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A Cinza, lição de Humildade

Meditação para a Quinta-feira da Quinquagésima. A Cinza, lição de Humildade

Meditação para a Quinta-feira da Quinquagésima

SUMARIO

Meditaremos:

1.° A lição de humildade que nos dá a Igreja com a cerimônia da Cinza;

2.° As razões porque a Igreja nos dá esta lição no princípio da Quaresma.

— Tomaremos depois a resolução:

1.º De nos conservarmos toda a Quaresma com um espírito humilhado e contrito à vista do nosso nada e dos nossos pecados;

2.° De aceitarmos de boa vontade a penitência da Quaresma, como muito inferior ao que merecemos.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra da Igreja:

“Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar” – Memento, homo, quia puivis es et in pulverem reverteris (Gn 3, 19)

Meditação para o Dia

Adoremos o Espírito de Deus inspirando à Igreja a cerimônia da Cinza como uma poderosa lição de humildade para todos os cristãos. Agradeçamos-Lhe esta santa inspiração, e imploremos-Lhe a graça de nos aproveitarmos bem dela.

PRIMEIRO PONTO

Lição de humildade que nos dá a Igreja com a cerimônia da Cinza

Se a Igreja põe sobre a cabeça, que é a sede da soberba, a cinza que é o símbolo do nada das coisas humanas, não é somente para nos pregar a penitência e o pensamento da morte; é também e principalmente para nos dizer a todos:

«Não te inches tanto, homem soberbo. Lembra-te que és pó e em pó te hás de tornar. É do pó e da cinza que provéns; é esta a tua origem: Deus tomou uma pouca de lama, e formou com ela o primeiro homem, de quem procedem todos os demais homens. És pó e cinza; uma pouca de lama com a forma de homem» diz Tertuliano – Humus titulo hominis incisus

Ora é admissível que a lama se inche do que é; se levante pela soberba contra Aquele que, animando-a com o Seu espírito, a elevou por misericórdia acima do que era? (1). É em pó e cinza que bem depressa vos convertereis; porque vos tornareis em pó (2), com esse melindre que se ofende tão facilmente, com esses pensamentos de amor-próprio e de complacência em vós mesmos, com esses desejos de mostrar-vos e de vos fazer conhecer. Tudo isto, em certo dia, não terá em resultado senão uma pouca de cinza, se perderá na cinza, e desaparecerá como a cinza levada pelo vento, depois de haver sido vil como ela, estéril e inútil como ela. Ainda que tivésseis igualado ou excedido em glória os homens mais ilustres e famosos, em riqueza os homens mais opulentos, em gozos os que têm mais gozado, tudo isto, afinal, se reduzirá a uma pouca de cinza; e essa pouca cinza ainda será desconhecida; não se saberá de quem é, uma refrega de vento a espalhará pelos ares, e o próprio nome daquele de quem ela provém será tão esquecido sobre a terra como se nunca tivesse existido (3).

Que lição de humildade bem própria para nos desenganar de todos os atrativos do amor-próprio, e nos fazer entrar de novo nestes humildes sentimentos, que devemos ter sempre a respeito de nós mesmos! Que loucura querer ser admirado, venerado, louvado, pois que, por fim de contas, tudo isto tem em resultado uma pouca de cinza!

SEGUNDO PONTO

Porque é que a Igreja nos dá esta lição no começo da Quaresma?

1.° Porque sem a humildade todas as mortificações da Quaresma seriam sem mérito. Os fariseus jejuam, diz Jesus Cristo no Evangelho de ontem; mas como o fazem para captar a estima dos homens, fazem-o sem mérito, e recebem a sua recompensa sobre a terra. A razão disto é porque estimarmo-nos a nós mesmos, é prevaricar contra a verdade, que nos diz que nada somos; e querer ser estimado, é prevaricar contra a justiça, que nos clama: A Deus só honra e glória (4), a nós a confusão (5); ora a mentira e a injustiça são incompatíveis com o mérito.

2.° Porque sem a humildade não há verdadeira penitência. A verdadeira penitência tem por base o sentimento da nossa miséria ou a humilhação da alma que, confessando-se culpada, se reconhece obrigada para com a justiça divina a todas as espécies de reparações e satisfações. Quem se estima a si pode fazer, como o fariseu, atos exteriores de penitência, dizer como ele: «Jejuo duas vezes por semana; pago o dizimo de todos os meus bens»; mas, na realidade, esta penitência não pode agradar Àquele que sonda os corações, e que não se compraz senão na verdade. Esse fariseu, apesar dos seus jejuns, não era menos execrado perante Deus, por isso só que se louvava a si próprio e solicitava a estima e o louvor dos outros. Temamos que não aconteça o mesmo conosco; e para evitar esta desgraça, comecemos a Quaresma com um espírito de humildade.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Quid superbit terra et cinis (Ecle 10, 9)

(2) In pulverem reverteris (Gn 3, 19)

(3) Ibidem

(4) Soli Deo honor et gloria (1Tm 1, 17)

(5) Nobis autem confusio (Br 1, 15)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 80-83)