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As Três causas do Amor

Capítulo 17. As Três Causas do Amor - Livro Rumo à Felicidade, de Fulton Sheen
TODO o amor se apoia numa tripeça. Todo o amor tem três bases ou sustentáculos: bondade, conhecimento e semelhança.

Consideremos, em primeiro lugar, a bondade. Pode alguém enganar-se na escolha do que lhe parece ser bom, mas jamais poderá desejar alguma coisa, sem que acredite na sua bondade intrínseca. Buscava o filho pródigo algo de bom para si, algo que fosse capaz de lhe saciar a fome, quando tentou alimentar-se de bolotas; iludiu-se, apenas, no seu juízo, julgando que as bolotas eram alimento próprio de um homem. Todos nós estamos na mesma precária situação. Não deixamos de procurar encher a vida, o espírito, o corpo e as nossas casas de «bens», e nada aceitamos que, na ocasião, não nos pareça ter algo de bom em si. Os nossos juízos, porém, nem sempre são verdadeiros; podemos tomar falsamente um bem aparente por um bem real, e deste modo prejudicar-nos.

Sem esta tendência para a bondade, não haveria amor algum: nem amor da pátria, nem do prazer, nem dos amigos, nem dos esposos. Pelo amor, o coração procura adquirir uma perfeição de que carece, ou revelar a que já possui. Todo o amor brota da bondade, porque esta, por natureza, é amável ao homem.

A bondade que amamos noutrem, nem sempre é a bondade moral; pode ser bondade física ou utilitária. Neste caso, um indivíduo é amado por causa do prazer que nos dá, ou porque nos é útil, ou por causa do que nos pode granjear, ou ainda por outra qualquer razão em que está envolvido o amor próprio. Mas, mesmo assim, há um bem que procuramos no amor, e se, de qualquer modo, não nos parece bom, simplesmente não nos interessamos por ele.

Também o conhecimento está compreendido em todo o amor: não se pode amar o que se não conhece. «Apresente-me» é a frase do homem que procura conhecer uma mulher, pois sabe que o conhecimento deve preceder a possibilidade de realmente a amar. Até mesmo «a rapariga ideal» do rapaz solteiro tem de ser formada de parcelas de conhecimentos existentes na sua mente.

Assim como o amor vem do conhecimento, o ódio vem da falta de conhecimento; por isso a intolerância está, com razão, associada à ignorância.

A princípio, o conhecimento é condição do amor; mas, conforme for aumentando a intimidade, o amor vai aumentando o conhecimento. Esposa e marido, que, durante muitos anos, coabitaram, possuem uma espécie nova de mútuo conhecimento mais profundo do que a que nos fosse dada por quaisquer palavras ou análise dos motivos íntimos de ação. Este conhecimento (impossível durante a lua de mel) nasce, gradualmente, do amor ativo, como uma espécie de percepção intuitiva do que se passa no espírito e no coração do cônjuge. É possível, assim, amar para além do conhecimento, e, pela fé, suprir a deficiência da nossa compreensão intelectual. Uma pessoa simples e de boa fé pode, portanto, amar mais a Deus do que um teólogo, e o seu amor pode dar-lhe uma compreensão mais viva dos meios, com que Deus atrai o coração humano, do que aquela que pode possuir qualquer psicólogo.

Uma das razões por que a gente decente se abstém de discussões grosseiras sobre temas sexuais, é que o conhecimento, que duas pessoas adquirem uma da outra em tão íntima relação, é, por sua própria natureza, incomunicável. É tão íntima esta comunicação que os interessados evitam compartilhá-la com estranhos: o conhecimento obtido, deste modo, é sagrado demais para que possa ser profanado. É um fato psicológico que aqueles, cujo conhecimento em matéria sexual foi comprovado no amor unificador do casamento, preferem deixar o assunto nas sombras de um mistério compartilhado por dois, a trazê-lo à baila da discussão pública. Não é que estejam desiludidos da vida sexual, mas porque esta foi, agora, transformada pela transcendente alquimia do amor, de tal modo que a sua natureza já não pode ser entendida por estranhos à mútua experiência. Pelo contrário, aqueles cujo conhecimento sexual não foi sublimado em mistério de amor que portanto fracassaram, são os que gostam de falar sobre assuntos sexuais. Maridos e esposas, cujos casamentos estão conspurcados pela infidelidade, procuram estas discussões; pais e mães, que são felizes nas suas relações, nunca falam deste assunto.

Quando o conhecimento se transmudou em amor, de tal maneira enche o coração que ninguém de fora lhe pode acrescentar o que quer que seja, e o assunto jamais precisa ser ventilado. As pessoas que falam das suas relações íntimas confessam, por isso mesmo, que não sublimaram suficientemente o seu amor até o converter num mistério, nem o transformaram no único tipo de amor entre sexos, que merece este nome.

A terceira perna da tripeça, em que o amor se apoia, é a semelhança. A semelhança, que conduz ao amor, entre duas pessoas, não quer dizer que não haja, de fato, certas diferenças entre ambas. Pode significar, apenas, que uma possui, atualmente, o que a outra possui, em potência. Sendo o coração humano imperfeito e desejando a perfeição, procuramos, pelo amor, suprir as nossas deficiências. O jovem pouco elegante desejará casar-se com uma rapariga bonita: a beleza potencial (que ele não possui, mas de que está ávido) atrai-o para o que é muito mais belo que ele.

A semelhança serve de base até mesmo aos mais banais ou aos mais pomposos dos nossos amores. A mulher que aspira a subir de categoria na sociedade, cultiva relações com pessoas «importantes», porque estas, atualmente, possuem o que ela gostaria de ter, mas não tem. Num plano muito mais elevado, os Santos amam os pecadores, não porque tenham em comum grandes qualidades de alma, mas porque o Santo é capaz de apreender a possibilidade de virtude que tem o pecador. Foi por isso que o Filho de Deus se tornou o Filho do homem: amou o que o homem podia ser e, na palavra de Santo Agostinho, «fez-se homem para que o homem se pudesse fazer Deus».

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(SHEEN, Dom Fulton. Rumo à Felicidade – WAY TO HAPPINESS. Tradução de Dr. A. J. Alves das Neves, pároco de São Pedro da Cova. Livraria Figueirinhas, Porto, 1956, p. 65-68)