QUANTO mais buscamos a felicidade no mundo exterior, mais arriscamos a nossa paz interior. Só quem confia em si mesmo se mantém sereno, pois esse, e mais ninguém, fixou as condições de paz que estão debaixo do seu próprio domínio. Os outros são vítimas das circunstâncias, escravos de coisas que, em qualquer momento, lhes podem ser recusadas. O bêbado é um obcecado do álcool; os avarentos são obcecados do dinheiro; os frívolos são obcecados da moda… o universo de qualquer um deles pode ser abalado pela vontade de outrem. Nenhum de nós pode dirigir o modo como os outros procederão para conosco; mas podemos dirigir sempre a nossa reação para com eles.As nossas relações com as coisas exteriores estão todas expressas em termos de ter ou não ter. A vida interior do espírito centra-se, pelo contrário, no ser, naquilo que se é. Demasiadas vezes a vida é danificada pela ambição de ter, quando o nosso principal interesse devia ser orientado para o ser. Uma vez que nada no universo material é maior do que o espírito — a personalidade dentro de cada um de nós — , toda a fraqueza perante um desejo ou necessidade material constitui um dano. Qualquer coisa que se tenha cria problemas; quanto mais chaves um homem traz na sua argola de chaves, mais numerosos serão os seus problemas. E não ter as coisas de que julgamos precisar também pode causar decepção. O homem, porém, que nada deseja é livre; tudo aquilo que lhe acontecer aceita-o de bom grado, e tudo aquilo que lhe é negado cede-o sem mágoa.
Desistir de atribuir às coisas exteriores, o valor de um fim, é o caminho para a serena confiança. Ser plenamente íntegro e ditosamente simples, como devemos, exige que fujamos do caótico, do turbulento e discordante que nos rodeiam, porque, se permitimos que estas coisas nos encham a alma, elas não deixarão lugar para o Divino que lá deve habitar. O homem que confia nas satisfações exteriores, está num estado constante de guerra civil; é, por assim dizer, uma casa dividida contra si mesma e que não pode manter-se de pé.
Nesta época muitas coisas nos solicitam a procurar a felicidade entre as satisfações baratas e materiais, que não requerem esforço íntimo, nem emprego da inteligência ou da vontade. Até as nossas revistas tendem agora cada vez mais a usar gravuras em vez de texto: nem mesmo temos de ler ou pensar para estarmos ao corrente do que se passa. Os estímulos do palco e da tela e os cartazes impelem-nos para direções diferentes, geram em nós uma série constante de emoções, fazem-nos viver num rodopio de experiências superficiais. Esta maneira de viver pode tornar-nos vítimas de nossas próprias sensações, que são tiranos cruéis; os homens que perdem o domínio interior caminham para um colapso nervoso.
Para restituir a paz ao homem dos nossos dias, desiludido e nervoso, importa somente que ele coloque uma barreira de silêncio entre si próprio e o mundo exterior… que comece a dar mais importância ao que é do que ao que tem ou ao que sente. Se libertarmos a nossa atenção do «eu» e das suas necessidades egoístas, já temos um passo em frente. O que há depois a fazer é tentar cumprir, até ao último pormenor, a Santa Vontade de Deus — pois, com isto, contribuímos para a nossa própria perfeição e a nossa paz. A saúde clínica e a saúde moral são geralmente idênticas. A violação da lei moral perturba sempre a mente e o corpo, mas a submissão à Vontade de Deus traz inevitavelmente uma melhor saúde ao corpo e uma profunda paz à alma.
Por algum tempo, o sacrifício dos nossos caprichos egoístas exigirá esforço; mas para o homem, que uma vez colocou os desejos de Deus acima dos seus, não há mais sacrifício algum. As primeiras fases da vida espiritual são como a aprendizagem de um músico: tem de se resolver a dar-se a um estudo aturado, ou a exercícios de dedos e a faltar a divertimentos, para praticar. Mas mais tarde, aceita estas coisas de boa vontade, pois o músico experiente considera-as o caminho para a sua alegria. O homem que ama a Deus com toda a sua mente e com todo o seu coração, vê na obediência a Deus o caminho para a beleza e para o êxtase. Assim como o raio cai sobre a vara metálica, que está já carregada de eletricidade, de preferência à vara de madeira, assim a paz de Deus se derrama sobre as criaturas que
já estão melhor preparadas para ela, pelo amor para com Ele.
Somente pode conquistar-se esta paz interior, fazendo de Deus o senhor de tudo quanto obramos. Muitas pessoas que creem em Deus, recusam-se a ir tão longe. Apenas Lhe reservam um acanhado compartimento do seu espírito. Os seus planos são concebidos sem O consultarem; as suas provações e sofrimentos são suportados sem se reconsiderar no fato de que o Amor pode magoar para curar; e os dias passam-se na solidão e no desgosto, embora cada hora pudesse ser inebriante de doçura.
Para tais corações um simples momento de graça pode provocar a mudança. Tornam-se subitamente cônscios de que «o Senhor está em casa». Ou antes: o Senhor está em nossos corações. Estes deixam de ser egoístas, pois se deram a Deus. Os acontecimentos exteriores da vida não mais podem perturbar a sua paz. O que eles têm tornou-se irrelevante; a única coisa que interessa é o que são, e o que são como Filhos Seus. Finalmente podem ouvir as Suas Palavras:
«A minha paz vos dou, e a paz que Eu vos dou, não vo-la dou como o mundo a dá. Não deixeis que os vossos corações se perturbem»
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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 149-152)