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Pensamento da Morte

 Meditação para a Quarta-feira de Cinzas. Pensamento da Morte

Meditação para a Quarta-feira de Cinzas

SUMARIO

Consideraremos que a cerimônia da Cinza nos convida a santificar a Quaresma:

1.° Com a penitência e mortificação;

2.° Com o pensamento da morte.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De abraçarmos de boa vontade as mortificações próprias deste santo tempo, o jejum e a abstinência, com todas as tribulações que a Providência nos enviar;

2.° De nos excitarmos a fazer bem todas as coisas conforme a palavra cie São Bernardo:

“Se tivesses de morrer hoje}, farias isto ou aquilo?” – Si modo moriturus esses an hoc vei illud faceres?

Meditação para o Dia

Adoremos o espírito de Deus, inspirando é Igreja a cerimônia da Cinza, para nos ensinar as piedosas disposições em que devemos passar o santo tempo da Quaresma. Agradeçamos-Lhe este excedente ensino, e supliquemos-Lhe que no-lo faça bem compreender e pôr em prática.

PRIMEIRO PONTO

A cerimonia da Cinza prega-nos a Penitência e a Mortificação

Desde os mais antigos tempos, a cinza imposta na cabeça tem sido um emblema de penitência e de dor. Jó, arrependido de ter advogado a causa da sua inocência com termos pouco comedidos, exclama:

“Repreendo-me a mim mesmo, e faço penitência no pó e na cinza” – Ipse me reprehendo, et ago paenitentiam in avilia et cinere (Jó 42, 6)

Em penitência do sacrílego roubo cometido por Acã na tomada de Jerico, Josué e os anciãos de Israel cobrem-se de cinza (Js 7, 6). Mais tarde, Judite, Ester, Mardoqueu, Judas Macabeu, empregam este meio para aplacar a ira do céu; Jeremias e todos os profetas aconselham esta prática aos judeus feridos por Deus (1). Finalmente, Nosso Senhor em pessoa dá a cinza como um símbolo de penitência, quando diz dos habitantes de Ciro e de Sidônia, que se tivessem visto os milagres obrados por ele no meio da Judeia, teriam feito penitência em cilício e em cinza (Mt 11, 21). É o que explica o motivo porque a Igreja primitiva distinguia com a cinza os penitentes dos fiéis; e até no primeiro dia da Quaresma ela cobria de cinza a cabeça de todos os seus filhos sem distinção, por esta razão que todo o cristão, diz Tertuliano, nasceu para viver na penitência. Por conseguinte, esta cerimônia da cinza é como um selo que nos vota a penitência, de sorte que receber a cinza sobre a cabeça, sem ter a contrição no coração, é simular um sentimento que se não tem, é uma hipocrisia.

Entremos de bom grado no espírito da Igreja, logo no primeiro dia desta santa Quaresma. Exige-o o interesse da nossa salvação; Jesus Cristo declara-o formalmente com estas palavras: Se não fizerdes penitência, todos acabareis da mesma sorte (2), todos perecereis; e no-lo ensina ainda melhor com o Seu exemplo: toda a Sua vida foi uma penitência contínua. Todos os santos, à Sua imitação; fizeram penitência, e nós pois, com que direito nos eximiríamos dela? Temos pecado muitas vezes; ora todo o pecado, até perdoado, requer penitência. Temos paixões a domar, tentações a combater; ora a penitência é o mais seguro preservativo contra umas e outras.

Consultemos aqui a nossa consciência: temos nós o espírito de penitência próprio do santo tempo da Quaresma?

SEGUNDO PONTO

A cerimônia da Cinza convida-nos a santificar
a Quaresma com o Pensamento da Morte

Homem, diz-nos hoje a Igreja, lembra-te de que és pó e em pó te hás de tornar. O cristão, que vem ouvir esta palavra ao pé do altar, apresenta-se pois ali como uma vítima que, sujeita à sentença proferida contra ela, vem oferecer-se para ser, quando aprouver ao supremo Árbitro da vida e da morte, reduzida a cinzas e sacrificada à Sua glória? Com este ato ele parece dizer a Deus:

«Senhor, eu venho cumprir pelo pensamento o que concluireis dentro em pouco tempo. Resolvestes, em castigo do meu pecado, reduzir-me um dia a cinzas. Venho pessoalmente experimentá-lo desde hoje; antecipo a sentença da vossa justiça; e executo-a já»

A Igreja, fazendo-nos começar a Quaresma por esta solene aceitação da morte, pelo grande sacrifício de quanto temos e somos, dá-nos a entender que olha o pensamento da morte como o mais próprio para nos obrigar a passar santamente a Quaresma, isto é, fugindo do mal, praticando a penitência e todas as virtudes. Com efeito, quem pode pensar seriamente na morte, e não se conservar sempre pronto a comparecer diante de Deus, não vigiar sobre as suas ações e palavras, não mortificar a sua carne para expiar as suas culpas passadas e satisfazer à justiça divina, não multiplicar às suas obras e aumentar os seus méritos (3), não se desapegar de tudo o que há de durar tão pouco, e não repetir consigo a cada momento a palavra de São Bernardo:

«Se eu tivesse de morrer depois desta confissão, como obraria eu? Depois desta comunhão, como me disporei eu para isso? Depois desta conversação, como hei de eu falar? No fim desta semana, deste mês, como me hei de eu portar?» – Si modo moriturus esses, an hoc vei illud faceres?

Roguemos a Deus que nos faça compreender bem esta grande lição da morte, e deduzir dela as consequências práticas próprias para santificar a Quaresma.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Aspergite vos cinere (Jr 25, 34)

(2) Si paenitentiam non egeritis, omnes similiter peribitis (Lc 13, 5)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 77-80)