Meditação para a Terça-feira da Primeira Semana da Quaresma
SUMARIO
Como a fragilidade humana está tão exposta a sucumbir às tentações que a acometem, meditaremos no Sacramento da Penitência, que Nosso Senhor instituiu para nos perdoar os nossos pecados, e veremos:
1.° A excelência deste sacramento;
2.° A importância de bem o receber.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De agradecermos muitas vezes a Nosso Senhor, com piedosas aspirações, esta adorável instituição;
2.° De nos prepararmos melhor para as nossas confissões.
Conservaremos como ramalhete espiritual as mesmas palavras da instituição do Sacramento da Penitência:
“Aos que vós perdoardes os pecados, ser-lhes-ão eles perdoados, e aos que vós os retiverdes, ser-lhes-ão eles retidos” – Quorum remiseritis peccata, remittuntur eis; et quorum retinueritis, retenta sunt (Jo 20, 23)
Meditação para o Dia
Adoremos Nosso Senhor debaixo deste belo e admirável título de médico das nossas almas (1). É ele que, pelo Sacramento da Penitência, cura todos os nossos males, fazendo-nos com o seu próprio sangue um banho salutar, onde Ele lava às nossas máculas e nos restitui a beleza da primeira inocência. Oh! Quão bem merece todo o nosso reconhecimento por tão grande beneficio!
Que bondade ter feito de Seu sangue um remédio aos nossos males! – De sanguine suo medicamentum fecit aegrotis (Santo Agostinho, in Ps. 63)
PRIMEIRO PONTO
Excelência do Sacramento da Penitência
1.º Há neste Sacramento um poder admirável.
Os judeus diziam:
“Quem pode perdoar pecados senão só Deus?” – Quis potest dimittere peccata nisi solus Deus? (Lc 5, 21)
E tinham razão, porque só Deus pode dispor dos Seus direitos e perdoar a ofensa que Lhe foi feita. Todavia, com estas três palavras: Eu te absolvo, o sacerdote exerce um poder sobre-humano. Com estas poucas palavras apaga em uma alma todos os seus pecados, por enormes que sejam, por numerosos que possam ser. Expulsa dela o demônio, reconcilia-a com Deus, reveste-a do vestido nupcial da caridade, restitui-lhe o mérito das boas obras, restabelece-a no seu direito à vida eterna, e faz entrar de novo Deus no seu coração, de onde o pecado o havia expulso. Tendo voltado para a alma, Deus fortifica-a contra a recaída, preserva-a, se coopera para a graça, e muitas vezes faz-lhe gozar uma paz e consolação deliciosas, até poder dizer:
“Eu me conservarei sem mácula com ele, e terei cuidado de me guardar da iniquidade que em mim há” – Et ero immaculatus cum eo, et observabo me ab iniquitate mea (Sl 17, 23)
2.° Tanto poder há neste Sacramento, quanta caridade nele se revela.
Com efeito, não é um inefável prodígio de caridade que Deus, depois de ter sido ofendido pelo homem, instituísse na Sua Igreja um tribunal, não para condenar e castigar, mas para perdoar; um tribunal todo de misericórdia, onde não é admitido outro acusador, outra testemunha senão o mesmo réu, onde o arrependimento obtém sempre perdão, e um perdão acompanhado do que se tinha perdido pelo pecado da alegria da boa consciência, dos direitos ao céu recuperados, dos títulos de amigo e de Filho de Deus? Não é coisa admirável que Jesus Cristo fizesse do Seu sangue um banho sagrado, em que a alma se purifica e se reveste da beleza da inocência; um tesouro inexaurível de méritos e de graças, que a firmam no bem, a dispõem às virtudes e lhe asseguram no céu, se persevera, um novo peso de felicidade e de glória? Não é coisa admirável, finalmente, que a confissão, pelos atos que a acompanham, cause tanto bem à alma? O exame de consciência ensina-lhe a conhecer-se a si própria, a contrição fá-la renunciar os pecados passados, o firme propósito a faz entrar em uma melhor vida, e a absolvição dá-lhe a graça para seguir esta nova vida.
Entremos aqui dentro em nós, e vejamos se temos amado e apreciado o Sacramento da Penitência como devemos, se dele não nos aproximamos com uma espécie de constrangimento e de repugnância, de desprazer e de tristeza, ou por hábito.
SEGUNDO PONTO
Importância de receber bem o Sacramento da Penitência
Nada mais grave e mais digno da nossa atenção que o modo de nos confessarmos: porque vai nisto a vida ou a morte, o céu ou o inferno. A confissão bem feita é uma fonte de graças; feita por hábito, sem contrição, sem dor e detestação das nossas culpas, sem firme propósito de não as tomarmos a cometer, muda-se em pecado, diz São Bernardo (2). Que desgraça, que o remédio do pecado se converta em outro pecado, que bebamos a morte na mesma fonte da vida, e que o sangue de Jesus Cristo caia sobre nós, como sobre os judeus para nossa perdição e condenação! Todavia, coisa dolorosa de pensar! Tamanha desgraça não é tão rara como se poderia julgar. É a desgraça de todos aqueles que se habituam a receber este grande Sacramento; que perdendo de vista as sublimes ideias que dele nos dá a fé, se confessam à pressa, por costume e para cumprir, sem um sério exame de consciência, sem dor e sem firme propósito, sem nenhuma emoção de graça e de arrependimento sobre a moleza dos seus costumes, sobre a sua tibieza e covardia; que, sempre reconciliados, nunca são penitentes; que, recitando sempre a mesma fórmula, nunca deploram os seus desvarios; que, depondo sempre o que mais lhes pesa na sua consciência, nunca depõem essa vontade própria, esse gênio ríspido, essa vaidade, esse amor-próprio, essa indolência, essa preguiça, essa propensão para o seu bem estar e para os prazeres sensuais, todas essas paixões finalmente que são o princípio das suas culpas. Examinemos se ligamos ao modo do nos confessarmos a importância que esta ação merece.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Sanctus aegrotae animae medicus (São Clemente de Alexandria, Paedag., lib. 1, c. 9)
(2) Veniam non meretur, sed provocat iram
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 96-100)