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O pequeno número dos Escolhidos

Meditação para o Sábado da Septuagésima. O pequeno número dos Escolhidos

Meditação para o Sábado da Septuagésima

SUMARIO

Meditaremos sobre a última palavra do Evangelho do domingo passado: são muitos os chamados e poucos os escolhidos; e consideraremos:

1.º Porque há tão poucos escolhidos;

2.° O que devemos fazer para ser desse número.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De nunca nos deixarmos estimular pelo exemplo do grande número, mas dizermos conosco, ao contrário, como obrariam, que diriam, que pensariam os santos neste caso e de conformarmos com isto o nosso procedimento;

2.° De tomarmos a peito o negócio da nossa santificação e de o continuarmos com este sentimento no coração: Quero ser um santo.

Conservaremos como ramalhete espiritual a palavra do Evangelho:

“São muitos os chamados, e poucos os escolhidos” – Multi sunt vocati, pauci vero  electi

Meditação para o Dia

Adoremos Nosso Senhor proferindo este tremendo oráculo: são muitos os chamados e poucos os escolhidos. Admiremos os sentimentos do Seu coração com este pensamento: Ele que ama tanto aos homens, quereria salvá-los a todos; e a perspectiva de tantas almas, que abusarão da Sua missão, da Sua paixão e da  Sua morte, dos Seus Sacramentos e de todos os meios de salvação que lhes destina, enche de viva dor o Seu coração tão amoroso, até forçá-lo a exclamar no Horto das Oliveiras:

“A minha alma está numa tristeza mortal” – Tristis est anima mea usque ad mortem (Mt 26, 38)

Agradeçamos-Lhe o amor que nos consagra, e prometamos-Lhe consolá-lO vivendo a vida dos escolhidos.

PRIMEIRO PONTO

Porque há tão poucos escolhidos?

Se há tão poucos escolhidos, não é obra de Deus, é obra do homem; é:

1.º Porque a maior parte não pensam na sua salvação e nem mesmo querem pensar nela.

Pensar na terra, seja isso convêm-lhes; mas pensar no que virão a ser, ao sair da vida, é no que nem sequer toleram que os façam pensar. Semelhantes aos trabalhadores do nosso Evangelho, em vez de trabalharem na preciosa vinha, cuja cultura lhes é confiada, isto é, na salvação, perdem o tempo em vagar pela praça, em conversar sobre coisas fúteis e efêmeras, não cuidam senão da terra, e não sabem erguer os olhos para o céu. Para se salvarem, seria mister que Deus os salvasse sem eles. Ora Santo Agostinho disse:

“Deus que nos criou sem nós, não nos salvará sem nós” – Qui creavit te sine te, non salvabit te sine te

2.° Há poucos escolhidos, porque muitos, apesar de nisso pensarem, não se resolvem seriamente a ter a vida que salva.

A fraqueza retém-os, a santidade, que é tão bela, que é o segredo da felicidade na terra como no céu, mete-lhes medo. Limitam-se a dizer: Eu bem quisera ser um santo, um escolhido de Deus, subentendendo: com a condição de que isto nenhum sacrifício me custaria. Nunca dizem afoitamente: Quero salvar-me, está decidido, é uma resolução tomada: quero ser um santo, e o serei. Não é neles senão uma vontade fraca sem energia, uma dessas veleidades sem força e estéreis, de que o inferno está cheio, uma dessas semi-vontades do preguiçoso, a quem os desejos matam (1), que quer e não quer, que diz consigo:

“O leão está lá fora, serei morto no meio das ruas” – Dicit piger: Leo est foris, in medio platearum occidendus sum (Pr 22, 13)

Ora, não é assim que alguém se salva. Para o conseguir, é preciso que se obstine neste projeto, o tome a peito, o prossiga acerrimamente, dizendo e repetindo consigo muitas vezes:

Quero salvar-me; quero, por mais que me custe; quero, digam e pensem o que lhes aprouver

Examinemos, segundo estes princípios, se somos do número dos escolhidos.

SEGUNDO PONTO

O que devemos fazer para ser do número dos escolhidos?

1.° Devemos evitar o caminho largo, por onde anda o grande número, e seguir o caminho estreito, onde se acha o pequeno número.

Porquê, visto que o grande número se perde, não podemos esperar salvar-nos vivendo como o grande número, mas sim, vivendo como o pequeno número (2), isto é, não nos deixando nem arrastar pelo costume e pelos usos do mundo, nem animar pelo exemplo de muitos, e não perdendo jamais de vista que, até entre os católicos, são poucos os verdadeiros cristãos, quer nas cidades, quer nas aldeias.

2.° Devemos ter sempre presente ao pensamento os sinais porque se reconhece o verdadeiro caminho largo e o caminho estreito, para não confundir um com o outro.

Na prática, o caminho largo reconhece-se por este sinal, que não querem constranger-se, mas viver à sua vontade. Por conseguinte, julgam que basta não ter vícios grosseiros e não causar dano aos outros. Não aspiram de forma alguma a ser santos: basta viver como a maior parte. Fazem o menos possível pela salvação, escolhendo na religião o que lhes agrada e deixando o resto de lado. Propõem-se viver melhor mais tarde; mas esse momento nunca chega.

Ao contrário, o caminho estreito reconhece-se por estes sinais que combatem os seus pensamentos e as suas paixões, sobretudo a sua paixão dominante, que tem apego ao dever por mais que custe, que se abnegam a si próprios, que mortificam a sua carne, que carregam com a sua cruz, que vigiam sobre o seu coração o sobre os seus sentidos. Isto parece duro, mas a sua prática é cheia do doçura.

3.º Devemos trabalhar na nossa salvação com coragem e confiança.

Por que não poderei eu fazer o que fazem tantos outros? O homem pode tudo com uma firme vontade, ajudada de graça, que nunca falta a quem pede. O soldado para cumprir o seu dever, o negociante para enriquecer, o trabalhador para ganhar o seu sustento, sujeita-se a muitos mais cuidados e sacrifícios do que a religião nos exige. Salva-se quem quer, é uma verdade de fé.

Examinemos, segundo estes princípios, que caminho trilhamos. Não nos contentamos nós de viver como o grande número, de seguir os nossos gozos sem nos constrangermos, de tomar da religião o que nos agrada e de deixar o resto de lado? Aspiramos a imitar os santos ou o pequeno número dos escolhidos?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Desideria occidunt pigrum: noluerunt eui, quidquam manus ejus operari (Pr 21, 25)

(2) Vive cum paucis ut salvaris merearis cum paucis

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 40-43)