Necessidade de não adiar nossa conversão
É preciso converter-se, e converter-se logo. É preciso apressar nossa marcha, correr para nossa conversão, diz São João Crisóstomo: Cum opus est, et vehementi cursu (Homil. ad pop.). É preciso dispor-nos prontamente a seguir nossa viagem, porque o caminho é longo e a vida é curta. A vocação[1] de Deus insta-nos; há perigo no adiamento! Não tardes em converter-te ao Senhor, não adies (a tua conversão) de um dia para o outro, diz o Eclesiástico: Non tardes converti ad Dominum, et ne differas de die in diem (Eclo 5, 8). Quem é aquele que, tendo apanhado uma víbora, não a solta imediatamente? Quem teria em sua casa um inimigo capital, um assassino? Quem aguentaria sustentar o fogo na mão? O pecado mortal é uma víbora, um assassino, um fogo devorador. Por conseguinte, assim que o sintamos em nosso coração, devemos expulsá-lo. Santo Agostinho declara, com amargas lágrimas, o tempo que tardou em converter-se:Por que, pergunta-nos o Senhor no Eclesiástico, por que vós vos atrasais? Vossas almas estão ardendo de sede? Qui adhuc retardatis? Animae vestrae sitiunt vehementer (Eclo 51, 32).“Ó Formosura, sempre antiga e sempre nova, exclama ele, quanto tardei em vos amar!” (Lib. Confess.).
A conversão vem da graça e da bondade de Deus
O Senhor livrar-me-á de todas as más obras, diz São Paulo, e me conduzirá a seu reino celestial. A Ele seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém: Liberavit me Dominus ab omni opere malo, et salvum faciet in regnum coeleste, cui glória in secula seculorum. Amen. (2 Tm 4, 18). Adão, Davi, Madalena, Paulo, Agostinho etc. e todos os pecadores que se convertem não se convertem senão pela graça e pela misericórdia de Deus. Diz São Paulo que Deus é Quem, por um efeito de sua boa vontade, opera em vós, não somente o querer, senão também o executar: Deus est enim qui operatur in vobis et vele, etperficere, pro bona voluntate (Fl 2, 13). Sem mim, diz Jesus Cristo, nada podeis fazer: Sine me nihil potestis facere (Jo 15, 5). Aquele que está em pecado mortal, morreu; assim, pois, aquele que está morto, não pode naturalmente ressuscitar; somente Deus o pode fazer. Perdemo-nos sem Deus; porém, não podemos voltar à vida, não podemos nos converter, sem o auxílio de Deus.O que é contrição
Contrição é o sentimento de haver pecado. Contrição vem da palavra conterere, triturar, esmagar[1]. Este vocábulo expressa o estado de uma alma rasgada, penetrada de dor por haver ofendido a Deus, e que deseja ardentemente reconciliar- se com Ele e recobrar a graça. O Santo Concílio de Trento (Sess. XIV, cân. IV) define a contrição como uma dor da alma e um aborrecimento do pecado cometido, com um propósito de não voltar a pecar doravante: Contritio animi dolor ad detestatio est de peccato comisso, cum proposito non pecandi de coetero. Esta contrição deve ir acompanhada do desejo de cumprir tudo o que Jesus Cristo ordenou para a remissão dos pecados: por conseguinte, deve ser acompanhada pela vontade de confessá-los e de satisfazer a justiça divina. Por isso, os teólogos, segundo Santo Tomás, assim definem a contrição: a dor por haver pecado, acompanhado da vontade de confessar e de satisfazer.Meditação para a Quarta-feira da Terceira Semana da Quaresma
SUMARIO
Como a contrição, para ser válida, deve fundar-se em motivos de fé, como vimos na nossa última oração, meditaremos sobre o primeiro destes motivos, e veremos: 1.° Quanto o pecado, considerado como ofensa de Deus, é um mal digno de todas as nossas lágrimas; 2.° Quanto mais horrendo ainda o tornam as circunstâncias em que o pecador o comete. — Tomaremos depois a resolução: 1.° De nos penetrarmos bem deste grande motivo de contrição antes de nos apresentarmos no sagrado tribunal; 2.º De o recordarmos cada dia, de manhã e à tarde, para nos excitarmos ao horror do pecado. O nosso ramalhete espiritual será a palavra do filho pródigo:"Meu Pai, pequei contra o céu e diante de vós, já não sou digno de ser chamado vosso filho" - Pater, peccavi in caelum et corum te: jam non sum dignus vocari filius tuus (Lc 15, 18.19)
Meditação para a Terça-feira da Terceira Semana da Quaresma
SUMARIO
Consideraremos, na nossa próxima oração, dois outros caracteres essenciais da contrição; e veremos que ela deve ser: 1.º Suma; 2.° Sobrenatural. — Tomaremos depois a resolução: 1.° De despertarmos na nossa alma a fé nestas duas verdades, e de conservarmos em nós o sentimento habitual delas; 2.° De fazermos atos de fé mais decisivos, todas as tardes, no nosso exame de consciência e cada vez que nos confessarmos. O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Salmista:"Eu aborreci e abominei a iniquidade" - Iniquitatem odio habui, et abominatus sum (Sl 128, 163)
Meditação para a Terça-feira da Primeira Semana da Quaresma
SUMARIO
Como a fragilidade humana está tão exposta a sucumbir às tentações que a acometem, meditaremos no Sacramento da Penitência, que Nosso Senhor instituiu para nos perdoar os nossos pecados, e veremos: 1.° A excelência deste sacramento; 2.° A importância de bem o receber. — Tomaremos depois a resolução: 1.° De agradecermos muitas vezes a Nosso Senhor, com piedosas aspirações, esta adorável instituição; 2.° De nos prepararmos melhor para as nossas confissões. Conservaremos como ramalhete espiritual as mesmas palavras da instituição do Sacramento da Penitência:"Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados, e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos" - Quorum remiseritis peccata, remittuntur eis; et quorum retinueritis, retenta sunt (Jo 20, 23)
Sermão para o 1º Domingo da Quaresma
SUMÁRIO ESCRITO POR BOSSUET
Exordio. — Tempo. — Sua perda. — Três dificuldades que atrasam a sua conversão. 1.º Ponto. — Espírito do homem sempre extremo. — Da presunção do perdão ao desespero do mesmo perdão: Spe desperati. Do fato da misericórdia e da justiça serem infinitos resulta de serem aparentemente compatíveis. Qual é a misericórdia divina? Justiça na graça. A remissão dos pecados. Cada um deve fazer uma confissão sincera, e não procurar meios vis para se eximir das culpas. Devemos alegar defesa perante um juiz, e confessarmo-nos na presença dum padre. Maneira diferente de alegar defesa perante um e outro. 2.º Ponto. — Não há coisa que mais se deixe subjugar do que a vontade individual. Força do temperamento e do hábito. Muro impassibilitatis, Santo Agostinho. Um e outro podem vencer-se pelo temor. A penitência demanda sacrifício. Exemplo de Davi: Motiva poenitendi, Santo Agostinho. Penitência com sacrifício, porque é um ato de geração: In dolore paries filios tuos (G 3, 16). Geração própria. 3.º Ponto. — Do tempo, Dies mali, São Paulo. O tempo é uma ilusão. A vida ora nos parece longa, ora nos parece curta. A ciência do tempo constitui um dos segredos de Deus. O homem deseja penetrar nessa ciência. Nec filius hominis. Contra os que aguardam o último momento. Tempo dos Testamentos: São João Crisóstomo, São Gregório Nazianzeno. Exortação a uma rápida penitência.Adjuvantes autem exhortamur ne in vacuum gratiam Dei recipiatis E nós, como cooperadores, vos exortamos que não recebais a graça de Deus em vão (2Cor 6, 1)
II. Sermão para a Festa da Circuncisão
Pregado no 1° de janeiro de 1687, em Paris, na capela da Casa professa dos Jesuítas.
SUMÁRIO
Exordio. — Desenvolvimento do texto: Ipse salvum faciet populum suum a peccatis eorum... Proposição e divisão. —Jesus é o Cordeiro que tira os pecados do mundo: 1.º O pecado avilta a alma e dá-lhe a morte eterna, mas Jesus ressuscita-a pelo perdão; 2.° A alma perdoada é de novo arrastada ao mal, mas a graça de Jesus fortifica-a contra a tentação; 3.° Neste mundo estamos sempre, sujeitos a abusar da nossa liberdade, mas com a glória do céu torna-nos Jesus impecáveis. 1.º Ponto. — O pecado é um ato de rebelião contra Deus e de ódio contra o próprio indivíduo, um mal íntimo que apaga em nós por completo tudo que nos une a Deus. A graça de Jesus, fruto do Seu sangue divino, cura este mal nas almas penitentes. 2.º Ponto. — O pecado, entrando na nossa alma, e residindo sobretudo nela, faz-lhe chagas que não desaparecem juntamente com Ele, enfraquece a nossa natureza e produz-lhe as maiores alterações. A graça de Jesus, porém, está sempre preparada para nos lavar dos nossos pecados, para nos ajudar a triunfar, para nos premunir enfim contra novas fraquezas. 3.º Ponto. — Finalmente, para completar a sua vitória, a graça de Jesus Cristo há de ajudar-nos a alcançar o repouso eterno, isto é, esse estado em que a nossa alma, firmada na felicidade, não tornará jamais a pecar. Peroração. — Ai do que diz:Não se lembra de que o Omnipotente o espera no dia fatal, e que, certo do golpe que há de dar, não precipita a sua vingança. — Elogio do zelo da Companhia de Jesus.«Eu pequei e que mal me sucedeu?»
Vocabis nomen ejus Jesum: ipse enim salvum faciet populum suum a peccatis eorum E vós lhe chamareis Jesus, que quer dizer Salvador, porque é Ele quem há de salvar o povo dos seus pecados (Mt 1, 21)
I. Sermão para o 3º Domingo do Advento
Pregado na capela real de Saint-Germain-en-Laye, em 1669.
SUMÁRIO ESCRITO POR BOSSUET
Os pecadores adormecem, porque imaginam estar muito longínquo o seu infortúnio, mas Jesus Cristo prova que está disposto a ferir dois golpes: um tira a vida, o outro a esperança. O pecado sai da vontade humana contra a vontade divina. Duplamente contrário: a Deus, porque é ofensivo, ao homem, porque é prejudicial. Porque é prejudicial? Inimigos impotentes provam a sua inimizade: Deo resistendi voluntate, non potestate Iaedendi (S. Agost., De Civit Dei, liv. XII, cap. III). O pecado não caiu em Deus, a quem ataca; deixa todo o seu veneno em quem o comete. Comparação com a terra e as nuvens: Arcus eorum confringatur (Sl 36, 15). A empresa contra Deus é inútil. Gladius eorum intret in corda ipsorum (Ibid.); ele próprio se manifesta... O pecado é o próprio indivíduo: Ne putemus illam tranquillitatem et ineffabile lumen Dei de se proferre unde peccata punientur (S. Agost., Enar. in Psal., V. I, n. 16). Provas pela Escritura (Ez 7). A separação, a pena do sentimento. A primeira, pelo pecado; a segunda, perducam ignem de medio tui qui comedat te (Ez 28, 18). Os pecadores insensatos na sua certeza, tendo neles o principiam desse fogo. Contrariedade entre a lei e o pecador. Moisés e as Tábuas. Acerca da lei de justiça: Quod faceris patieris. Vós destruís a lei; a lei aufert eam de hominum vita (S. Agost., Epist., C. II, n. 24); a justiça divina sempre armada contra o pecador. Jam enim securis.Jam enim securis ad radicem arborum posita est: omnis ego arbor non faciens fructum bonum, excidetur et in ignem mittetur. O machado já chegou à raiz da árvore; portanto, toda a árvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo (Lc 3, 9).