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Os Profetas. Isaías

Lição 1: Os Profetas em geral

1. A palavra profeta não significa necessariamente “aquele que prediz o futuro“, mas sempre designa “aquele que fala em nome de Deus“, seja para predizer o futuro, seja para interpretar o presente.

Os Profetas, assim entendidos, sempre existiram no povo de Israel a partir de Abraão, o confidente do Senhor (cf. Gn 18,17-19). A primeira mulher tida como profetisa é Maria irmã de Moisés; cf. Ex 15,20. A partir de Samuel (séc. XI a.C.) até Malaquias (séc. V a.C.), a série dos Profetas foi ininterrupta. Também na época de Samuel e depois, floresceram os chamados “colégios de Profetas” (cf. 1Sm 10,5; 19,20; 1Rs 20,35; 2Rs 2,3.5.7.15; Am 7,14); eram comunidades que viviam em pobreza (cf. 2Rs 4,38s; 6,1-6) e obediência (cf. 1Sm 19,20; 1Rs 22,11; 2Rs 2,3.5.7.15-..); os seus membros entravam em êxtase sob o influxo de sugestão individual ou coletiva (cf. 1Sm 10,10-12; 19,20-24), impulsionados por música, canto e dança (cf. 1Sm 10,5; 2Rs 3,15).

Os Profetas exercem papel importante na história de Israel; eram conselheiros dos reis, que os dissuadiam de fazer alianças com povos estrangeiros (pois estas levavam facilmente o povo à idolatria), ou censuravam as injustiças e os abusos cometidos na corte ou pelo povo; reprimiam a idolatria e os falsos cultos que se infiltravam na praxe da população israelita.

Houve, sem dúvida, falsos profetas: alguns, sem ter chamado divino, se apresentavam como profetas para ganhar dinheiro (cf. 1Rs 22,13; Is 30,10; Mq 2,11; 3,5.11); procuravam justificar os vícios em vez de os censurar devidamente (cf. Jr 23,9,40; Ez 13,1-16; Jr 14,14s); anunciavam falsas calamidades ou ocorrências (cf. Dt 18,20-22; Mq 3,5; Jr28,9); eram negligentes no cumprimento do seu dever (Ez 3,17-21; 13,22s; 33,2-4).

Antes do exílio (587-538), os Profetas tinham a missão de mostrar ao povo e aos reis as suas faltas, em virtude das quais o Senhor Deus os entregaria aos estrangeiros; lutavam não só contra os falsos cultos, mas também contra o otimismo que animava os ouvintes com relação ao futuro da nação (cf. Is 22,13s; Jr 21,8s;. 28,1-17). Sobressaíram então Isaías, Jeremias, Oséias e Amos.

Durante o exílio na Babilônia, os Profetas procuraram erguer o ânimo do povo, sustentando-lhe a esperança abatida pelo duro golpe recebido dos estrangeiros. Veja Ezequiel e o chamado “segundo Isaias” (Is 40-55), que acompanharam o povo na Babilônia; cf. Ez 16,1-63; 20,39-44; 36,16-38; 40-48; Is 45,1-25; 48,20-22; 50,1-11…

Depois do exílio, Ageu, Zacarias e Malaquias incentivaram o povo a reconstruir o templo, os muros e a cidade de Jerusalém e a empreender a reforma religiosa, moral e social da comunidade judaica, predizendo a gloria do futuro Messias.

2. Os escritos dos Profetas são, por vezes, obscuros e de difícil interpretação. Isto se deve a diversas causas:

1) Os Profetas geralmente anunciavam seus oráculos de viva voz; eles mesmos ou seus discípulos escreviam um resumo da pregação oral…, resumo que não podia deixar de ser lacônico em muitos casos. Faltava-lhe o complemento dos gestos que acompanhavam as palavras dos Profetas; cl. Ez 6,11; Ez 21,11s.17.

2) Os oráculos dos profetas estão profundamente inseridos no seu contexto histórico e geográfico. Por conseguinte, os profetas aludem a acontecimentos da sua época, que ao estudioso moderno não são devidamente conhecidos – o que dificulta o entendimento do texto bíblico. Cf. Sf 1,11; Na 1,11; 2,8; 3,8; Mq 4,8…

3) A linguagem dos profetas, de acordo com o estilo dos orientais, recorre a expressões e imagens hiperbólicas, que deixam o leitor, por vezes, confuso. Cf. Is 2,2-4; 9,5; 11,6-8; 65,25; Mq4,3; 5,4-9; Ez 34,25…

4) As visões referentes ao futuro carecem de perspectivas, isto é, os acontecimentos futuros que não são simultâneos, são vistos como se fossem simultâneos; as fases preparatórias e as fases finais do mesmo evento são descritas numa só cena, sem atenção à ordem cronológica. Por exemplo, em Is 7-11 a salvação messiânica é apresentada como se coincidisse com o fim do cativeiro assírio; em Is 40-55 a volta do exílio parece ser o prelúdio imediato do Reino messiânico; o mesmo se diga a respeito de Zc 9,1-17; Dn 9,20-27…

5) A descrição da era messiânica e do próprio Messias é sempre fragmentária. Nenhum profeta descreve a obra do Messias em sua totalidade. Assim o Messias aparece como rei vitorioso em Is 24-27; Ez 38s; Jl 4;… como Rei pacífico em Os 3,5; Am 9,11-15; Is 9,1-7; 11,1-S;… como Mestre em Is 2,3; 54,13; Mq4,2;0s 10,12;… como sacerdote em Jr 33,14-26; Ez40-48; Zc 6,9-14;… como Servidor padecente em Is 52,13-53,12.

3. Tomando por critério a extensão dos respectivos livros, os Profetas são distribuídos em duas categorias: a dos maiores, compreendendo Isaias, Jeremias (com Lm e Br), Ezequiel e Daniel; e a dos menores, compreendendo Oséias, Joel, Amos, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias, – Estudemos mais detidamente os respectivos escritos.

Lição 2: Isaías

Isaías (770-687 a.C.) era filho de ilustre família de Jerusalém, erudito poeta e estilista. Chamado em 740 para a missão profética (cf. 6,1), foi conselheiro dos reis Joatã, Acaz e Ezequias numa época em que a infidelidade religiosa e moral grassava na corte e no povo judeus.

A partir do séc. XVIII, os críticos discutiram a unidade do livro de Isaías. Após muitas dúvidas, hoje os autores católicos (e, com eles, o magistério da Igreja) admitem haver três partes bem distintas no livro de Isaías: a primeira (cc. 1-39) seria do séc. VIII a.C., ou seja, dos tempos do próprio Profeta; a segunda (cc. 40-55) dataria do exílio babilónico (587-538 a.C.); a terceira (cc. 56-66) terá sido escrita após o exílio, na época da restauração do povo em sua terra. Por isto o livro de Isaias é atribuído à escola de Isaías; os discípulos deste profeta terão continuado a obra do mestre através dos séculos. Examinemos cada qual dessas partes.

O 1° Isaías (1-39). Nesta seção o bloco 36-39 constitui um apêndice de índole histórica; tem seu paralelo em 2Rs 18,13-20,19. Julga-se que não provém da pena de Isaías, pois se refere a acontecimentos provavelmente posteriores à morte deste. A ordem cronológica dos fatos exigiria que os cc. 38-39 fossem lidos antes de cc. 36-37.

O conjunto Is 1-35 supõe as condições históricas em que viveu o profeta Isaías no séc. VIII a.C. Consta de várias coleções de dizeres, dispostas sem estrita ordem cronológica. A maior parte desses oráculos deve ter sido redigida pelo próprio profeta Isaías, como atestam Is 30,8; 8,1 e os cc. 6-8 (que contêm traços autobiográficos). Admite-se, porém, que certas seções de Is 1-35 receberam sua forma literária definitiva por parte dos discípulos do profeta (cf. Is 8,16); estes confrontavam entre si os discursos do mestre e os reuniam em coleções de acordo com o tema que abordavam. É possível que essas diversas coleções só tenham sido coletadas em um volume após o exílio ou cerca de 200 anos após a morte do profeta.

Is 1 -35 contêm notáveis profecias messiânicas. Em Is 7,10-25 o Messias aparece como o Emanuel (= Deus conosco), que há de nascer de uma jovem (que no texto grego dos LXX é dita “virgem”); cf. 7,14. Em 9,1-7 nasce o Menino prometido como “Admirável conselheiro, Deus Forte, Pai do século futuro, Príncipe da Paz” (cf. 9,5). Em 11,1-9 o tronco de Davi floresce e produz um rebento, que é o Messias. Este faz descer sobre a terra a plenitude do Espírito do Senhor e cumpre as promessas de restauração da natureza violentada pelo pecado.

Por estes vaticínios Isaias se impõe como um dos maiores profetas do Antigo Testamento.

O 2° Isaias (40-45). Este bloco se deve a um autor ou a autores anônimo(s) (Dêutero ou Segundo Isaias), que pregaram e escreveram na Babilônia, anunciando aos israelitas aí deportados a iminente libertação e a volta à Terra Santa (séc. VI a. C.).

A situação histórica suposta por Is 40-55 difere da do séc. VIII (Is 1-35):

  • os reinos de Samaria e Judá já não existem; os seus cidadãos foram despojados e deportados, em castigo de suas infidelidades; cf. 42,18-25; 43,5-7.26-28; 47,6; 52,S;
  • Jerusalém e o Templo estão destruídos e a sua restauração é profetizada: cf. 44,26-28; 45,13; 49,15-17.19; 52,9;
  • a nação que retém os judeus, é Babilônia, opulenta e arrogante, mas prestes a cair em ruínas; cf. 47,5-9;
  • o rei Ciro da Pérsia parece conhecido aos leitores; Javé o dirigirá contra a Babilônia; cf. 46,1-13; 47,1-11;
  • os leitores são estimulados à confiança e à alegria, pois se aproxima o fim do exílio; cf. 40,10s.27; 41,10-13; 46,12s; 48,20.

Tem-se a impressão de que o autor dos dizeres está fisicamente presente aos seus ouvintes, pois os interpela em tom vivo e caloroso; cf. 40, 21.26.28; 43,10; 48,8; 50,10… Nunca dirige palavras condenatórias contra Israel, mas apenas contra Babilônia; cf. 41,11-16; 42,14-17; 43,14s. Os oráculos de consolo são marcantes, predizendo o cumprimento das antigas promessas messiânicas (cf. 41,25-29; 46,8-12), a libertação do povo e a travessia pelo deserto em demanda da Terra Santa (cf. 41,17-20; 43,1-7; 49,7-26), a glória da futura Jerusalém (cf. 51,17-52,2; 54,1-3.11-17), a conversão dos gentios (cf. 45,14-17.22-25; 55,3-5).

Inseridos em 40-55, estão os quatro “Cânticos de Servo de Javé”, que falam da expiação prestada por um Servo Inocente em favor dos seus irmãos pecadores. São profecias messiânicas, que projetam nova luz sobre o sentido do sofrimento; este pode recair sobre os justos, que assim prestam satisfação pelos pecados alheios. Dispõem-se do seguinte modo: Is 49,1-6: a vocação do Servo de Javé; Is 42,1-4: os predicados do Servo de Javé; Is 50,4-9: a ingrata missão do S.J.; Is 52,13-53,12: a morte e a glorificação do S.J.

Estes cânticos, assim esparsos no bloco 40-55, parecem ter origem independente deste conjunto, que não é possível reconstituir com clareza.

O 3° Isaias (58-66). Difere de Is 1-35 e Is 40-55 tanto por seu fundo histórico como por sua temática e seu estilo. Sim; trata de consolar e exortar os judeus recentemente repatriados do exílio. Israel, de novo na Terra Santa, constitui uma comunidade religiosa; parece, porém, que é infiel à Lei do Senhor; está desanimado diante dos obstáculos que se opõem à reconstrução do Templo e da Cidade Santa; os próprios anciãos e maiorais se mostram indignos de suas funções. Não obstante, o profeta reafirma as antigas promessas de Javé, principalmente as que se referem à nova Jerusalém, ponto de convergência tanto dos judeus fiéis corno dos pagãos convertidos ao Senhor na era messiânica.

Vejamos, por exemplo, como a situação histórica de Is 56-66 já não é a do exílio (587-538 a.C.):

  • o povo já habita a montanhosa e acidentada região da Palestina (Is 57,5-7), que contrasta com as planícies da Babilônia, irrigadas por belos canais;
  • Jerusalém se acha parcialmente povoada, mas ainda não devidamente reconstruída; cf. 60,10; 61,4;
    as cidades menores da Terra Santa ainda se encontram devastadas; cf. 64,9;
  • o Templo Santo ainda está em ruínas (cf. 64,10s), embora já se pense em reconstruí-lo (cf. 66,1);
  • o povo vive angustiado não por causa da opressão de inimigos, mas em virtude da infidelidade dos próprios judeus; cf. 57,3-5; 59,9-12; 61,1-3; 63,18s;
  • os chefes da comunidade ocupam-se mais consigo do que com o povo; cf. 56,10-12;
    contudo o Senhor enviará sua salvação, mas não por obra de Ciro ou do Servo de Javé; cf. 60,22; 61,1-3; 62,7s;66,12s;
  • o Senhor promete a reconstrução do Templo (cf. 56,5-8; 58,2; 62,9; 66,6.20), que será famoso centro do culto de Javé (cf 60,7.13).

O Profeta, em Is 56-66, deixa de ser propriamente o Consolador, para fazer as vezes de Pastor, Doutor e Salmista. Lembra as severas exigências do culto e da Lei do Senhor, em particular o sábado (cf. 56,2,4-6; 57,6-12; 58,13s; 65,1-6; 66,3s). Repreende os idólatras e infiéis (cf. 56,8-57,13; 58,1-5; 66,17). Recita profissões de fé e de penitência (cf. 59,1-4; 63,7-64,11). Transmite instruções a respeito do jejum e da oração (cf. 58,1-12).

É de crer que o bloco 56-66 seja uma coletânea de oráculos devidos a diversos autores, que deram origem ao livro chamado “o Terceiro (o Trito)- Isaías”.

Vê-se, pois, que diversas mãos concorreram para confeccionar o livro de Isaías tal como ele hoje se encontra, sendo que a última redação do volume se deve ao ano de 400 a.C. aproximadamente; os últimos redatores terão efetuado ou confirmado a compilação de Is 1-39, 40-55, 56-66, dando ao conjunto a forma estilística e doutrinária que atualmente, o caracteriza.

O livro de Isaias deixou-nos profecias messiânicas tão vivas que Isaías é chamado “o Evangelista do Antigo Testamento“.


Para aprofundamento, veja:

GRELOT, P, Introdução à Bíblia, Ed. Paulinas 1971.
GRUEN, W., O Tempo que se chama hoje. Ed. Paulinas 1977. SCHÕKEL, L. A. e SICREDIAZ, J.L., Profetas l e II. Ed. Paulinas 1988 e 1991.
VAN DEN BORN, A., Vocabulário Enciclopédico da Bíblia. Ed. Vozes 1971.

Perguntas sobre os Profetas e Isaías

1) Que significa a palavra “profeta”? Quais as funções dos Profetas na história de Israel?
2) Que fez a profetisa Débora ? Ver Jz 4-5.
3) Compare entre si as vocações de Isaías (6,1-13) e Jeremias (Jr 1,4-10). Assinale os elementos comuns e os elementos próprios de cada uma.
4) Em Mt 11,5 Jesus responde a João Batista, citando Is 35,4-6. Que é que Jesus queria dizer com essa resposta?
5) Quem é o Servidor de Javé apresentado em Is 42,1-4; 49,1-6; 50;4-9; 52,13-53,12? Leia Mc 10,45; Mt 8,17; 27,38; At 8,32; 1 Pd 2,23-25.
6) Compare entre si: Is 7,14 e Mt 1,23; Is 8,23-9,2 e Mt 4,14-16; Is 61,1¬3 e Lc 4,18s. E diga as suas impressões.