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As Sete Palavras de Cristo na Cruz

As Sete Palavras de Cristo na Cruz, por São Roberto Belarmino

Cardeal São Roberto Belarmino (1542-1621)

Salve Maria!

Estimados irmãos e irmãs na fé, é com muita alegria que vos apresento, em tempo muito oportuno, esta piedosa obra escrita pelo grande São Roberto Belarmino, Doutor da Igreja, exemplar filho de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Sua Santa Igreja. Trata-se de um livreto no qual nos enriquece com belíssimas palavras acerca da profundidade a nós ensinadas por estas últimas palavras de Cristo na Cruz. Certamente será um bálsamo à nossa alma cada capítulo e nos permitirá a nos unir ainda mais a Cristo, contemplando Sua dolorosa Paixão e praticando as virtudes aí nos ensinadas. É um livro bem raro, esta versão em português é datado de 1886 e pela graça de Deus também já se encontra reeditado pela editora Realeza, dos nossos amigos do Obras Católicas.

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ÍNDICE

Resumo da vida do Cardeal Belarmino
A Venerável Congregação dos Celestinos, Monges da Ordem de São Bento
Prefácio

LIVRO I: Das primeiras três palavras proferidas por Cristo na Cruz

Capítulo I. “Meu Pai, perdoa-lhes; pois não sabem o que fazem”. Explica-se literalmente a primeira palavra
Capítulo II. Do primeiro fruto da primeira palavra proferida na Cruz
Capítulo III. Do segundo fruto da mesma palavra proferida por Cristo na Cruz
Capítulo IV. “Amém. Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso”. Explica-se literalmente a segunda palavra
Capítulo V. Do Primeiro fruto da segunda palavra
Capítulo VI. Do Segundo fruto da segunda palavra
Capítulo VII. Do terceiro fruto da segunda palavra
Capítulo VIII. “Eis aí a tua mãe, eis aí o teu filho”. Explica-se literalmente a terceira palavra
Capítulo IX. Do primeiro fruto da terceira palavra
Capítulo X. Do segundo fruto da terceira palavra
Capítulo XI. Do terceiro fruto da terceira palavra
Capítulo XII. Do quarto fruto da terceira palavra

LIVRO II: Das quatro restantes palavras, proferidas por Cristo na Cruz

Capítulo XIII. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”. Explica-se literalmente a quarta palavra
Capítulo XIV. Do primeiro fruto da quarta palavra
Capítulo XV. Do segundo fruto da quarta palavra
Capítulo XVI. Do terceiro fruto da quarta palavra
Capítulo XVII. Do quarto fruto da quarta palavra
Capítulo XVIII. Do quinto fruto da quarta palavra
Capítulo IX. “Tenho sede”. Explica-se literalmente a quinta palavra
Capítulo XX. Do primeiro fruto da quinta palavra
Capítulo XXI. Do segundo fruto da quinta palavra
Capítulo XXII. Do terceiro fruto da quinta palavra
Capítulo XXIII. Do quarto fruto da quinta palavra
Capítulo XXIV. “Tudo está consumado”. Explica-se literalmente a sexta palavra
Capítulo XXV. Do primeiro fruto da sexta palavra
Capítulo XXVI. Do segundo fruto da sexta palavra
Capítulo XXVII. Do terceiro fruto da sexta palavra
Capítulo XXVIII. Do quarto fruto da sexta palavra
Capítulo XXIX. Do quinto fruto da sexta palavra
Capítulo XXX. Do sexto fruto da sexta palavra
Capítulo XXXI. “Meu Pai, nas tuas mãos entrego o meu espirito”. Explica-se literalmente a sétima palavra
Capítulo XXXII. Do primeiro fruto da sétima palavra
Capítulo XXXIII. Do segundo fruto da sétima palavra
Capítulo XXXIV. Do terceiro fruto da sétima palavra
Capítulo XXXV. Do quarto fruto da última palavra
Capítulo XXXVI. Do último fruto da última palavra

 

Cardeal São Roberto Belarmino (1542-1621)

Resumo da vida do Cardeal Belarmino

Roberto Belarmino, nascido para bem da República Cristã em 4 de outubro de 1542, em Policiano, cidade da Toscana, foi nobre, por ambos os seus progenitores, que foram Vicente Belarmino, pessoa muito considerada, Cintia Cervina, senhora de primeira nobreza e virtuosíssima, e irmã do Papa, Marcelo II. Depois de ter estudado diligentemente Gramática, Literatura e Retórica, aprendeu com incrível rapidez o Grego nas escolas dos Jesuítas, e pelo gosto que tinha pela poesia, não tendo ainda dezesseis anos, escreveu em latim com correção e elegância o poema da Virgindade; uma Écloga à morte do cardeal Roberto Nobilio, na qual mostra descrição de homem já feito; um poema sáfico do Espirito Santo, que começa Spiritus, celsi Dominator axis; e o elegantíssimo hino de Santa Maria Madalena Pater Superni luminis, o qual Clemente VIII mandou incluir no Breviário Romano entre os da festa daquela Santa.

Chegado à adolescência, foi cursar os estudos superiores na Academia de Pádua, e lá se resolveu a meter-se frade da Companhia. Seus pais, porque desejavam que a sua casa se não extinguisse, e não tendo outro filho, fizeram conjuntamente com os seus amigos tudo quanto era possível, para o dissuadirem; porém não puderam consegui-lo; porque os seus argumentos, fundados em futuras grandezas humanas, nada podia com Belarmino, que as aborrecia.

Entrou, pois naquela religião aos dezoito anos, e, depois de concluído o seu noviciado no colégio de Roma, e de ter estudado três anos Filosofia, foi com geral aplauso nomeado mestre em artes, e mandado pouco depois para Florença, reger as cadeiras públicas de Retórica e Astronomia.

Por ordem do Reitor do Colégio daquela cidade pregou em dias determinados (além dos discursos, que em fazia na Sé) quase ainda não tendo barba, e sem ainda ter ordens nenhumas, e tão lógica e eloquentemente, que um indivíduo erudito, e, que não era qualquer, tendo-o ouvido, disse no fim do sermão em voz alta:

«Ainda assim não falou homem nenhum»

Em Pádua defendeu teses de Filosofia e Teologia dois dias inteiros com tanta dignidade, saber, e
erudição, que não só ganhou a afeição de todos, mas até mereceu, que dele dissessem que era um homem incomparável; sendo ainda um rapaz.

Recebeu a ordem de subdiácono em Liége, e em Gaud as de diácono e presbítero; e celebrou a primeira vez em Lovaina em 1570.

Depois, tendo feito a profissão dos quatro votos da Companhia, deu-se de tal modo ao estudo do Hebraico, que dentro em pouco o aprendeu, e ensinou com aplauso.

Foi onze anos Mestre de Casos no Colégio Romano, aonde concorria a ouvi-lo muita gente, que muito aproveitava com as suas lições.

Xisto V mandou-o para França com o Legado Pontifício, Henrique Caetano, e lá sofreu muitos e grandes trabalhos pelo nome de Cristo no cerco de Paris. Escreveu então em nome do Legado uma notável carta em latim a todos os Prelados franceses, para eles não caírem no cisma.

Inocêncio IX, apenas subido ao Pontificado, quis fazê-lo Cardeal, para lhe remunerar os seus grandes serviços à Igreja: não pode porém realizar a sua vontade, porque morreu, não tendo ainda, dois meses de Pontificado.

Gregório XIV, mandando, aconselhado por Belarmino, corrigir a Bíblia de Xisto V, nomeou-o membro da respectiva junta.

Em 1597 foi, por falecimento do cardeal de Toledo, nomeado Teólogo Pontífice e conselheiro da Suprema Inquisição por Clemente VIII, depois examinador dos que haviam de serem bispos, e Prepósito da Penitenciária do Vaticano, e pelo seu distinto desempenho de ambos estes lugares promovido a Cardeal pelo mesmo Pontífice, que lhe fez, quando o nomeou, o seguinte elogio:

“Nomeá-lo Cardeal, porque em sabedoria não tem a Igreja de Deus outro como ele; e porque é sobrinho de um ótimo e santíssimo Pontífice”

Em 1602 foi feito Arcebispo de Cápua, para onde partiu logo depois da sua consagração; e tendo ido a Roma ao Conclave por falecimento de Clemente VIII, Paulo V, sucedendo a Leão XI, que só foi Pontífice vinte e sete dias, não o deixou voltar para Cápua, dizendo, que de um homem assim não precisava uma Igreja, mas precisava todo o orbe católico. Por pouco não saiu Pontífice no Conclave, que elegeu Paulo V, e muito grande foi o seu contentamento, quando viu, que não era ele o eleito.

Conhecendo que a morte se lhe avizinhava, obteve do Pontífice Gregório XV, permissão para deixar os cargos públicos, que ocupava, e retirar-se à sua religião, onde escreveu a sua última obra, a Arte de bem morrer.

Foi muito devoto, de muita caridade, severo só consigo, e muito afável com todos, não consentindo mesmo, que os pobres, quando lhe pediam esmola, estivessem com o chapéu na mão, era inimigo dos vícios; bem como do luxo, das grandezas mundanas e das delícias.

Escreveu muitas obras nos gêneros polêmico, exegético e pio. A este pertencem – As Sete Palavras de Cristo na Cruz.

Morreu santissimamente, de 79 anos, a 17 de setembro de 1621.

A Venerável Congregação dos Celestinos, Monges da Ordem de São Bento, faz os seus cumprimentos o Cardeal, Roberto Belarmino, Protetor da mesma Congregação

Tão sabiamente como podia ser, julgou o abade Pynuphio, segundo diz Cassiano, que o perfeito monge se deve comparar com Cristo crucificado; pois as virtudes que no perfeito monge se requerem, são as três seguintes: pobreza, que exclua quanto for domínio; castidade, que nunca saiba os prazeres carnais; e obediência, absolutamente subordinada a um aceno do seu superior; às quais virtudes costuma andar anexa na regra de São Bento a estabilidade do lugar.

Se alguém, pois, quiser ver um exemplar de voluntária pobreza até a completa nudez e indigência, repare em Cristo crucificado, que, assim como em vida não teve onde reclinar a cabeça, assim também, estando para morrer, deixou que os seus algozes entre si dividissem os seus próprios vestidos, únicos objetos que possuía.

Se alguém quiser achar um modelo da mortificação da carne, que conserve a castidade em toda a sua perfeição, sem dúvida o encontrará em Cristo crucificado; pois desde as plantas dos pés até o alto da cabeça estava sofrendo uma dor contínua.

Se alguém quiser finalmente procurar um tipo de perfeita obediência, em ninguém o poderá descobrir mais completo do que nAquele, que, obediente, se sujeitou à morte, e morte de cruz. Nem só achará em Cristo crucificado, protótipo incomparável de todas as virtudes, a virtude da obediência, mas também as suas inseparáveis companheiras, sofrimento e humildade, e desta o seu princípio e fim, caridade ardentíssima, e em todas elas perseverança até final, a qual é significada pela estabilidade do lugar.

Certamente não só Cristo na Cruz é o mais completo modelo da perfeição monástica; mas também o perfeito monge representa perfeitíssimamente o Senhor crucificado. Esta representação ou semelhança de Cristo crucificado parece tê-la expressada ao vivo principalmente São Pedro Celestino; pois a sua vida, quase desde a infância até á última velhice, e morte, nada mais foi do que uma continuada meditação da Cruz, e não interrompida imitação do Crucificado; e; para com propriedade se dar a conhecer, que assim fora, se viu, quando ele estava para morrer, desde sexta-feira até às três horas do sábado, em que felicissimamente entregou o seu espírito ao Criador, uma Cruz d’ouro, milagrosamente suspensa no ar, defronte da sua cela. Aquela Cruz, conta Pedro d’Aliaco, Cardeal Cameracense (Lib. 2, c. 19 vitae S. Petri Caelestini), que por muita gente fora visto com assombro; e isto mesmo é mencionado, como indubitável sinal do Céu no documento da sua canonização. Em vista disto parece-me, que bastante razão tem, para oferecer e dedicar especialmente aos meus Celestinos os meus livros das Sete palavras proferidas por Cristo na Cruz, pois neles diligenciei explicar as principais virtudes do Crucificado; às quais sendo sem dúvida nenhuma, muito úteis a todos os fiéis, são absolutamente necessárias a quem por própria vocação abraçou a mortificação da Cruz. Aqueles, pois, que com Cristo se crucificaram, e para o mundo morreram, pela observância externa da sua regra, e não imitam as virtudes do Crucificado sofrem, como o infeliz ladrão, a ignomínia do patíbulo e os seus tormentos; porém não conseguirão nem a glória, nem o prêmio de Cristo; e melhor lhes fora, como diz São Pedro – não terem conhecido o caminho da justiça, do que depois de o terem conhecido, tornarem para traz, deixando àquele mandamento santo, que lhes foi dado (2 Pd 2). Pelo, que exorto todos os monges, e, particularmente os meus Celestinos, a que, se quiser ser o que diz o nome de monges, leiam assiduamente o Livro da cruz de Cristo, e o tenham como um comentário fiel e claro, para explicar os lugares escuros, que leiam repetidas vezes as vidas de São Pedro Celestino, e dos outros santos, e se desvelem na prática das virtudes, que deles aprenderem; pois assim se realizará, que de dia para dia a Cruz se lhes torne suave, e tão amável, que, sem custo desprezem os Escribas e Fariseus, isto é, a carne e o sangue, que, gritando, lhes estão dizendo — descem da Cruz. Assim faziam antigamente os discípulos de São Francisco, quando ainda não tinham os livros da sua reza: olhando continuamente para o livro da Cruz de Cristo, de dia e de noite o liam e reliam como diz São Boaventura (In vita S. Francisci, c.4), ensinados pelo exemplo e discursos do seu Patriarca, que continuamente lhes fazia prédicas a respeito da Cruz.

Aceitai, pois, veneráveis Padres, esta dadivazinha, que vos oferece o vosso Protetor, e, que será mesmo depois que ele morrer, uma prova do entranhável afeto, que sempre vos consagrou, e do desejo, que sempre teve de, que vós sejais herdeiros das virtudes de São Pedro Celestino, e verdadeiros discípulos e imitadores de Cristo Crucificado.

Prefácio

Vão já correndo quatro anos desde que eu, preparando-me para deixar este mundo, estou retirado do seu bulício, tendo abandonado as coisas do século, porém não a meditação da Sagrada Escritura nem deixando de escrever o que a este respeito me ocorre, porque, se já não posso ser útil aos meus irmãos pela palavra ou por longos escritos, ao menos não deixe de o ser por livrinhos de piedade. Quando eu estava pensando a respeito do assunto que devia escolher, e, que não só pudesse dispor-me para morrer cristãmente, mas também servir ao meu próximo, para bem viver; ocorreu-me a ideia da morte do Redentor, e daquele último sermão que, de sete curtíssimas palavras, porém de poderosíssimos pensamentos, Ele do alto da Cruz, como de um elevadíssimo púlpito pregou a todo o gênero humano: pois naquele sermão ou naquelas sete palavras se contém tudo aquilo de que o mesmo Senhor diz:

“Eis que subimos a Jerusalém. Tudo o que foi escrito pelos profetas a respeito do Filho do Homem será cumprido” (Lc 18, 31)

O que eles predisseram a respeito de Cristo, reduz-se a quatro artigos: Discursos ao povo; oração a seu Eterno Pai; seus gravíssimos sofrimentos; e suas sublimes e admiráveis ações; e tudo isto maravilhosamente se realizou na Sua vida, pois o Senhor pregava frequentíssimamente no Templo, nas Sinagogas, nos campos, nos desertos, nas casas particulares; finalmente, até de uma barca as turbas que estavam na praia. As noites passavam ordinariamente em oração a Deus; pois diz o Evangelista: e passou toda a noite em oração a Deus (Lc 6 , 12). As suas ações admiráveis em expulsar demônios, em curar enfermos, em multiplicar pães, em serenar tempestades, lêem-se a cada passo nos Evangelistas (Mt 8; Mc 4; Lc 6; Jo 6). Finalmente os malefícios, com que lhe pagavam os benefícios, eram muitos; não só injúrias verbais, porém também pedradas, e vontade de O precipitarem (Jo 8; Lc 4). Tudo isto, porém, se consumou sem a menor dúvida na Cruz. De tal modo, pois, dela pregou que muito dali voltaram arrependidos (Lc 23): não só se rasgaram corações humanos, mas também pedras se partiram. De tal modo orou na Cruz, que oferecendo com um grande brado e com lágrimas, preces e rogos ao que O podia salvar da morte, foi atendido pela Sua reverencia, como diz o Apóstolo aos Hebreus (Hb 5). Os tormentos que na Cruz padeceu, são tão superiores aos sofrimentos das outras épocas da Sua vida, que propriamente se pode dizer que, aqueles constituem a Sua paixão. Nunca operou maiores prodígios do que, quando na Cruz parecia estar no maior desamparo e sem poder algum, pois foi então, que não só fez que aparecessem provas celestes da sua Divindade (Mt 27) que os judeus Lhe tinham importunamente exigido, mas também pouco depois deu disto a maior de todas, quando depois de morto e sepultado, por Seu próprio poder ressurgiu dos mortos, fazendo voltar o Seu corpo à vida e vida imortal. Verdadeiramente, pois na Cruz se consumou tudo quanto os Profetas escreveram do Filho do Homem.

Antes, porém que eu comece a escrever das palavras do Senhor parece-me de utilidade dizer alguma coisa a respeito da Cruz, que foi o púlpito daquele Pregador, o altar daquele Sacrificador, o estádio daquele Combatente, e a oficina daquele Operador de milagres. Quanto à estrutura da Cruz é opinião mais seguida dos antigos, que era formada por três peças; uma ao alto, em que foi estendido o corpo do Crucificado, outra atravessada, na qual foram cravadas as mãos, e a terceira pregada na parte inferior daquela, servindo como de apoio aos pés, que nela foram cravados. Assim o dizem, os antiquíssimos Padres, São Justino e Santo Irineu (In dial. cum Triphon. Lib. 15 advers. haeres. Valentin), que bem claramente, mostram que ambos os pés estavam sobre um escabelo, e não um sobre o outro. Daqui se segue que os cravos foram quatro, e não três, como muitos cuidam, representando por isto Cristo crucificado com um pé sobre o outro; porém à opinião destes é inteiramente oposta, como muito bem se vê, a de Gregório Turonense (Láb. de glor. Martyr., cap. 6) a qual é fundada em antigas pinturas:

“Vi em Paris, diz ele, na biblioteca do Rei antiquíssimos, livros dos Evangelhos, manuscritos, repetidas pinturas do Crucificado, e sempre com quatro cravos”

Que a haste da Cruz excedia algum tanto a travessa, dizem-no Santo Agostinho e São Gregório Nazianzeno (Epist. 12. Serm. 1 de Resur.); e isto mesmo se pode coligir do apóstolo, que, dizendo aos Efésios (Ef 3): Para que possais compreender com todos os Santos, qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade, bem claramente descreve a figura da Cruz, que tem quatro extremidades; largura na travessa, comprimento na haste, altura na parte da haste, que excede a travessa, e profundidade na parte, que ficava oculta, cravada na terra. Naquele patíbulo sofreu Nosso Senhor não por casualidade, nem violentado; pois desde a mesma eternidade O tinha escolhido, como diz Santo Agostinho (Epist. 120) fundado na passagem dos Atos dos Apóstolos (At 2): A este, depois de vos ser entregue pelo decretado conselho e presciência de Deus, crucificando-o por mãos de iníquos, lhe tirastes a mesma vida: e por isto mesmo Cristo no começo da Sua pregação disse a Nicodemos (Jo 3):

“E Moisés no Deserto levantou a serpente; assim importa que seja levantado o Filho do Homem para que todo o que crê nele, não pereça, mas tenha a vida eterna”

E falando muitas vezes aos Apóstolos a respeito da sua Cruz, lhes dizia, exortando-os (Mt 16):

“Se algum quer vir após de mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua Cruz, e siga-me”

A razão, por que Cristo escolheu este suplício, só Ele sabe: não faltam, porém razões místicas, que os Santos Padres excogitaram, e nos deixaram escritas. Santo Irineu diz (Lib. 5, advers. haers. Valentin.), que os dois braços da Cruz estavam como ligados um ao outro debaixo do mesmo título — JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS – para disso entendermos que os dois povos, hebreu e gentio, em algum tempo se hão de reunir num corpo, de que Cristo há de ser a cabeça; tendo antes estado dividido. São Gregório Nazianzeno, no discurso da ressurreição de Cristo (Orat. 1) diz que, a parte da Cruz, que olha para o Céu, significa que ele é aberto pela Cruz, como sendo ela a sua chave; que a parte, que estava cravada na terra, significa que o inferno havia de ser vencido por Cristo, quando a ele descesse; que os dois braços da Cruz, em direção um ao Oriente outro ao Ocidente, significam a reparação de todo o gênero humano pelo sangue de Cristo. São Jerônimo na Epístola aos Efésios, Santo Agostinho a Honorato, e São Bernardo no Tratado da Consideração (Lib. 5), dizem que o principal mistério da Cruz é brevemente expressado pelo Apóstolo naquelas palavras (Ef 3): qual seja a largura e o comprimento e a altura e a profundidade. Dão aquelas palavras a entender, primeiramente os atributos de Deus:

  • na altura o Seu poder;
  • na profundidade a Sua sabedoria;
  • na largura a Sua bondade,
  • no comprimento a Sua eternidade.

Em segundo lugar as virtudes de Cristo nos tormentos:

  • na largura a Sua caridade;
  • no comprimento a Sua resignação;
  • na altura a Sua obediência;
  • na profundidade a Sua humildade.

E finalmente as virtudes neste tempo necessárias para conseguir a salvação por Cristo:

  • na profundidade da Cruz a fé;
  • na sua altura a esperança;
  • na sua largura a caridade;
  • no seu comprimento a perseverança.

Disso entendemos que só a caridade que é chamada a Rainha das virtudes, em todos tem lugar, em Deus, em Cristo, e em nós; e, que das outras virtudes pertencem umas a Deus, outras a Cristo, outras a nós. Não haja, pois, quem estranhe, que nas últimas palavras de Cristo, as quais vamos explicar, demos o primeiro lugar à caridade. Explicaremos, pois, primeiramente as três primeiras palavras que Cristo proferiu perto da hora sexta, antes que a Terra fosse toda envolvida em trevas pelo obscurecimento do Sol. Depois trataremos do motivo da falta da luz solar; e em seguida explicaremos as outras palavras, que Cristo proferiu perto da hora nona, como diz São Mateus (27), isto é, quando as trevas iam acabando, e se avizinhava, ou antes, estava iminente a Sua morte.