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Evangelho segundo Marcos

Lição 1: Marcos, autor do 2 o Evangelho

1. Marcos não foi um dos doze apóstolos, mas discípulo destes, especialmente de Pedro, que o chama seu filho (1 Pd 5,13), talvez porque o tenha batizado.

São Marcos foi companheiro de São Paulo no começo de sua primeira viagem missionária (cf. At 13,5), mas não prosseguiu até o fim (cf. At 13,13). Por isto o Apóstolo não o quis levar em sua segunda expedição missionária (cf. 15,37-40). Todavia Marcos reaparece como colaborador de São Paulo no primeiro cativeiro romano do Apóstolo (cf. Cl 4,10; Fm 23s); no fim da vida, São Paulo lhe faz um elogio: “é-me útil no ministério” (2Tm 4,11). Há quem veja em Mc 14,51 uma alusão ao próprio Marcos.

A tradição lhe atribui a redação do segundo Evangelho. A propósito o testemunho mais importante é o de Pápias (t 135), bispo de Hierápolis (Ásia Menor), de grande autoridade:

“Marcos, intérprete de Pedro, escreveu com exatidão, mas sem ordem, tudo aquilo que recordava das palavras e das ações do Senhor; não tinha ouvido nem seguido o Senhor, mas, mais tarde…, Pedro. Ora, como Pedro ensinava adaptando-se às várias necessidades dos ouvintes, sem se preocupar com oferecer composição ordenada das sentenças do Senhor, Marcos não nos enganou escrevendo conforme se recordava; tinha somente esta preocupação: nada negligenciar do que tinha ouvido, e nada dizer de falso” (cf. Eusébio, História Eclesiástica III, 39,15).

2. Este depoimento a respeito da autoria de Marcos é corroborado pelo exame do texto do próprio Evangelho. Assim, por exemplo:

Os limites do Evangelho são exatamente os limites propostos pelos discursos de Pedro em At 1,2 e 10,37: desde o batismo ministrado por João até a glorificação de Jesus, sem tocar em cenas da infância do Senhor; cf. Mc 1,1-4 e 16,19s.

Pedro ocupa lugar saliente em Mc; cf. Mc 1,29-31.36; 5-37; 9,2-6; 11,21; 14,33. Pedro é explicitamente nomeado em Mc, enquanto nas passagens paralelas Mt e Lc o silenciam; comparemos entre si Mt 21,20 e Mc 11,21 ; além disto, Mt 24,3; Lc 21,7 e Mc 13,3; também Mt 28,7 e Mc 16,7. De modo especial, em Mc as falhas de Pedro são salientadas (Mc 8,32s; 14,37.66-72) e é silenciado o que redundaria em honra de Pedro (o caminhar sobre as águas, Mt 14,28-31, e a promessa do primado, Mt 16,17-19) – o que só se explica bem se a pessoa de Pedro é indiretamente a responsável pela redação do Evangelho de Marcos.

O 2º Evangelho se compraz em citar alguns termos aramaicos, guardando o sabor original da catequese dos Apóstolos: assim Boanerges (Filhos do Trovão), em 3,17; Talitha Koum (Filha, levanta-te), em 5,41; Ephphata (Abre-te), em 7,34; Abba (Pai), em 14,36; Eloí, Eloí, lama sabachthani (Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?), em 15,34. – isto revela que o autor do 2 º Evangelho era um judeu que transmitia uma catequese outrora concebida em aramaico.

O estilo de Mc é muito simples, quase não recorrendo à subordinação de frases – o que bem corresponde ao gênio literário dos semitas.

Lição 2: Os destinatários de Mc

1. Mc escreveu não para judeus, mas para pagãos convertidos ao Cristianismo. É o que se conclui dos seguintes dados:

Mc não cita vocábulos aramaicos sem os traduzir; cf. 3,17; 5,41; 7,11-34; 10, 46; 14,36; 15,22-34. Também explica os costumes dos judeus como se fossem estranhos aos leitores: 7,3s; 14,12; 15,42.

Omite o que não seria claro a gente pouco familiarizada com o judaísmo: as questões referentes à Lei de Moisés (cf. Mt 5-7) ; quase todas as censuras de Jesus aos fariseus e escribas (cf. Mt 23 e Mc 12,3840); o voto de que a fuga de Jerusalém não ocorra em sábado (no sábado o judeu não caminhava muito; cf. Mt 24,20 e Mc 13,18); a menção do sinal de Jonas (cf. Mt 16,4 e Mc 8,12).

Poucas são as citações do Antigo Testamento em Mc, que não tem a preocupação, típica de Mt, de mostrar que as profecias se cumpriam em Cristo.

Mc cuidou de mitigar ou suprimir tudo o que pudesse causar mal ­entendidos aos pagãos. Assim comparem-se entre si:

  • Mt 15,26 e Mc 7,27: em Mc se lê primeiramente;
  • Mt 10,5s e Mc 3,14-19; 6,7-9: em Mc não se lê que os Apóstolos em sua primeira missão tenham sido enviados apenas aos judeus.
  • Mt 10,17-19 e Mc 13,9-11 : em Mc ”… a todas as nações”;
  • Mt 21,13 e Mc 11,17: em Mc”… para todos os povos”.

Assim a universalidade da salvação e da Igreja é incutida em Mc como em Mt, todavia sem que Mc acentue a prioridade de Israel (devida ao fato de que os judeus são diretamente os filhos de Abraão e da promessa).

2. Mais precisamente, podemos dizer que os pagãos convertidos para os quais Marcos escreveu, eram latinos.

Na verdade, além de apresentar muitos aramaismos, Mc contém numerosos latinismos (só perceptíveis para quem usa o texto grego original); cf. 5,9-15; 6,27.37; 12,14s; 14,5; 15,15.39.44. Às vezes, certas palavras gregas são explicadas por equivalentes do latim, embora o grego fosse a língua comum do Império Romano e o latim fosse o idioma próprio de Roma e do Lácio. Isto só se explica se o autor tinha em vista leitores romanos, domiciliado ele mesmo em Roma (um judeu residente na Palestina não conheceria tão exatamente o dialeto do Lácio).

Estas observações são confirmadas por Mc 15,21: Simão o Cireneu era o pai de Alexandre e Rufo,… desse Rufo, que São Paulo saúda em Rm 16,13. Porque Marcos teria mencionado Rufo, ao escrever seu Evangelho, se não porque Rufo pertencia à comunidade evangelizada por Marcos?

Lição 3: A mensagem de Mc

Marcos é sóbrio em discursos, mas rico em narrativas, que apresentam pormenores vivazes, tornando o Evangelho muito movimentado e colorido.

São Marcos é o mais breve dos evangelistas: conta 673 versículos, enquanto Mt 1.068 e Lc 1.149. Chama-nos a atenção, porém, a maneira como S. Marcos é breve.

1. Dos cinco grandes discursos de Mt, Mc só registra dois: o das parábolas (Mc 4,1-34, com três parábolas em vez de sete) e o escatológico (Mc 13,1-37). O cap. 23 de Mt é reduzido a Mc 12,38-40; Mt 18,1-10 é reduzido a Mc 9,42-50; Mt 24,36-25,46, a Mc 13,33-37.

Ao contrário, as narrativas em Mc são mais minuciosas e vivazes do que em Mt (que não se detém em pormenores). Vejam-se:

Mc1,35-39eLc4,42-44Mc9,14-27eMt
17,14-18        
Mc2, 1-12eMi9,1-8Mc10,23-27eMt
19,23-26        
Mc5, 1-17eMt8,28-34Mc10,46-52eMt
20,29-34        
Mc5,21-43eMt9,18-26Mc1 i,12-24eMt
21,18-22        
Mc8,14-21eMt16,5-12Mc11,27-33eMt
21,23-27

 

 

Muito típica também é a comparação de Mt 21,1-22 com Mc 11,1-25. Tenha-se em vista a seguinte ordem de acontecimentos:

Mt

Mc

Destas duas séries, a de Mc parece corresponder simplesmente ao curso real dos acontecimentos; por isto é tão cheia de movimento. A de Mateus é mais sistemática em vista da catequese: reúne em um só dia o que se deu em Jerusalém e em outro dia o que se deu fora de Jerusalém.

2. As narrações de Mc, espontâneas como são, revestem-se de grande vivacidade. Isto se deve não só ao temperamento de Marcos (pouco dado aos artifícios), mas também a figura de Pedro, que está por trás da redação de Mc.

Notemos, por exemplo, os seguintes traços:

  • as multidões cercam e comprimem Jesus, não lhe deixando o tempo de comer: Mc 1,37 45; 2,1-4.13; 3,7-10.20s.31 s; 4,1; 5,21.27.38-40; 6,31-34.55s;
  • os atos de Jesus suscitam admiração e reverência: 1,22.27.45; 2,12; 4,41; 5, 20.42 6,2s; 10,32 (cf. Mi 20,17 e Lc 18,31);
  • os afetos de Jesus são anotados com muita perspicácia 3,5.34; 5,32; 8,12.32; 10,16.21 23; 11,11. Durante a tempestade, Jesus está deitado sobre um travesseiro, enquanto os após tolos se inquietam: Mc 4,38 (cf. Mt 8,24).
  • Mc refere números (que certamente estimulam a reconstituição mental das cenas), quando os outros evangelistas os silenciam. Comparemos entre si

Mc 2,3 e Mt 9,2; Lc 5,18

Mc 14,30.72 e Mt 26,34.74; Lc 22,34.60

Mc 5,13 e Mt8,33

Mc 14,41 e Mt 26,45

Mc 14,5 e Mt 26,9

Mc 15,25 e Mt 27,33-35; Lc 23,33

Mas só Mateus, o cobrador de impostos, refere o preço por que Jesus foi entregue aos carrascos: Mt 26,15; cf. Mc 14,11; Lc 22,5.

Em Mc a Divindade de Jesus é especialmente realçada pela sua humanidade.

Mc é tão destituído de artifícios ao apresentar Jesus que por vezes pode causar problemas aos intérpretes. Assim, por exemplo,

  • em Mc 3,21: os parentes de Jesus dizem que “está fora de si”. Esta afirmação foi entendida, por vezes, no sentido de que Jesus era doente mental. A interpretação é falsa, pois o verbo grego exeste significa “estar fora de si, sair das habituais normas de vida”; ora, segundo o contexto de Mc, Jesus chamava a atenção por seu grande zelo apostólico, que não lhe permitia encontrar tempo nem mesmo para comer;
  • em Mc 10,18 Jesus parece rejeitar o qualificativo “bom”, devido a Deus só, como si Jesus não fosse Deus. O texto paralelo de Mt 19,16s mudou a construção da frase. – Na verdade Jesus em Mc 10,18 não queria dizer que Ele não é Deus, mas quis levar o jovem a tirar as ultimas conseqüências da sua intuição: se havia reconhecido em Jesus algo que ultrapassava a bondade dos homens, compreendesse que Jesus é Deus;
  • em Mc 6,5s lê-se que Jesus não pôde fazer milagre em Nazaré, e admirava-se da pouca fé dos seus concidadãos. Observe-se que Mt 13,58 tirou as palavras ambíguas. Na verdade, Jesus tudo podia e sabia, como verdadeiro Deus que é; o evangelista Marcos, porém, se exprimiu de acordo com o modo de ver humano de um historiador.
  • em Mc 13,32, o Filho (como os anjos) ignora a data do juízo final; Mt 24,36 atribui esse não saber aos anjos apenas. – Na verdade, Jesus tudo sabia como Deus, mas não estava dentre da sua missão de doutor dos homens comunicar a data do juízo final; Marcos referiu-se a Jesus precisamente como Mestre dos Apóstolos.

Ora estes traços difíceis e toscos (não burilados) de Mc, longe de diminuir o valor deste Evangelho, muito o aumentam. Mostram que S. Marcos não usou de artifícios para recomendar a figura de Jesus; disse com simplicidade o que sabia, certo de que não era preciso “dourar a pílula” para apresentar Jesus. Este era aceito pelos cristãos como Deus e homem. – Verifica-se que precisamente os apócrifos tentam embelezar ao máximo a figura de Jesus atribuindo-lhe atitudes maravilhosas e fantasistas, como se a fé em Jesus necessitasse de tais artifícios; estes são evidentes sinais da não-historicidade das narrações apócrifas, ao passo que a simplicidade de Mc abona a historicidade e fidelidade do evangelista.

É este mesmo Marcos que apresenta Jesus como Deus com clareza surpreendente. Assim, por exemplo,

  • em 1,1: “início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”;
  • em 1,11; 9,7 é o Pai celeste quem proclama Jesus seu Filho bem-amado;
  • em 13,32; 14,62: Jesus mesmo se diz o Filho de Deus bendito;
  • em 2,5.10-12: Jesus perdoa os pecados, e faz um milagre para provar que Ele pode usar desta prerrogativa de Deus.

Para comprovar a Divindade de Jesus assim professada, Marcos deixou falar a linguagem dos fatos: Jesus em Mc aparece a imperar à doença, à morte, aos demônios, aos homens, às forças da natureza, suscitando repetidamente admiração nos espectadores.

Em Mc Jesus é apresentado como o Leão da Tribo de Judá.

A tradição atribuiu a Marcos o símbolo do leão. Realmente, o Cristo descrito por S. Marcos é o “Leão da tribo de Judá” (Ap 5,5); é o Lutador forte por excelência. Isto se percebe desde o inicio do segundo Evangelho: após o Batismo de Jesus, Mc reúne cinco casos de conflito do Senhor com os fariseus (2,1-3,6), após os quais resolvem condenar à morte o Mestre (3,6). Assim desde 3,6 Jesus é atingido pela sentença de morte; daí por diante ele trava a luta da vida contra a morte.

Observem-se os cincos casos:

  • 2,1-12: os adversário agridem Jesus por pensamentos; cf. Mt 9,1-8;
  • 2,13-17: agridem os discípulos de Jesus; cf. Mt 9,9-13;
  • 2,18-22: agridem Jesus a respeito dos discípulos; cf. Mt 9,14-17;
  • 2,23-28: agridem Jesus a respeito dos discípulos; cf. Mt 12,1-8;
  • 3,1-6: tramam a morte de Jesus; cf. Mt 12,9-14.

Para enfatizar a tragicidade da vida de Jesus, Marcos reuniu numa seqüência única (2,1-3,6) dois blocos de conflitos que em Mt ficaram separados (cf. Mt 9,1-17 e Mt 12,1-14).

A figura de Jesus, tratada tão vivazmente pelo 2º Evangelho, toma um caráter de grandeza e heroísmo notáveis.


Para aprofundamento:

BALLARÍNI, T., Introdução à Bíblia IV. Ed. Vozes, Petrópolis, 1972.

BARBAGLIO, FABRIS, MAGGIONI, Os Evangelhos (I). Ed. Loyola 1990.

DE LA CALLE, FR., A Teologia de Marcos. Ed. Paulinas, São Paulo 1978.

DELORME, J., Leitura do Evangelho segundo Marcos. Ed. Paulinas, São Paulo 1982.

Perguntas sobre o Evangelho segundo Marcos

  • Que relacionamento tinha Marcos com São Pedro e com São Paulo?
  • Cite e explique um testemunho antigo em favor de Marcos autor do 2º Evangelho. 
  • Como Pedro é tratado no 2º Evangelho ?
  • Como é que Mc apresenta aos seus leitores as tradições judaicas?
  • Que tipo de pagãos convertidos eram os destinatários de Mc? Explique.
  • Compare entre si Mc e Mt em três episódios comuns aos dois Evangelistas.
  • Indique algumas características de Jesus segundo Mc.
  • Como é que Mc apresenta a humanidade e a Divindade de Jesus? Explique.