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Os Sinais, Símbolos e Cerimônias da Missa no Templo

Sumário. Como Deus predisse a Adão e seus filhos a crucificação e a Missa, mediante figuras típicas, imagens simbólicas e emblemas proféticos. O drama da Redenção no cerimonial do Templo. Deus, o Arquiteto do tabernáculo. O Santo dos Santos prefigurava o Céu; o Santo, o edifício de culto eclesiástico; e os átrios, a Igreja judaica. A Arca da Aliança. A taça de maná prefigurava o cibório com a Hóstia sobre nosso altar. A história do maná. As estátuas de ouro dos querubins suscitaram a estatuária de nossas igrejas. O Santo, protótipo de nosso santuário. O altar do incenso prefigurava o nosso altar, e a mesa do pão da proposição, nossa credência. O candelabro de ouro prefigurava Cristo iluminando o mundo; o círio pascal. O bispo e o sacerdote ensinando do púlpito a verdade. O altar dos holocaustos prefigurava o Calvário. Origem dos sacrifícios. Os sessenta e três filhos de Adão. Caim, prefigurando os judeus, matou Abel, figura típica de Cristo. O que é um sacrifício? A páscoa patriarcal desenvolveu-se no culto do tabernáculo. Como os sacrifícios no Templo eram oferecidos com uma cruz. Os judeus não entenderam a razão dos sacrifícios. Nomes das Pessoas da Trindade no Antigo Testamento. Como Deus falou aos profetas pela Shekiná. Testemunhos notáveis dos autores judeus. Significação de Elohim, Jehová, Jesus Cristo, Shekiná, Yeqara, Eloi, etc.

A IGREJA CATÓLICA, a compartimentação de seus edifícios de culto em vestíbulo, nave e santuário, seus ornamentos, paramentos e cerimonial derivaram do Templo judeu e da sinagoga do tempo de Cristo. O serviço pascal judaico teve como molde o culto praticado no Templo. Desse modo, a Última Ceia combinava em um único cerimonial o culto exercido pelos patriarcas, o tabernáculo, o Templo e a sinagoga, reunidos todos em uma festa e banquete chamada pelos hebreus de “Péssach” (“páscoa”, “passagem”), que Cristo consumou e transformou na Missa. Vejamos então primeiramente o Templo, suas divisões, ritos, cerimônias e sacramentais, a fim de entendermos melhor as cerimônias que Cristo seguiu quando celebrou a primeira Missa.

Ensinar a verdade por meio de objetos visíveis é um instinto de nossa natureza. As palavras, quer faladas ou impressas, representam ideias; mas amamos expressar nossos pensamentos por meio de ações. Mesmo os animais simulam brigar, por brincadeira; com sua boneca, a menina exprime seu instinto materno; os meninos divertem-se com brinquedos; os homens falam de modo figurado, alegórico, em parábolas; o tom de voz, os matizes de sentido das palavras deixam transparecer ódio, raiva, medo ou tristeza, e o sorriso, a lágrima, o soluço revelam nossos sentimentos.

Gostamos imenso de assistir ao ator na peça representando, não a si próprio, mas algum famoso personagem. Por isso, antes dos albores da história o teatro já se encontrava nas terras civilizadas, onde no palco tragédia, comédia e história se encenavam diante de plateias encantadas.

Deus fez uso desses instintos de representação para, por esse meio, prefigurar a futura Tragédia do Calvário e profetizar a Última Ceia e a Missa. Era a melhor maneira de instruir a humanidade naquela época em que os filhos de Adão eram ignorantes, quando a linguagem apenas se formara e eram rústicas as ideias, quando os livros não eram conhecidos e poucos sabiam ler ou escrever.

Diante dos portões do Éden foi revelado o Redentor, o Germe da mulher que havia de vir e esmagar o demônio-serpente que escravizara a humanidade. Mas como a revelação devia ser transmitida naquela idade da infância de nossa raça? Deus lançou mão desse instinto de representar de nossa natureza e contou a vida de Cristo profetizada no cerimonial do sacrifício, nos ritos do tabernáculo e nas cerimônias do Templo. Vejamos então primeiro o Templo e suas cerimônias, porque mais tarde os encontraremos na Última Ceia.

Para o judeu e o incrédulo, o Templo sempre foi um enigma, e eles escreveram livros sem conta para explicar seus mistérios. A Igreja Católica é a única que tem a chave que destrava os mistérios daquele labirinto de vasta e impressionante construção, com seu Santo dos Santos, Santo, átrio dos sacerdotes, átrio de Israel e átrio das mulheres; com o chel, o chol e os pórticos, alguns cobertos, outros com abertura para o céu; com seus diversos aposentos, cada qual, no tempo de Cristo, com seu próprio uso característico.

O maravilhoso edifício, com seus ritos e cerimônias, era um poema divino composto por Deus para revelar o presente, o passado e o futuro. No passado o judeu via Deus, seu Criador, a humanidade na inocência original, a tentação e a queda, a condenação em que incorreu nossa raça, a ferida mais profunda da mulher, a promessa do Germe da Mulher, os pecadores afogados quando o mundo foi batizado pelo Dilúvio, a vocação de Abraão, a benção concedida à sua raça, a revelação entregue aos hebreus, sua libertação da escravidão egípcia, o maná que foi o alimento deles por quarenta anos, sua preservação e batalhas milagrosas, o mundo todo mergulhado na mais sombria idolatria, a glória de seus Juízes e os esplendores de Davi e Salomão.

O Templo era o coração e alma da Igreja judaica, a única em que Jehová era adorado naqueles dias do mais profundo paganismo. No entanto, indo além e mergulhando fundo no futuro, a história do Templo e o culto nele praticado transportavam a mente deles até aos dias de Cristo, à Última Ceia, à sua morte atroz, ao Novo Testamento, à Igreja Católica (S. Agostinho, De civit. Dei, L. XVIII, c. 48) com seu Pontífice, bispos, sacerdotes, sacramentos e suas milhões de almas redimidas (S. Agostinho, In Epist. Joan. ad Parthos, Tracts 11, n. 111).

O Templo e seu vasto cerimonial formavam um livro escrito por dentro e por fora pela mão eterna de Deus, não com letras mortas e frias como escreve o homem, mas com sinais, símbolos, tipos e figuras repletos do calor da vida. Em meio à multiplicidade de emblemas do Templo, tomemos em consideração os que dizem respeito ao nosso assunto e leiamos as lições que nos ministra este Poema divino, esta poesia celestial, este drama do Calvário, transcendente sobre todos os demais — seu autor, Deus, ensinou aqui a futura morte do Filho Unigênito (S. Tomás, Sum. Theo., I-II, q. 102; S. Agostinho, os Padres, etc.).

O Santo dos Santos cerrado com véu representava o Paraíso fechado à raça humana por causa do pecado de nossos primeiros pais. O Santo, com suas paredes e altar de ouro resplandecente, prenunciava o edifício das igrejas — especialmente nosso santuário, com o altar no qual hoje se celebra a Missa. Os pátios com sacerdotes em função e vítimas sacrificadas prefiguravam os sacerdotes judaicos que, mais tarde, viriam a matar o Salvador.

Assim, as palavras do magnífico livro de Deus tinham dois sentidos: um, o que os objetos por si mesmos mostravam — este é o único que o judeu consegue enxergar hoje; o outro significava o Deus-Homem, a Igreja, o Sacrifício Eucarístico, e este o cristão pode enxergar com a fé. Os patriarcas, os profetas e os santos de Israel, cheios de fé no Messias predito, divisavam esse drama sacro do futuro e liam nas entrelinhas e atrás dos objetos a história da redenção do gênero humano; assim caminhavam na fé, na esperança e no amor d’Aquele que havia de nascer de sua raça. Desse modo os santos de antanho salvaram suas almas.

Tanto a edificação do cenáculo como a das igrejas foram calcadas no Templo. Vamos então olhar de relance para este grande edifício, famoso por toda a terra, visitado tão amiúde pelo Senhor e que, por sua vez, teve como modelo o tabernáculo.

O tabernáculo que Deus orientou Moisés a edificar enquanto errava pelos vastos desertos da Arábia (“a arenosa”), não deixando nenhum lugar de repouso permanente, representava a humanidade neste mundo de provações: cansada, exausta, sempre a desejar algo de mais elevado e de melhor (S. Agostinho, Enar. in Psal. XIV; S. Tomás, Sum. Theo., I-II, q. 102, a. 4 ad 2, etc.). O Templo que Salomão construiu para substituir o tabernáculo, ficando permanentemente em Moriá (“Jehová provê”) dentro da cidade de Jerusalém (“herança de paz”), era emblemático do Céu, onde, com a visão beatífica, nossas almas repousarão na eterna paz.

“Na sua construção, foi construído de pedras lavradas e totalmente prontas, de sorte que não se ouvia no templo o bater do martelo, nem do machado, nem de instrumento algum de ferro durante a sua construção.” (3 Rs 6,7)

O Templo que Salomão (“o Pacífico”) edificou era figura da Igreja universal (S. Tomás, Sum. Theo., I-II, q. 102, a. 4 ad 2), que o Filho de Deus, o “Príncipe da Paz”, edificou, ao passo que o tabernáculo representava a religião hebreia. Por isso, somente os hebreus construíram o tabernáculo, mas os sidônios e tírios pagãos ajudaram Salomão a erigir o Templo, para prefigurar que os convertidos do paganismo ajudariam Cristo e seus apóstolos a edificar a Igreja universal.

Deus revelou a Moisés o modelo do tabernáculo, e vieram do céu as plantas e os detalhes do Templo, sendo o Eterno mesmo o seu arquiteto, pois o Divino Filho projetou e fundou a Igreja Católica.

“E Davi entregou a Salomão, seu filho, uma descrição do pórtico e do templo, e da sala do tesouro, e do andar superior, e dos aposentos interiores, e da casa do propiciatório. Todas essas coisas, disse ele, vieram-me escritas pela mão do Senhor, para eu entender as obras do projeto.” (1 Cr 22. 28, 19)

Templo único do Senhor dos exércitos em meio a mil templos de deuses pagãos, repousando sobre o cimo do monte Moriá no interior da Cidade Santa — “visão da Jerusalém celeste” —, terraço sobre terraço, em espiral ascendente, circundavam o Templo no tempo de Cristo, dominando sobranceiro a cidade inteira exceto Sião, montanha esta mais alta, emblemática da Igreja e de seu Sacrifício Eucarístico.

Com o teto coberto de cedro e o interior esmeradamente entalhado, circundado pelos pórticos mais grandiosos jamais construídos, com suas paredes de mármore branco o Santuário sagrado dominava a cidade. Modelado com base no tabernáculo das errâncias pelo deserto, o Templo dividia-se em quatro partes — o Santo dos Santos, o Santo, os átrios dos hebreus e o átrio dos gentios —, cada qual com seus próprios sentidos simbólicos e proféticos, tendo sido este o Santuário sagrado que Cristo chamou de “a casa de meu Pai” (Jo 2,16).

O recinto interior do Santuário santo, chamado pelos autores judeus de “a casa de ouro”, tinha uma altura de sete andares, e 14 metros quadrados, todavia estava revestido por dentro e por fora de chapas do mais puro ouro, comprado com o dinheiro da venda de milhões de peles de cordeiros pascais. Cada chapa tinha cerca de 85 centímetros quadrados e a espessura de uma moeda grossa como as de 25 centavos de dólar. Não somente as paredes e laterais eram recobertas de ouro, mas até mesmo o teto, e este era eriçado com lanças de ouro de cerca de dez centímetros de comprimento, para evitar que pousassem as aves e o sujassem. Esta “casa de ouro” tinha sete andares, emblemáticos do número sagrado sete, da palavra em que os Evangelhos mais tarde foram escritos, e dos sete sacramentos.

No centro ficava um recinto de uns três metros quadrados, o Santo dos Santos, com paredes revestidas de chapas de ouro; era este o lugar de repouso do Espírito Santo no tabernáculo e no primeiro Templo. Visível ali, de dia como nuvem e à noite como fogo, Ele falou a Moisés e aos profetas e revelou-lhes o Antigo Testamento. Foi por eles chamado de Shekiná, “a Santa Presença”.

O Santo dos Santos era cerrado por um grande véu ou cortina, de nove metros por dezoito, tão espessa e pesada que eram precisos trezentos sacerdotes para pendurá-lo (Edersheim, Sketches, p. 197). Era tecido de setenta e dois fios de linha, das cores branca, representando as águas do batismo; violeta, emblemática da penitência; vermelha, do sangue dos mártires; e verde, da inocência juvenil. O Santo dos Santos cerrado, morada do Espírito Santo, representava o Céu fechado pelo pecado de Adão a todos os membros das setenta e duas nações nascidas dos netos de Noé, a não ser que passem pelo batismo, pela penitência, pelo martírio ou pela inocência juvenil recuperada (S. Agostinho, De civitate Dei, L. XVI, c. 3, n. 2; c. 6, n. 3). Josefo e outros autores judeus dizem que as cores simbolizavam a água, o céu, o fogo e a terra (Antiguid. jud., III, vii, 7). Essas cores se veem hoje nos paramentos litúrgicos da Igreja.

Uma vez por ano, no dia da expiação, o sumo sacerdote, tipificando Jesus Cristo em sua morte e ascensão, com as mãos pingando sangue das vítimas que tinha sacrificado no átrio dos sacerdotes, emblemático da Igreja judaica que matou Cristo, entrava sozinho naquele lugar secreto, o santuário mais santo da terra, e ali aspergia o sangue, para prenunciar Cristo entrando no Céu e abrindo-o para a humanidade.

No centro do Santo dos Santos do tabernáculo e do Templo de Salomão ficava a Arca da Aliança, sinal do contrato (S. Agostinho, De civitate Dei, liber X, 1) de Deus com os hebreus. Era uma caixa de madeira de acácia agradavelmente odorífica, a acácia da Arábia, de cerca de 90 centímetros de comprimento por 60 centímetros de largura e de altura, recoberta por dentro e por fora com chapas de ouro puríssimo. A tampa tinha suas bordas guarnecidas por um aro de ouro e constituía o “propiciatório de Deus”, o propiciatório da Shekiná (uma explicação da Shekiná será vista perto do final deste capítulo). Essa arca era um emblema de Cristo no céu e na terra, inflamado pelo Espírito Santo, com seu fogo de amor impelindo-O a morrer pela raça humana (S. Agostinho, De Genes. ad litteram, IV, 17; Enarratio in Psalm. CXXXI; Talmude babilônico, Yoma, 107).

Numa taça de ouro, qual um cibório, estava preservado um pouco do maná milagroso que caiu do céu durante os quarenta anos de errâncias dos hebreus pela Arábia. Lembrava-os do alimento com que o Senhor tinha nutrido seus ancestrais, e prenunciava a Eucaristia, preservada no cibório sobre nossos altares, com a qual Cristo agora nutre as almas cristãs. Vejamos a história do maná, pois um dos bolos do pão da Última Ceia recebera dele o seu nome.

Enquanto estiveram vagando pelo deserto, cerca de sete mil quilos de maná caíam do céu por semana para alimentar os hebreus. Certa manhã, encontraram o solo coberto de grãozinhos, como uma geada, e, ao verem isso pela primeira vez, exclamaram em hebraico: “Man-hu?” (“O que é isto?”), donde derivou o nome de maná. Por quarenta anos Deus revigorou-os com este alimento milagroso, até entrarem na Terra Prometida, a fim de prefigurar a fortificação de nossas almas pela Eucaristia ao longo das errâncias desta vida.

Toda manhã, exceto no shabat, o solo via-se coberto de maná, que tinha de ser recolhido antes que o calor do sol o fizesse apodrecer; se uma família recolhesse mais que o necessário para seu sustento durante o dia, ele ficava repugnante; mas a dupla porção encontrada na manhã de sexta-feira, para esse dia e para o sábado, não se deteriorava. Faziam-se com maná bolos finos (Talmude babilônico, Yoma, p. 115) como os da páscoa judaica e da Missa. O terceiro bolo que Cristo consagrou chamava-se aficomán (“maná celestial”). Um cibório de ouro cheio com o maná milagroso foi posto na arca para lembrá-los do milagre, e esse maná permaneceu incorrupto através das idades, até que o Templo de Salomão foi destruído; era figura típica da Eucaristia reservada em nossos altares.

Os orientais recolhem até hoje uma espécie de maná, que não têm as qualidades do da Escritura. Não é alimento, mas remédio purgante; não cai o ano todo, mas só de maio a agosto; só se encontra em pequenas quantidades; conserva-se por muito tempo sem apodrecer; não cai porção dupla às sextas-feiras; não cessa repentinamente, como fez o maná milagroso ao entrarem os hebreus na Palestina, quando eles começaram a arrecadar seu próprio alimento.

Burkhardt, que viajou amplamente pela Arábia em 1812, diz que “o maná hoje em dia se acha no solo, em cima das folhas, etc., tem de ser recolhido pela manhã, porque o sol o derrete, e só se encontra em tempo de estações úmidas, raramente com clima seco. Espremido através de um pano, passa-se no pão como manteiga ou mel, mas nunca serve para fazer bolos como o maná hebreu, e se conserva dentro de odres de couro por anos a fio.” O médico árabe Avicena afirma:

“O maná é coletado do tamarindo ou tamargueira (Tamarix gallica), é um orvalho que, caindo sobre rochas e arbustos, torna-se espesso como o mel e pode endurecer-se a ponto de ficar tal qual um cereal.”

Na arca também estava o bastão florido de Aarão, a exprimir visivelmente o seu sacerdócio e pressagiando as Ordens Sacras na Igreja. Era um tipo profético do eterno Sacerdócio de Cristo a desabrochar nos bispos e sacerdotes de todas as eras. Além do bastão, ali estavam duas pequenas tábuas de pedra gravadas com os Dez Mandamentos, fundamentos da lei e da ordem em todas as terras civilizadas. Assim, o maná era representativo do alimento que sustenta a vida, o bastão simbolizava a sabedoria sacerdotal, e as duas tábuas da Lei eram emblemáticas da fé e moral — da crença e prática da futura religião do Crucificado. Conservavam-se ali para recordar aos hebreus a sabedoria, o poder e a bondade que Deus manifestou apartando-os do paganismo egípcio, alimentando-os no deserto e preservando-os na Terra Prometida.

Em cima do propiciatório de Deus, pairavam sobre a arca as grandes imagens de ouro dos querubins (“os firmemente aderidos” ou “os retidos com firmeza”). Representavam eles os mais elevados espíritos celestes, que apreendem e retêm as verdades puríssimas e altíssimas que, transbordando do Divino Filho, descem como um jorro adentrando sua inteligência, ao mesmo tempo que a vontade deles adere ao Bem de Deus Espírito Santo. Eles traziam à memória dos hebreus os querubins que o Eterno colocou na frente dos portões do Paraíso depois do pecado original, “com a espada flamejante voltada para todas as direções, a fim de bloquear o caminho até a árvore da vida.” (Gn 3, 24. Ver S. Agostinho, Question. in Exod., L. II, 2, CV, etc.).

Nas religiões antigas, eles derivam dos portões do Éden como a esfinge alada do Egito, as formas criaturais híbridas da Pérsia, os touros alados da Assíria e Babilônia, a quimera da Grécia, o grifo da Assíria, os grifos dos nórdicos, os grotescos emblemas da fábula e da heráldica. Ainda se veem estampados em moedas ou na escultura e na arte.

Ali, no meio das asas de ouro dos querubins, sobre o propiciatório repousava a Shekiná, a Presença visível do Espírito Santo — uma nuvem de dia, à noite um fogo —, que falou aos profetas, que entregou à humanidade o Antigo Testamento. Por que essas imagens de ouro eram postas no Santo dos Santos? Para figurar os milhões de espíritos supernos, em perpétua adoração ao Eterno no seu santuário celeste, e para prefigurar as imagens de Cristo, de sua Mãe, dos anjos e dos santos no santuário de nossas igrejas. Nenhum membro de nossa raça havia então no céu, pois este ficou fechado até Cristo abri-lo para nós, daí não haver ali nenhuma imagem de santo. O costume de colocar imagens, pinturas ou esculturas de Cristo nas igrejas é oriundo dos Apóstolos (S. Tomás, Sum. Theo., III, q. 25, a. 3 ad 4.).

Templo e igreja são imagens do céu, morada de Deus.

“E eles me farão um santuário, e eu habitarei no meio deles.” (Ex 25,8)

Aqui o verbo “habitar” é em hebraico “shekiná”. O maior profeta de Israel contemplou, em visão, o Senhor no Seu excelso trono eterno, sua corte de seres celestiais a encher o Templo celeste, enquanto os serafins (“os abrasados” de conhecimento e de amor), formando dois coros, cantavam o triságio:

“Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos exércitos.” (Is 6,1-4)

Essas palavras fizeram parte do serviço sinagogal cantado na Última Ceia, e são hoje parte do Prefácio da Missa. O Apóstolo amado contemplou, em visão apocalíptica (Ap 4,7), as quatro criaturas vivas que cantam a mesma coisa diante do trono do Eterno.

Contíguo a esse Santo dos Santos — santíssimo santuário da terra —, a leste ficava o Santo, chamado pelos judeus de “o lugar santo”, prefigurando a futura Igreja universal, que o judeu ou o incrédulo não conseguem ver. Por isso ficava cerrado por um grande véu ou cortina, tecida com fios brancos, verdes, vermelhos e purpúreos, detrás do qual, duas vezes ao dia, entrava o sacerdote escalado para queimar incenso sobre o altar ali, a fim de profetizar Cristo em oração na sua Igreja (Ap 8,3-4).

Havia treze véus no Templo, que deram origem aos véus que hoje cobrem os tabernáculos de nossas igrejas, detrás dos quais, no cibório, Jesus Cristo habita sob os véus ou espécies do pão, assim como, sob a forma de Shekiná, o Espírito Santo pairava sobre o propiciatório no Templo.

O Santo não só representava a Igreja universal, como também o santuário de nossas igrejas. Três coisas no Santo também prefiguravam tipicamente, de maneira ainda mais impressionante, aquilo que a vasilha de maná, o bastão de Aarão e as tábuas dos Dez Mandamentos representavam no Santo dos Santos.

No meio do Santo erguia-se o altar do incenso, que os judeus chamavam de “altar de ouro”, porque era feito de puro ouro maciço, e para distingui-lo do grande altar dos holocaustos, que ficava do lado de fora, no meio do átrio dos sacerdotes. Aquele altar de ouro era imagem de Jesus Cristo. Às nove da manhã e às três da tarde, o sacerdote espalhava sobre esse altar carvões em brasa, como imagem da Shekiná incandescente no santuário interior. Sobre as brasas ele espargia incenso, cerimonial este que prefigurava Cristo, abrasado com o fogo do Espírito Santo, a oferecer as orações da Missa celebrada em nossos altares no nosso santuário por intermédio de seus ministros do clero. O altar em nossa Igreja simboliza Cristo, e por essa razão o altar é incensado nas funções solenes, tal como o altar de ouro do Templo (S. Agostinho, Question. in Exod., L. II, Qu. CXXXIII et CXXXIV).

Animal nenhum era sacrificado sobre aquele altar de ouro, para prefigurar que na Igreja, sobre nossos altares, Cristo não é sacrificado de maneira dolorosa, cruenta ou violenta, mas misticamente no cerimonial da Missa. No dia da expiação, todavia, o sumo sacerdote tingia de vermelho, com o sangue dos sacrifícios, os quatro ângulos daquele altar e estendia sobre ele suas mãos pingando sangue, para prefigurar a cruz de Cristo, tingida de vermelho com o Seu sangue, e a fim de prenunciar que o sacrifício do Calvário e o da Missa são um só e idênticos (Para uma descrição do altar do incenso, ver Edersheim, Temple, 133, 134, 377; Migne, Cursus Comp. S. Scripture, II, 169, 170, 1301; VI, 446, 447, etc.).

A norte do altar de ouro do Santo, à tua direita, ficava a mesa de ouro (Migne, Cursus Comp. S. Scripturæ, II, 1300; VI, 305) com os doze pães da proposição, que os escritores judeus chamam de “o pão da Face”, e doze frascos de vinho. Representavam as doze tribos de Israel, que Deus alimentou com maná no deserto. Prefiguravam o pão e vinho que repousam sobre nossa credência em uma Missa solene, mudados no Corpo e Sangue de Cristo, com que Ele agora alimenta as almas dos membros de sua Igreja. Só os sacerdotes do Templo podiam comer desse pão ou beber desse vinho junto com a carne, para profetizar que o clero da Igreja vive dos rendimentos dela. Em memória desses pães, nos ritos grego, russo e demais ritos orientais, eles partem a hóstia para a Missa em doze fatias, em honra dos doze Apóstolos, havendo ainda uma para João Batista, uma grande para a Virgem Santa e uma fatia ainda maior para o Sacrifício.

Os cristãos orientais constroem seus altares do mesmo formato e do mesmo tamanho que o altar de ouro do incenso que havia no Santo. Não permitem que coisa alguma fique sobre ele que não sejam os livros litúrgicos, nem mesmo velas. Assim, o Santo com seu altar no meio, a credência à tua direita e o grande candelabro à tua esquerda prefiguravam o altar, a mesa chamada credência e o castiçal com o círio pascal em nosso santuário.

O candelabro do Templo de Herodes, no tempo de Cristo, era de ouro maciço, pesava 45 quilos e tinha sido presenteado pela rainha Helena de Adiabene, da Assíria, uma convertida ao judaísmo.

A haste central do candelabro terminava num cálice de ouro, tendo a cada lado uma fileira ereta com três cálices de igual formato e tamanho, somando sete lâmpadas. A lâmpada central ardendo dia e noite ficava inclinada em direção ao Santo dos Santos. As outras eram sempre acesas a partir dela, o que, com cerimônia notável, prefigurava que embora a vida de Cristo fosse tirada, a sua Divindade vivia, e que ele havia de ressurgir do sepulcro (Lightfoot, Works, II, 399).

Este grande candelabro de ouro maciço, metal puríssimo oferecido somente a Deus, tinha um metro e oitenta centímetros de altura, a estatura de Cristo. Não podia ser modelado: era feito a golpes de martelo, para prefigurar a flagelação. Suas sete lâmpadas, diz Josefo, simbolizavam os sete planetas; prefiguravam, sem embargo, os sete dons do Espírito Santo: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus infundidos em Cristo (Is 2, 2-3; Migne, Cursus Comp. S. Scripturæ, II, 168, 1018).

Enquanto as tábuas de pedra que continham gravados os Dez Mandamentos ficavam dentro da arca e figuravam Cristo repousando no Céu depois de instruir o gênero humano sobre a religião, o candelabro figurava-O como “a luz que ilumina todo homem que vem a este mundo” (Jo 1,9), glorificado no Céu enquanto a sua Igreja difunde, com a pregação, a luz do seu Evangelho. As lâmpadas eram acesas toda manhã e apagadas à noite (Migne, Cursus Completus, S. Scripture, II, 168.).

Antes da Encarnação, escreveram os rabinos que as velas e luminárias do Templo e da páscoa hebraica, especialmente o grande candelabro com suas sete lâmpadas, prefiguravam o Messias, que havia de vir e alumiar para eles “a Grande Luz”. Eles escreveram que ele era “o Senhor, nossa Justificação”, “o Rebento”, “o Consolador”, “o Iluminador”, “a Luz das nações”, etc. Por essa razão, quando ele foi apresentado no Templo, Simeão tomou o Cristo Menino em seus braços e, cheio do Espírito Santo, prorrompeu na profecia e poesia inscritas neste candelabro:

“Agora deixa o teu servo partir,
Ó Senhor, segundo a tua palavra, em paz;
Porque os meus olhos viram a tua salvação,
A qual preparaste
Ante a face de todos os povos,
Uma Luz para a revelação dos gentios,
E para a Glória de teu povo, Israel” (Lc 2, 29-32)

Foi por isso que João escreveu:

“E a Vida era a Luz dos homens, e a Luz brilha nas trevas, e as trevas não a compreenderam.” (Jo 1, 4-5. Ver Edersheim, Life of Christ, I, 198-200)

O Santo era emblemático deste mundo, com Cristo abrasado com o fogo do Espírito Santo, irradiando aos homens a luz de seus ensinamentos, iluminando as almas com a fé e com a verdade celeste.

O Santo prefigurava o edifício das igrejas; no centro, ficava o altar de ouro, do qual, duas vezes por dia, evolava-se a fumaça do incenso subindo até diante do Senhor, assim como, de nosso altar, que fica no centro de nosso santuário, ascendem a liturgia da Missa e suas orações.

Cada um dos sete ramos do candelabro de ouro terminava em uma lâmpada de óleo de oliva, com pavio feito de vestes sacerdotais gastas; cerca de uma taça de vinho cheia de azeite era derramada em cada lâmpada, todos os dias, por um sacerdote escolhido por “sortes” para a função; as lâmpadas eram acesas a partir da lâmpada central, voltada para o Santo dos Santos; assim, esta representava o Messias, o Cristo — palavras em hebraico e grego que significam “o Ungido” — pelo Espírito Santo, que era representado pelo azeite; por conseguinte, o candelabro prefigurava Deus que se fez homem pelo Espírito de Deus iluminando o mundo, aclarando a inteligência dos homens com a luz de seus ensinamentos.

É este o significado de grande número de palavras e de figuras que se encontram no Antigo Testamento e no cerimonial do Templo. Muitas lâmpadas a óleo e centenas de velas de cera de abelha ardiam durante o culto no Templo; e, diante da Torá (“a Lei”, os cinco primeiros livros do Antigo Testamento), no Templo e na sinagoga ficava dependurada uma lâmpada que jamais se apagava, e esta lâmpada perpétua e aquelas velas nos foram legadas na Igreja.

Qual foi o fim do candelabro de ouro? O do Templo de Salomão foi arrebatado para a Babilônia quando o primeiro Templo foi destruído, e nunca mais se teve notícia sua. O do Templo dos dias de Cristo foi arrastado para Roma depois que Tito tomou a cidade, no ano 70 d.C., e carregado com ostentação à frente do conquistador em sua entrada triunfante na Cidade Eterna (Josefo, Guerr. jud., VII, V, 5). Sua imagem ainda se vê no arco triunfal dele, com as caixas de incenso ainda de pé, na parte de cima do Foro romano.

O candelabro foi depositado no Templo romano da Paz. Diz um autor que foi jogado no Tibre, da ponte Mílvia, quando Maxêncio fugia de Constantino, mas outro relato afirma que foi arrebatado por Genserico, que o levou a Cartago no Ano do Senhor 455, e, reavido por Belisário, foi levado a Constantinopla em 533 e colocado numa igreja, mas desde então nunca mais se ouviu falar dele.

O grande candelabro de ouro do tabernáculo e do Templo, representando Cristo, ainda se vê em nossas igrejas (S. Agostinho, Sermo in cereo Paschali; Sermo 182 de Verb. Ap. 1; Joan. 4, n. x; Sermo 317 de S. Stephano, IX) no castiçal com o círio pascal. É aceso com longa cerimônia no Sábado Santo e se usa durante Missas solenes até à Ascensão, quando é extinto depois do Evangelho para significar que, na Ascensão, Cristo terminou sua obra de ensinar a religião ao mundo (S. Agostinho, Sermo 338, n. 1).

O candelabro que sustenta sete ou mais velas ardendo durante nossas funções litúrgicas foi copiado daquele famoso candelabro do Templo. As treze velas que se usam enquanto se canta o Ofício de
Trevas, durante a Semana Santa, são apagadas ao cantarem-se os Salmos, ao passo que a vela mais alta é escondida atrás do altar para significar os profetas que os hebreus mataram, e a vela escondida por um instante e logo mostrada representa Cristo sepultado e ressuscitado de entre os mortos.

Toda sinagoga judaica tem um candelabro de sete ramos, que eles acendem durante as funções, para lembrá-los do grande candelabro do Templo. Mas não acendem o lume central do candelabro, e este arde com seis luzes somente. Parece singular, porque a luz central prefigurava o Messias, no cerimonial do Templo. O sacerdote escolhido a cada dia preparava e acendia o grande candelabro. O laicado judeu nunca entrava no Santo — somente um sacerdote, escolhido a cada dia, queimava o incenso sobre seu altar de ouro, protótipo do sacerdote que hoje oferece na Missa a oração de Cristo sobre o nosso altar (S. Agostinho, Enar. in Psal. CXXXVIII, 15; in Psal. CIX, n. 1).

O candelabro que ilumina o Santo — emblemático de Cristo, Luz de sua Igreja — prefigurava também o bispo, luz de sua diocese (S. Agostinho, Sermo I, De cereo Paschali). Por isso o Pontífice coloca seu trono episcopal à tua esquerda, onde ficava o candelabro no Santo do Templo, e ali se assenta como “luz para a revelação dos gentios”, a refletir a luz que brilha sobre ele do Trono do Pescador. O Filho de Deus mandou João, seu Apóstolo amado, escrever às sete Igrejas da Ásia que, se elas não fizessem penitência, Ele removeria seus candelabros — isto é, seus bispos. Vimos o triste estado daquelas cidades, hoje dominadas por muçulmanos fanáticos.

O sacerdote está posto como uma luz para a assembleia (S. Agostinho, Enar. IV, in Psal. CIII; Sermo IV, n. 2).

Onde no Santo ficava o candelabro, no lado onde hoje se lê o Evangelho em nossas igrejas, ergue-se o púlpito donde é pregado o sermão. Oriundo da Igreja Católica, de que ele é ministro, o bispo desce à sua diocese trazendo consigo todas as luzes e glórias da Igreja universal. Oriundo da sociedade dos sacerdotes da diocese, o sacerdote desce à igreja trazendo consigo a Missa, a Bíblia, os sacramentos e riqueza de doutrina. Ele é, no ensino e no exemplo, como uma lâmpada para o povo, um candelabro com as sete lâmpadas do Espírito Santo, com seus septiformes dons de salvação para os membros da paróquia.

Dez candelabros de ouro, cada um com sete cálices de azeite de oliva também feitos de ouro formando cada qual uma lâmpada, serviam de divisória entre o átrio dos sacerdotes e o Santo. Estavam ligados um ao outro por correntes de ouro e formavam uma balaustrada para o santuário, como as cancelas de nosso santuário, a que deram origem. Essas lâmpadas eram acesas nas grandes festas hebraicas.

Assim era o Templo, no tempo de Cristo, que Ele visitou tantas vezes: a “casa de seu Pai”, onde Ele tantas vezes rendeu culto ao vir para as festas de seu povo. Revestido de ouro nos lados de dentro e de fora das paredes e do teto, com todos os objetos do mais puro ouro maciço, ornado de objetos religiosos, o Templo era um emblema sacramental das glórias preditas da Igreja Católica. O Templo que Herodes levara quarenta e seis anos para construir era famoso por toda a terra, em virtude de seu culto, santidade, glórias e riquezas.

As pessoas do nosso tempo, quando o acúmulo de dinheiro virou mania, quando todo o objetivo desta vida é enriquecer, acham ruim serem chamadas a sustentar a religião e resmungam quando veem nossas igrejas ornadas com preciosos altares, estatuária e obras de arte. Que retornem em pensamento àquele tempo de Davi prestes a morrer, o qual, inspirado por Deus, preparou os meios para seu filho Salomão construir o Templo, e descobrirão que ele doou US$ 19.349.260 atuais, além de outros tesouros de valor quase idêntico, para erigir um edifício que nada mais era do que uma imagem de uma de nossas igrejas (1Cr 22,14ss).

Diretamente a leste do Santo, os três átrios — o dos sacerdotes, o de Israel e o das mulheres — formavam um grande átrio, dividido como já indicam os nomes. No centro do átrio dos sacerdotes, hoje chamado de es-Sakhra (“o rochedo”, onde Abraão ofereceu em sacrifício seu filho Isaac), erguia-se o grande altar dos holocaustos, prefigurando o Calvário e sua Vítima, que os sacerdotes viriam a sacrificar naquela Sexta-Feira fatídica. Para prefigurar o Calvário com precisão ainda maior, esse altar era feito de pedras não trabalhadas, erigidas de modo a formar quatro paredes a céu aberto, sendo as pedras mantidas juntas por ligas de chumbo e o espaço interior preenchido com terra.

O altar tinha 4,60 metros de altura e 4,46 metros quadrados, as exatas dimensões do Calvário. Ocupava dois terraços, o primeiro de 4,46 metros quadrados, o seguinte de 3,35 metros quadrados; este último com um passadiço, que o sacerdote oficiante percorria. O topo tinha 2,80 metros quadrados e ardiam sobre ele três lumes. Ao sul havia um plano inclinado, de 14,60 metros de comprimento por 7,30 de largura, subindo até ao altar. Cada ângulo do altar tinha uma “córnua” oca de bronze, que se erguia a uns 46 centímetros de altura, para prefigurar os braços da cruz. A do ângulo sudoeste tinha duas aberturas com funis de prata, dentro dos quais eles vertiam vinho e água na festa dos tabernáculos, prefigurando a Missa (Edersheim, Temple, 32-33).

Esse fogo perpétuo que descera do céu, nesses três lugares sobre o altar dos holocaustos, era imagem da Shekiná, em forma de fogo e de nuvem, sobre o propiciatório (2Mc 1, 22). Um desses fogos era para queimar a carne dos animais, o outro era destinado ao incenso, e o terceiro, a acender os demais lumes caso se apagassem. A carne assada era removida todos os dias; o pão e vinho, entretanto, no sábado eram tirados do Santo e postos numa mesa para os sacerdotes comerem e beberem. A norte do altar ficavam os sacerdotes que chegavam, escolhidos por “sortes”, e ao sul ficavam os clérigos que estavam de saída, que haviam terminado os seus encargos por aquela semana e pegavam então as suas porções de pão e de vinho; no centro ficava o sumo sacerdote, e, à medida que passavam os sacerdotes que saíam, davam-lhe metade de sua porção do pão da proposição. O pão podia ser comido, e o vinho sacro bebido, somente no sábado, por sacerdotes em estado de pureza levítica, para prefigurar que só devem tomar a Comunhão os sacerdotes isentos de pecado mortal.

Uma linha vermelha passava em torno do meio do altar; acima dela era jogado o sangue das vítimas destinadas a servir de alimento, e abaixo, o sangue dos holocaustos “inteiramente consumidos” (Edersheim, Temple, 33; Talmude, etc).

A norte do altar erguiam-se seis longas fileiras de colunas de pedra, cada qual com cerca de 2,75 metros, tendo perto do topo quatro argolas a que eles atavam as carcaças das vítimas enquanto removiam as peles. Havia por perto oito colunas mais baixas, de pedra, com ganchos nos quais eles penduravam as peças de carne imolada. Havia ali ao lado uma mesa de mármore, para arranjar as peças; uma mesa de ouro, para pôr os recipientes sacrificais depois do sacrifício; e outra mesa, de prata, sobre a qual punham as vítimas antes das funções.

O lugar do Templo que descrevemos, chamado chel (“o lugar sagrado”), era rodeado pelo chol (“o lugar profano”). Neste último os gentios podiam prestar culto; mas estavam proibidos de entrar mais além, sob pena de morte. Tabuletas de bronze em grego, latim e hebraico na balaustrada de mármore circundante, algumas delas encontradas nas ruínas em nossos dias, avisavam-nos da pena por adentrarem mais adiante. Esse “lugar profano” representava as nações pagãs, que ainda não tinham sido chamadas à Igreja enquanto não foram pregar para elas os Apóstolos. Esta é a razão pela qual toda igreja católica tem um vestíbulo, representando os pagãos e os infiéis.

Vejamos agora a origem e história desses sacrifícios da Igreja judaica. A grandiosa liturgia do Templo e os sacrifícios dos pátios hebraicos findaram, pois o Sacrifício da Cruz, que prefiguravam, realizou-se; já o sacrifício e o cerimonial do Santo, prefiguradores da Missa, continuam até hoje no Sacrifício Eucarístico. Quando Deus condenou nossos primeiros pais pelo pecado deles, Ele predisse que da mulher nasceria um Personagem que esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3,15). Foi então revelada uma pessoa mais poderosa que o demônio; o Germe de uma virgem, não se menciona um pai; o sofrimento está na predição de que seu calcanhar seria magoado, e a vitória, nas palavras de que ele esmagaria a cabeça da serpente (Edersheim, Temple, 97).

Todavia, eram necessárias eras de instrução e de revelação, para que a humanidade entendesse a Cruz e a Missa. Quando o mundo era jovem, os patriarcas, sob orientação divina, formaram a antiga páscoa, desenvolvendo ritos místicos que Moisés fez desabrocharem no cerimonial do tabernáculo, que Davi e Salomão incrementaram nas funções do Templo, que os judeus introduziram na sinagoga, e a todos estes Cristo cumpriu, rematou e transformou no Sacrifício Eucarístico da Última Ceia.

Nessas cerimônias e profecias, os detalhes mais minuciosos da Encarnação, da vida de Cristo, da história de seus sofrimentos e morte foram escritos pelo dedo de Deus, para que os Apóstolos o conhecessem e para que as nações entrassem na sua Igreja.

Na infância de nossa raça, Deus instruiu nossos pais como se ensina a uma criança. Eram poucas as palavras, a escrita não era conhecida; mas as verdades religiosas se podiam ver nos objetos ao redor.

Se Deus revelou a natureza do sacrifício a Adão, ou se este a conheceu no seu estado de inocência, não sabemos. Mas na infância de nossa raça eles ofereciam a Deus, a quem tudo pertence, animais e primícias dos frutos da terra como sacrifícios em lugar de suas próprias vidas. O pai-sacerdote podia contar aos seus filhos a história da criação, da queda no pecado original, do Germe da mulher que fora predito viria e restauraria a humanidade na inocência que tinha sido perdida no Éden, mas as palavras logo se esqueceriam.

O pai escolhia um cordeiro como sacrifício principal, representativo do Redentor em sua paixão e morte (S. Tomás, Sum. Theo., III, q. 23), para que a delicada inocência e pureza do animal prefigurassem o mesmo em Cristo. Por onde, nas páginas do Antigo Testamento e nos sacrifícios do Templo, o cordeiro imolado de manhã e de tarde era o sacrifício principal — todos os demais eram somente suplementares.

Que cena mais impressionante, que tipo mais profético poderia ter sido dado do que o jovem cordeiro imaculado, mudo, escolhido do rebanho e condenado a morrer? O pai, chefe e sacerdote da família, conduz a vítima ao altar, enquanto ao seu redor reúnem-se em oração a esposa, os filhos e os criados. Os pés da vítima estão atados, ela é jogada ao chão, sua garganta é cortada, seu sangue quente jorra, sua pele é removida, seu corpo assado no fogo, sua carne é consumida enquanto a labareda e as orações sobem para diante do Senhor. Ali estava uma profecia da prisão, flagelação e crucificação de Cristo (S. Agostinho, Sermo XXXI de Pasch. 1 11, 111; XXXII, etc.). Era um poema sagrado, escrito não com palavras frias, mas pelo Espírito Santo, em atos, sinais, símbolos e movimentos místicos, ensinando, com cerimônia impressionante, a verdade às mentes humanas, quando o mundo era jovem.

Mas as pessoas dizem: quem eram esses tais filhos e filhas de Adão? Porque a Bíblia só menciona seus dois filhos homens, Caim e Abel. Contam-nos autores judeus que trinta e duas vezes Eva deu à luz gêmeos: um menino e uma menina por parto, e que os gêmeos se casavam entre si. O nome de somente dois deles é citado, por sua relação com Cristo. Dizem eles que Caim (“aquisição”) casou-se com sua irmã gêmea Rifa (“a errante”, “a perambulante”) (Dutripon, Concordantia S. Scripture, verbete “Caim”, que cita S. Crisóstomo), e que Abel (“de partida”), nascido sem irmã, jamais se casou. Essas afirmações dos autores judeus devem ser tomadas com muita precaução, mas citamo-las deixando que julgue por si mesmo o leitor.

Com que frequência Adão e seus filhos faziam sacrifícios, não sabemos (S. Tomás, Sum. Theo., II-II, q. 85, a. 1 ad 2). Todavia, no ano 129 ou 130 depois do pecado original, afirmam as Santas Letras que Abel, que era pastor, ofereceu em sacrifício os primogênitos de seus rebanhos, os cordeiros, porque era liberal e generoso com seu Criador. Caim, fazendeiro, era retraído e sovina, e, amando as coisas do mundo, ofereceu os mais pobres e imprestáveis dentre os produtos de sua fazenda. Por essas razões, Deus recebeu os sacrifícios de Abel e rejeitou os de Caim.

A inveja, a paixão mais feroz, humana ou demoníaca, emergiu na alma de Caim, e ele matou seu irmão. Os escritores talmúdicos dizem que ele, cheio de frenesi, retalhou o irmão por todo lado, cobrindo-o de feridas, tentando em sua ignorância fazer um buraco pelo qual a alma saísse do corpo dele.

Abel, sacerdote inocente a jazer morto, coberto de chagas após seu sacrifício, era imagem de Cristo (S. Agostinho, De civit. Dei, L. XV, c. VII; L. XVIII, XVII) morto depois de seu sacrifício na cruz, todo ferido pelos açoites. Condenado pelo assassínio de seu irmão, Caim saiu em errância pelo mundo juntamente com Rifa, sua esposa, com um sinal sobre si para que não o matassem seus irmãos (S. Agostinho, Contra Faustum, L. XII, n. IX, X, etc).

Por terem matado seu irmão, Cristo, os hebreus têm sido um povo desterrado, que vive em cidades, devotado ao comércio, sem jamais lavrar a terra, porque a terra não lhes cede facilmente seus produtos. Evitados por todos, erram em meio às nações com um sinal sobre si: “É um judeu”. Agora cumprem a profecia que Deus proferiu no caso de seu afamado protótipo, Caim (S. Agostinho, Enar. in Ps. XXXIX, n. XIII; Ps. LVIII; Ser. II, n. XXI; Ps. LXXXII, n. XXII; De civitate Dei, L. XV, c. XIII).

“A voz do sangue do teu irmão clama da terra por mim. Por conseguinte, serás maldito sobre a terra, que abriu a boca para receber da tua mão o sangue de teu irmão. Ainda que a cultives, ela não te cederá facilmente os seus frutos; serás vagabundo e fugitivo sobre a terra… E o Senhor pôs um sinal em Caim, para que o não matasse ninguém que o encontrasse. E Caim se retirou de diante da face do Senhor e ficou-se pela terra, fugitivo e errante” (Gn 4,10-16)

O nome e a história dos outros sessenta e dois filhos de Adão não se mencionam, por não se referirem a Cristo.

Foi revelado o sacrifício para reconhecer a Deus como Criador e Senhor da vida e da morte, para recordar as bênçãos dadas aos antepassados deles, para excitar sua devoção, para resguardar da idolatria o povo e para prefigurar o futuro sacrifício de Cristo. Seu sentido histórico era a criação; seu sentido literal, o culto de adoração a Deus; e seu sentido típico, a morte de Cristo (Migne, Cursus Comp. S. Scripturee, II, 1329-1346, etc).

Toda oferta sacrifical da religião hebraica prefigurava o Calvário e o Sacrifício Eucarístico, como afirma São Paulo:

“Todo sacerdote se apresenta diariamente oficiando o mesmo sacrifício, que nunca pode tirar os pecados; já ele, Cristo, oferecendo um sacrifício único, está sentado para sempre à mão direita de Deus” (Hb 10, 11.12)

“Cristo era oferecido em sacrifício como um cordeiro, para mostrar sua inocência; como um bezerro, em virtude dos méritos de sua cruz; como um carneiro, para prefigurar seu domínio, autoridade e governo; como um bode, porque carregou nossos pecados; como um pombo e uma rolinha, por causa de suas duas naturezas, ou como um pombo em virtude da pureza, e uma rolinha por seu amor aos homens.”

O cordeiro e o pão com vinho foram oferecidos em sacrifício desde os tempos mais remotos, todas as demais oferendas sendo secundárias — o primeiro prefigurava a Crucificação, e os outros dois, a Eucaristia; sempre estiveram intercalados, mesclados em cerimônia mística, prefigurando o sacrifício único de Cristo: do Calvário e da Missa, que formam não dois, mas um único ato de culto divino. Antes de Ele vir, prefiguravam sua vinda futura; depois que Ele veio, o Sacrifício Eucarístico aponta de volta para Ele. Precedeu-O o majestoso cerimonial sacrifical praticado no culto patriarcal, do tabernáculo e do Templo, revelando que num tempo futuro Ele viria para realizar o que estes significavam. Outro cerimonial mais magnífico ainda, a liturgia da Igreja, proveniente da Última Ceia, mostra que Ele veio. Um apontava para o futuro, o outro para o passado, para a Tragédia do Calvário. Vejamos o que é um sacrifício.

A palavra vem da expressão latina sacra faciens: “fazer uma ação santa”. Em sentido amplo, todo e qualquer ato religioso, como a oração, a renúncia, o sofrimento por Deus, por nós mesmos ou pelos outros é um sacrifício. Em sentido estrito, porém, sacrifício é a destruição de uma coisa sensível estimada, que um sacerdote oferece a Deus em adoração, para exprimir visivelmente o Seu poder onipotente. É o mais elevado ato de adoração, e só pode ser oferecido à divindade. A razão prescreve o culto de adoração a Deus, mas não diz a que tempos, em que lugar ou com que cerimônias — somente a revelação podia determinar essas coisas (Goldhagen, De Religione Hebraeorum Dissert., Prop. III; Migne, Cursus Comp. S. Scripture, II, 1041-1348; vi, 609; XII, 177-181, etc).

Abraão, Isaac e Jacó ergueram altares e ofereceram sacrifícios com o pão e vinho do culto pascal. Jacó e seus filhos desceram para o Egito, tornaram-se escravos na terra do Nilo, ali habitaram até que Deus, em forma de Shekiná, chamou Moisés da sarça ardente para ser o libertador deles. Por quarenta anos conduziu-os através dos vastos desertos da Arábia, “a arenosa”. Em meio ao terrificante trovejar e relampejar do Sinai, enquanto tremia a terra e a Shekiná cobria o monte, Deus entregou os Dez Mandamentos, alicerces de todas as leis dos países civilizados. O Senhor desenvolveu nessa ocasião a páscoa patriarcal, tornando-a no elaborado cerimonial do tabernáculo e da religião hebraica.

O tabernáculo e seu cerimonial derivaram do próprio Deus.

“E eles me farão um santuário, e eu habitarei” — no original, é “shekiná” — “no meio deles, conforme em tudo ao modelo do tabernáculo, que eu te mostrarei” (Ex 25, 8.9)

Até que chegassem os dias de Moisés, sacerdote era o pai, que oferecia sacrifícios pela família. Por conseguinte, nos tempos patriarcais, os pais, os chefes das tribos, os príncipes e os reis, venerados, temidos e amados por seus subordinados, ofereciam sacrifícios de maneira que sua personalidade incitasse à reverência, à devoção e à religião os que lhes estavam subordinados. Destarte os monumentos da Assíria, da Pérsia e das nações antigas nos mostram os reis-sacerdotes trajando vestes sacerdotais a oferecer sacrifícios pelas nações que governavam.

No entanto, quando os hebreus se tornaram uma nação, um corpo sacerdotal mais especial, da família de Aarão (“o ilustrado”), e ministros descendentes de Levi (“unido”), foram escolhidos para oferecer os sacrifícios da nação hebreia, porque estes mais tarde haviam de matar o Cristo predito (Migne, Cursus Comp. S. Scripture, III, 845-847, etc. Ver S. Tomás, Sum. Theo., I-II, q. 102-4; III, 983, etc.).

Só eram sacrificados animais de espécie “pura”, como a ovelha, a vaca e o bode, com aves, não mais novos que oito dias, nem mais velhos que três anos, e sem defeito; sendo rejeitados os animais doentes, castrados, coxos, cegos, etc., porque se tratava de prefigurar seu grande Antítipo, o Cristo sem pecado, sacrificado no auge de sua afável e mansa juventude.

Dia após dia, às nove da manhã e às três da tarde, o sacrifício principal era um cordeiro (S. Tomás, Sum. Theo., III, q. 22, aa. 3, 5, etc) oferecido com santa salmodia, cânticos e orações entoados por um coro de quinhentos sacerdotes e outro coro de levitas — um cerimonial esplendoroso, imagem de uma Missa solene pontifical. O sumo sacerdote pontificava, ajudado pelo segan como sacerdote assistente, junto de doze sacerdotes, seis de cada lado do pontífice descendente de Aarão, tal como o bispo ou o Papa em nossos dias. Eles se revestiam das mais ricas e esplêndidas vestes litúrgicas que o mundo pudesse prover (Edersheim, Temple, passim.).

Nas grandes festas, depois do sacrifício do cordeiro, imolavam-se animais sem conta, e o sangue de cada um deles era esparramado nas quatro “córnuas” do altar-mor. O Templo era um vasto matadouro, um grande abatedouro de vítimas inocentes, para manifestar em forma de sombra uma antevisão dos padecimentos horríveis e tremendos da Vítima do Calvário. O sangue era entornado na base do altar e escorria por uma passagem subterrânea, descendo até o Cedron (“o vale escuro”, “túrbido”), que recebeu esse nome por causa do sangue.

Enquanto os sacrifícios sangrentos prefiguravam a Crucificação, as oferendas incruentas, chamadas pelos judeus de “oferendas de bebida e de farinha”, apontavam para a Missa, na qual, de maneira incruenta, do levante até o pôr do sol Ele é hoje oferecido em sacrifício entre as nações. Trigo, cevada, farinha, cálices de vinho e bolos de pão sem fermento — os ázimos (“finos”) — eram oferecidos em oblação juntamente com cada sacrifício.

Para conduzir os animais ao sacrifício, os guardas do Templo, tendo à frente sacerdotes, saíam pela porta das Ovelhas e desciam, adentrando o vale do Cedron, tal como saíram naquela noite fatídica, com Judas à frente, quando prenderam Cristo. Com dinheiro do tesouro do Templo eles compravam as vítimas, assim como deram desse dinheiro a Judas. Os sumos sacerdotes haviam estendido uma ponte, que atravessava a torrente do Cedron perto do Getsêmani, e através dessa ponte levavam amarradas e constrangidas todas as vítimas, tal como levaram Cristo amarrado, na noite de sua prisão. Eles levavam os animais aos sacerdotes, como mais tarde levaram o Senhor.

Eles conduziam os animais Templo adentro, até o norte do grande altar dos holocaustos (Edersheim, Temple, 84, 85). O judeu via no norte, escuro e frio, uma figura de Lúcifer, que enganara Adão e mergulhara as nações na incredulidade e no paganismo. Eles sacrificavam as vítimas em direção ao norte, como em contraposição ao demônio e ao pecado que habitam no mundo. Na Missa, quando o altar fica na extremidade leste da igreja, o Evangelho se lê em direção ao norte, como em contraposição ao demônio da infidelidade.

Eles lavavam o animal, para prefigurar o banho da páscoa judaica tomado como ablução por Cristo e seus Apóstolos. Eles derramavam sobre ele perfume, para tipificar o odor das boas obras, das palavras e dos milagres do Deus-homem. Com a corda eles prendiam a pata dianteira direita à pata traseira esquerda, e a pata dianteira esquerda à pata traseira direita, de maneira que a corda formava uma cruz, emblemática de Cristo preso à sua cruz.

O pão e vinho da Missa são cada qual primeiro levantados, oferecidos ao Pai Eterno, abaixados, movidos traçando uma cruz e então depositados sobre o altar. Isso deriva do Templo e da Última Ceia. Para prefigurar o Crucificado, todo sacrifício no Templo eles erguiam e ofereciam a Deus, segurando-o na altura de suas cabeças, ação esta chamada terumah; então abaixavam-no e o “agitavam” para o norte, sul, leste e oeste, sendo isto a tenufah; desse modo, prefiguravam Cristo sendo alçado ao ar na sua cruz, e seu corpo morto sendo baixado dali para o sepultamento. Escrevem os rabinos que essas ações significam que os sacrifícios eram oferecidos pelas nações que vivem nos quatro cantos do mundo (Edersheim, Temple, passim.).

Dez classes de sacrifícios formavam assim uma cruz antes de serem imolados no Templo. O pão e vinho eram ofertados na páscoa judaica com a mesma idêntica cerimônia que o pão e vinho na Missa de nossos dias. Os animais que iam ser sacrificados eram ofertados com uma cruz, já o pão e vinho não eram ofertados no Templo com o mesmo cerimonial, porque os animais prefiguravam os sofrimentos d’Ele, e o pão e vinho eram então tipo profético da Missa, na qual não há imolação d’Ele de forma cruel e cruenta, mas significada misticamente como memorial da Crucificação. Os sacrifícios pelo pecado eram sacrificados com uma cruz, mas não eram oferecidos a Deus no Templo, porque Deus não recebia o pecado juntamente com as vítimas sacrificadas. O que vem a seguir, chamado menakhot (“oferendas”) pelos judeus, explicará o que queremos dizer:

A MESA DAS MENAKHOT (OFERENDAS)

Feixe de cevada pascaleramElevados, abaixados, e formavam uma cruz
Animais vivoseramElevados, abaixados, e formavam uma cruz.
Farinha de cevada do ciúmeeramElevados, abaixados, mas não formavam cruz
Libações de vinhoeramElevados, abaixados, mas não formavam cruz
Pão da proposiçãoeramElevados, abaixados, mas não formavam cruz
Quartilho (log) de óleo do leprosoeramElevados, abaixados, mas não formavam cruz
Pão de PentecosteseramElevados, abaixados, mas não formavam cruz
Sacrifícios pelo pecadoeramOfertados, mas não formavam cruz
Bolo ázimo (não levedado)eramOfertados, mas não formavam cruz
Os cinco sacrifícios voluntárioseramOfertados, mas não formavam cruz
Sacrifício de iniciaçãoeramOfertados, mas não formavam cruz

O sumo sacerdote com seu assistente, o segan, à sua direita, e os doze sacerdotes, todos revestidos de magníficos paramentos sacerdotais de tecido de ouro e bordados nas quatro cores do santuário, estendiam as mãos entre os chifres do animal (Edersheim, Temple, p. 87), com os polegares cruzados e as palmas das mãos para baixo, e punham seus pecados e os pecados de todo o povo no animal, assim como os pecados do mundo todo foram postos sobre Cristo, e então faziam uma oração, que citaremos quando formos descrever a cerimônia com que Cristo e seus Apóstolos ofereceram o cordeiro pascal em sacrifício, no dia anterior à morte d’Ele (Nm 28, 18-28; Lv 4, 15, 16-21; 2Cr 29, 23, etc).

Duas longas fileiras de sacerdotes paramentados ficam de pé entre a vítima, uma fileira com cálices de ouro, a outra com cálices de prata nas mãos, prontos a receber o sangue. A vítima é degolada, e o sangue, recolhido nos cálices e passado adiante por cada fileira cruzando-se os braços em forma de cruz, é salpicado sobre as quatro córnuas do altar, assinalando cada uma delas com uma cruz de sangue (Edersheim, Temple, p. 90). Um coro de 500 sacerdotes, e outro, de igual número, de levitas, aquele circundando o grande altar e estoutro de pé sobre os degraus da porta de Nicanor, cantam os Salmos. O culto celebrado no Templo às nove da manhã e às três da tarde era uma imagem impressionante da Missa solene pontifical. Vamos descrevê-lo com maiores detalhes mais adiante, quando chegarmos à cerimônia da imolação do cordeiro pascal que Cristo trouxe ao Templo.

Através dos tempos, desde os dias de Salomão, milhões de pessoas adoraram ao Deus de seus ancestrais nos átrios do Templo, de costas para o oriente, porque era voltados para o oriente que os pagãos adoravam o sol levante, a luz e as estrelas. Como protesto contra a idolatria, os israelitas ficavam de frente para o ocidente quando se voltavam para o altar e para o Santo dos Santos (Edersheim, Temple, p. 127). Mantendo as mãos estendidas, eles punham seus pecados sobre as vítimas, sacrificando-as como imagens de uma Vítima futura, pela qual rezavam viesse e cumprisse esses tipos proféticos. Uma linha traçada atravessando o centro do Templo, passando pelo centro do altar e do Santo dos Santos, para os quais eles tinham o rosto voltado na expectativa da Vítima futura, e continuada por cerca de 300 metros, cruzava o centro do Calvário. Destarte, todas as cerimônias e vítimas tinham a face voltada para a Cruz com seu Padecente a expirar em agonia.

Eles não entenderam a razão pela qual Deus escolheu este lugar para o santuário. Rabi Moisés diz que era para que os gentios não construíssem ali um templo pagão, para que não destruíssem o santuário ou para que não sucedesse de cada tribo hebreia ter seu próprio local de culto. Por isso, eles não tiveram Templo enquanto não foi escolhido um rei, que pudesse dirimir as disputas em torno do local do culto divino.

Afirmam os autores judeus que não havia perdão sem sangue, de modo que o oferente, pondo as mãos sobre a cabeça da vítima, mostrava que punha os seus pecados no animal; que este animal carregava os pecados do oferente e os do povo; que os que o tocassem, tocavam o pecado, e era por isso, diz Maimônides, que ficavam impuros. Os pecados não eram perdoados, mas “acobertados”, até que viesse o Messias. Citemos algumas das palavras dos autores hebreus (Edersheim, Temple, 92).

“Falando propriamente, o sangue do pecador devia ter sido derramado, e seu corpo, queimado como os dos sacrifícios. Mas o Santo, bendito seja Ele, aceitava nossos sacrifícios como redenção e reparação por nós. Olhai toda a mercê que Jehová, bendito seja Ele, manifestava com o homem. Em sua compaixão e na plenitude de sua graça, ele aceitava a vida do animal no lugar da alma do homem.”

“Enquanto o altar e o santuário ainda estavam em seu lugar, nós éramos remidos pelos bodes designados por sortes. Agora, porém, se por nossa culpa apraz a Jehová destruir-nos, ele não aceita de nossas mãos nem sacrifícios nem ofertas queimadas.”

“Traz-nos de volta em jubileu para Sião, Tua cidade, como outrora em júbilo para Jerusalém, a casa de Tua santidade. Então traremos diante de Tua face os sacrifícios que são devidos.”

Que lástima para os filhos de Israel! A profunda cegueira espiritual que os acometeu na noite em que sentenciaram seu Messias à morte ainda não se retirou. Todos os sacrifícios deles estão agora centrados na Missa.

Os profetas e o Antigo Testamento dizem que esses sacrifícios eram em si mesmos inúteis se separados de Cristo, o Antítipo para o qual apontavam, o qual, num tempo vindouro, havia de morrer para cumprir o que em sombra significavam. O cordeiro pascal e o pão com o vinho recapitulavam e coadunavam as incomensuráveis particularidades do Templo. As palavras candentes dos profetas hebreus, no decorrer da história do Antigo Testamento, encontram expressão nestas palavras de oração pascal messiânica:

Vem, Amado, que o dia da visão declina.
Depressa, vem, e todas as sombras fulmina.
“Desprezado”, será “alçado”, como condiz.
“Rei prudente”, que “irriga as gentes”, e “Juiz”.

Enquanto fixava o cerimonial dos sacrifícios que prefiguravam a Crucificação, Moisés escrevia os cinco primeiros livros do Antigo Testamento. Coligia as tradições dos patriarcas, que tinham sido transmitidas de pai para filho, de Noé para Sem e Abraão, relativas à criação, à queda do homem, ao dilúvio, à separação das setenta e duas famílias, que cresceram até virar as tribos que deram origem às grandes nações da antiguidade. Vamos dar uma olhada rápida nas Escrituras hebraicas e citar alguns dos nomes nos quais Deus revelou o futuro. Estes se perdem nas traduções da Bíblia.

O primeiro nome de Deus mencionado no começo do Gênesis como Criador é Elohim, que fez o céu, a terra e formou Adão (“o homem”, “o ser raciocinante”). Elohim é Deus de justiça, Autor da natureza, inflexível como as causalidades físicas, rigoroso em retidão, castigando Adão pelo pecado deste, destruindo os maus ao longo das páginas do Antigo Testamento. Essa palavra foi dita pela última vez pelo Filho de Deus, em agonia na cruz, fazendo reparação à justiça de seu Pai pelos pecados de todos os homens, quando citou o Salmo que emprega a palavra Eloi Eloi, etc.:

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Sl 21,1)

Quando a criatura humana, por causa do pecado, estava condenada ao inferno tal como os demônios, Elohim-Jehová aparece para Adão, amaldiçoa a serpente e promete que o Germe da mulher havia de triunfar. Aqui foi revelado pela primeira vez um novo nome da divindade: Jehová (“o Existente”). Mas esse nome tem ainda outra significação: “o Deus de Misericórdia”. Jehová, o Divino Filho, teve misericórdia, compadeceu-se da humanidade caída e prometeu redimir a raça humana. Enquanto que Elohim tratava o homem com os rigores de sua justiça, destruindo o mundo com o dilúvio, calcinando Sodoma e Gomorra e matando os perversos, ao tratar com os hebreus a justiça de Eloi, o Pai Eterno, é temperada pela clemência de Jehová, “Deus de Misericórdia”, o Filho, predito como Redentor.

“Eu apareci a Abraão, a Isaac e a Jacó pelo nome de Deus Todo-Poderoso, mas pelo meu nome Jehová não fui conhecido deles.” (Ex 6,3)

No decurso da história dos hebreus, Elohim, o Pai, é justiça; Jehová, o Filho, é misericórdia. Agindo conjuntamente com o Espírito Santo, chamado Shekiná — essas três Pessoas da Trindade efetuam os preparativos para a Encarnação, para a Igreja, para a Missa. São frequentemente chamadas, no original hebraico, de Adon ou Adonai, “Senhor” ou “Senhores”.

Repletos de religião, insuflados de devoção, pressentindo a aurora do Cristianismo vindouro, os hebreus davam aos objetos, aos lugares, a seus filhos nomes que tinham como raiz esses nomes de Deus, para exprimir exteriormente o poder e os atributos d’Ele. Elohim era abreviado como El; Jehová, como Ja, Jo ou Je; ao passo que Adonai geralmente se acha inalterado. Se o leitor examinar as palavras da Bíblia com essas raízes, descobrirá nela bastantes nomes quase para preencher este livro. Cada um é uma revelação de Deus, de seus atributos, ou uma profecia do Cristo vindouro.

Tomemos como exemplo as palavras “Jesus Cristo”. Jesus é a forma grega do hebraico Josué ou Joshua, que significa “Ja salva”, “Jehová salva”, ou “o Deus de Misericórdia salva”. O primeiro que teve esse nome foi aquele Josué que foi o líder que sucedeu a Moisés e guiou os hebreus a adentrarem a Palestina Prometida. Moisés apenas viu-a de longe, guiou-os à vista dela, não entrou, e morreu no monte Nebo, porque a lei de Moisés trouxe os hebreus só até ao vislumbre da Igreja. Jesus ou Josué conduziu-os a entrarem na Palestina, como Aquele que ele prenunciava, Jesus Cristo, conduziu a humanidade para dentro da Igreja. Cristo é a palavra grega para Messias (“o Ungido”). Logo, Jesus Cristo significa “o Ungido Deus de Misericórdia salvará”. Quão apropriadas, pois, as palavras do anjo à Virgem:

“E dareis à luz um Filho, e lhe poreis o nome de Jesus. Pois ele salvará seu povo de seus pecados.” (Lc 1,31; Mt 1,21)

Mas um sinal visível do Guia Onipotente era necessário durante a existência da religião hebreia, para conquistá-los de modo a afastá-los dos impressionantes ritos pagãos do Egito, para preservá-los do paganismo das nações circundantes, para prefigurar o Espírito Santo guiando a futura Igreja. Por essa razão, Deus apareceu a eles em forma visível, falou primeiro a Adão, aos patriarcas, a Moisés no Sinai, no tabernáculo, instruiu seus líderes, entregou a revelação aos seus profetas e apareceu para os homens santos no tempo de Cristo. A essa aparição visível de Deus os autores judeus chamam Shekiná. Vejamos o que dizem eles, para que o leitor entenda melhor os significados do Templo.

Na língua original do Antigo Testamento e escritos posteriores em hebraico, em centenas de textos e passagens encontramos a palavra Shekiná (da palavra hebraica para: “fazer uma aparição”, “habitar”), significando a “Majestade de Deus”, “a Divina Presença”. Era uma nuvem durante o dia e um fogo durante a noite. Os autores hebreus representam-na como uma aparição ou manifestação visível da divindade, Deus Espírito Santo acomodando-se aos olhos do homem, de maneira que este possa ver o invisível Espírito Eterno (Geikie, Life of Christ, II, 612, etc.; Edersheim, Life of Christ, I, 166, 168).

Primeiro, antes da queda no pecado original, sob esta forma de Shekiná Deus andou com Adão no Paraíso, abençoou o matrimônio (Gn 1,28), entregou-lhes o mundo, com suas plantas e animais como alimento, e a lei tocante à árvore do bem e do mal, porque não pode existir sociedade sem leis (Gn 2,17). Sob esta forma de nuvem ou de fogo, Deus falou a Adão depois do pecado, condenou-o e à sua raça por ele ter comido do fruto proibido e prometeu o Redentor (Gn 3,15).

Aos patriarcas a Shekiná apareceu, revelou o futuro e os abençoou, a eles e à raça deles. Orientou Noé sobre como construir a arca, chamou Abraão a sair de Ur dos Caldeus para entrar na Palestina, abençoou-o e à sua raça — em centenas dessas passagens da Escritura, onde na tradução aparece a palavra Deus ou Senhor, no hebraico está Shekiná.

Por quase quatrocentos anos a Shekiná não se pronunciou, até que apareceu a Moisés na sarça ardente:

“E o Senhor apareceu a Moisés numa chama de fogo do meio da sarça.” (Ex 3,2)

Aquela “sarça” era o espinheiro do qual foi feita a coroa de espinhos de Cristo.

A Shekiná orientou Moisés sobre como libertar os hebreus do Egito, foi à frente deles como guia, abriu o Mar Vermelho e conduziu-os por quarenta anos através dos desertos da Arábia. Era uma coluna de nuvem durante o dia e uma coluna de fogo à noite. Quando se movia, os exércitos de Israel seguiam; quando repousava, acampavam; e, quando o tórrido sol do deserto os queimava, a Shekiná estendia-se cobrindo todo o acampamento, abrandando o calor. Cobriu o Sinai como uma grande nuvem, que só Moisés penetrava, em meio a trovões e relâmpagos: entregou a lei e os mandamentos, mandou Moisés constituir o sacerdócio, o cerimonial e construir o tabernáculo.

“E eles me farão um santuário, e eu habitarei (Shekiná) no meio deles” (Ex 25,8)

Nesta forma visível de nuvem de fogo, o Espírito Santo repousava no tabernáculo, sobre o propiciatório que ficava em cima da arca da aliança, no meio das asas de ouro dos querubins. Ele falou face a face com Moisés, Josué, os Juízes, Samuel, Natã, Davi, Salomão e todos os profetas. Por meio deles, revelou à humanidade todas as profecias do Antigo Testamento. Deus, Shekiná, era o Rei dos hebreus; a forma de governo deles era uma Teocracia: “governados por Deus”. As orações sinagogais que remontam a esta época contêm por toda parte as palavras: “Ó Senhor, nosso Rei”, “Não temos outro Rei senão Tu”, etc.

Eles se enfastiaram do governo de Deus, pediram um rei similar aos governantes das nações à sua volta. Samuel, cheio de tristeza, consultou a Shekiná.

“E o Senhor disse a Samuel… Não foi a ti que eles rejeitaram, mas a mim, para que eu não reine sobre eles.” (1Rs 8,7)

Deus advertiu-os das aflições que um rei lhes ocasionaria. O povo persistiu, e a Shekiná mandou Samuel ungir Saul, a quem, rejeitado por seus pecados, Davi foi escolhido para substituir.

Seu filho Salomão construiu o famoso Templo dele. No dia da dedicação do Templo, a Shekiná preencheu de tal maneira o santuário, que os sacerdotes não conseguiram oficiar (3Rs 8, 11). Sobre o monte do Escândalo, Salomão ergueu templos para os deuses de suas esposas (3 Rs 11); como castigo (3Rs 12), dez tribos rebelaram-se, e apenas os judaítas e os benjaminitas permaneceram fiéis à família de Davi. Reis maus fizeram, com sua liderança, os judeus caírem em idolatria (Ez 8), no próprio Templo de Jehová foram adorados ídolos, e, como castigo, os babilônios destruíram a cidade, incendiaram o Templo e arrastaram o povo em cativeiro.

Deus mandou Jeremias esconder a arca da aliança numa caverna no monte Nebo, onde morrera Moisés (2Mc 2). A aliança ou contrato com Deus foi rompida, a Shekiná deixou de falar, os profetas cessaram de ensinar; os rabinos, escribas, fariseus e saduceus desencaminharam o povo. Por muitos séculos os judeus foram deixados sem oráculo divino, e surgiram os ensinamentos e práticas estreitos peculiares do judaísmo dos escribas e fariseus, o que acabou resultando na crucificação de seu Messias.

Mas tinha sido revelado que, quando o Messias viesse, a Shekiná apareceria e lhes falaria novamente. Na longínqua Pérsia, três sumos sacerdotes da religião de Zoroastro, descendentes de Elam (“o jovem”), o filho mais velho de Sem, avistaram a Shekiná sob a forma de uma estrela, que os conduziu até a manjedoura do Salvador menino (Mt 2,1). Na noite em que Cristo nasceu, a Shekiná apareceu como uma nuvem brilhante aos pastores, nos montes de Belém, enquanto os anjos cantavam o hino “Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2,4).

Quando João Batista batizou o Senhor em Guilgal (Gálgala), a Shekiná, na forma de pomba, cobriu Cristo com Sua sombra. Na Transfiguração, em forma de nuvem Ele cobriu o alto do Tabor. Quando da pregação no Templo, Ele deu testemunho do Salvador. Quando ele morreu, Ele abandonou o Santo dos Santos na forma de um vento fortíssimo, dizendo: “Daqui então partiremos”. Permaneceu nas paredes ocidentais do Templo, segundo autores judeus. No dia da Ascensão, envolveu Cristo que subia aos céus: “E uma nuvem recebeu-o fora da visão deles.” No dia de Pentecostes, a nuvem de fogo, o Espírito Santo (S. Agostinho, Sermo LXXI, de Verb.; Macab. XII, n.; XIX), preencheu o cenáculo e fez chover línguas de fogo sobre os Apóstolos, dando a cada um a língua das nações que havia de converter.

Contam-nos os autores judeus que a Shekiná armou sua morada no cimo do monte das Oliveiras por três anos e meio; dia e noite eles ouviam Sua voz com palavras de súplica:

“Voltai para mim, ó povo meu! Oh, voltai para mim!”

A Presença nunca mais voltou a falar (Shemoth [“Êxodo”], R. 2, Ed. Warsh, 7 b, 12, etc.).

Em grande número de lugares o Talmude traz as palavras “Espírito Santo”, com o mesmo significado que nos escritos cristãos. O Antigo Testamento, os Talmudes, os Targuns, Fílon e os autores rabínicos usam palavras que, nas versões da Bíblia, se traduzem como Senhor, Deus, etc., as quais mostram que eles tinham uma vaga noção ou conhecimento da Trindade. Como todas as traduções são fracas, nossa Bíblia em inglês não retém esses termos peculiares.

A palavra hebraica Yeqara (“a Glória esplêndida”), que se encontra especialmente nos livros do Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, designa Deus Pai no ato de revelar, enquanto o termo Memra (“o Logos”, “a Palavra” ou “o Verbo”) é o Divino Filho revelado. Centenas de vezes Memra se encontra nos cinco livros de Moisés. O Targum de Ônquelos menciona-a 179 vezes; o Targum de Jerusalém, 99 vezes; e o do Pseudo-Jônatan, 321 vezes. Yeqara é Deus na sua divina majestade; Memra é Deus na sua sabedoria; Shekiná é Deus revelando-se ao homem.

Vamos tomar exemplo do Targum Ônquelos. “Deus, Yeqara, falou a Abraão” (Gn 17,22). “Deus, Yeqara, estava no alto da escada de Jacó” (Gn 28,13) e depois falou ao patriarca (Gn 35,13). Essa palavra é empregada por Moisés quando diz que Deus chamou-o da sarça (Ex 3,1-6), prometeu o maná (Ex 16, 7-10), quando os hebreus derrotaram Amalec (Ex 17,16), quando Jetro visitou Moisés (Ex 18,5) e quando o Senhor, Yeqara, entregou os Dez Mandamentos (Ex 20). Há centenas de termos na Bíblia hebraica que são vagas revelações das Pessoas da Trindade.

Os alicerces fundamentais da religião hebraica foram assentados pelo Pai Eterno, Yeqara. As formas da natureza, a ciência das coisas divinas, foram providas por Memra, o Verbo de Deus, a Sabedoria do Pai, o Filho de Deus. O cerimonial, a lei, o tabernáculo, o Templo e a Igreja hebraica foram estabelecidos pela Shekiná, o Espírito Santo. Os Apóstolos e os convertidos estavam, assim, pela leitura do Antigo Testamento, prontos a receber a crença na Trindade, revelada claramente pela primeira vez quando Cristo disse: “batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28,19).

Essas palavras se aplicaram às Pessoas da Trindade nos tempos dos patriarcas e perduraram até entrarem nos escritos de Moisés. Quando Deus chamou Moisés da sarça ardente, para que ele, desenvolvendo a religião patriarcal, tornasse-a no cerimonial do tabernáculo e do Templo, e para que fundasse a nacionalidade hebreia, ele se revelou com um novo nome: “Eu sou Aquele que sou” (Ex 13,14), nome este exprimido em hebraico como Jehová (“o Existente”) ou Adonai (“Senhores”), de adon (“Senhor”, “sire”).

Enquanto Elohim, de Eloi (“meu Deus”), representa o Eterno enquanto criador e governador do universo, Jehová mostra-o, em relação com o homem, como “Deus de misericórdia”, revelando-se ao mundo, formando o pacto de aliança, outorgando a Lei, perdoando o pecado e prometido como Redentor. Elohim é Deus de justiça que pune os maus — é o Pai Eterno, a quem se oferecem os sacrifícios ordenados por Jehová, o Divino Filho, com quem a Shekiná atua iluminando os patriarcas e os profetas.

Depois de escrever a Lei e de aspergir o povo com o sangue, “Moisés, e Aarão, e Nadab, e Abiú, e os setenta anciãos de Israel subiram, e viram o Deus de Israel” (Ex 24,10). Aqui o original hebraico traz a palavra Yeqara, como também nos versículos 11 e 17.

Quando Deus instituiu o sacrifício cotidiano do tabernáculo e do Templo para oblação perpétua (Ex 29,43), a palavra é Yeqara, tal como quando Moisés pediu para ver a Sua glória (Ex 33, 18.22.33). A mesma palavra é empregada quando Deus preencheu o tabernáculo com a Sua glória (Ex 49,32-36).

O novilho e o carneiro para os sacrifícios pacíficos são imolados diante de Yeqara (Lv 9,4); o Senhor, Yeqara, dava-lhes ordens (Lv 9,4) quando aparecia para a multidão (Lv 9,23). Quando a arca era abaixada, Moisés dizia:

“Volta, Senhor, para a multidão da casa de Israel.” (Yeqara, Nm 10,36)

Foi como Yeqara que Deus falou a Aarão e Maria, prometeu aparecer para os profetas em visão e em sonho, e falou a Moisés, que viu o Senhor Yeqara (Nm 12,8). Moisés rogou a Yeqara que não destruísse os hebreus, e Yeqara não estava ao lado deles quando eles quiseram, contra a vontade dele, ir para a Terra Prometida (Nm 14,14-42.

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