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O Pão, o Vinho, a Água, o Óleo e o Incenso, no Templo

Sumário. Razões pelas quais Deus escolheu o pão. A história do trigo. Como eram feitos os pães, equivalentes às nossas hóstias não consagradas, para a páscoa judaica e para o Templo. Por que o celebrante parte a Hóstia na Missa. Por que na Missa se usa pão sem fermento. A mó e o forno dos hebreus. Modo de fazer pão fermentado e não fermentado. As cerimônias da colocação do pão e do vinho sobre a mesa que chamamos credência, dentro do Santo do Templo. Como o pão e o vinho prenunciadores da Missa eram reverenciados no Templo. O sinal da Cruz. Como se comia o pão e bebia o vinho que haviam sido removidos. A história do vinho. Como Noé abençoou as raças brancas. O vinho da Palestina e como era feito. Vinhos “secos” e vinhos “doces”. Um famoso festival. Os recipientes onde se conservava o vinho. O grande Cálice do Senhor. Por que na Missa o vinho é misturado com água. A cerimônia do Templo em honra da água. A dança das donzelas hebreias depois de produzido o vinho, durante a qual os homens escolhiam esposa. Cristo, sacerdote do Templo e príncipe da família de Davi. Origem dos óleos santos utilizados na Igreja. Composição do óleo santo preparado por Moisés. Mirra, cinamomo, cássia, bálsamo, estoraque e plantas que os produzem. A unção de enfermos no Antigo Testamento. Como o sumo sacerdote e o sacerdote eram ordenados no Templo e ungidos na cabeça e nas mãos. História de Maria Madalena, e por que ela ungiu Cristo. Sacerdote, rabi, rei, juiz e oficiais ungidos antes de Cristo. A sagração dos óleos santos na Quinta-Feira Santa. Composição do incenso usado no Templo. Estacte, ônica, cálamo, gálbano, incenso puro. Significação da queima do incenso. Como o incenso era queimado no Santo, tal como hoje na Missa solene. Cena pitoresca no Santo quando Zacarias incensava o altar de ouro. Gabriel disse-lhe que João Batista ia nascer. Por que ele não acreditou nas palavras do anjo. História do Batista. Origem da cerimônia de incensação do clero durante Missa solene. Origem da tonsura, etc.

O TEMPLO judeu estava repleto de numerosos objetos que lembravam aos hebreus sua religião, excitando-os à oração e à devoção. Esses objetos não comunicavam por si mesmos a graça. Estimulados ao vê-los, entretanto, eles praticavam seus atos de religião dentro da fé, da esperança e do amor pelo seu predito Redentor. Esses objetos religiosos eram os sacramentais da Lei Antiga. Na Última Ceia, Cristo elevou os sacramentais judaicos, o pão, o vinho misturado com água, e o óleo junto com a imposição de mãos, à dignidade de serem a matéria do Sacrifício Eucarístico e das Ordens sacras. Há uma impressão geral de que quando Cristo fez isso ele tomou matérias nunca dantes usadas no culto divino. Mas ele não fez nenhuma mudança abrupta. Desde a época pré-histórica, nos tempos dos patriarcas, de Moisés e dos profetas, o Espírito Santo escolhera o pão, o vinho, a água, o óleo e o incenso, e na antiga páscoa e no Templo eles foram transmitidos pelos ritos, história e religião dos hebreus até os dias de Cristo. Vejamos essas imagens da Missa e dos sacramentos e sua história, pois mais tarde encontraremo-las na Última Ceia.

Começaremos primeiro a história do pão, “o esteio da vida”. Quando da dispersão das setenta e duas famílias da humanidade, partindo das planícies da Mesopotâmia quando a linguagem de nossa raça foi mudada, os homens brancos retiraram-se para as margens sul do Mar Cáspio, onde constataram que crescia trigo (triticum vulgare), uma espécie da família da cevada (hordeicae). Ali, pouco depois do dilúvio mas muito tempo antes de emigrarem para colonizar a Europa, eles cultivaram esse trigo, que dali se espalhou pelo mundo. É mencionado como vicejante no Egito, nos dias em que o cativo hebreu José se tornou o primeiro-ministro do Faraó (Gn 41).

A Palestina produziu grandes quantidades de um trigo superior, tão logo os hebreus se apoderaram de sua “Terra Prometida”. Ainda se veem os montes da Palestina com terraços construídos até ao cimo. Longos campos estreitos e serpeantes, por vezes de não mais do que alguns pés de largura, parecem grandes degraus, seu solo sustentado por muradas de pedra, produtos do trabalho de quase 4.000 anos, em que o trigo era cultivado naqueles dias em que a Terra Santa era densamente povoada. Trinta e cinco vezes se menciona o trigo no Antigo Testamento. Por que o Espírito Santo inspirou os patriarcas a assar bolos ázimos de farinha de trigo para a páscoa que celebravam? Por que os sacerdotes os ofertavam no Templo todo shabat, e por que Cristo mudou esse pão no Seu Corpo? Vejamos as profundas razões expostas nas investigações do nosso tempo.

Segundo as pesquisas científicas, o pão de trigo é o mais nutritivo de todos os alimentos. O corpo humano precisa de calor para fornecer energia, e de alimentação para reparar as perdas. A vida poderia sustentar-se mais tempo só com pão do que com qualquer outro alimento, sua única deficiência sendo a falta de substâncias nitrogenosas. Meio quilo de pão é mais nutritivo do que meio quilo de carne. Um homem seria capaz de viver de 900 gramas de pão por dia, por tempo indefinido, mas não de qualquer outro tipo de comida. O açúcar é o segundo alimento de maior valia, e isso explica por que as crianças gostam de pão com doces. Os açúcares no vinho, ou glicose, suprem o que falta ao pão. Por essa razão, o pão e o vinho são os alimentos mais nutritivos conhecidos pelo homem. Os patriarcas, guiados pelo Espírito Santo, escolheram para os seus sacrifícios e para a páscoa que celebravam uma comida e uma bebida que se estribam em princípios estritamente científicos.

As pessoas, a princípio, comiam os cereais sem triturá-los. Ao atravessarem as searas, esfregavam nas mãos as espigas, separando o joio, e comiam os grãos de trigo, como os apóstolos fizeram no shabat (Mt 12,1.2). Nos tempos antigos, os hebreus comiam cereais dessa forma (Lv 14,23; Rt 2,2.3.17,18; 2Rs 17,28, etc.).

Mais tarde, passaram a ser triturados num pilão de pedra ou de madeira, e a farinha resultante era misturada com água e transformada em bolos, assados no fogo. Estes eram postos sobre carvões em brasa, como fez Abraão quando o Senhor visitou-o junto de dois anjos (Gn 18,6). Em meio às exigências de deixar os hebreus partirem feitas por Moisés, encontramos mencionada pela primeira vez a mó do moinho (Ex 11,5), e sete vezes o Antigo Testamento menciona a mó.

Esta antiga mó, chamada em hebraico rechayim, ainda usada na Palestina e no Oriente, é feita de duas pedras chatas, de cerca de sessenta centímetros de diâmetro. A de cima, chamada pelach, apoiava-se sobre uma inferior, a receb, unidas por um eixo através de uma abertura no meio; as mulheres, sentadas no chão, giravam a pedra de cima, segurando uma manivela com a mão direita e introduzindo os grãos com a esquerda. As pedras eram eriçadas nos lados de cima e de baixo (Dt 24,6; Jó 41,15.16; 2Rs 15,21).

No tempo de Cristo, eles às vezes usavam pedras grandes, giradas por animais. Os reis e os nobres tinham padeiros especiais. A lei proibia que uma das pedras fosse penhorada por dívida, pois nesse caso a família não teria como triturar seus cereais. Trituravam-se todas as espécies de grãos nessas pequenas mós, mas dado que a farinha de trigo é que foi usada para fazer o pão da proposição do Templo, utilizado na Última Ceia, vamos nos confinar ao pão de trigo.

A palavra “pão” em inglês (bread) vem do hebraico barah: “comer”, “alimentar(-se)”, “nutrir(-se)”; nesse sentido, Deus disse a Adão que ele, depois do pecado, haveria de comer o seu pão com o suor de sua fronte todos os dias de sua vida, e muitos textos da Bíblia mostram que “pão” significava todo tipo de alimento.

Depois de o trigo ser socado ou triturado na mó, a farinha resultante era misturada com água, transformando-se numa massa que era passada no rolo, de modo a formar bolinhos finos que eram assados sobre carvões em brasa. Os patriarcas faziam os bolos ázimos (não levedados) assim, compostos somente de farinha e de água; esses eram os bolos da páscoa hebraica, e dessa maneira têm sido feitas, desde então, as hóstias para a Missa na Igreja latina.

No relato da fuga do Egito, nós encontramos mencionado pela primeira vez o pão fermentado. Este é feito mesclando-se a massa com fermento (de “levedar”, “exalar gases”). O fermento é um fungo microscópico que se alimenta de açúcar e exala os gases que fazem o pão “crescer”. Diversas espécies desse fungo se utilizam na fermentação do vinho, da cerveja, etc. Verificamos que os egípcios produziam cerveja, e talvez tenha sido deles que os hebreus aprenderam a fazer pão fermentado. Nas Igrejas grega e orientais se usa pão fermentado para a Missa, mas isso não está em conformidade com as regras estritas da páscoa dos hebreus, da Última Ceia e do costume patriarcal.

Nos desertos madeira é rara, e os árabes usam agora adubo orgânico ressequido, sobre o qual põem os bolos ázimos achatados, que eles viram para assar dos dois lados: a crosta tem o cheiro do estrume, mas o sabor do que tem dentro é apetecível.

Foram instalados grandes fornos em toda cidade e aldeia da Judeia, aos quais o povo levava o pão para ser assado. Subindo o monte das Oliveiras, um pouco abaixo do local da Ascensão, via-se um domo redondo, com cerca de três metros de diâmetro e dois de altura, onde havia uma fogueira de esterco dessecado. Uma mulher ali dentro, cercada de fumaça, fazia os bolos e punha-os no fogo. Ela ofereceu um, mas foi recusado com gratidão. Fornos assim podem ser vistos até hoje em todas as partes do Oriente, especialmente em meio ao povo simples, que não foi mudado pelos métodos modernos.

A dona de casa preparava e assava o pão (Gn 18,6; Lv 26,26; 2Rs 13,6-8; Jr 7,18). Mais tarde isso virou trabalho dos criados (1Rs 8,8-13). Depois do tempo de Davi, quando os hebreus começaram a dedicar-se aos negócios, toda família rica tinha um padeiro (Os 7,4-7; Jr 37,20; Migne, Cursus Comp. S. Scripture, iii, 1135, etc.).

Eles usavam uma travessa de madeira, na qual misturavam a massa feita de farinha e água, mas posteriormente introduziram nela o levedo, para fazê-la crescer por fermentação. O primeiro tipo de pães, chamados matsôt (“não levedados”), era o único utilizado na páscoa judaica e em todos os sacrifícios do Templo (Gn 13,6; 19,3; Jz 6,11; 3Rs 17,12; Ex 13,15.85; 13,3; 16,3.4.8.12; Lv 2,4; 7,12-13; 8,26.31.32; Dt 16,3; Am 4,6). O segundo chamava-se hametz (“fermentado”).

Esses bolos eram redondos, tinham de vinte e cinco a trinta centímetros de diâmetro, os pães não fermentados sendo finos como uma faca, e os fermentados tendo mais de um centímetro de espessura. Eles nunca cortavam os pães com faca, mas partiam-no com os dedos (Is 58,7; Lm 4,4; Mt 14,19; 15,36; 26,26). Na páscoa e demais festividades hebraicas, o chefe da casa sempre partia o pão e o distribuía aos comensais. O chefe da casa em Sião, durante a páscoa judaica, partiu o pão e deu um pedaço ao autor.

Na Igreja, o celebrante parte a Hóstia antes de comungar e, se necessário, parte as Hóstias menores ao distribuir a Comunhão. No Rito latino, esse costume judaico de partir o pão ou as Hóstias é seguido sempre, e o pão não fermentado da páscoa judaica e dos patriarcas é o único que se usa. No Rito grego e aparentados, com uma longa cerimônia diante da mesa chamada credência, durante a Missa, o celebrante, com uma pequena lança, corta de um pão fermentado um pedaço grande para o sacrifício, um para a Virgem, um para João Batista e um para cada um dos Apóstolos. Vejamos o pão nos lares e no Templo dos hebreus.

Fora da casa eles cavavam um buraco, como um poço, com algo entre meio metro e um metro de largura e de um a dois metros de profundidade (Lv 11,35), muravam-no com pedras e então emplastravam- no por dentro com barro úmido, deixando buraquinhos para as chamas subirem nesse forno. Quando o forno ficava em brasa, removiam o fogo e punham dentro a massa, cobrindo com terra todo o exterior do forno (Lv 7,9.12.3,etc). Quando os bolos ficavam assados de um lado, viravam-nos do outro (Os 87,8). Foi este o forno fumegante mostrado a Abraão, no qual deviam ser assados os bolos pascais (Gn 15,17), quando o Senhor, com um anjo de cada lado seu, visitou a tenda do patriarca. Nesse tipo de forno, Lot preparou pães ázimos para os anjos que o advertiram a fugir das perversas e condenadas Sodoma e Gomorra.

Mais tarde eles passaram a usar um forno portátil chamado tanur, de quase um metro de altura, feito de cerâmica e acetinado por dentro e por fora com argila branca, o qual apoiava-se sobre uma base móvel, formando a fornalha. Depois de o aquecerem com fogo por dentro, eles removiam as brasas e grudavam dos lados a massa (Lv 2,4; Ecl 10,30; Jr 52,18). Nesse forno eles assavam os pães da proposição (ou “pães da apresentação”) do Templo, figura típica da Eucaristia (Edersheim, Temple, 152). Era este o pão que o corvo levava para Elias a cada dia. Alguns autores dizem que esse corvo não era uma ave, mas um membro da tribo dos Corvos, de viajores beduínos. O anjo deu ao grande profeta esse pão não levedado, que lhe deu forças para jejuar por quarenta dias e quarenta noites, até que ele chegou ao Horeb, prenunciando as graças da Comunhão (3Rs 19,6-8).

Recipientes de material e formato igual se usavam para conservar os líquidos. Eles utilizavam também um cesto de ferro, que tinha três suportes, como um tripé, ou então era deitado sobre três pedras, embaixo do qual montavam uma fogueira, assando dentro dele a massa (Lv 2,5; 6, 14-15; Ex 29,2-3). Ali eles assavam não só o pão ázimo para a sua páscoa e o pão fermentado para o seu uso cotidiano, como também outros tipos de pães e de bolos ou tortas, feitos de uma variedade de grãos.

O pão não levedado, feito somente com farinha e água desde antes do início da história, é chamado em hebraico matsôt, em grego azyme, ambas palavras que significam “sem levedo” — distinguindo- se assim do hametz (“levedado”), que era feito com fermento —, e foi utilizado na páscoa hebraica, oferendado no Templo e consumido em todos as festas religiosas deles. Trinta e oito vezes esse pão é encontrado no Antigo Testamento, e centenas de vezes nos escritos judaicos posteriores.

Os judeus de nossos dias preparam esse pão observando meticulosamente as práticas de seus ancestrais. A farinha é triturada a partir de trigo seleto, não pode estar mofada nem mesclada com outra farinha, e é cuidadosamente conservada. Misturada com a água mais pura, eles fazem com ela uma massa, na qual passam o rolo formando bolos bem finos, de cerca de trinta centímetros de diâmetro, que eles assam imediatamente em seguida, para que a massa não fermente. Uma vez assados, são conservados numa caixa ou lata pura de toda mácula (“kosher”). Eles misturam então a massa que sobra, com mel, ovos e açúcar, etc., mas não com fermento. Esta, chamada ha-ashira (“tortas ou bolos ricos, saborosos”), eles enviam aos amigos, aos doentes e aos cristãos. Mas os judeus mais estritos não enviam aos gentios o pão pascal ordinário.

Para o hebreu, esse pão não levedado era o “esteio da vida”, não se fazia refeição sem ele; lembrava-os do pão que Melquisedec ofereceu em sacrifício quando abençoou o pai deles, Abraão; recordava-lhes o pão da proposição no Templo, o maná do deserto, e havia uma tradição de que quando viesse o Messias ele renovaria no pão o maná milagroso. Por essas razões, as bênçãos à mesa eram sempre proferidas sobre o pão (Edersheim, Life of Christ, II, p. 206, etc) e o vinho, e essas bênçãos bastavam para todos os demais alimentos.

Toda véspera de shabat, com um cerimonial que mais adiante citaremos, os sacerdotes dispunham doze bolos finos do pão ázimo da páscoa patriarcal e, no meio deles, e com eles mesclados em sentido místico, doze frascos de ouro contendo vinho misturado com água (Ex 25,29.30). Estes, do mais puro ouro, eram feitos como grandes copos de ouro (Ex 37,10.16; 40,4; Nm 4,7; 28,9-10). O cordeiro sacrificado de manhã e de tarde todos os dias prenunciava a Crucificação, e o pão e o vinho apontavam para a Última Ceia e para a Missa. Qual era a cerimônia, no Templo, do pão e do vinho?

No início da tarde de sexta-feira, a “nova classe” de sacerdotes escolhidos para a função, representando todos os sacerdotes e levitas típicos da tribo de Levi, juntamente com os “homens a postos”, emblemáticos de todo o Israel, vinham ao Templo para tomarem os seus lugares para a semana seguinte. Os homens escolhidos por “sortes” assumem seus postos para o cerimonial do pão e vinho da proposição.

Quando o sacrifício do cordeiro, que tinha começado às três da tarde, estava quase acabando, davam-se três toques com as trombetas de prata, para avisar a todos, no Templo e na cidade sagrada, que se aproximava o shabat, pois este tinha início ao pôr do sol. Jacó, o último grande patriarca deles, estabelecera esta hora de oração, pois era o momento em que mais tarde morreu Jesus. O imperador romano Augusto emitira um decreto de que durante essa hora os judeus estavam desobrigados de comparecer aos tribunais, para poderem comparecer ao culto do shabat.

As lâmpadas e velas são acesas, para prefigurar o Messias. Sacerdotes vestidos de ricos paramentos lavam o altar dos holocaustos das manchas de sangue, sendo deitadas “sortes” para ver quem devia executar as diversas funções do sacerdote e do levita. Os assim escalados começavam primeiro a preparação do pão da proposição, ou “da apresentação”, ou ainda: “o pão da Face”, num dos aposentos do Templo. Os rabinos chamam-no de “Pão da Face de Deus Onipotente”, “Anjo da Face”, “Pão Perpétuo”, “Pão da exposição”, “Anjo de sua Presença”, etc. Eles o honravam imensamente. Sua renovação todo shabat era um importante serviço do Templo, pois simbolizava o pão do altar, ou hóstia, da Última Ceia e da Missa.

No Santo, com suas paredes cobertas de chapas do mais puro ouro, do lado setentrional, o mais sagrado, ficava a mesa chamada credência, que tinha noventa centímetros de comprimento por quarenta e cinco de largura e de altura, era feita do mais puro ouro maciço, com seus pés voltados para fora tal como as patas dos animais e conectados no meio por uma majestosa coroa de ouro. A mesa do tabernáculo era feita de madeira de acácia, árvore existente nos desertos da Arábia, e a madeira era toda folhada a ouro puro. No tempo de Cristo, a mesa do Templo era de ouro maciço, que tinha
sido doado pelos macabeus, para repor aquela que Antíoco Epífanes levara consigo. Josefo escreve acerca de uma mesa maior, doada por Ptolomeu Filadelfo (Antiguid. jud., XII, II, 8).

Do mais puro trigo cultivado na Judeia, triturado com grande cerimônia, a farinha era coada através de onze peneiras, uma com tranças mais finas do que a outra. Misturada à “água de preceito”, com ela eram feitos doze bolos de pão ázimo, representando as doze tribos de Israel. Cada bolo era feito com dois quartos e meio de farinha e untado com óleo de oliva em forma de cruz (Edersheim, Temple, p. 155).

A “Casa de Garmo”, uma família dos caatitas, descendentes do segundo filho de Levi (Gn 46,11;Ecl 9,32; Talmude, tratado Shekalim [“tributos do Templo”], V, 1), possuía um monopólio sobre a feitura desses bolos, que eles depositavam sobre uma mesa de mármore no vestíbulo do santuário, onde permaneciam até começar o serviço de culto do shabat. O Talmude conta-nos a cerimônia da colocação deles sobre a mesa de ouro no Santo, imagem de nosso santuário.

“Quatro sacerdotes entram no Santo, dois deles carregando cada qual um dos montões de seis pães, e os outros dois, os dois vasos de incenso. Quatro sacerdotes os precediam: dois para remover as duas fileiras de pães velhos, e os outros dois, os vasos de incenso velho. Os que traziam o pão e o incenso ficavam do lado norte voltados para o sul, os que estavam do lado sul ficavam voltados para o norte, estes últimos removiam-nos erguendo-os, e aqueles substituíam as mãos destes, estando exatamente defronte das mãos destes, como está escrito: ‘Poreis sobre a mesa o pão da Presença diante de Mim sempre’.” (Talmude, tratado Menakhot, XI, 7)

Colocando e removendo os pães desse modo, os sacerdotes formavam com os braços uma cruz, o sinal da redenção encontrado em todas as cerimônias do Templo, para prenunciar o sacrifício do Redentor.

“Sobre uma mesa de ouro no vestíbulo do santuário, dois sacerdotes punham os pães velhos. Outros sacerdotes traziam então vinte e oito tubos de ouro, compridos como garrafas, cheios de vinho. Estes eram postos por eles sobre a mesa de ouro no Santo, ao lado dos pães novos.”

Eles removiam então os doze frascos de ouro com vinho, esvaziavam-nos com mística cerimônia, enchiam-nos de vinho novo mesclado com água e punham-nos sobre a credência junto dos doze
pães que ficavam diante do Senhor no seu santuário sagrado, onde permaneciam até o shabat seguinte. O vinho e a água são mencionados muitas vezes no Antigo Testamento sob o nome de “oferendas de libações”. Os sacerdotes bebiam desse vinho enquanto comiam os bolos (Edersheim, Temple, 158, 241, 242, 243; Talmude, etc.).

Esse pão com vinho, este último misturado com água, postos assim diante do Senhor no Santo, prefiguravam o pão e vinho da Última Ceia e da Missa. É por essa razão que o vinho é misturado com água, esta prenunciando a água a jorrar do lado trespassado de Cristo morto.

Os sacerdotes ministrantes daquela “classe” agora se reúnem em volta da mesa de ouro no átrio dos sacerdotes, sobre a qual o pão e o vinho são postos, e cada um recebe a sua porção.

“Três vezes por ano, as vinte e quatro ordens de sacerdotes tinham igualmente o direito de partilhar das peças dos sacrifícios do festival e do pão da proposição, e, na festa de Pentecostes, os distribuidores dizem a cada sacerdote: ‘Eis aqui pão com fermento para ti’ e ‘Eis aqui pão sem fermento para ti’.” “Se o festival cair antes ou depois do shabat, todas as vinte e quatro ordens partilham igualmente do pão da proposição. Se, contudo, se interpuser um dia entre o shabat e o festival, a ordem que estava no seu turno ordinário recebia dez dos pães da proposição, e às ociosas cabem dois pães. Nas outras épocas do ano, a ordem na qual eles entravam em serviço recebia seis.” (Suká, 88-91)

O sumo sacerdote passa por eles, e cada sacerdote entrega-lhe uma parte do seu pão, e eles lhe dão um pouco do seu vinho, em honra do encargo pontifical dele. Então eles se postam diante da mesa de ouro e comem o pão e bebem o vinho considerados sacratíssimos, porque por uma semana haviam repousado diante do Senhor, da Shekiná, no seu Santo. Unicamente um sacerdote podia comer desse pão, e ele tinha de estar puro de toda contaminação (Hb 10,1), não podendo ter coabitado com sua esposa (Livro dos Reis). Assim, eles prenunciavam o nosso clero celibatário e a renovação semanal da Eucaristia em nossas igrejas (S. Agostinho, Contra Faustum, L. VI, IX; L. XXXII, X, XI).

Vejamos agora o vinho do Templo, da Última Ceia e da Missa. Dizem os autores que a vinha era cultivada já antes do dilúvio, e que nesse tempo eles comiam a uva assim como as outras frutas.
Os primeiros Padres da Igreja escrevem que Noé foi o primeiro a espremer a uva e produzir vinho, e que ele não conhecia seus efeitos intoxicantes quando bebeu em demasia (Gn 9, 21; Migne, Cursus Completus S. Scripturse, III, 1254-1256, etc.).

O vinho, em hebraico yayin (“espremido”, “sumo da uva”), tipificava os sofrimentos físicos e tristeza excessivos que fazem os homens cambalear, estonteados. Daí que o Salvador, falando a seu Pai de seus sofrimentos e morte, disse: “Que passe de mim este cálice.” O Espírito Santo descerrou o véu que encobre o futuro e revelou o Crucificado quando Noé abençoou e amaldiçoou as nações — as raças — nos seus três filhos. As portentosas movimentações da humanidade que então tiveram início têm continuado até nossos dias.

Noé, o segundo Adão, pai da humanidade, sumo sacerdote e imagem de Jesus Cristo, plantou uma vinha, espremeu as uvas e produziu vinho. Desconhecendo os seus efeitos, bebeu demais, deitou-se nu dentro da sua tenda (Gn 9, 21), uma imagem de nosso Sumo Sacerdote despojado de suas vestes, crucificado, morto na cruz. Cam, o segundo filho de Noé, zombou de seu pai tal como os judeus zombaram do Cristo agonizante. Seus dois outros filhos, Sem e Jafé, com um manto, cobriram a nudez de seu pai (Gn 9).

Erguendo-se de seu sacrifício, Noé abençoou e amaldiçoou, tal como Cristo havia de se erguer do sepulcro depois do seu sacrifício e abençoar seus seguidores com o dom do Espírito Santo, enquanto que a maldição de seu sangue permanecia sobre a nação judaica.

“Maldito seja Canaã, será servo dos servos de seus irmãos.” (Gn 9,25)

Ele não podia amaldiçoar Cam, porque Deus havia abençoado seus três filhos, e a maldição repousou sobre os filhos de Canaã. Os filhos de Cam estabeleceram-se na Palestina, que eles amaldiçoaram com o pecado de Sodoma e Gomorra. Mas as tribos de Cam se estabeleceram na África, e encontram sua vocação como escravas e serviçais servindo ao homem branco. Amaldiçoada na paixão que o pai delas escarneceu em Noé, a raça africana ama servir como escravos das outras raças. Vivendo desde então na mais profunda degradação, entre eles nunca tiveram incremento religião, literatura, invenção, gênio nem progresso. As outras raças se recusam a receber em pé de igualdade uma raça em cujas veias corre seu sangue manchado.

Palavras proféticas proferiu o Espírito Santo por intermédio de Noé sobre os filhos que o cobriram. “Bendito seja o Senhor Deus de Sem, que Canaã seja seu servo.” Assim determinou ele que o “Senhor Deus”, Jesus Cristo, nasceria da raça de Sem, os judeus. A genealogia de Cristo mostra-o como filho de Sem (Lc 3). Ele é a glória dos semitas judeus. As outras nações semíticas se estabeleceram na Ásia, onde permaneceram estagnadas, conservadoras, não progressivas, mal se aprimorando desde os patriarcas, pois não foram abençoadas com a graça da mudança.

A Jafé (“o dilatar-se” ou “o homem branco”), Noé disse: “Que Deus dilate Jafé, e que ele habite nas tendas de Sem, e Canaã seja seu servo” (Gn 9,27). No hebraico ocorre aqui, em vez de “Deus”, a palavra “Shekiná”, o Espírito Santo, que falou por intermédio de Noé e deu aos filhos de Jafé, as raças caucasianas, aquele instinto colonizador, a civilização, o progresso, o avanço, a invenção, a superioridade — a inquietude de mentes brilhantes, que através dos tempos alçou-os aos píncaros da prosperidade, da cultura e do refinamento. É por essa razão que os homens brancos são tão superiores às outras raças. Deus previu que os judeus rejeitariam Cristo, e que os homens brancos o receberiam, e assim ele os preparou para a sua missão de receberem o Evangelho e de darem continuidade à Igreja.

Antes dessa bênção, Moisés mencionou sempre esses três irmãos em ordem de idade, Sem primeiro e Jafé por último; depois da bênção, o último é citado primeiro, como líder dos demais. Deus abençoou mais tarde os judeus, por meio de Abraão, de Isaac, de Jacó e dos patriarcas, deu-lhes o instinto de ganhar dinheiro, a fim de que usassem o poder da riqueza em trabalhos missionários. Eles rejeitaram o chamado ao Cristianismo quando mataram Cristo. Mas Deus opera sem arrependimento, a bênção repousa ainda sobre eles, enquanto as raças brancas acolhem e administram a Igreja que eles recusaram.

Essa é a primeira lição que nós lemos no vinho, que Noé foi o primeiro a produzir. Seu filho Sem, chamado Melquisedec, adicionou o pão e sacrificou o pão e o vinho da Última Ceia e da Missa em Sião. Vejamos agora esse vinho dos sacrifícios patriarcais, do tabernáculo, do Templo e do Sacrifício Eucarístico.

A Palestina, que se estende das altas montanhas do Líbano, ao norte, com seus cumes quase sempre cobertos de neve, até os vales profundos do Mar Morto, 400 metros abaixo do nível do mar, desfruta de climas variados e produz os vinhos secos dos climas temperados, bem como os vinhos doces das zonas tórridas. Centenas de vezes se menciona na Bíblia a vinha ou o vinho como vicejante na Palestina.

A lei de Moisés tem regulamentações especiais. O fazendeiro hebreu estava proibido de semear qualquer outro produto na sua vinha, e não podia usar as uvas nem fazer vinho enquanto a vinha não completasse cinco anos; entretanto as viúvas, os órfãos e os estranhos que estivessem de passagem podiam comer tudo o que quisessem, mas era contra a lei levarem algo consigo. Aos sacerdotes em função no Templo, aos nazireus enquanto durasse o seu voto, aos juízes em sessão, aos essênios e aos recabitas o vinho estava proibido. Vejamos a uva e o vinho.

A uva é oriunda do Oriente, onde cresce como um arbusto que parece uma árvore nanica. Foi cultivada desde os dias de Noé, e o vinho disseminou-se por todas as nações antigas. Era de início uma planta do deserto, onde produz grandes safras quando cuidadosamente cultivada, sendo o seu fruto, na Califórnia, mais numeroso do que suas folhas. Produz madeira e folhas em climas frios, quando precisa ser sustentada com grade e estaca. Mas no seu clima de origem cresce como uma arvorezinha.

Na Palestina, especialmente no norte, as vinhas ficavam do lado setentrional dos morros, voltadas para o sul. No outono, todos os membros da família recolhiam as uvas entoando canções, salmos e cânticos, e transportavam-nas até o lagar, em geral no centro da vinha.

Numa ladeira íngreme, de pedra e cimento eles construíam o lagar e os receptáculos para as uvas, de maneira que o mosto escoasse para o receptáculo inferior, tendo cada um dos dois receptáculos cerca de um metro e oitenta de diâmetro por um metro e vinte de profundidade. No receptáculo superior, eles jogavam as uvas misturadas com as hastes, e homens descalços, por vezes nus, dançavam sobre elas até estarem todas esmagadas. Quando as uvas eram vermelhas, do tipo de que é feito o vinho tinto, eles pareciam até estar cobertos de sangue.

Seis séculos antes que ele viesse, o profeta Isaías contemplou em visão Jesus Cristo em sua agonia no Getsêmani (“o lagar de vinho”), quando, como o Bode Expiatório da humanidade, os pecados do mundo foram postos sobre ele como se ele próprio os tivesse cometido. E, dez mil vezes mais do que fazemos nós, ele corou de vergonha, até seu sangue escorrer por todos os poros, cobrindo-o de sangue coagulado rubro, e o profeta pensou que ele tivesse pisado a uva vermelha do Lagar de Vinho, o Getsêmani (Is 63, 1-6, etc.).

Quando o tonel superior ficava cheio de uvas e de hastes, aí então os homens, com samos, e canções, e gracejos, esmagavam- nas com os pés até que todas as bagas estivessem rompidas e o todo virasse uma massa de sementes, de cascas e de sumo da uva. Em seguida, deixa-se fermentando por cerca de dez dias. Tem de ser misturado com frequência, para que todas as partes entrem em contato com as cascas e hastes, que transportam o fungo fermenta- dor que flutua no ar.

Em climas quentes as uvas são dulcíssimas, já em regiões frias a uva não desenvolve tanta glicose — as primeiras produzem vinho doce, e as últimas, vinho “seco”. A fermentação dos vinhos doces cessa antes de o açúcar todo fermentar, e é por isso que têm um sabor tão doce. No vinho “seco”, todo o açúcar se transforma em álcool — daí essas duas grandes classes de vinhos, que se subdividem nas várias famílias, que trazem nomes diversos conforme o clima, os lugares onde se cultivam, a idade, o cuidado, etc.

Vamos nos aprofundar um pouco mais, porque o vinho é um dos elementos da Missa, e poucos entendem como é feito. O fungo fermentador que mencionamos se alimenta da glicose e transforma- a em álcool etílico (“nobre”), composto de carbono, 2, oxigênio, 2, e hidrogênio, 2, e quando destilado vira conhaque. O vinho da uva é, de todas as bebidas fermentadas, a mais antiga, a melhor e a mais inofensiva. O vinho nunca cria um hábito; não importa o quanto uma pessoa o beba, jamais necessitará dele. É calmante para nervos cansados, induz o sono. Daí ter sido celebrado em todas as épocas.

O açúcar das frutas, dos cereais, etc., quando fermentado produz um outro tipo de álcool, que se encontra nos licores, nas cervejas, etc., o qual age sobre os nervos, “cozinhando a clara do ovo” de modo que não consigam funcionar, e logo evolui em mania de beber. É um veneno, lento mas letal. Nos tempos modernos foram descobertas essas bebidas fermentadas, que parecem arruinar mais gente do que as guerras ou a fome. Entre as nações que bebem vinho quase nunca se vê uma pessoa embriagada. O vinho da Missa não deve ser considerado enquanto composto de seus diversos elementos químicos, mas como um fluido único, tal como um ser humano é uma pessoa, embora composto de alma e corpo, composto de muitos elementos — a alma vivente única unindo os elementos do corpo, comunicando-lhes sua vida. Assim, a forma do vinho unia em uma só coisa todas os elementos e fluidos de que ele se compõe, até ser mudado no Sangue de Cristo na Última Ceia, assim como o é hoje na Missa.

Voltemos ao mundo antigo. Depois que os hebreus tinham fermentado seu vinho no tonel superior, eles o esvaziavam em um tonel inferior, deixando as cascas, as sementes, etc., no receptáculo superior de fermentação. Aqui o vinho era deixado por um tempo, cuidadosamente coberto, até ficar ainda mais purificado pela deposição, no fundo, das matérias brutas que deixavam o sabor dele áspero e grosseiro. Em seguida era posto em grandes jarros de pedra ou de cerâmica. Na primavera e no outono ele fermentava novamente, depositando no fundo substâncias lodosas. Depois de um ano ou mais, o vinho havia se purificado e estava pronto para o uso. Vinho envenenado com drogas nunca exibe um depósito, nunca se altera. Sinal de vinho bom e saudável é um depósito escuro no fundo do recipiente.

Grandes vasilhas chamadas ânforas eram armazenadas em adegas de vinho, mas os pequenos fazendeiros, os mercadores e os pobres conservavam o vinho deles em odres feitos de pele de cabra, removida por inteiro do corpo cortando apenas em redor das patas e do pescoço, a qual depois de curtida eles amarravam com barbantes. Odres de vinho e de água feitos dessa maneira podem ser vistos hoje no México, na Palestina e no Oriente. O vinho ao fermentar exala gás carbônico ácido que estouraria esses odres, e foi por isso que Cristo disse que vinho novo deve ser posto em odres novos, mas vinho velho em odres velhos (Jó 32, 19; Mt 9,17; Mc 2,22).

As uvas doces, quando secas, são chamadas passas (2Rs 16,1; Ecl 12,40). Estas últimas, deixadas de molho n’água, produzem “vinho novo” (At 2,13). Frequentemente, em nossos dias, os judeus produzem com uvas passas o vinho para a páscoa deles, especialmente quando não estão seguros da pureza do vinho à venda no mercado. Os judeus de estrita observância não gostam de usar vinho pascal comprado de gentios ou feito por estes.

Os velhos receptáculos de vinho feitos de peles são quase tão antigos quanto o próprio vinho e são mencionados com frequência na Escritura. A Ilíada nos informa de que os serventes transportavam sobre os ombros, para os banquetes, o vinho em odres de pele de ovelha, a partir dos quais se enchiam as taças dos convivas. Heródoto escreve que o vinho era transportado de um lugar a outro em peles de cabra ou de porco. Os romanos usavam odres de couro suficientemente grandes para caber um homem dentro deles, e Pompeia exibe uma representação pictórica em mural de um saco de couro enorme, como um barco sobre um carro de vinho, enquanto dois homens esvaziam o vinho dentro de ânforas. Os políticos romanos costumavam distribuir largamente vinho à sua clientela.

Os odres de couro ainda se usam na Espanha, em Portugal, Grécia, México, etc., fazendo o elo entre a produção de vinho moderna e o passado nebuloso. A estrada que vai de Atenas até Petros serpenteia por quilômetros, atravessando os grandes vinhedos gregos que se estendem ao longo do golfo, que termina em Corinto onde começa o canal, e a cujo povo São Paulo enviou suas famosas Epístolas.

Banquetes célebres, em que o vinho jorrava como água, são citados pela história. A coroação de Ptolomeu Filadelfo superou em pompa e fausto todas as procissões de que há registro histórico. Ptolomeu queria pasmar seus súditos, para que se esquecessem dos crimes domésticos por meio dos quais ele tinha subido ao trono. Por essa razão, o festim custou mais de $ 500.000, sendo inaugurado com a figura da estrela d’alva e concluído com a do Héspero — a estrela vespertina.

O clima quente do Egito forneceu abundância de uvas e de vinho. Oitenta mil soldados — de infantaria e de cavalaria — trajando belos uniformes marcharam ao som de flautas e canções enquanto sessenta sátiros, sob a égide de Sileno, transportavam o cálice simbólico, o grande cântaro, em que os homens pisavam as uvas enchendo as ruas de mosto. Um carro de onze metros por seis metros e meio carregava um gigantesco odre de peles de leopardo com capacidade para 24.000 galões, cheio de vinho, sendo as peles reforçadas por hastes de bronze. A partir desse receptáculo colossal o populacho enchia seus jarros e bebia enquanto o carro passava.

O nome acadêmico do odre de vinho era butis, e um odre pequeno era chamado pelo diminutivo buticula, donde se originou a palavra inglesa “bottle” (“garrafa”). Um odre de couro preto chamado “blackjack” (“copo grande”, “canecão”) se usava na Inglaterra, algumas vezes sendo revestido de prata, estando aí a origem de recobrir com couro os cantis. Alguns deles tinham formato de bota, e os prisioneiros franceses diziam que “os ingleses bebiam das suas botas”.

Com o avanço das artes, os odres passaram a ser feitos de barro, de vidro, etc. Em Pompeia se acham enormes ânforas de cerâmica, grandes o bastante para conter mais de um barril utilizado por aquele povo desafortunado, para conservar vinho, azeite, etc. Esses grandes recipientes eram revestidos por dentro e por fora com piche, para evitar vazamentos e conservar salubres os líquidos. Os maiores eram feitos em covas cozidas por dentro com fogo, enquanto os menores eram feitos num torno de oleiro. Os maiores algumas vezes chegavam a conter até cem galões. Quando é que os barris redondos de madeira foram feitos, não sabemos. Nos países produtores de vinho, grandes tonéis redondos armazenam o vinho. Nas vinícolas da Califórnia, encontram-se alguns que contêm quase 100.000 galões. Formou-se um de cimento, escorado no flanco de um morro, com 500.000 galões de conteúdo, e depois que acabou realizou-se um baile no seu interior.

O sumo de uvas chamado “mosto” era bebido na vinha pelos trabalhadores. Os hebreus algumas vezes ficavam ébrios (Dt 32, 42; Sl 64, 10; Is 5, 11, 22; 28, 1; 29, 9, 29, 26; Jr 8, 14; 25, 27). O cerimonial pascal hebraico prescreve que cada comensal tem de beber quatro cálices de vinho para cumprir a lei. Algumas vezes isso era demasiado, e eles misturavam o vinho com água — quando foi que isso começou, não conseguimos determinar, mas teve início assim o costume de misturar vinho e água. Embora Maomé tenha proibido seus seguidores de tomar bebidas inebriantes, ainda assim, quando eles o fazem, misturam-nas com água, recitando uma oração como faziam os judeus.

O vinagre (“vinho negro” ou “vinho acre”) era também chamado vinho (Rt 2,14), e, mesclado com água, era bebido (Nm 6,3-4). Foi oferecido a Cristo na cruz, mas ele o recusou, porque, sendo nazireu, estava proibido pela Lei de tomá-lo (Nm 6, 3-20; Mt 27,48).

Vinho, água, azeite e fluidos os judeus conservavam em grandes vasos de cerâmica, que os romanos chamavam de ânforas, contendo por vezes o volume de um barril cheio. Depois de cheias com vinho, eram seladas com argila; estirava-se um pano sobre o gargalo das que continham azeite; quando cheias com água, porém, algumas ervas aromáticas eram salpicadas na superfície, para conservá-la doce. Mais tarde o gargalo da ânfora foi reduzido, e ela tornou-se o nosso cântaro. A água que Cristo mudou em vinho foi despejada em seis grandes ânforas.

O primeiro recipiente utilizado para beber era um simples copo ou taça, sendo adicionada mais tarde uma alça do seu lado. Uma grande taça encontrada nas ruínas de Troia, que hoje está no museu de Atenas e que pertenceu outrora a Agamenon, é de ouro sólido, maciço. Taças de vinho no formato do cálice de uma flor-de-lis podem ser vistas nos monumentos de Persépolis e outros lugares, mostrando que o cálice foi utilizado em tempos antiquíssimos (3Rs 7,26). Os árabes do nosso tempo usam vasilhas de beber feitas de cerâmica vermelha como um vaso, havendo quatro furos embaixo, no fundo de suas orlas, para que o fluido não jorre mais depressa do que se é capaz de beber. O cálice hoje utilizado na Missa tem aproximadamente o tamanho e o formato do recipiente utilizado na Última Ceia.

Na Escritura, o cálice é visto pela primeira vez como a taça de vinho dentro da qual o copeiro do Faraó espremeu uvas e deu de beber ao rei. Sem dúvida, Noé usou um cálice desses, quando ainda não sabia dos efeitos do vinho fermentado.

O cálice do Templo e da páscoa judaica, utilizado no primeiro para recolher o sangue da vítima e nesta última para conter o vinho, era chamado em hebraico kos. Na páscoa hebraica, um grande cálice, denominado gabi’a, ficava à frente do lugar do dirigente do festim, enquanto os convivas usavam o kos. Depois de cada um ter bebido seus três cálices de vinho misturado com água, o dirigente enchia novamente seu grande cálice com vinho. Então, com uma bênção sobre o jarro de água, recitava uma oração e misturava o seu vinho com água. Daí a bênção e a oração serem proferidas sobre a água na Missa, e não sobre o vinho.

O dirigente bebia então de seu grande cálice e o passava em roda para cada conviva, que dele bebia. Assim se concluía a páscoa judaica. Depois de consumido esse quarto cálice de vinho, não há mais nenhuma cerimônia, e o Talmude afirma que era proibido comer sobremesa. Foi este o cálice que Cristo consagrou em seu Sangue e deu de beber aos seus Apóstolos na noite da Última Ceia, como descreveremos mais adiante.

A exemplo da Última Ceia, na primitiva Igreja o cálice consagrado era passado em redor para que o clero dele bebesse, e o diácono levava-o para o laicado. Esse costume ainda se vê nas igrejas orientais. Nos ritos grego e russo, é dado de beber até mesmo às criancinhas de colo. Por causa dos abusos, isso foi proibido na Igreja latina, e nossa disciplina atual predominou.

Vejamos agora como era honrada a água mesclada ao vinho no cerimonial do Templo, prefigurando a água misturada com o vinho da Missa.

“Não havia um átrio em Jerusalém que não fosse iluminado pelas luzes da cerimônia da retirada e transporte da água. Homens piedosos e distintos dançavam diante do povo tendo velas acesas nas mãos, e cantavam hinos e louvores religiosos na sua frente, e os levitas acompanhavam-nos com harpas, saltérios, címbalos e inúmeros instrumentos musicais. Em cima dos quinze degraus que conduziam ao átrio das mulheres, os quais correspondiam aos quinze salmos graduais, ficavam os levitas em pé, com seus instrumentos musicais, e cantavam. Diante da porta superior que desce do átrio de Israel para o átrio das mulheres, ficavam de pé dois sacerdotes com trombetas.

“Ao primeiro canto do galo, eles soavam um toque de trombeta, depois uma nota comprida, depois outro toque. Isso repetiam eles ao chegarem ao décimo degrau, e novamente, uma terceira vez, quando entravam no átrio. Eles seguiam tocando suas trombetas pelo caminho até chegarem à porta que sai para o oriente, quando se voltavam para o ocidente com o rosto olhando para o Templo e diziam: ‘Nossos ancestrais que estiveram neste lugar voltaram as costas para o Templo do Senhor e o rosto para o oriente, pois adoravam ao sol fitando o oriente, mas nós erguemos nossos olhos para Deus. Pertencemos a Deus e erguemos os olhos para Deus.’ (Talmude babilônico, tratado Suká, 77)

“Um jarro de ouro, com capacidade para três quartilhos (logs) de volume, era enchido de água da torrente de Silo. (Hoje se chama Seilum, um vilarejo ao sul de Jerusalém). Quando chegavam com ele à porta das águas, eles tocavam um toque breve de trombeta, depois uma nota comprida e outro toque breve. O sacerdote subia então a escada do altar e se voltava para a esquerda. Ali ficavam duas bacias de prata. O rabi Judá disse que eram de gipsita, ou gesso natural, mas tinham um aspecto escuro por causa do vinho. Cada uma estava perfurada com um buraquinho no fundo como respiradouro, uma para o vinho um pouco mais larga, a outra mais estreita para a água, para que ambas pudessem ser esvaziadas de uma vez. A que ficava a oeste era usada para água, e a outra, que ficava a leste, para o vinho.” (Talmude babilônico, tratado Suká, 72).

“Quem não testemunhou o júbilo com a retirada e o transporte da água passou a vida toda sem testemunhar verdadeira exultação. Ao término da primeira solenidade do festival, eles desciam para o átrio das mulheres, onde uma grande transformação se fazia. Candelabros de ouro eram postos ali com quatro bacias no topo de cada um, e quatro escadas eram encostadas a cada candelabro, sobre as quais ficavam em pé quatro rapazes da juventude sacerdotal em formação, segurando jarros de azeite contendo cento e vinte quartilhos {logs), com os quais eles reabasteciam cada bacia.”

O Talmude diz que as donzelas hebreias costumavam promover um baile nos vinhedos, e os rapazes iam vê-las e escolher suas futuras esposas. Nunca houve festivais mais alegres em Israel do que no 15.° de abib (o dia em que Cristo foi crucificado) e no dia da expiação, pois neles as donzelas de Jerusalém costumavam sair vestidas de trajes brancos — emprestados, porém, a fim de não causar vergonha às que não tinham nenhum. A filha do rei emprestava da filha do sumo sacerdote, a filha deste último emprestava da filha do segan (o sumo sacerdote assistente), a filha do segan emprestava da filha do sacerdote ungido para a guerra (Dt 21,2), e esta por seu turno emprestava da filha de um sacerdote comum. As filhas dos israelitas comuns emprestavam umas das outras, a fim de não deixarem envergonhadas as que não tinham suas próprias roupas (Talmude babilónico, Ta’anit, IV, 80-81).

“Essas roupas deviam antes ser lavadas, e assim saíam as donzelas e dançavam nas vinhas, dizendo: ‘Rapazes, olhai bem e observai quem estais prestes a escolher como esposa, vede não só a beleza mas olhai antes para uma família virtuosa, «porque a graciosidade é enganadora, e vã é a formosura, uma mulher que teme o Senhor será louvada» (Pr 31,30).

“As belas dentre as donzelas diziam: ‘Olhai para a beleza somente, porque é só para a beleza que é feita uma mulher’. As de boa família diziam: ‘Olhai antes para uma boa família, pois as mulheres são feitas é para gerar filhos, e as de boa família produzem bons filhos’. As incultas diziam: ‘Fazei suas escolhas só pela glória do céu, mas sede provedores que nos custeiem generosamente’.” (Talmude babilónico, tratado Ta’anit (“jejuns”), perto do fim)

O Talmude diz que, a este baile nas vinhas quando terminava a fermentação do vinho feito pelos homens, pisando as uvas até ficarem vermelhos de mosto ou sumo de uva, estão relacionadas estas palavras de Salomão, que prenunciam Cristo em sua flagelação todo coberto de sangue e coroado de espinhos: “Ide, ó filhas de Sião, e vede o Rei, ‘o Pacífico’ (Salomão em hebraico é “o Pacífico), com o diadema com que sua mãe (o povo judeu) o coroou no dia das bodas dele.” (Ct 2,11).

A lei mosaica proibia que membros de tribos diferentes se casassem entre si, mas neste dia do baile a proibição ficava suspensa, diz o Talmude (Talmude babilónico, Ta’anit, IV, 91). Num baile no 15.° de abib na vinha, um dos ancestrais de Cristo, Joaquim, entrou por via de matrimônio na família de Aarão, pois aquele que havia de ser sacrificado neste 15.° dia de abib era não somente príncipe da estirpe real de Davi, como também sacerdote do Templo. Ele reunia, portanto, na sua personalidade a realeza, o sacerdócio, e unia as glórias do Templo com a dinastia dos reis hebreus.

O rabi Simeão, filho daquele Gamaliel que foi professor de São Paulo, numa Mishná do Talmude cita o seguinte, como fragmento da canção das donzelas (Migne, Cursus Comp. S. Scripture, III, 1163, sobre a poesia hebraica):

“Dançando alegres rodas, hebreias donzelas
Veem os moços felizes a escolher entre elas.
Recorda que a beleza logo perde o charme
E busca conquistar a que de valor se arme.
Ao fenecer a graça e a beleza ora em flor,
Então será louvada a que teme o Senhor.
Deus bendiz o trabalho de suas mãos, e às portas
Há de ser proclamado que a seguem suas obras.”

Vejamos agora a origem e história do óleo santo com que Cristo ungiu os apóstolos na Última Ceia, e que é empregado na administração dos Sacramentos.

Desde os tempos mais remotos provém o costume de ungir com óleo pessoas, objetos e artigos religiosos. Quando Jacó viu a escada, qual uma cruz partindo da terra até chegar ao céu, com Deus repousando em seu topo — uma visão do Crucificado —, ele erigiu em monumento a pedra que lhe servira de travesseiro “derramando óleo sobre ela” (Gn 28,18).

Quando Deus o abençoou, predizendo que raças e reis nasceriam dele, Jacó “erigiu um monumento de pedra no lugar onde Deus falou com ele, derramando sobre ela oferendas de libações, vinho e água, e derramando óleo em cima dela, e ele chamou aquele lugar de Betel (‘casa de Deus’)” (Gn 35,14-15).

Deus mandou Moisés ungir o tabernáculo juntamente com todos os seus utensílios. Com um óleo santo especial, Aarão, seus filhos e os sacerdotes da família dele foram ordenados ao sacerdócio. Com óleo Samuel ungiu Saul e Davi para serem os governantes de Israel. Todo servidor eclesiástico ou estatal — sacerdote, levita, rabino ou juiz — era empossado em seu cargo mediante imposição de mãos e unção com óleo, no tempo de Cristo.

Esses servidores prefiguravam o Messias, o Cristo (“o Ungido”), Jesus (“Jehová Salvará”), a “Esperança de Israel, o Desejado das nações”, que havia de vir e edificar um império de religião difundido pela terra inteira.

Desde muito antes dos tempos históricos foram usados óleos, unguentos, pomadas ou compostos aromáticos para untar ou ungir o corpo (Migne, Cursus Comp., III, 1131; Edersheim, Sketches, 47; Life of Christ, I, 565, 566), embelezar a compleição e sanar máculas. Mas estes diferiam do composto santo que Moisés preparou por ordem de Deus.

O óleo sagrado do Templo era composto de mirra, cinamomo, cássia e azeite de oliva misturados de maneira mística. Com ele eram ungidos o sacerdote, o rei e toda a mobília do Templo. Em grego, essa mistura era chamada crisma, da palavra chrio (“ungir”), prenunciando o Salvador, em grego o Cristo e em hebraico o Messias, “o Ungido” não com óleo, mas com os septiformes dons do Espírito Santo (Is 2,2).

Esse composto santo era de tal maneira sagrado que eles estavam proibidos de usá-lo salvo do modo determinado na lei, e aquele que o entregasse ao estrangeiro seria morto (Ex 30,33). Cento e oitenta vezes vem mencionado no Antigo Testamento. Vejamos os componentes desse crisma (Migne, Cursus Comp., II, 1341).

A mirra, em hebraico mor, encontrada onze vezes no Antigo Testamento, foi um dos presentes que os sumos sacerdotes persas ofereceram a Cristo, para prenunciar a morte dele (Mt 2,11), como nos indica seu nome grego, smyrna. A profecia se cumpriu quando os soldados lhe ofereceram, na cruz, vinho misturado com mirra (Mc 15,23), e quando esta foi usada para embalsamar o seu corpo (Jo 19,39). Heródoto escreve que os egípcios, ao embalsamar, costumavam preencher o abdômen dos mortos com mirra (Eutérpio, II, 86).

Segundo Heródoto (III, 107; Dioscórides, I, 77; Teofrasto, IX, 4, Sec. 1; Deodoro, II, 49; Estrabão, Plinio, etc), a árvore que produz mirra, tanto a selvagem quanto a cultivada, cresce na Arábia. No Egito era chamada bal, em sânscrito bola, na Índia bol, na Arábia mirra; o que mostra quão antigo era o uso da mirra.

Os viajantes que percorreram a Arábia descrevem a resina que exsude da casca do Balsamodendron myrrha, árvore baixa e espinhosa, de aspecto andrajoso com folhas trifoliadas luzentes, semelhante a uma acácia do deserto. A árvore é aparentada às plantas do gênero Citrus por um lado, e aos abetos vermelhos por outro.

A dúctil resina amarela transpira da casca especialmente quando esta é magoada, e aí então fica seca e vermelho-escura, bege ou marrom, conforme a idade. Tem um odor aromático, dissolve-se facilmente em álcool e pode ser triturada n’água. Desde os tempos mais remotos foi usada internamente como remédio, e externamente para males de pele, chagas e úlceras. Pulverizada e misturada com vinho, tornava-se soporífico, amortecia a dor e era dada aos criminosos que estavam para ser executados, para mitigar suas dores. Foi por essa razão que os soldados ofereceram-na a Cristo, que a recusou porque não queria amainar seus sofrimentos com nenhum anestésico, e porque era nazireu, e o vinho lhe estava proibido.

O bálsamo (“resina medicinal”), ou, conforme o hebraico, tsori (“óleo régio”), era um dos artigos que a caravana ismaelita trazia ao Egito, quando os irmãos de José venderam-no para eles (Gn 37,25). Jacó enviou um presente de bálsamo, estoraque, mirra, aguarrás, etc., a José, primeiro-ministro do Egito, sem saber que era o seu filho (GN 42,11). Este bálsamo se cultivava em Galaad, e era usado como remédio pelos hebreus. Jeremias, predizendo as calamidades que cairão sobre os judeus, pergunta:

“Não há bálsamo em Galaad, ou não há lá um médico? Por que, então, a ferida da minha filha não fecha?” (Jr 8,22; 46,11; Ecl 24,20; Ez 27,17)

Este bálsamo, usado como remédio, foi introduzido no Egito, em Tiro e ao longo das costas do Mar Mediterrâneo. Lutero traduziu a palavra como “pomada”, “unguento”, “mástique”. Os rabinos judeus Júnio e Tremélio usam a palavra “bálsamo” e dizem que seu equivalente hebraico, a palavra tsori, significa a árvore chamada lentisco, cujo nome botânico é Pistacia lentiscus. Outros sustentam que se trata da Amyris opobalsamum — a opobalsameira ou bálsamo-de-meca. O Dr. Hooker identifica-a com a Balanites, que ele viu crescer em Jericó (Edersheim, Life of Christ, II, p. 35).

Quando na primavera de 1903 o autor visitou Jericó, hoje um vilarejo com quatro hotéis, viu esse arbusto crescendo nos jardins irrigados pelas águas do grande rio que, vindo mais do alto a oeste, irrompia do deserto debaixo da Montanha da Quaresma, onde Cristo jejuou ao longo de quarenta dias. Também se observa ali o Rhamnus, um pequeno arbusto coberto de espinhos compridos e afiados, com que fizeram para Cristo a coroa espinhosa.

No deserto ao redor do Mar Morto e descendo pela Arábia, cresce a Balanites Egyptiaca, um arbusto baixo e verdejante com numerosos ramos e umas poucas folhas pequenas. Essas plantas desérticas têm uma goma resinosa em lugar de seiva, como as plantas desérticas do oeste norte-americano. Essa planta era cultivada na Palestina em Jericó (“fragrante”), em Engadi (“a fonte caprina”), nas ribanceiras a oeste do Mar Morto, nos desertos da Arábia, mas especialmente em redor de Meca e de Medina.

A madeira e as folhas estão cheias de bálsamo. As flores têm um doce perfume, o fruto é como uma pequena noz não amadurecida, revestida de casca seca, mas cheia de um fluido espesso como mel, com sabor ardido e amargo. Os árabes recolhem essas castanhas, trituram-nas num pilão e põem a polpa em água fervente. Quando o óleo vem à tona, é removido e utilizado internamente contra doenças, e externamente para tratar feridas e problemas cutâneos. Esse é o melhor e mais puro bálsamo.

Durante a estação do verão, eles cortam a casca do arbusto com vidro ou com pedra, porque as facas de aço matam a planta. A resina branca transpira, logo em seguida fica verde, depois amarelo-âmbar, e finalmente se torna como mel solidificado. Tem um aroma forte, mas agradável, e um sabor amargo e adstringente. Quando queimada, seu cheiro é admiravelmente suave e penetrante, enchendo o lugar todo com o seu agradável perfume. É a base do incenso empregado nas funções da Igreja.

Essas “especiarias seletas e principais” (Ex 30,23) — como São Jerônimo diz ser o sentido, nas versões caldaica e septuaginta da Bíblia —, destiladas com toda a ciência então conhecida e mescladas a óleo de oliva, formavam o crisma, com que eram ungidos no tempo de Moisés todos os ministros, o tabernáculo e seu mobiliário.

O sacerdócio do Templo da época de Cristo era considerado pelo povo como inferior em dignidade aos sacerdotes do tempo de Davi e Salomão. Os rabinos da sinagoga eram tidos por alguns em mais alta estima do que os sacerdotes do Templo. O segundo Templo não possuía o frasco do santo crisma que havia sido transmitido dos dias de Aarão para o Templo de Salomão, pois Jeremias escondera a arca numa caverna no monte Nebo, onde falecera Moisés, a qual eles não conseguiram encontrar (2Mc 2,4). Os sacerdotes eram reservados para seu ministério mediante sua vestição nos trajes sacerdotais e a imposição de mãos sobre sua cabeça — eles alegavam que a unção de seus pais com óleo santo, no primeiro Templo, era suficiente para seus filhos no sacerdócio (Geikie, Life of Christ, I, 81).

Os médicos judeus costumavam ungir os enfermos com óleo de oliva misturado com vinho. O rabi Simeão ben Eliezer diz:

“Rabi Meir permitia a mescla de vinho com óleo e a unção dos doentes com isto no shabat. Quando, porém, ele adoeceu, certa vez, e quisemos fazer o mesmo com ele, ele não quis deixar.” (Talmude, em Hor. Heb., II, 415)

Eles ungiam a cabeça contra enxaqueca (Plinio, 23,38) e usam ainda óleo no Oriente contra furúnculos ou tumores, etc (Russeger’s Travels, I, 247). Vemos que quando São Tiago (5,13-15) transmitiu a doutrina do sacramento da extrema-unção, a unção dos enfermos não era desconhecida dos primeiros cristãos convertidos do judaísmo.

Depois de impor as mãos sobre a cabeça do sumo sacerdote a ser sagrado, conforme descrevemos, eles derramavam o santo crisma sobre a cabeça dele, que ia usar a mitra aarônica. Os reis-sacerdotes macabeus tinham feito a mitra na forma de uma tiara com coroa tripla, da qual se originou a tiara do Papa. Eles derramavam o óleo santo sobre a cabeça dele de maneira que o óleo descesse escorrendo pela barba, para honrar este sinal de virilidade, que eles incensavam na páscoa judaica (Sl 132,2). Desse cerimonial nos foi legado o rito de ungir a cabeça do bispo ao ser sagrado.

A primeira bênção dada por Deus à humanidade foi sobre o matrimônio (Gn 1,28). Depois os patriarcas abençoavam mediante imposição de mãos. Mais tarde, óleo e crisma foram adicionados à imposição das mãos, para significar mais claramente o Espírito Santo sobre Cristo. O sacerdote, o levita, o rei, o profeta, o juiz sinedrita e o rabi eram assim ordenados, separados ou investidos em seus ofícios.

Em sua última enfermidade, Jacó impôs as mãos sobre a cabeça de seus dois netos, com suas mãos formando uma cruz (Gn 48,13). Moisés, estendendo as mãos sobre o Egito, provocou sinais e pragas que forçaram o orgulhoso Faraó a deixar os hebreus partirem. A imposição das mãos por meio da qual se outorga poder espiritual se celebrava na ordenação dos sacerdotes do Templo.

Nos dias de Davi, haviam descendido de Eleazar, filho de Aarão, dezesseis classes de sacerdotes (Nm 26,60), e de seu irmão Itamar oito famílias vieram. A esses Davi dividiu nas vinte e quatro “classes” do Templo. Dessas famílias eram escolhidos, com o maior cuidado, os sacerdotes, a fim de que o o rapaz não tivesse nenhum defeito físico ou deficiência mental.

O jovem candidato, escolhido no seu trigésimo ano de idade, depois de ter se banhado, de ter tido a cabeça raspada e de ter sido ungido com óleo de oliva, trazia seus dois bodes para o Templo e ficava de pé diante do Santo, tendo dois bolos de pão ázimo. O sumo sacerdote aspergia-o com água. Ele se prostrava no chão diante da Shekiná de seus pais, com o rosto contra o solo. Três vezes ele faz a prostração. Foi por essa razão que Cristo se prostrou no Horto, antes de oferecer seu sacrifício da Cruz. É por isso que o clero se prostra durante a cerimônia de ordenação em nossas igrejas.

O jovem sacerdote se ergue até ficar de joelhos, cruza os braços sobre o peito, e os sacerdotes do Templo impõem as mãos sobre ele, com seus braços entrecruzados como Jacó ao abençoar os filhos de José (Gn 48,13). Ele põe os pecados dele sobre os dois bodes, que são sacrificados pelos sacerdotes e têm o sangue salpicado por estes sobre as córnuas do altar, para prefigurar a cruz. Eles levam a carne a ser queimada para fora dos muros, para prenunciar Cristo sacrificado e sepultado fora de Jerusalém (Ex 29,10-14; Lv 8,2.3.11.17).

Eles põem o sangue das vítimas na orelha direita do jovem sacerdote e no seu polegar direito da mão e do pé. Misturam o sangue, para manifestar as duas naturezas de Cristo, e com ele aspergem-no e às suas vestes (Lv 4,3.5.16; 6,15; Sl 132,2). Eles o ungem na cabeça com o santo crisma e põem nas mãos dele a carne do sacrifício, pingando sangue, e bolos de pão ázimo (Ex 29,19-34; Lv 8,32-36, etc).

Ao jovem levita, eles entregavam os emblemas do seu ministério, os vasos sacrificais e as chaves das portas do Templo. Estas últimas ele punha toda noite em cima de um estandarte de pedra na beit ha-Moked, onde dormia um sacerdote. É por essas razões que as chaves, o cálice, etc., são entregues para os candidatos a ordens menores e ao subdiaconato ao receberem eles essas ordens.

O Senhor foi ungido de maneira invisível pelo Espírito Santo, com seus dons septiformes (Is 11, 1, etc). Mas terá sido, porventura, ungido com óleo como eram ungidos o rei, o sacerdote, o rabi e o juiz que, quanto ao cerimonial e ofício, o prefiguravam? Ele foi, sim, ungido dessa maneira visibilíssima, e ungiu seus apóstolos de igual maneira na Última Ceia, quando sagrou-os bispos.

Nas férteis margens ocidentais do mar da Galileia, tão ricas que aquela localidade é chamada de “úbere da terra”, num lugar onde se erguia então uma antiga torre de vigia, chamada Migdol-El (“torre de Deus”), ao redor da qual se estendiam campos férteis onde se cultivava o trigo com que era feito o pão da proposição para o Templo, nasceram de uma rica família judaica Lázaro, Marta e Maria, esta última mais tarde sendo chamada a Madalena, de Magdala, o nome grego da torre.

Ela casou-se com um fariseu estrito, Pafus, que dela se divorciou por causa de adultério com um soldado, Pandira, e com este último ela passou a residir na cidade vizinha, que Herodes tinha construído no terreno de um antigo cemitério nas margens daquele lago, a mais de duzentos metros abaixo do nível do mar, a qual ele chamou de Tiberíades, em homenagem ao imperador romano então reinante. Ali vivia ela em pecado com soldados da guarnição, até que, como a mulher pega em adultério, foi trazida perante Cristo, que dela expulsou sete demônios e lhe disse para não voltar a pecar (Talmude; João VIII, 3, 4).

Curada e arrependida ela voltou para casa, em Betânia, e ali morou com seu irmão e sua irmã. Quando o shabat anterior à Paixão chegou ao fim com o pôr do sol, Simão deu um banquete em honra de Cristo na sua casa, poucos quarteirões a oeste da casa de Lázaro. Assim como os outros convidados, o Senhor reclinou-se à mesa, no divã, com os pés estendidos, como era costume nos banquetes. Maria Madalena aproximou-se para ungi-lo. Com que tipo de óleo?

O espicanardo de azeite de oliva misturado com vários perfumes raros se achava à venda, em cidades do Império Romano, dentro de valiosos frascos de alabastro entalhado, mas a um preço tal que apenas membros das famílias reais e pessoas ricas podiam comprá-lo. Maria sendo de família rica e nobre, dizem alguns autores que de estirpe real, comprou uma “caixa” contendo cerca de meio quilo desse óleo e foi até os pés de Jesus, que ela primeiro lavou com lágrimas amargas pelos pecados seus e enxugou com o cabelo solto, sinal da meretriz entre os hebreus.

Os fariseus estritos viram um problema aí, porque a conheciam. Judas queixou-se do preço (Lc 7,36-46). Cristo repreendeu-os, porque eles não ungiram a cabeça dele como era o costume em banquetes formais (Lc 7,46), enquanto Maria derramou o óleo precioso sobre a sua cabeça (Mc 14,3), e a casa toda ficou impregnada do odor do perfume (Jo 12,3).

Desse modo, assim como o sacerdote, e o rei, e o rabi, e o juiz em Israel eram ungidos (Migne, Cursus Completus, S. Scripture, III, 923-924), assim também foi ungido o Senhor, pela mulher que era uma grande pecadora. E Jesus disse: “Deixai-a em paz, que ela o guarde para o dia do meu sepultamento.” Elas prepararam o corpo do Senhor para a sepultura fazendo uso de especiarias: mirra, aloé, balsamodendro, resina de aquilégia, agáloco e perfumes, e esta preparação os gregos chamavam de migma, e os judeus de chanat ou chunetto, que significa tornar-se “vermelho como couro curtido”.

Durante as festas de Israel, especialmente na páscoa israelita, a sala era perfumada com mirra, aloés e cinamomo (Pr 7,10-17). Derramavam-se óleos preciosos sobre a cabeça dos convivas. A unção dos comensais nesses banquetes tornou-se um abuso tamanho, nos dias dos profetas, que Amós recriminou-os (Am 6,4.5.6.7). Vinte e sete vezes no Antigo e catorze vezes no Novo Testamento o óleo de unção é encontrado.

Desde os tempos apostólicos e através dos séculos, em todas as liturgias o bispo consagra os óleos santos na Missa da Quinta- Feira Santa. Nos ritos grego e aparentados, o óleo é misturado com trinta e dois perfumes. O bispo é acolitado por clero subalterno ou coroinhas, sete subdiáconos, sete diáconos e doze sacerdotes. Com base nos costumes judaicos, nos ritos orientais e na Igreja Romana, que não se altera, somos forçados a concluir que Cristo sagrou os óleos na Última Ceia. Não há outro meio de explicar esse rito, tão antigo e universal.

“E o Senhor disse a Moisés: Toma aromas: estacte, e ônica, gálbano de bom cheiro, incenso lucidíssimo, tudo em peso igual (Ex 30,34), e farás um incenso composto segundo a arte do perfumista.” Era dessa maneira que eles faziam o incenso, mencionado setenta e três vezes na Bíblia. Vejamos os ingredientes que entravam na sua composição (Geikie, Life of Christ, I, 91; Migne, II, 869).

O estacte, ou estoraque, é uma substância líquida, resinosa, gordurosa, muito odorífera, da mesma natureza da mirra líquida, e de alto valor. Vem da árvore officinale, da família de plantas Styrax, aparentada aos bálsamos canadense, peruano e de Meca. Pertence à mesma família dos abetos vermelhos balsâmicos dos Estados Unidos da América, e se parece com eles. Essa árvore cresce na Arábia e na Ásia Menor. Esse bálsamo tem grande saída de Trieste e dos portos do Oriente. Tem odor de baunilha, e é de parentesco bem próximo do benjoim. Era uma das especiarias que a caravana ismaelita transportava ao Egito quando compraram José (Gn 37,25), e é traduzida na Bíblia como mirra.

A ônica ou ônix é um produto da Índia, como diz Dioscórides. Exala (Lib. II, c. 8) um perfume forte e doce e, quando queimada, preenche todo o edifício com uma delicada fragrância.

A cássia, ou stacta (“uma gota”), em hebraico kidah (“rachar”, “rasgar ao comprido”), é produto de um junco que cresce em águas rasas. Em duas ocasiões Heródoto emprega a palavra, e diz que os árabes colhem-na em lagos rasos (Heródoto, II, 86; III, 110).

Dioscórides menciona diversos tipos de cássia e escreve que são produzidas na “Arábia perfumosa”. Uma espécie sua, conhecida pelo nome de mosyletis, ou mosylos, é assim chamada por causa da antiga cidade de Mosyllon, na costa da África, perto da atual cidade de Cabo Guardafui, donde proveio ela, originalmente. Muito já se escreveu sobre essa planta e seus produtos, acarretando confusão considerável.

A planta pertence à família das leguminosas, é aparentada à sene e assemelha-se ao amentilho, também conhecido como “cauda-de-gato”. Cresce em lugares úmidos e assemelha-se ao cálamo. A raiz é aromática, com sabor agradável e delicado perfume. Desde tempos remotos se usa como catártico, mas a espécie chamada fístula fornece remédio.

O cinamomo, mencionado cinco vezes na Bíblia, vem de uma árvore natural do Ceilão. O tronco produz um óleo com forte perfume e se usava como remédio. Esse óleo é fortíssimo. Deus mandou Moisés só utilizá-lo na metade da quantia de mirra utilizada. Desde antes dos tempos históricos as caravanas da Índia já traziam todos os tipos de perfumes e de especiarias para o oeste da Ásia, para o Egito e para a Europa (Gn 37,25).

O cálamo Acorus calamus, chamado aqui nos E.U.A. de “sweet-flag”, mencionado oito vezes no Antigo Testamento, é “a cana rachada que estava predito que Cristo não quebraria” (Is 42,3). Cresce em lugares pantanosos, tem raízes aromáticas e, magoado, produz o cálamo que se encontra no comércio. Na idade média, o piso das catedrais e das igrejas era espargido de cálamos, e com eles se teciam esteiras, capachos e tapetes. O cálamo tem um forte sabor aromático, é ligeiramente acre e, desde os primórdios, tem sido usado como estimulante e contra indigestão. É ainda misturado com açúcar-cande e usado pelos perfumadores.

O gálbano é uma goma resinosa da árvore Ferula, pertencente à espécie de plantas umbellifera, que cresce na Índia e no Oriente. Sua resina escoa lentamente como gotas azuis ou de um marrom amarelado, ou ainda como gotas brancas como lágrimas. Na época de Moisés, era utilizado como remédio, internamente como estimulante e externamente como pomada. Quando queimado, produz um odor pungente e agradável.

O puro incenso, chamado pela medicina de olibanum, é uma goma resinosa produzida pela Boswellia serrata da Índia e do Oriente. É hoje trazido de navio de Calcutá em massas arredondadas, ou gotas, de uma pálida cor amarelecida. Seus grãos são translúcidos, mas recobertos de um polvilho embranquecido causado pela fricção. Tem um sabor amargo picante e amolece quando mastigado. Queima com odor fragrante. Maimônides diz que era utilizado como incenso no Templo para ocultar o cheiro da carne sacrificada.

Mencionados trinta e quatro vezes no Antigo Testamento, formavam estes, quando misturados, o incenso empregado no tabernáculo e no Templo. Têm sido usados nas igrejas cristãs desde o tempo dos Apóstolos.

A fumaça do incenso evolando-se até diante do Senhor, no Templo durante a páscoa judaica e na Igreja, era tipo figurativo das orações de Cristo e de seus santos, oferecidas diante do Pai Eterno.

“O incenso moído até virar pó finíssimo é como nossas boas obras, moídas em nosso coração como num pilão.” (S. Gregório, in fine, I Moral)

“O incenso nós fazemos com essências aromáticas, que queimamos em oferenda sacrifical no altar, exprimindo exteriormente uma multidão de obras de virtude.” (S. Gregório, Lib. Moral., 39)

“O incenso é o corpo santificado pela temperança, uma rédea para a razão e em nosso corpo formado dos quatro elementos. O estacte, ou estoraque, relacionava-se com a água. A ônica, ou ônix, figurava tipicamente a terra ressequida nos lugares desertos, isto é, a humanidade sem a graça; o gálbano queimando com fogo, o sol escorchante aridificando o deserto.” (S. Basílio, in Isaias, c. I)

“E foi-lhe dado muito incenso das orações dos santos, para ele oferecer sobre o altar de ouro, que está diante do trono de Deus.” (Ap 8,3). “E frascos de ouro cheios de odores que são as orações dos santos.” (Ap 5,8)

O incenso do Templo era preparado com os quatro ingredientes mencionados (Ex 30,34), junto aos quais, dizem os rabinos, se adicionavam sete outras substâncias e, em menor quantidade, a erva “ambaró” para fazê-lo exalar uma fumaça densa — 167 quilos dessa mistura sendo feitos de uma vez, e 227 gramas utilizadas nos serviços matutino e vespertino. A fórmula da mistura desse incenso era um segredo da família Abtinas.

Enquanto o cordeiro era abatido, eles tocavam o magrefah, e os sacerdotes e levitas corriam até seus postos, para o seu ministério da música sacra. O sacerdote escalado para queimar incenso no Santo, o qual só uma vez na vida podia oficiar ali, com o turíbulo de ouro pendurado em suas correntes sobe até o grande altar dos holo¬caustos, enche-o de carvões em brasa e pega mais brasas acesas numa travessa de ouro, tendo de cada lado seu um assistente, como o diácono e o subdiácono junto ao sacerdote que sobe ao nosso altar; revestidos de vestes magníficas, eles sobem lentamente os degraus de mármore até ao Santo, e penetram detrás do véu.

O sacerdote escolhido por “sortes” para essa função, a mais sagrada cerimônia do Templo depois da do sumo sacerdote no dia da expiação, juntamente com seus dois ministros — um de cada lado seu, tal como o diácono e o subdiácono em Missas solenes — entram no Santo, onde espalham reverentemente sobre o altar de ouro as brasas acesas, espargem-nas no turíbulo, e os dois ministros se retiram, deixando o sacerdote sozinho no santuário sagrado do Senhor dos exércitos (Edersheim, Life of Christ, I, 137, 138; Geikie, Life of Christ, I, 91, 92, 210, etc).

O sacerdote solitário, imagem do Sacerdote da humanidade, Jesus Cristo, a oferecer enquanto esteve na terra orações ao seu Pai celeste antes de sua morte, balança o turíbulo três vezes para oeste, sobre o altar fumegante, na direção do Santo dos Santos, morada da Shekiná, o Espírito Santo, e depois sobre cada lado do altar, e nas duas pontas deste, cada movimento tendo sentido místico, dizendo:

“Que a minha oração seja encaminhada como incenso à tua vista,
E a elevação de minhas mãos, como sacrifício vespertino.
Põe uma guarda, ó Senhor, à minha boca,
E uma porta em redor de meus lábios.
Não inclines meu coração às palavras de maldade
Para inventar pretextos para os pecados.” (Sl 140,2-4)

O sacerdote judeu assim rezava sozinho no Santo dos Santos, e ninguém por ele rezava, pois ele figurava Jesus Cristo, que não carece de orações, porque não tem pecado (1Rs 2,25), como diz Santo Agostinho:

“Ele é o Senhor Jesus Cristo, o único Sacerdote e o único Mediador entre Deus e os homens.” (S. Agostinho, Enar. II in Ps. XXXVI; Ser. II, n. xx)

Sobre aquele altar de ouro, no interior de paredes douradas do Santo — imagem do santuário de nossa Igreja, desde o qual Cristo, por intermédio de seus sacerdotes, oferece o Sacrifício Eucarístico —, só se oferecia incenso queimado, os animais sendo sacrificados do lado de fora, no átrio dos sacerdotes, porque Cristo não é imolado agora em nossa Igreja de modo doloroso e cruento, como o foi pelo sacerdócio judaico naquela fatal Sexta-Feira. Contudo, no dia da expiação, o sumo sacerdote tingia com o vermelho do sangue das vítimas as córnuas daquele altar de ouro, para prefigurar que o sacrifício do Calvário e da Missa são idênticos.

Vamos descrever agora uma cena que teve lugar no Santo quando a Igreja judaica estava prestes a fazer o trânsito para as glórias da Igreja Católica.

Na manhãzinha de 24 de setembro, seis meses antes de Gabriel (“Deus é poderoso”) aparecer na santa casa de Nazaré, à Virgem esposada a José, para anunciar a Encarnação, as “sortes” lançadas pelo superintendente do Templo caíram em Zacarias (“Jehová é renomado”), filho daquele Baraquias que Cristo disse que os judeus mataram entre o altar e o Templo (Mt 23,35; Lc 11,51). Pela primeira e última vez, ele devia queimar em oblação aquele incenso sagrado. Ele pertencia à classe abia (“a oitava”, das vinte e quatro divisões dos sacerdotes). Ele desposara Isabel (“Deus da aliança”); sua casa ficava cerca de seis quilômetros e meio a noroeste de Jerusalém, no fundo do vale na lateral da colina voltada para o norte, logo que se passa o hoje chamado vilarejo de São João.

Os dois eram velhos e não tinham filhos, uma grande desgraça naqueles dias, em que todas as mães esperavam e rezavam que dessem à luz o tão longamente esperado Salvador. Zacarias tinha acabado de voltar de um retiro de três meses passado com os essênios, na casa destes edificada debaixo do rochedo íngreme do lado norte da ribanceira a cerca de um quilômetro e meio de subida de Jericó, no flanco da Montanha da Quaresma, onde mais tarde Cristo jejuou. Ali tinha ele passado seus dias rezando por um herdeiro. Ele retornara à cidade, pois era o tempo de a classe abia, que era a sua, entrar em função no Templo.

De manhã bem cedo, da torre no cimo do monte das Oliveiras, os sacerdotes anunciaram que o sol tinha iluminado os sepulcros dos patriarcas em Hebron, e depois, que o sol estava subindo sobre o monte Nebo, onde repousava o corpo de Moisés. O sumo sacerdote ordenou que o cordeiro fosse trazido da câmara da beit ha-Moked, onde o tinham mantido por quatro dias; outros trazem os vasos de ouro e de prata, em número de noventa e três, examinam o cordeiro uma vez mais, à cata de defeitos, regam-no com uma taça de ouro — tudo isso para prefigurar que não haveria nenhuma mácula de pecado em Cristo, e também para prenunciar o vinagre e o fel que deram de beber Àquele que a corte judaica tinha condenado à morte quatro dias antes da fatídica Sexta-Feira da Crucificação. Eles prendem o cordeiro à segunda fileira de ganchos na coluna a norte do altar, suas patas amarradas com um cordão de modo a formarem uma cruz, sua cabeça para o sul com a face voltada para oeste, pois assim ficou o rosto de Cristo quando ele foi sacrificado. Dá-se o sinal para abrir as grandes portas, com três toques das trombetas de prata que tinham substituído as trompas de chifre de carneiro do tabernáculo, e vastas multidões de gente enchem os átrios. O cordeiro é imolado, seu sangue é colocado sobre as córnuas do altar exterior, traçando sobre este uma cruz, e o sacerdote Zacarias estava pronto para queimar o incenso cotidiano no Santo. Ele representava o Cristo profetizado, que havia de se oferecer a si mesmo em sacrifício, uma vez por todas, em reparação pela iniquidade da raça humana.

Zacarias, revestido de majestosos paramentos, subiu a passagem inclinada que ficava do lado sul do grande altar, segurando com a mão direita o turíbulo com suas três correntes. Removeu as brasas, raspando-as para dentro de uma travessa de ouro chamada teni, colocou-as no turíbulo e desceu. Enquanto assim fazia ele, seus dois assistentes preparavam as lâmpadas do grande candelabro de ouro, derramavam em cada uma óleo de oliva, arrumavam as mechas feitas de paramentos gastos e as acendiam. Mas a lâmpada central, que ficava voltada para o Santo dos Santos, só podia ser acesa tomando do fogo perpétuo sobre o altar dos holocaustos.

O grande órgão, o magrefah, deu início à música, os sacerdotes e os levitas foram assumindo seus postos — os primeiros, nos degraus que levam ao Santo, e os segundos, nos degraus da porta de Nicanor —, enquanto Zacarias e seus dois assistentes sobem os degraus precedidos dos dois sacerdotes, que tinham arrumado o altar de ouro e o castiçal, removido os vasos de seu ministério e retornado. Um dos assistentes espalhou sobre o altar as brasas acesas, o outro preparou o incenso, e então todos se retiraram, deixando Zacarias sozinho no interior daquele santuário diante do altar, a espelhar antecipadamente o sacerdote em pé diante de nosso altar oficiando a Missa com suas orações, cerimônias e incenso.

Ao sinal dado pelo sumo sacerdote do lado de fora, caiu um profundo silêncio na vasta multidão de sacerdotes e de levitas, enquanto o povo se prostrava, caindo sobre o rosto e inclinando o corpo até ao pavimento. Zacarias espargiu o incenso sobre as brasas ardentes, e a fumaça elevou-se até diante do Senhor dos exércitos, profetizando as orações e os sacrifícios de Jesus e de seus santos (Ap 8,1-4).

Assim Zacarias queimou em oblação o incenso (Lc 1,5-23), santíssima e soleníssima função do Templo (Edersheim, Temple, 133-139). “Quando, pois,” diz Santo Agostinho, “o padre sacerdote, trêmulo, estava de pé ante o divino altar, o anjo Gabriel rasgando o ar de súbito pôs-se ao lado dele, que tremia agora por contemplar aquela visão, em pé, à direita do altar do incenso.” “E, quando Zacarias o viu, ficou perturbado, e o medo se abateu sobre ele. Mas disse-lhe o anjo: ‘Não temas, Zacarias, porque a tua oração foi ouvida, e tua esposa Isabel te parirá um filho, e pôr-lhe-ás o nome de João. E terás alegria e contentamento, e muitos se alegrarão com o nascimento dele’.” (Lc 1,12.13.14). O anjo chamou-o de João (“o piedoso”).

Conta-nos Santo Agostinho que Zacarias era um velho definhado, murcho, e foi por essa razão que não acreditou nas palavras de Gabriel (“Deus é forte”), o qual, em toda a história judaica, esteve a serviço de Deus para confortar os hebreus com revelações da Encarnação (S. Agostinho, Sermo lX in Nat. Joan. Bap., I, n. IX; Dutripon, Con. S. Scripture; Smith, Diet., verbetes “Gabriel”, “João Batista”, etc).

Assim, no Santo — o santuário dourado, com seu altar de ouro maciço, prenunciador do santuário de nossas igrejas — foi revelado o nascimento de João Batista, o último dos grandes homens do Antigo Testamento e o primeiro evangelizador do Novo Testamento. Ele foi, disse Cristo, o maior dos homens nascidos de mulher (Lc 7,28), profeta, sacerdote, pregador, rabi e mártir, que assim como os grandes homens dos tempos antigos preparou o caminho para Cristo, pregou o perdão dos pecados e batizou o Senhor.

Quando Herodes matou as criancinhas de Belém, toda a Judeia ficou em comoção, de temor por seus filhinhos, e esconderam João numa caverna, que eles mostram atualmente debaixo da casa onde moraram seus pais. Quando João tinha doze anos, eles o levaram ao Templo, os sacerdotes impuseram as mãos sobre ele revestidos de talit e o confirmaram, cerimônia esta que o admitia às fileiras dos homens. Então ele se retirou para o deserto a oeste de sua casa, onde viveu de gafanhotos e de mel selvagem como eremita, em vigílias, orações e jejuns, vestindo um único traje de pelo de camelo.

Aos trinta anos, João emergiu da solidão de seu ermo para pregar. Como era costume dos rabis daquela época, reuniu doze discípulos à sua volta — sendo um deles aquele Simão que quis comprar com dinheiro o Espírito Santo e que mais tarde fez oposição a Pedro em suas viagens e em Roma. Às margens do Jordão ele veio na forma e no espírito de Elias, que séculos antes, daquele mesmíssimo lugar, se elevara ao céu na carruagem de fogo do Senhor.

Antes de dar início ao seu ministério público, aos trinta anos de idade, Jesus foi até João, em Gálgala (“o círculo”), onde os hebreus atravessaram para tomar posse da Terra Prometida e onde Josué construiu o monumento de doze pedras em memória do milagre das águas, que corriam para o sul em direção ao Mar Morto, as quais retrocederam para deixá-los atravessar.

Ali onde o rio corre em volta formando um meio círculo, em meio aos tamarindos que se enfileiram nas suas encostas desertas, Jesus passou através das multidões e desceu, entrando nas águas. João batizou-o e disse aos seus discípulos que era este o “Cordeiro de Deus que ia tirar os pecados do mundo” (1Jo 1,29), e os discípulos de João seguiram a partir de então o Senhor e se tornaram os apóstolos.

João continuou ainda a pregar. Certo dia, Herodes Agripa, de passagem da sua capital, Tiberíades, que se aninha nas margens ocidentais da Galileia, seguindo seu caminho rumo à sua casa de inverno, a leste do Mar Morto, passou por onde João pregava. Ele seduzira a esposa de seu meio-irmão Filipe, que naquele tempo vivia reformado em Jerusalém; divorciara-se de sua própria esposa, filha de Aretas, rei árabe; e vivia então com aquela mulher vil, Herodíades, em adultério.

Diante da multidão, João disse que ia contra a lei de Moisés coabitar com a mulher do próprio irmão. Espicaçado diante do povo até à medula, Herodes mandou que o prendessem e o levassem à fortaleza Macário, que lhe pertencia e que Josefo descreve tão pormenorizadamente como tendo sido construída no deserto, onde fontes sulfurosas irrompem das dunas.

Na fortaleza Macário, Herodes celebrou seu aniversário com um grande festim para seus nobres e oficiais (Mc 6,21.22), e durante o banquete sua meia-sobrinha Salomé, filha da mulher com quem ele estava morando e de seu meio-irmão Filipe, dançou semivestida a imodesta e insinuante dança egípcia, e Herodes meio bêbado, encantado com os seus atrativos, prometeu a ela diante de seus convidados o que quer que ela pedisse, ainda que fosse metade do seu reino. Instigada por sua mãe adúltera Herodíades, ela pediu a cabeça de João Batista numa bandeja.

Afetando estar pesaroso que o banquete fosse cenário de um tal assassinato sangrento, mas recordando sua promessa diante dos convidados, ele deu sinal aos seus guardas que estavam postos em torno do salão do banquete. Eles desceram até a funda masmorra, cortaram a cabeça de João, trouxeram o hediondo troféu à perversa mulher Salomé, e ela o entregou à sua mãe.

Todos os orientais honravam a barba, chamada em hebraico zaqan, palavra esta encontrada sete vezes no Antigo Testamento. Deus proibiu os hebreus de rapá-la.

“Nem cortareis circularmente o vosso cabelo, nem rapareis vossa barba.” (Lv 19,27).

Esta lei era para todo o povo, mas uma regra especial foi estipulada para os sacerdotes:

“Nem rasparão a cabeça, nem a barba, nem farão incisões na carne.” (Lv 21,5).

Todos os hebreus usavam barbas compridas, que eles podiam aparar, mas não cortar de todo nem aparar em formatos peculiares, como os pagãos daquele tempo. Os sacerdotes egípcios cortavam redondo o cabelo. Os pagãos, quando se consagravam aos seus deuses, cortavam o cabelo em formatos peculiares, às vezes formando um círculo, conforme disse Empédocles:

“Deus é um círculo, seu centro está por toda parte sem circunferência.”

Para exprimir essa ideia, eles muitas vezes construíam seus templos circulares, tais como o Panteão, o santuário das vestais construído por Numa e muitos outros templos daquele tempo.

Os pagãos dedicavam o cabelo a ídolos ou demônios, e os hebreus dedicavam o cabelo e a barba a Deus. Muitas cerimônias religiosas antigas nós encontramos entre os pagãos relativas à barba. Para preservar os hebreus dessas superstições, Deus proibiu-os de raspar a cabeça ou a barba.

O leproso rapava os pelos do corpo todo (Lv 14,9), como indicativo de sua doença, enquanto que o hebreu usava barba comprida, como sinal de virilidade, virtude, perfeição, fortaleza e sabedoria.

O nazireu (“separado”) jamais cortava o cabelo nem a barba, para mostrar que estava consagrado a Deus. Seu cabelo e barba eram aparados diante da porta do tabernáculo, em frente à porta de Nicanor, quando seu voto tinha fim (Nm 6,18). Foi esta a origem da tonsura, cerimônia que admite um homem nas fileiras do clero de nossos dias. Cristo foi o nazireu predito pelos profetas (Gn 9,26; Dt 33,46; Lm 4,7,etc.). Na Segunda-Feira da Semana da Paixão, ele chegou ao Templo e recebeu a tonsura. Remonta ao uso apostólico a tonsura clerical. Na Igreja primitiva, todo o clero usava barba, como somos informados pelos escritos dos Padres (Clem. Alex., L. III, Pedag., c. 3; Cipriano, Ep. 3 ad Quirin.; Epifânio, Haeres., 80). O Quarto Concílio de Cartago (Caput IV) decreta: “O clérigo não cultivará seus cabelos nem rapará sua barba”.

Entre os hebreus, a barba era tão honrada que ninguém jamais ousava tocá-la, salvo para beijar este que é o maior ornamento varonil, em sinal de honra. Joab tomou Amasa pela barba para beijá-la, quando feriu-o com a espada. Hanon rapou a cabeça e a barba dos embaixadores de Davi, enviados para confortá-lo pela morte de seu pai, e essa ignomínia provocou uma guerra (Ecl 19,4; 2Rs 10,4). Os árabes nos tempos antigos raspavam a barba e cortavam o cabelo em formatos arredondados, quando se devotavam a Baco, deus da embriaguez (Heródoto, Thalia, III, n. 8), e sobre todos esses povos do Oriente, por suas superstições, a condenação de Deus foi predita (Jr 9,28; 25,3; 49,32).

Segundo a lei mosaica, a barba era sagrada para o judeu, e no tempo de Cristo todos usavam barba. Os judeus de Jerusalém de nossos dias usam longos anéis de cabelo suspensos na frente das orelhas, e até mesmo os meninos, depois de sua confirmação aos doze anos, se adequam a esse costume. Mas como sinal de pesar eles rapam a barba e cortam o cabelo.

Os árabes, filhos de Abraão através de Ismael, têm o mais profundo respeito pela barba, que eles dizem ter sido dada por Deus a fim de distinguir os homens das mulheres. Nunca cortam a barba. O maior insulto que se faz a um árabe é cortar fora sua barba.

Quanto mais longa a barba, mais douto e venerando o homem. Esposas e filhos até hoje beijam a barba, como sinal de respeito. Eles juram e fecham contratos pela barba, e, quando pedem um favor, dizem: “Pela tua barba; pela vida da tua barba concede-me isto.” “Digne-se Deus conservar tua barba abençoada.” “Que Deus derrame suas bênçãos sobre a tua barba.”

Tendo um árabe sofrido um ferimento grave na mandíbula, afirmou que preferia morrer a permitir que o médico raspasse sua barba para tratar melhor da ferida. Quando Pedro, o Grande, da Rússia, ordenou que todos os seus súditos cortassem a barba, provocou enorme oposição, e muitos pediram aos amigos que enterrassem junto com eles as suas barbas. Os judeus poloneses consideravam que quem raspava a barba tinha abjurado o judaísmo, e os rabinos pregavam contra tirar a barba. Os mouros da África beijam a barba ao se encontrarem.

Em nossos dias, ao se fazerem visitas cerimoniais no Oriente, um servente borrifa água de cheiro, como água-de-colônia, na barba do visitante (D’Arvieux, Mœurs des Arabes). Quando os hebreus participavam de banquetes, no tempo de Cristo, um servente, que segurava na mão direita um incensório, ia de um comensal ao outro e incensava a barba de cada conviva balançando o incensório para cima e para baixo diante dele, para que a fumaça se elevasse através de sua barba. Quando foi que esse costume surgiu, não sabemos determinar, mas era costumeiro em todos os festins, bem como na páscoa no tempo de Cristo. Foi esta a origem da cerimônia da incensação do clero na Missa solene.

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