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Os Escritos de Jeremias e Baruc

Lição 1: O livro de Jeremias

Ao Profeta Jeremias são atribuídos o livro de profecias e o das Lamentações. Estudaremos cada qual de per si.

1. Jeremias (650-567 a.C.) nasceu em Anatot, perto de Jerusalém. Por volta de 626, foi chamado à missão de profeta (cf. 1,2; 25,3), que ele exerceu em circunstâncias muito difíceis. O reino de Judá era cada vez mais ameaçado por adversários; ora Jeremias devia dizer ao rei e ao povo que não fizessem alianças políticas com estrangeiros, mas se submetessem aos babilônios, que acabaram destruindo Jerusalém em 587. Por causa do teor de sua pregação, Jeremias foi duramente perseguido: em sua cidade de Anatot, os concidadãos quiseram condená-lo à morte, porque lhes censurava os costumes (cf. 11,18-12,6). Jeremias transferiu-se então para Jerusalém e, pelo mesmo motivo, foi colocado no cárcere pelo sacerdote Fassur (cf. 18,1-20,6). Libertado da prisão, predisse a ruína da Cidade Santa e do Templo e, por isto, foi condenado à morte pelos sacerdotes e os falsos profetas, mas escapou, mais uma vez, da morte (cf. 26,1-19).

Em 605, Jeremias ditou ao seu secretário Baruc os oráculos que ele tinha proferido desde o começo da sua missão ou desde 626 (cf. 36,2); Baruc leu-os para o povo no Templo. Então o rei Joaquim de Judá, mandou queimar esse escrito (cf. 36,27). Em conseqüência, o Profeta os ditou de novo, acrescentando- lhes ainda outros vaticínios (cf. 36,32). O rei Sedecias, posterior a Joaquim, mais uma vez mandou encarcerar Jeremias com o traidor da pátria (cf. 37-39). Jerusalém tendo caído sob os golpes de Nabucodonosor em 587, Jeremias foi libertado da prisão e quis ficar na Terra Santa, junto a Godolias, que o invasor colocara como Prefeito à frente de Judá (cf. 40,1-6). Todavia Godolias foi assassinado por judeus, que fugiram para o Egito levando consigo o Profeta (cf. -42,1-43,13). Neste país, Jeremias ainda exortou a sua gente à penitência (cf. 44,1-30). Reza a tradição, à qual parece aludir Hb 11,37, que Jeremias morreu apedrejado pelos judeus que não o queriam ouvir no Egito.

Jeremias era dotado de grande sensibilidade, de modo que sofreu profundamente durante toda a vida de profeta. Desde o início, o Senhor lhe disse que deveria “arrancar e destruir, exterminar e demolir” (1,10). Ele tinha que anunciar a desgraça numa atitude aparentemente derrotista e antipatriótica (cf. 20,8-10); os reis, os sacerdotes, os falsos profetas e o povo o tinham como “homem discutido e debatido pelo país inteiro” (cf. 15,10). A dor que tal situação lhe causava, expríme-se freqüentemente através das “confissões” ou relatos autobiográficos de Jeremias; cf. 12,1-6; 15,10s.15-21; 20,7-13.14-18. Apesar dos seus momentos de fadiga, o profeta reagia sempre, depositando finalmente sua confiança em Deus:

“Louvai Javé, pois livra a alma do pobre das mãos dos perversos!” (20,13).

Por ter sido o homem das dores, Jeremias é tido como figura do Cristo Jesus; é o tipo do arauto da Palavra de Deus que sofre duras contradições por ser fiel à sua missão. Pelo mesmo motivo, Jeremias dá inicio, na história do povo de Deus, à corrente dos “pobres (anawim) de Javé“; em tal contexto, pobre é aquele que carece de amparo humano e, por isto mesmo, mais se apóia em Deus; conserva a fé e a confiança numa alma destituída de qualquer presunção ou arrogância.

2. O livro de Jeremias contém os testemunhos dos quarenta anos de pregação do Profeta (626-586). A história político-religiosa desse período está, de certo modo, retratada em seus vaticínios; a ordem destes não é rigorosamente lógica nem cronológica. Como quer que seja, o livro pode ser dividido em três partes: 1) 2-25 oráculos contra Judá e Jerusalém; 2) 26-45, notícias biográficas sobre a atividade de Jeremias desde o início do reinado de Joaquim até a queda de Jerusalém e a fuga para o Egito; 3) 46-51, oráculos contra os gentios. A guisa de prólogo, é narrada a vocação de Jeremias (c. 1) e, em estilo de apêndice, há notícias sobre o fim de Jerusalém (c. 52).

Deve-se notar que existe grande diferença entre o texto hebraico de Jeremias e o texto grego dos LXX. Este é muito mais breve, dado que aí falta quase a oitava parte ou aproximadamente 2.700 vocábulos do texto hebraico. Essas omissões, às vezes, versam sobre palavras de pouca importância, mas em vários casos tocam versículos ou mesmo passagens inteiras (p. ex. 29,16-20; 33,14-26; 39,4-13…). Além do mais, o texto grego apresenta outra ordem de vaticínios, pois após 25,13a vêm os oráculos contra os gentios (cc. 46-51 do hebraico), dispostos de modo próprio.

Não é fácil explicar esta divergência. A sentença mais provável admite duas recensões do texto hebraico: uma mais longa, e outra mais breve; a partir desta, terá sido confeccionada a tradução dos LXX. Além disto, podem-se admitir omissões e interpolações do texto por parte dos tradutores.

3. O livro de Jeremias é de rico conteúdo. Eis alguns traços importantes da sua mensagem:

a) O livro é, em muitas de suas partes, o espelho da piedade e dos íntimos sentimentos de Jeremias em relação a Deus e ao seu povo. Especialmente as passagens ditas “Confissões” testemunham a familiaridade do profeta com o Senhor Deus: 11,18-23; 12,1-6; 15,10-21; 17,12-18; 18,18-23; 20,7-18 (o autor propõe a Deus as suas indagações, os seus gemidos e as suas preces). Ocorrem, sim, sentimentos de vingança (12,13; 17,18; 18,21-23), de desânimo (12,3; 15,10.16s; 20,7-10), mas superados por palavras de encorajamento e confiança (12,5; 15,19-21; 20, 11-13) e de verdadeiro amor ao povo de Judá ameaçado (4,19-21; 8,21-9,1; 14, 1-15,5.11; 18 20). A oração de Jeremias tem grande valor junto a Deus (7,16; 11,14; 14,11).

b) A nova e definitiva Aliança é descrita a partir da experiência pessoal e mística do profeta: a Lei de Deus estará gravada nos corações (31,31-33 e 24,7; 32, 39); todos conhecerão a Deus no seu íntimo (31,34a) e receberão o perdão dos pecados para levar a vida nova (31,34b; 33,8). O Messias será Filho de Davi e instaurador de nova ordem (23,1-8). Merecem ser lidas atentamente as passagens seguintes, em que a volta do exílio e a ordem messiânica são descritas simultaneamente: 31,10-23; 33,6-22. Confira-se Hb 8,8-13; 10,15-17; Mt 26,28; Jo4,42; 2Cor3,2.6.14; 1Jo 2,12-14.

4. Jeremias, maltratado durante os anos de sua missão, foi exaltado pelos pósteros, que lhe atribuíram grande autoridade. Foi tido como o amigo e o intercessor de seu povo junto a Deus no além; cf. 2Mc 15,13-15; 2,1-8. É citado em Dn 9,2 e Eclo 49,7(8s). Propondo uma Aliança nova fundada sobre a religião do coração, Jeremias tornou-se o pai do judaísmo em sua corrente mais pura; exerceu influxo em Ezequiel (cf. Ez 36,23-32), no 2° Isaias (cf. Is 49,1; 52,13¬53,12) e em vários salmos (cf. Sl 138 ou 139; 39 ou 40; 41 e 42 ou 42 e 43…). A sua vida de abnegação a serviço de Deus o fez imagem do Servidor de Javé (Is 53), que é o próprio Cristo.

Lição 2: O livro das Lamentações

As Lamentações vêm a ser uma coleção de cinco cânticos, que choram a queda da Cidade Santa Jerusalém em 587 a.C. Os quatro primeiros são acrósticos, isto é, as letras iniciais dos seus versículos formam o alfabeto hebraico segundo a série das suas 22 letras. O quinto cântico não é acróstico, mas tem tantos versículos (22) quantas são as letras do alfabeto hebraico.

No primeiro cântico, o poeta e a cidade personificada lamentam a destruição de Jerusalém; reconhecem a culpa do povo. No segundo cântico o autor lastima a punição de Jerusalém e exorta a cidade à penitência (2,1-19); em 2,20-22, Jerusalém pede misericórdia. No terceiro cântico, o autor descreve a sua dor diante da desgraça de Jerusalém e sua esperança na misericórdia divina. No quarto cântico, mais uma vez é pranteada a ruína de Jerusalém castigada segundo a justiça. O quinto cântico tem a forma de oração (“Oração do Profeta Jeremias”, conforme a Vulgata latina), que implora a ajuda de Deus para as vitimas da catástrofe de Jerusalém. Em 4,21s lê-se uma predição de ruína para Edom, povo vizinho de Judá, que, após 587 a.C., longe de apoiar Judá vencido, aproveitou-se da desgraça de Jerusalém.

A tradição atribui ao profeta Jeremias a autoria das Lamentações, apoiando-se em 2Cr 35,25, que apresenta o profeta como autor de Lamentações. Essa tradição, porém, começou a ser posta em xeque por Hermann von der Hardi, em 1712; hoje não é mais aceita. Na verdade, Jeremias não teria dito que a inspiração profética se havia esgotado (cf. Jr 42,7-22 e Lm 2,9), nem teria esperado auxílio do Egito (cf. Jr 37,7s e Lm 4,17), nem teria elogiado o rei Sedecias (cf. Jr 22,13-28; 37,17s e Lm 4,20), nem teria apelado para a culpa dos pais (cf. Jr 31,29 e Lm 5,7).. Mais: o estilo espontâneo de Jeremias dificilmente se teria enquadrado dentro do rígido artifício dos poemas acrósticos.

Em conseqüência, as Lamentações são atribuídas a um ou mais autores anônimos (há quem julgue que os cc. 1 e 5 são de autores diferentes): terão sido redigidas na própria Terra Santa, sob o impacto recente da catástrofe de 587 a.C…; a finalidade terá sido litúrgica, isto é, as Lamentações devem ter sido compostas para comemorar todos os anos a queda do Templo e de Jerusalém no dia que os judeus consagravam a tal evento (9 do mês de Ab = julho/agosto). A Igreja lê as Lamentações nos últimos dias da Semana Santa para relembrar o drama do Calvário. É de notar que esses cânticos fúnebres são perpassados por vivo sentimento de arrependimento e de inabalável confiança em Deus – o que dá valor permanente a esse pequeno livro.

Lição 3: O livro de Baruc

1. Baruc (= Bento) foi companheiro e amanuense ou escriba de Jeremias Profeta (cf. Jr 32,12 e Jr 36,26). Acompanhou o mestre no Egito depois da queda da Cidade Santa (cf. Jr 43,6s). O livro atribuído a Baruc consta de cinco capítulos e de um apêndice dito “Carta de Jeremias”, que a Vulgata latina considera como o cap. 6 de Baruc.

Br 1-5 é uma coletânea de três peças, que supõem o povo de Judá exilado na Babilônia: após uma introdução (1,1-4), que estabelece a comunhão entre os exilados e os habitantes de Jerusalém, a primeira parte (1,15-3.8) é uma oração de confissão dos pecados e de esperança dos exilados, que imploram a misericórdia divina. A segunda parte (3,9-4,4) é um poema sapiencial, que identifica a sabedoria com a Lei de Deus e exorta Israel a voltar para a fonte da sua felicidade, que é a observância da Torá (= Lei). A terceira parte (4, 5-5,9) é outro poema, no qual Jerusalém personificada se dirige a seus filhos no exílio, exortando-os à coragem e à perseverança na fé (4,5-29); depois do que o Profeta consola Jerusalém atribulada, recordando-lhe as promessas messiânicas (4,30¬5,9).

A introdução (1,1-14) foi escrita diretamente em grego. O resto do livro deve ter sido redigido originariamente em hebraico, mas atualmente só existe no texto grego dos LXX, a partir do qual foram feitas traduções latinas. As características do livro (especialmente o louvor à Sabedoria em Br 3,9-4,4) são da época posterior ao exílio; há mesmo quem julgue tratar-se de obra de meados do séc. l a.C. Donde se vê que Baruc não é o autor de tal livro; é de crer que os escritos relativos à destruição de Jerusalém foram na tradição judaica atribuídos a Jeremias e a Baruc. Este último também gozava de grande autoridade, pois lhe foram atribuídos dois Apocalipses judaicos, um em grego e outro em siríaco, no século II da era cristã. Dada a sua origem tardia, Br 1-6 não é livro reconhecido pêlos judeus como canônico; pertence, porém, ao cânon católico.

2. O c. 6 de Baruc ou epístola de Jeremias encontra-se nos manuscritos gregos do Antigo Testamento logo depois de Lm, como livro à parte. Os textos latinos e sírios a anexam a Br como sendo Br 6. O texto original parece ter sido hebraico.

A carta vem a ser uma exortação aos exilados para que não caiam na idolatria do ambiente babilônico em que se acham; chama a atenção para a inércia dos ídolos, que não têm vida e são incapazes de ajudar. Observemos os refrões: “Por conseguinte, não os termais” (vv. 15.22.28.64.68) ou: “Como crer ou dizer que são deuses?” (vv. 39.44.49.56) ou “Quem não vê que não são deuses?” (vv. 51.63.68). O autor da carta valeu-se de textos de Profetas anteriores como Is 1,29; 2,18; Mq 1,7; 5,12s; Jr 2,5.8.25-29; 5,19; 11,12s… Mais diretamente ainda o autor se inspirou em Is 40-55, e Jr 10,3-16. Além destas fontes, o escritor consultou sua própria experiência: 6,3-5 (as pompas da idolatria); 6,8.10.12-14.19 (os ornamentos das estátuas); 29,42s (os abusos do culto ).

O autor não é Jeremias, como geralmente reconhecem os estudiosos; o título da carta é elemento acrescentado posteriormente, talvez porque Jeremias foi autor da epístola consignada em Jr 29. O texto deve-se a um anônimo, que pode ter escrito no fim do séc. IV a.C., quando a idolatria da Babilônia tomava novo surto. A finalidade é acautelar os judeus da diáspora e incitá-los à fidelidade religiosa.


Para aprofundamento:

GRELOT, P., Introdução à Bíblia. Ed. Paulinas 1971.
GRUEN, W., O tempo que se chama hoje. Ed. Paulinas 1978 SCHÕKEL, L. A., e SICRE DIAZ, Os Profetas. Ed. paulinas 1988 e 1991.
VAN DEN BORN, A., Dicionário Enciclopédico da Bíblia, verbetes Jeremias, Lamentações, Baruc. Ed, Vozes 1971.

Perguntas sobre os escritos de Jeremias e Baruc

1) Queira comparar Jr 31,31-34 e Ez 16,62; 34,25; 36,25-28; 37,26. Indique os pontos comuns.
2) Queira comparar Jr 1,5; 11,19 e Is 42,6; 49,1; 53,7s. Há semelhanças ? Quais ?
3) Queira comparar Jr 12,1-3 e SI 72(3), 4s; Jr 15,10s e SI 7,4-6; Jr 18,20.22 e SI 34(35), 19-24. Que têm em comum ?
4) Leia Lm 3,22-27 e diga o que este texto quer significar.
5) Compare entre si Br 3,9-4,4 e Jó 28,1-28. Há pontos comuns? Quais?