Quid retribuam Domino, pro omnibus quae retribuit mihi? Calicem salutaris accipiano, et nomen Domini invocabo – “Que darei ao Senhor por todos os benefícios que me tem feito? Tomarei o cálice da salvação, e invocarei o nome do Senhor” (Sl 115, 12-13)
Sumário. A santa missa foi instituída particularmente para agradecer a Deus os benefícios que nos tem feito. Quando celebramos, e, também de certo modo, quando assistimos ao sacrifício divino, podemos dizer com verdade: Senhor, as vossas misericórdias são imensas; mas eis que vo-las retribuo por meio de uma oferenda que vale tanto como vossos dons, e infinitamente mais. Portanto, se és sacerdote, não deixes um dia de celebrar a missa com a devida preparação e ação de graças; se és simples leigo, procura ao menos assistir à missa, ainda à custa de algum proveito temporal.
I. É mais do que justo que agradeçamos ao Senhor os imensos benefícios que nos fez a sua bondade infinita. Nós ainda não existíamos, ainda não existia o mundo, e Deus já nos amava e resolvera criar-nos no tempo e cumular-nos de seus dons na ordem da natureza e na da graça. – Mais: vendo o Eterno Pai que todos nós estávamos mortos e privados de sua amizade por causa do pecado, pelo grande amor que nos tinha, como escreve o Apóstolo, mandou seu Filho amado para satisfazer por nós (1).
A estes e mais outros benefícios que o Senhor fez a todos em geral, acrescentai tantos outros, igualmente inúmeros e imensos, que fez a cada um em particular: tantas inspirações e impulsos ao bem; a remoção de tantos perigos de cair, tantos pecados perdoados; e depois dize-me: Quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? – “Como poderemos nós, criaturas miseráveis, agradecer dignamente a Deus? – Calicem salutaris acciptam. Eis que Jesus Cristo nos proporcionou o meio para não ficarmos aquém das nossas obrigações, e de dar-lhe dignas ações de graças. É a santa missa, que, na frase de Santo Irineu, foi instituída principalmente por Jesus para este fim, e de que ele mesmo foi o primeiro a servir-se: Et accepto calice, gratias egit – “Tendo tomado o cálice, deu graças” (2).
Com este sacrifício divino o Pai Eterno se dá por plenamente retribuído e satisfeito; porquanto a vítima que lhe é oferecida, é seu próprio Filho, em que põe as suas complacências; e, numa palavra, o sacrifício de um Deus, que na consagração e na comunhão é sacrificado, morrendo misticamente. Portanto, quando celebramos, e, de algum modo também, quando assistimos à santa missa, podemos com verdade dizer a Deus: Senhor, reconhecemos que as vossas misericórdias são imensas; mas eis que Vo-las retribuímos com uma oferenda que por si só tem um valor igual a vossos dons e infinitamente mais. Ó excelência da santa missa!
II. Se és sacerdote, procura tributar todos os dias a Deus o preito condigno de agradecimento, pela celebração devota da santa missa; e lembra-te de que então rendes mais glória a Deus, do que lhe renderam e lhe renderão em toda a eternidade todos os Anjos e Santos do céu, sem exceptuar a divina Mãe Maria.
– Se não és sacerdote, reverencia os ministros de Deus e procura ao menos assistir todos os dias ao sacrifício divino, mesmo à custa de algum proveito temporal, na certeza de que o Senhor lhe recompensará abençoando todas as tuas ações do dia. – Pela assistência devota ao divino sacrifício, também tu renderás ao Senhor dignas ações de graças, como foi revelado a Santa Teresa. Lamentando-se um dia a Santa por não saber agradecer bastante à divina bondade os favores de que se via cumulado, ouviu uma voz do céu que lhe disse distintamente: Ouve uma missa.
Ah, meu Senhor! Eu também me vejo cumulado de vossas misericórdias, visto que tudo quanto possuo na alma e no corpo me veio de Vós. Vós me destes a existência, de preferência a tantos outros que Vos teriam servido melhor que eu; adotastes-me por Filho no santo Batismo; nos outros sacramentos me abristes outros tantos canais de graças; afinal, destes-me um anjo por guarda, Maria Santíssima por Mãe, e Jesus Cristo por meu Redentor. Permite, ó meu Deus, que em agradecimento de tantos favores Vos ofereça o vosso próprio Filho, que cada dia se sacrifica tantas vezes sobre nossos altares.
Permite igualmente que, vendo meu Jesus todo sacrificado e aniquilado por meu amor no divino Sacramento, eu Vos faça o sacrifício de mim mesmo e o una ao sacrifício de valor infinito de Jesus. Consagro-Vos, ó Senhor, toda a minha alma, toda a minha vontade, toda a minha vida. Aceitai-me pelos merecimentos de Jesus Cristo, e dai-me a graça de Vos renovar este sacrifício todos os dias de minha vida, até morrer consumindo-me todo pela vossa glória.
– Peço também a mesma graça a vós, ó grande Mãe de Deus e minha Mãe, Maria.
Referências:
(1) Ef 2, 4
(2) Lc 22, 17
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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 314-316)