofendê-lO os Seus próprios dons, a minha inteligência, a minha vontade, os meus sentidos! Ó horrenda ingratidão!
3.° Há aqui rebelião do súdito contra o seu soberano, do filho contra o melhor dos pais, do amigo contra o amigo mais fiel, da criatura contra o Criador, da fraqueza contra a onipotência, da pequenez contra a infinita grandeza. Há mais do que tudo isto, há um atentado de lesa-majestade divina, há um dúplice deicídio: o primeiro em que os meus pecados, causa da morte de Jesus Cristo, são como que os algozes que o cravaram na cruz por um crime pior que o dos judeus, que não teriam crucifixado o Salvador, se o houvessem conhecido; e eu conhecia-O, e crucifiquei-O! O segundo deicídio é, que o pecador quereria que Deus não conhecesse o seu pecado; suposto que o conhecesse, quereria que Deus o não detestasse? Suposto que o detestasse, quereria que Deus não pudesse castigá-lo: ora querer estas coisas, é querer que Deus seja privado ou da Sua ciência, ou da Sua santidade, ou do Seu poder; é querer, por conseguinte, que Deus não seja Deus. Que horror! Ó! Quão detestável é, portanto, o pecado! E que firme resolução devemos tomar de evitá-lo mil vezes mais do que todos os maiores males!
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Positis genibus, orabat (Lc 22, 41)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 144-147)