Meditação para o Sábado depois das Cinzas
SUMARIO
Meditaremos:
1.° A santidade do tempo quaresmal;
2.° Os meios de santificar este tempo.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De resguardarmos melhor o nosso coração e os nossos sentidos do pecado e da distração;
2.° De tratarmos durante este tempo da reforma do defeito que mais nos importa corrigir.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra de São Paulo:
“Eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora os dias de salvação” – Ecce nunc tempus acceptabile, ecce nunc dies salutis (2Cor 6, 2)
Meditação para o Dia
Transportemo-nos pelo pensamento ao deserto, onde Jesus passou quarenta dias e quarenta noites. Contemplemo-lO humilhado diante da majestade de Deus seu Pai, prostrado de joelhos, multas vezes até com o rosto em terra, derretendo-Se, ora em adorações, louvores, ações de graças, ora em súplicas para obter de seu Pai misericórdia a favor dos pobres pecadores; e juntando a estas súplicas, feitas com as lágrimas nos olhos, uma incomparável mortificação, pois que, durante estes quarenta dias, não bebe nem come, não tem outra cama senão as pedras e a terra nua, outro abrigo senão a abóbada do céu. Tributemos-Lhe neste estado toda a nossa adoração e admiração, todo o nosso reconhecimento e amor.
PRIMEIRO PONTO
Santidade do Tempo Quaresmal
Nosso Senhor ensina-no-lo com o Seu exemplo. Ainda que a Sua vida foi sempre eminentemente santa, dá-lhe, durante estes quarenta dias, um caráter exterior de santidade inteiramente especial:
1.º Passa estes dias no retiro; é dizer-nos que os passemos também com um santo recolhimento de espírito, condição necessária para ouvir a Deus no íntimo do coração, estudá-lO e conhecê-lO, amá-lO e gozá-lO; e ao mesmo tempo com um espírito de reflexão, condição não menos necessária para nos conhecermos a nós mesmos, nos emendarmos;
2.° Passa este tempo em oração para nos dizer que sejamos mais exatos nos nossos exercícios de piedade, que oremos mais e com mais fervor;
3.° Sujeita-Se durante este tempo à mortificação mais rigorosa para nos dar a entender que é preciso, durante a Quaresma, conceder menos à sensualidade, ao gosto, ao prazer, aceitar as privações impostas pela Igreja e fazer verdadeira penitência.
É assim que Nosso Senhor, com o Seu exemplo, nos ensina a santidade do tempo quaresmal; e este ensino do Salvador é confirmado pelo da Igreja. Porque, para que são estas pregações mais frequentes, estes exercícios religiosos mais multiplicados; para que são estas privações prescritas, senão para nos dizer que devemos santificar estes dias pela penitência? Oh! Abençoada seja a Igreja por este ensino! No decurso da vida esquecemos tão facilmente a penitência! Temos grande necessidade de sermos chamados cada ano a fazê-la: porque a penitência é-nos indispensável, quer para expiar os nossos pecados passados, quer para evitar as recaídas, a que a nossa fragilidade nos arrastaria infalivelmente.
A todos estes ensinos sobre a obrigação de passar santamente a Quaresma acresce uma razão poderosa, tirada dos augustos mistérios da Paixão e da ressurreição do Salvador, aos quais a Quaresma serve de preparação. Porque o fruto destes mistérios deve ser a morte a nós mesmos, e uma vida nova toda em Deus e para Deus; ora estes mistérios não produzirão este fruto em nós senão santificando verdadeiramente a quaresma. Receberemos a plenitude das graças anexas à sua celebração, se chegarmos bem dispostos ao fim da Quaresma; mas sucederá o contrário, se tivermos a desgraça de passar dias tão santos na distração, na irreflexão e tibieza.
Compreendamos, pois, bem a Santidade deste tempo e a necessidade de o passar melhor que os outros tempos do ano.
SEGUNDO PONTO
Meios de Santificar a Quaresma
1.º Devemos cuidar em aperfeiçoar as nossas obras costumadas, porque consiste nisto toda a santidade; isto é, que devemos, durante estes santos dias, fazer melhor as nossas orações e os nossos exercícios espirituais, empregar melhor o nosso tempo, vigiar melhor as nossas palavras, dar a cada uma das nossas obras uma perfeição maior, e oferecê-las a Deus unidas com a penitência de Jesus no deserto, em expiação dos nossos pecados e dos pecados de toda a terra;
2.º Devemos guardar o jejum e a abstinência que a Igreja prescreve, e se não podemos e estamos dispensados deles, devemos supri-los com a mortificação interior, fazendo jejuar a vontade por espírito de obediência e condescendência, o gênio por uma brandura sempre igual, a língua pelo silêncio ou pela discrição nas palavras, a boca pela privação de certos deleites de nenhum modo necessários, os olhos pela retenção das vistas, todo o corpo pela modéstia do porte e do andar, todo o interior finalmente pela supressão dos pensamentos inúteis, das quimeras, dos desejos infinitos, de que o coração se deixa levar se o não retem: estas mortificações não fazem mal nem à cabeça nem ao peito, e fazem grande bem à alma;
3.° Devemos aceitar de boa vontade as tribulações que Deus nos envia, como as enfermidades, a tolerância dos gênios, dos defeitos e das vontades contrárias;
4.° Finalmente, devemos fixar um defeito particular, cuja reforma prosseguiremos durante toda a Quaresma.
«É este, diz São Crisóstomo, o melhor de todos os jejuns, porque os seus frutos duram, não só todo o ano, mas até na eternidade»
Estamos nós bem resolvidos a abraçar estes diversos gêneros de mortificação? Tenhamos ânimo para nos decidirmos a isso.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 86-89)