Meditação para a Décima Sexta Quinta-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos sobre a mortificação da língua, e veremos:
1.º Quão nociva é a língua, quando se não sabe refreá-la;
2.° Quão útil é, quando refreada.
— Tomaremos depois a resolução:
1.º De nos lembrarmos, quando falarmos, de que Deus ouve todas as nossas palavras e nos obrigará a dar uma rigorosa conta delas;
2.° De nunca falarmos do próximo senão para dizer bem dele ou ao menos de nada dizermos que o ofenda;
3.° De falarmos pouco e com moderação: quem fala muito e fala alto, fala sem reflexão e sem prudência.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Apóstolo São Tiago:
“Se algum cuida que tem religião não refreando a sua língua, a sua religião é vã” – Si quis putat se religiosum esse, non refrenens linguam suam… hujus vana est religio (Zc 1, 26)
Meditação para o Dia
Adoremos Nosso Senhor revelando pelo Apóstolo São Tiago a necessidade de refrear a nossa língua, pois abandonada a si mesma, pode ser muito nociva, e refreada, pode ser muito útil.
“Da língua, diz ele, procede a benção e a maldição: com ela louvamos a Deus; e com ela amaldiçoamos aos homens, que foram feitos à semelhança de Deus; com ela somos úteis aos nossos irmãos, e com ela somos-lhes nocivos” – Ex ipso ore procedit benedictio et maledictio (Zc 3, 10)
Finalmente, diz o Espírito Santo nos Provérbios, a morte e a vida dependem da língua (1). Demos graças a Deus por advertências tão importantes para a nossa salvação e para o bem da sociedade.
PRIMEIRO PONTO
Quão nociva é a língua, quando se não sabe refreá-la
Quando o Espírito Santo nos fala do dano que causa a língua não refreada, parece esgotar toda a força da expressão. A língua, diz Ele, é um mundo de iniquidade (2); é um mal inquieto (3); leva a toda a parte a perturbação e a desordem; indispõe os ânimos, gera os ódios, e semeias discórdias. É um veneno mortífero (4); que mata ao mesmo tempo aquele que fala, e aquele que ouve com ar de aprovação, muitas vezes até aquele de quem se fala, seja por ira e vingança que concebeu contra ele, seja pela perda da sua reputação e honra, que não sabe suportar cristãmente. É um fogo do inferno (5), que não poupa nem o que é sagrado, nem o que é profano, nem superiores, nem iguais; que insulta a Deus com a blasfêmia e a impiedade, que corrompe as almas, as incita ao mal. A prova de que esta pintura nada tem de exagerado, é:
1.° Que os pecados da língua são de todos os pecados os mais comuns e a matéria mais ordinária de quase todos as confissões;
2.° Que a língua serve de instrumento às mais ignóbeis paixões, aos maus gênios, que não sabem dizer coisa alguma com tranquilidade, mas disputam e se enfurecem a cada passo; à soberba que, querendo que todos estejam abaixo dela, critica tudo o que eles fazem, exagera as suas faltas, deprecia as suas virtudes; à inveja, que busca obscurecer tudo o que a sobrepuja, que não acha os outros tão censuráveis, senão porque tem sobre nós certas vantagens, que não pode nem ouvir que os louvem, sem diminuir o louvor com uma crítica, nem ver um mérito superior ao seu, sem procurar rebaixá-lo; à luxúria, que se exala do coração em palavras licenciosas; à ira, que sai fora de si; à duplicidade, que lisonjeia na presença e desacredita em segredo; à pusilanimidade, que vai traspassar com os seus tiros um ausente; à mentira, que sacrifica a verdade ao prazer de se mostrar espirituosa ou de suplantar os outros; à malignidade, que escarnece e ridiculariza os que lhe não agradam; ao mau gênio, que folga com as disputas e os clamores, e quer que prevaleçam sempre as suas próprias idéias. Ora todos estes fatos e milhares de outros, que revela a experiência quotidiana, não nos dizem quão necessário é mortificar a nossa língua, medir as nossas palavras, e lembrar-nos, quando falarmos, de que Deus está ao nosso lado, que ouve tudo, e que um dia nos pedirá conta de tudo, até da palavra ociosa? (6)
SEGUNDO PONTO
Quão útil é a língua refreada
Quando um homem sabe refrear a sua língua, não diz senão o que é bem, senão coisas que atraem para Deus e para a virtude. A boca do justo, diz o Espírito Santo, é uma fonte de vida (7). A sua língua é uma prata depurada (8), e a sabedoria se acha nos seus lábios (9). Jesus Cristo no-lo ensina com o seu exemplo, porque só proferia palavras de graça que causavam admiração a todos os que o ouviam (10), e exclamavam depois de o ter ouvido:
“Nunca homem algum falou como este homem” – Nunquam sic locutus est homo (Jo 7, 46)
Com a língua, faz-se conhecer e amar a Deus, os seus mandamentos e conselhos; ensina-se aos homens a amarem-se uns aos outros, a suportarem-se com paciência, a afastarem-se do mau caminho, que conduz à perdição, e a seguir o bom caminho, que conduz ao céu (11). Com a língua, consolamos os aflitos, fazemos cessar o pranto e abençoar a religião, que inspira tanta amabilidade e graça (12). Com a língua unem-se os corações divididos, reconciliam-se os indivíduos e as famílias, alarga-se o reino da paz e da caridade (13). Com uma palavra doce faz-se que gostem dos sábios conselhos e das pias exortações (14). Oh! Quão útil é, pois, a língua, quando refreada!
Roguemos a Nosso Senhor, que permita, que refreemos assim a nossa.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Mors et vita in manu linguae (Pr 18, 21)
(2) Universitas iniquitatis (Zc 3, 6)
(3) Inquietum malum (Zc 3, 8)
(4) Plena veneno mortifero (Zc 3, 8)
(5) Lingua ignis est inflammata a gehenna (Zc 3, 6)
(6) Omne verbum otiosum quod locuti fuerint homines, reddent rationem de eo in die judici (Mt 12, 36)
(7) Vena vitae, os justi (Pr 10, 11)
(8) Argentum electum, ligua justi (Pr 10, 20)
(9) In labiis sapientis invenitur sapientia (Pr 10, 15)
(10) Mirabantur in verbis gratiae quae procedebant de ore ipsius (Lc 4, 22)
(11) Labia justi erudiunt plurimos (Pr 10, 21)
(12) Sapiens in verbis seipsum amabilem facite (Ecl 20, 13). Lingua eucharis in homo homine abundat (Ecl 6, 51)
(13) Labia justi cosiderant placita (Pr 10, 32)
(14) Lex clementiae in lingua ejus (Pr 31, 26)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo VI, p. 207-211)