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São Pedro nega três vezes a seu Divino Mestre – Seu arrependimento

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Capítulo XXI

Petrus coepit anathematizare et jurare: Quia non novi hominem istum – “Pedro começou a fazer imprecações e a jurar: Não conheço este homem…” (Mc 14, 71)

Et egressus foras, flevit amare – “E tendo saído, chorou amargamente” (Mt 26, 75)

Oh! Como esta renuncia de São Pedro deveu trespassar o coração de Jesus! Pedro, o príncipe dos apóstolos; Pedro, honrado da confiança particular do seu Mestre, nega covardemente Aquele que há pouco prometera acompanhar até à morte!

Oh! Jesus destinado ao suplício e declarado infame, reus est mortis. Jesus coberto de escarros por uma populaça vil. Jesus tratado com indigna derivação por uma turba ímpia e furiosa de criados. Jesus saciado de ignomínias, de penas, de insultos. Jesus abandonado já por vossos próprios discípulos, para que permitistes que a negação de São Pedro viesse ainda aumentar as vossas dores?… Ah! É que vosso amor queria-nos dar uma grande lição: queria-nos ensinar, pela queda do vosso apóstolo, a evitar a presunção, desconfiar das nossas próprias forças, e não confiar senão em vós; queríeis ensinar-nos a temer a nossa fraqueza, a não olhar longos anos passados em serviço vosso como um motivo de segurança.

Quando o espírito se eleva”, diz o Sábio, “a queda não se faz esperar muito”. E em São Pedro acabamos de ver a prova desta verdade, porque, quando nosso Senhor disse a seus apóstolos, na véspera de sua paixão, que ia ser ocasião de escândalo a todos eles, respondeu-lhe:

“Quando todos em ti se escandalizem, eu nunca me escandalizarei”

Sem duvida que estas palavras eram inspiradas pelo amor que tinha a seu Mestre; mais ai! havia nelas um pouco de presunção; punha demasiada confiança em suas forças. Que sucederá? Deus, que não pode suportar o orgulho, seja ainda nos seus amigos, e sob qualquer forma, abandonou-o à sua fraqueza, e o desgraçado apóstolo caiu.

Ah! Meu Deus! Que terrível me parece esta queda! Um apóstolo! O príncipe dos apóstolos negar o seu Mestre! Ó bom Jesus! Tende piedade de mim. Se as estrelas caíram do céu, eu porque devo esperar? Homens cujas obras pareciam louváveis caíram o mais baixo que se pode cair, e vi os que se nutriam do pão dos anjos fazer as suas delicias do pasto dos porcos! Nenhuma é pois a santidade, Senhor, se retirais a vossa mão: nenhuma castidade está segura se a não tendes debaixo da vossa defesa; nenhuma vigilância nos guardará, se não velais por nós. Deixados a nós mesmos somos submergidos das ondas e parecemos; visitados por vós, nos elevamos e vivemos. Porque nós somos instáveis, mas vós nos confirmais; somos tépidos e vós nos inflamais. Oh! Que humildes e baixos devem ser os pensamentos de mim mesmo! quão pouco devo estimar esse bem que em mim parece haver! Oh! como me devo abaixar profundamente, Senhor, perante os vossos impenetráveis juízos, onde me perco como num abismo, e vejo que nada mais sou que um nada e um puro nada! Ó peso imenso! ó mar sem praias! onde não acho nada de mim, onde desapareço como no meio do todos! Aonde se esconderá o orgulho? onde a confiança na própria virtude? Ó meu Deus, toda a vaidade se extingue na profundeza dos vossos juízos. E quando vejo no fundo do meu coração toda a força que tenho para o mal, eu tremo, sou tomado de temor e horror, reconheço que só em vossa misericórdia está toda a minha esperança.

Ó Jesus! Bom Jesus! Eu vos suplico, tende piedade de mim, e não me abandoneis à minha corrupção, Ai! Trair-vos-ei ainda?!!

— Tens razão, filho meu, de temer a tua fraqueza e não presumir de tuas próprias forças, mas não quero que este temor leve à tua alma o desalento e a perturbação. Espera em mim e não serás confundido. Não sabes que abençoo o justo e o cubro do meu amor como de um escudo? Repousa pois em paz no meu coração. Ah! se conheceras este coração! se souberas como ele te ama! se compreenderas como ele vela por ti! Com que confiança não te abandonarias à minha direção! com que calma, com que doce tranquilidade não dirias incessantemente:

“Meu Deus, em vossas mãos me lanço, afim que de mim façais o que vos aprouver!”

Ó meu Jesus, meu terno amigo, meu bom Mestre! As vossas palavras descem ao meu coração como um balsamo salutar, e nele derramam uma consolação inefável. Ó meu Deus! Estou persuadido que velais sobre todos os que em vós esperam, e que nada nos pode faltar quando de vós esperamos todas as coisas; tomo a resolução de para o futuro viver sem algum cuidado, e de em vós descansar de todas as minhas inquietações.

Podem os homens me despojar dos bens e riquezas, podem as doenças tirar-me as forças, e os meios de vos servir; posso até pelo pecado perder a vossa graça, ai! Desgraça de que eu vos suplico me livreis, mas perder a esperança em vós, isso nunca. Conserva-la-ei até ao ultimo suspiro da minha vida, e serão vãos todos os esforços do inferno para m’a arrancar. Podem os mais esperar a sua felicidade das riquezas ou talentos; apoiarem-se outros na inocência de sua vida, ou no rigor da sua penitencia; eu porém, Senhor, toda a minha confiança é só em vós; e esta confiança a ninguém ilude. Estou pois de algum modo seguro que serei eternamente feliz, porque espero firmemente sê-lo e é em vós, ó meu Deus, que o espero. Conheço, ai! Conheço quão fragílimo e inconstante sou; sei o que podem as tentações contra as virtudes mais arraigadas; mas nem tudo isto é capaz de me aterrar; uma vez que eu espere, sempre estarei a salvo de todos os males. Ora à face do céu e da terra o digo, espero em vós, ó meu Deus! Sei que a minha esperança em vós nunca será demasiada; sei que tudo o que de vós espero, um dia o possuirei: espero, pois de vós, ó meu doce Jesus! que me perdoareis os meus pecados, que me amareis sempre, e que eu mesmo vos amarei sem afrouxar durante o tempo e por toda a eternidade. Diz o P. de la Colombière no Sermão sobre a confiança em Deus.

Entretanto um olhar que Jesus amorosamente lançara sobre Pedro, tinha feito entrar em si o discípulo infiel. Penetrado de uma viva dor deixa repentinamente a companhia diante da qual havia negado o seu Mestre, e saindo para fora, soltou largamente as suas lágrimas que vinham de um coração compungido. Não pôs limites à sua dor, e conta São Clemente de Alexandria que as suas faces se cavaram pelas torrentes de lágrima que não cessou de derramar até ao ultimo momento da sua vida. Igualmente narra que a recordação do céu crime o fazia levantar todas as noites ao primeiro canto do galo para se pôr em oração, que não dormia o resto da noite, e que foi sempre fiel a esta pratica até à sua morte. Imitemos pois esse grande apóstolo na penitencia, nós que na queda infelizmente o imitamos.

Oh! Quem me dera a graça de chorar dignamente os meus pecados como São Pedro! Quem me dera a graça de os chorar até que enfim obtenha o perdão! Mas que distancia não vai da minha dor e da minha penitencia à sua! Pedro cai e levanta-se imediatamente; eu caio e cada instante, e levanto-me lenta e frouxamente. Chora amargamente o seu pecado; instruído por sua triste experiência, foge da ocasião do seu crime, retira-se a uma parte, e lava em suas lágrimas a falta que acaba de cometer; eu choro raramente as minhas inumeráveis iniquidades; velo mal sobre mim mesmo e não evito assas as ocasiões perigosas. Ó bem-aventurado penitente, lembrai-vos de mim, e obtende-me a graça de me livrar das cadeias do pecado; alcançai-me a graça de conhecer e temer a minha fraqueza, a graça de uma verdadeira compunção de coração, impetrai-me a graça de me compadecer das fraquezas dos outros e de os levantar com doçura quando caídos; obtende-me enfim o dom das lágrimas. E vós, ó meu Jesus! vós a quem eu neguei não uma, mas cem, talvez mil vezes, tende piedade de mim. Quero reparar por muitas lágrimas e penitencia os ultrajes que vos fizeram tantos pecados que cometi, e de que agora me arrependo de todo o meu coração. Ó meu Deus! Curai as chagas da minha alma, banhando-a no óleo do vosso santo amor. Dai-me o vosso amor, é o que eu só quero; dai-me o vosso amor, ó doce Salvador! Afim de que vos ame até ao ultimo suspiro e por toda a eternidade. Assim seja.

RESOLUÇÕES PRÁTICAS

Da Desconfiança de Si Mesmo

Desconfia de ti mesmo, meu caro Teótimo, como do teu mais cruel inimigo, e, “se estás em pé, guarda-te que não caias”. Por terem confiado muito das suas forças, e não velarem sobre si, têm muitos acabado por cair nas maiores faltas. Acautela-te, não vás cair numa tal desgraça, e para a evitar desconfia de ti mesmo. Evita as ocasiões e não te apoies muito sobre tuas virtudes adquiridas. Não esqueças que quem ao perigo se expõe sem necessidade, nele vem a achar a sua ruína. Não te exaltes pelas tuas boas obras; expor-te-ás ao perigo de tudo perderes. Ai! para que havemos de ter orgulho de um bem que não é nosso! De Deus só vem todas as nossas virtudes, diz São Bernardo; a nós pertencem como propriedade nossa os vícios e pecados. Dele nos vem a nossa caridade e castidade; nasce de nós o orgulho e a concupiscência. Sem a graça de Deus, somos pesados e inábeis para toda a sorte de bens; com a graça sentimo-nos cheios de força e ardor para praticar a virtude. De nós mesmos caímos onde nos arremessa o pecado; e sem a graça de Deus poder-nos-íamos levantar? Se somos poderosos, ricos, sábios, de tudo somos devedores à graça de Deus e unicamente à sua graça. Só a Deus pertencem a santidade, a justiça, a bondade; e tudo o que os homens podem ter, só da sua liberalidade o recebem. De tuas forças não presumes nunca, meu caro Teótimo; nada atribuas a teus méritos, nenhuma confiança ponhas em tua habilidade, coragem, ou seja no que for. No meio das tentações, azares, perigos sem numero de que és assaltado, põe a tua esperança no coração de Jesus, como num asilo seguro; porque quem de si mesmo desconfia, e só em Deus põe a sua confiança, não tem a temer a sua queda, pois é protegido e coberto por sua misericórdia, sustentado pela sua mão.

No decurso do dia dirige amiúde ao Senhor estas palavras:

“Meu Jesus, entre vossos braços me lanço, e vos confio o meu corpo, a minha alma, e a minha salvação; dignai-vos sustentar a minha fraqueza e comunicar-me um pouco da vossa força, afim de que jamais caia na desgraça de abandonar o vosso serviço”

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(Pinnard, Abade Dom. As Chamas do Amor de Jesus ou provas do ardente amor que Jesus nos tem testemunhado na obra da nossa redenção. Traduzido pelo Rev. Padre Silva, 1923, p. 156-166)

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