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Embriaguez

Embriaguez, Tesouros de Cornélio à Lápide

A embriaguez é um pecado

Cuidai, disse Jesus Cristo, de que não se ofusquem vossos corações na libertinagem e na embriaguez: Attendite vobis, ne gaventur corda vestra in crápula et ebrietate (Lc 21, 34). Quando a embriaguez chega a alcançar a perda voluntária da razão, comete-se pecado mortal.

Segundo Santo Agostinho, aquele que se esforça para embriagar a alguém, fazendo-o beber em demasia, dar-lhe-ia menos prejuízo matando-o a punhaladas do que matando sua alma com a embriaguez[1].

Não aceites os convites dos bêbados, dizem os Provérbios: Noli esse in conviviis potatorum (Pr 23, 20). Porque aqueles que se entregam ao vinho serão afastados da herança de seus pais, acrescentam os Provérbios (Pr 23, 24). O vinho introduz-se suavemente; porém, ao final, morde como a serpente, e derrama seu veneno como o basilisco: Vinum ingreditur blande; sed in novíssimo mordebit ut coluber (Pr 23, 31-32).

O vinho e as mulheres fazem os sábios apostatarem, diz o Eclesiástico: Vinum et mulieres apostatare faciunt sapientes (Eclo 19, 2).

Ai de vós, diz Isaías, aqueles que vos levantais pela manhã para vos empapar e beber em excesso até a noite, até que vos abrase o vinho! Vae qui consurgitis estis ad bibendum vinum, et viri fortes ad miscendam ebrietatem (Is 5, 22).

Por esta razão, assim como a língua do fogo devora a estopa, e a queima o ardor da chama, do mesmo modo a raiz deles será como cinza e pó, e desvanecer- se-á seu renovo: Propter hoc, sicut devorat stipulam língua ignis, et calor flammae exurit, sic radix eorum quase favilla erit, et germen eorum ut pulvis ascendet (Is 5, 24).

Uma taça cheia de vinho é um poço prateado no qual cai o ébrio, perde sua alma, sua razão, e afoga-se com tudo o que possui.

Poço do inferno, chama Santo Agostinho, à embriaguez (Serm. CCXXXI).

A embriaguez é, pois, um crime, um crime abominável. Os ébrios são muito culpáveis por se entregarem a tão degradante e monstruosa paixão. A embriaguez é um pecado especial, posto que coloca o pecador em um perigo certo e inevitável de condenação eterna.

Se a morte ameaça aos demais pecadores, estes arrependem-se estando na posse gozosa de sua razão, e podem, então, ser perdoados; porém, quem está ébrio é incapaz de arrependimento e penitência; e, se vem a morrer em sua embriaguez, a qual matou nele a razão, haverá de ser um réprobo.

Prejuízos e funestos efeitos da embriaguez

A embriaguez, diz São Bernardo, debilita o corpo e lança a alma em cadeias. Ela produz a perturbação do espírito, e enche o coração de furor.

A embriaguez reduz de tal modo a razão que o homem chega a não mais reconhecer a si mesmo. A embriaguez não é outra coisa que um demônio visível que a todos se manifesta[2] .

1.° A embriaguez mata a razão natural;

2.° O homem embriagado nem a seus amigos reconhece;

3.° Tem uma alegria semelhante à dos loucos;

4.° Encoleriza-se sem motivo;

5.° Blasfema frequentemente;

6.° Exala e esparge um odor que provoca náuseas; e

7.° O ébrio torna-se insensato; porque, como disse o filósofo Anacársis, na primeira taça de vinho há utilidade; na segunda, alegria; na terceira, o deleite; e na quarta, a loucura (Anton. in Meliss.).

A enfermidade da embriaguez, disse Orígenes, corrompe o corpo e a alma; o espírito e a carne viciam-se; todos os membros debilitam-se; os pés, as mãos e a língua ficam atados, e os olhos obscurecidos; tudo se esquece, de modo que o bêbado não sabe nem sente mais que é homem[3].

Se não existisse a embriaguez, cessaria a escravidão, diz Santo Ambrósio: Non esset servitius, si ebrietas non fuisset (De Elia et jejunio, c. XVI).

O que é a embriaguez? A embriaguez, diz São Basílio, é um demônio voluntário: esta paixão é mãe da malícia, inimiga da virtude; converte um homem forte e enérgico e um preguiçoso e covarde; de um sóbrio faz um dissoluto. Este vício ignora a justiça, e mata a prudência; O que são os bêbados senão estátuas que tem olhos e não veem, tem ouvidos e não ouvem, tem pés e não andam?[4]

O que é a embriaguez, pergunta Santo Ambrósio. É o fogo da luxúria, o caminho da loucura e o veneno da sabedoria: Est fomentum libidinis, incentivum insaniae, venenum sapientiae (Lib. I de Elia et jejunio, c. XVI).

O que é a embriaguez? É, diz São João Crisóstomo, um demônio, um morto animado, uma enfermidade que não merece compaixão, uma ruína sem desculpa razoável, e o opróbrio universal da raça humana: Est daemon, mortuus animatus, morbus veniam non habens, ruina excusatione carens, commune generis nostri opprobium (Homil. I ad pop.).

1.° A embriaguez provoca a ira de Deus;

2.° Faz ao homem inferior aos animais;

3.° Inflama a luxúria;

4.° Arruína a saúde e a fortuna;

5.° Faz perder o pudor e a prudência; e leva o homem a palavras desonestas, às disputas, ao furor, aos golpes etc.; e

6.° Mata a alma, o corpo, o espírito, o coração, a inteligência, a memória, a vontade, a paz, a conduta e a honra.

Com a embriaguez, diz Santo Ambrósio, perde-se o espírito, a alma abrasa-se: Animus ignoscit, anima exuritur (Lib. I de Caino, c. V).

A embriaguez sofre os mesmos tumultos e agitações que uma cidade sitiada, diz São João Crisóstomo (Homil. LIV ad pop.).

O vinho, diz São Cirilo, é mel para a boca, porém fel envenenado para a cabeça; agrada ao paladar, porém queima as entranhas; faz fumegar a cabeça, obscurece os sentidos, confunde o vigor, destrói a imaginação, apaga o espírito, encobre a visão, debilita os nervos, faz gaguejar, ata a língua e desonra-a, agita as mãos, inflama o peito, subleva a luxúria, altera a pureza do sangue, perturba o modo de andar, e descompõe de tal maneira todo o corpo, que da cabeça aos pés não fica uma parte sã[5].

Semelhante a uma fera, pode se dizer que o bêbado tem as más circunstâncias do macaco, do leão, do porco e do bode. O vinho torna-o ridículo e tontamente zombeteiro como o macaco, impetuoso como o leão, asqueroso como o porco, e impuro como o bode.

A embriaguez tudo devora, faz tudo se perder e a tudo consome; não há abismo mais seguro para dar sepultura à saúde do homem, à fortuna, à paz e à salvação. Quanto mais se lançam coisas neste abismo, mais ele recebe e menos se preenche. É a imagem do Inferno.

Santo Agostinho compara os bêbados a um pântano no qual somente se podem ver rãs e cobras (Serm. CCXXXI).

A embriaguez, diz o venerável Beda, é um estado de imbecilidade; faz perder a memória e a razão, perturba o espírito, mata a inteligência, suscita a luxúria, trava a língua, destrói a palavra, corrompe o sangue, decompõe o rosto, agita as veias, fecha os ouvidos, debilita os nervos, faz perder o sentido, devora as entranhas, sobrecarrega o cérebro, suprime o valor, atrai o delírio, detém a circulação do sangue, endurece a alma, mancha e desfigura o corpo, a embriaguez profana tudo no homem, convertendo-o em um ser abjeto e desprezível[6].

Possuído pela paixão da embriaguez, o encarregado de dirigir algo perde tudo, quer seja um navio, um carro, quer seja um exército ou outra coisa que dirija. É o que diz Platão: Ebrius gubernatot omnia evertit, sive navem, sive currum, sive exercitum, quodcumque tandem sit, quod ab illo gubernatur (Apud Stobaeum, Serm. XVIII).

E em outra obra, acrescenta o mesmo Platão: Não devem provar jamais o vinho nem os criados nem as criadas, nem os magistrados, tampouco enquanto atuem; nem governador algum, nem juiz, enquanto se achem no exercício de suas funções[7].

O bêbado, diz os Provérbios, é como um homem dormindo em meio do borrascoso mar, como um timoneiro sonolento que perdeu o timão: Et eris sicut dormiens in médio mari, et quase sopitus guvernator, amisso clavo (Pr 23, 34).

O bêbado bebe para vomitar, e vomita para beber de novo; que asquerosa monstruosidade!

Ó vinho, diz São Cirilo, conheço-te: doçura atrativa e plena de veneno! Aborreces aos que te amam, e amas aos que te aborrecem; matas aos que gozam de ti, afogas aos teus amantes, e feres aqueles que abusam de ti; mas és um remédio para aqueles que de ti se servem com sobriedade. Conheço-te, melosa peçonha[8].

Não há segredo seguro onde reine a embriaguez, dizem os Provérbios: Nullum secretum est ubi regnat ebrietas (Pr 31, 4).

Assim como a fumaça afugenta as abelhas, a embriaguez faz desaparecer os dons do Espírito Santo, diz São Basílio: Ut fumus fuga tapes, sic crapula fugat dona Spiritus Sancti (Homil. XVI de Ingluv.).

Para aqueles que vivem na embriaguez e na luxúria, diz São João Crisóstomo, o dia converte-se em noite obscura; não desaparece o sol; porém, sim, desaparece o espírito. A embriaguez é a privação da sã razão, é um delírio, é a perda da saúde da alma[9].

A embriaguez destrói a prudência, a dignidade, o dever, a fé, a virtude e a religião, e até afugenta do coração a Deus.

O bêbado é um vazamento sempre aberto, e não há nada que o possa estancar.

Como o fogo prova a dureza do ferro, diz o Eclesiástico, assim o vinho bebido até a embriaguez descobre os corações dos soberbos: Ignis probat ferrum durum; sic vinum corda arguet in ebietate potatum (Eclo 31, 31). O vinho bebido com excesso, acrescenta o Eclesiástico, conduz à cólera, aos arrebatamentos, e à ruína; o vinho bebido com excesso é a amargura da alma. A embriaguez faz ousado o néscio para ofender, põe nervosas as forças, e é ocasião de feridas (Eclo 31, 38-40).

A água é inimiga do fogo, diz São Basílio, apaga-o; e, assim, também o vinho bebido com excesso, afoga a razão e é sua morte; é um veneno mortal que apaga todo o vigor, e transforma o jovem em velho. A embriaguez é uma morte momentânea[10].

Tal vício, acrescenta São Basílio, produz o mesmo efeito que experimenta uma carruagem arrastada por fogosos e indômitos cavalos (Homil. XVI de Ebriet.).

A vinha tem três ramas, diz Anacársis:

  • a primeira é a da saúde e do prazer;
  • a segunda é a da embriaguez; e
  • a terceira, a da loucura, do furor e da violência (Anton. in Meliss., c. XLI).

A vigilância e a sobriedade são coisas de homens; e a embriaguez converte ao homem em uma besta selvagem, diz São Basílio. A água submerge os navios, e o vinho submerge aos homens. Daí brotam aquelas palavras de Isaías: Transportaram- se desatentos por causa de sua embriaguez: (Is 28, 7)[11].

Os bêbados absorvem o vinho: porém o vinho, por sua vez, absorve a eles (Homil. XVI. de Ingluv.).

A embriaguez é a perturbação das famílias. O bêbado faz derramar tantas lágrimas a sua esposa e a seus filhos quantas gotas de vinho ele bebe.

A embriaguez é vergonhosa e degradante

Que vergonha e que horror se veem quando o homem, com a embriaguez, põe-se no horrível estado de não saber se é homem, de não ter consciência se ainda vive ou se já morreu!

Com a tua embriaguez, ó homem poderoso em beber, exclama São Basílio, privas-te da luz da razão e mereces ser contado entre os animais irracionais: Mentis lumine per ebrietatem te privas; inter bestias ratione carentes annumerari potes (Homil. XIV).

A embriaguez, diz São João Crisóstomo, converte aos homens em uns porcos, e ainda por cima demoníacos. A boca, os olhos, o olfato, e todos os demais sentidos destes homens transformam-se em asquerosos esgotos de corrupção[12].

Com a embriaguez, diz Santo Ambrósio, os homens perdem a voz e a cor, seus olhos se põem vítreos, sua respiração abrasa-se, as aberturas de seu nariz se estremecem, e a cólera agita-lhes (De Elia et jejunio, c. XVI).

O homem ébrio não é um morto, tampouco um vivo, diz São Jerônimo: Quid est ebrietas? Est homo nec moruus, nec vivus (In c. V. ad Galat.).

Observai onde reina a embriaguez, diz São João Crisóstomo, e ali achareis Satanás; ali achareis as palavras obscenas, as blasfêmias e as imprecações; ali os demônios formam coro. Ó, quão preferível é o jumento ao bêbado! Quanto mais vale o cachorro! Todos os animais, quando bebem e comem, não tomam senão o necessário, ainda que se lhes insista mil vezes a que tomem mais (Homil. LVII).

A embriaguez arrasta depois de si a desordem e mil misérias:

1.° O homem submerso no vinho, desprovido de razão, descobre todo o seu coração, faz traição de seus segredos, atrai para si o ódio, e prepara-se ciladas;

2.° Quando se acha em tão vergonhoso estado, diz e faz coisas ridículas, desprezíveis e insensatas. Confunde tudo, diz São Basílio, tumultua tudo com suas risadas imoderadas e indecentes, com suas vozes atordoantes, com sua ira pronta e sua desenfreada luxúria: Omnia confundit ac perturbat risu indecoro, você horrenda, iraproecipiti, libidine effrenata (Orat. De Ebriet.);

3.° Gasta mal seu patrimônio, e vê-se reduzido à miséria com sua desgraçada esposa e seus filhos; porque, como diz Santo Ambrósio, os bêbados bebem em um dia o valor do trabalho de muitos dias: Ebrii uno die bibunt multorum dierum labores (De Elia, c. XII); e

4.° Transtorna tudo e tudo derruba em sua casa; todos evitam-no atemorizados. No meio da noite fria e escura, todos na casa levantam-se pressurosamente e escondem-se para livrarem-se dos maus tratos daquela criatura convertida em besta feroz e furiosa.

A embriaguez, diz Santo Ambrósio, perturba os sentidos e até a forma humana; o homem converte-se em bruto; porque os homens ébrios estão como frenéticos; seus passos vacilam, avançam, retrocedem, vão da direita para a esquerda, caem, levantam-se, e voltam a cair outra vez (De Elia, c. XII).

Cobrem-se de poeira, e suas vestes fazem-se retalhos, seus ouvidos zumbem com ruídos semelhantes às ondas do mar. Como os loucos, veem os objetos de uma maneira muito diferente de como os vê as outras pessoas. Alguns se abandonam a uma alegria desmedida; outros à tristeza e às lágrimas, e alguns à ira. Dormem, e seu sono é agitado; sua vida é um sonho; para eles, seu sono é uma morte; e é impossível despertá-los! Que deplorável é semelhante vida! Que vã, inútil, pesada e escandalosa sua vida!

O bêbado é a vergonha do gênero humano. O bêbado, diz São João Crisóstomo, não somente é inútil à sociedade e aos interesses privados e públicos, senão que basta o seu aspecto para prostrar a todos; ele esparge odores fétidos[13].

Que vergonhoso é, diz Sêneca, tomar mais vinho do que é necessário, e não conhecer a medida de seu estômago! Ó, vejam a que grandes excessos entregam-se os bêbados que fazem roborizar aos homens sóbrios! A embriaguez é uma verdadeira loucura voluntária. A embriaguez leva somente à entregar-se a todos os vícios e a descobri-los; lança longe de si o pudor que a quer conter; e, desde o momento em que se apodera de um homem, põe a luz do dia toda a maldade que seu coração encerrava. Pensai nas desordens que já causou a embriaguez generalizada; esta embriaguez entregou nações fortes e belicosas a seus inimigos; entregou cidades que se defendiam com energia desde muitos anos; venceu e reduziu à escravidão aos mais temíveis combatentes, até aqueles a quem nem o ferro poderia domar (Ad Lucil.).

O bêbado é predigo, e a tudo ele perde e devora; quanto mais tem, mais quer beber; e apenas interrompeu, volta a começar de novo. Que vida mais animal e degradante! Cai na mesa e é preciso conduzi-lo para casa; cai no caminho, e é preciso levantar-se e sustentar-se; e, finalmente, lançá-lo na cama.

Tão glutão é o lobo, que quando está totalmente saciado, sem embargo, desgarra toda a presa que puder apreender; e vomita, a fim de poder devorá-la… assim é o bêbado. Sua única ocupação é beber, digerir ou vomitar, a fim de seguir bebendo, como diz São Bernardo; cifra toda a sua felicidade em seu paladar: Quorumproinde non alia est occupatio quam ingerere, digerere, ingerere (Epist.).

Os bêbados não despertam senão para beber, e não bebem senão para dormir. Em vez da glória, restarás coberto de ignomínia, diz o profeta Habacuc; segue bebendo, e dorme; e um vergonhoso vômito de ignomínia virá sobre tua glória: Repletus est ignominia pro glória; bibe, et consopire; et vomitus ignominiae super gloriam tuam (Hab 2, 16).

A embriaguez é manancial de impureza

Não vos entregueis com excesso ao fomento da luxúria, diz São Paulo: Nolite innebriari vino, in quo est luxuria (Ef 5, 18). Em quem houver excesso na bebida ou comida, diz São Jerônimo, nele domina o vício impuro. Não acreditarei nunca que o bêbado seja casto; e ainda que durma por causa do vinho, é luxurioso por causa do vinho. Noé, na única hora de sua vida em que foi surpreendido ou sobrecarregado pelo vinho, tomou uma postura indecente, o que jamais lhe havia sucedido durante seiscentos anos. Ló se embriagou uma vez, e cometeu incesto, sem o saber; e aquele a quem Sodoma não havia vencido, foi vencido pelo vinho[14].

Os costumes correspondem à temperança do corpo; o homem sóbrio é puro, o glutão é impuro.

A embriaguez, diz São Bernardo, alimenta a chama da impureza: Ebrietas nutritflammam fornicationis (Epist.).

A paixão vergonhosa excita-se pela vista, porém inflama-se pela embriaguez, diz Santo Ambrósio: Oculis excitatur libido, sed ebrietate succenditur (Apol. David., c. III).

Os fogos do Etna e do Vesúvio, diz São Jerônimo, a terra do Vulcano e do Olimpo, não tem tão abrasadoras chamas como os jovens plenos de vinho e de alimentos[15].

A embriaguez é o lugar da paixão impura, diz Santo Ambrósio; inflama-se o espírito e arde a alma: Illa vini ebrietas, fomes libidinis; animus ignescit, anima exuritur. Porque, como diz aquele grande Doutor, o homem ébrio, acendido por si mesmo e pelos abrasadores vapores do vinho, já não se pode conter, e cai nas paixões degradantes das feras[16].

Luxuriosa coisa é o vinho, dizem os Provérbios, e plena está de desordens a embriaguez; não será sábio quem a ela se entrega: Luxuriosa res vinum, et tumultuosa ebrietas: quicumque his delectatur, non erit sapiens (Pr 21).

Ouçamos a São Basílio: A incontinência, diz, emana publicamente do vinho, como a água de uma fonte; é tão forte, excitada pelo vinho, que deixa atrás de si todas as loucuras e os furores dos brutos mais lascivos: Ipsa incontinentia aperte ex vino, velut ex quodam fonte, manat; quae brutorum omnem insaniam longe superat (Homil. de Ebriet.).

Que males não causa a embriaguez! – exclama São João Crisóstomo – transforma os homens em animais imundos, e ainda os faz de pior condição; porque o porco deleita-se em revolver-se na lama e alimentar-se de imundícies[17]; porém, a embriaguez leva a ações pecaminosas até contra a natureza (Homil. de Ebriet.).

A embriaguez é o naufrágio da castidade, diz Santo Ambrósio: Ebrietas naufragium castitatis (In lib. de Elia et jejuinio). É o lugar das paixões da carne, acrescenta: Ebrietas fomentum libidinis (Eod. loco). Arrasta a uma luxúria desenfreada, diz São Basílio (Homil. contra ebriet.). de um homem modesto faz um libertino, acrescenta aquele Santo Padre. A embriaguez é a instigadora da luxúria, o alimento dos deleites, a peste da juventude, o veneno da alma, e a ruína das virtudes: Ebrietas facit ex modesto lascivum. Ebrietas est luxuriae fomes, voluptatum duppeditatio, lues juventutis, animae venenum, virtutis alienatio (Eod. loco).

A embriaguez, diz Santo Agostinho, é a torpeza dos costumes, a vergonha da vida, o opróbrio da honradez, e a corruptora da alma: Ebrietas est turpitudo morum, dedecus vitae, honestitais infâmia, animae corruptela (Tract. de Sobriet. et Virgin.).

O ventre pleno de vinho está abrasado de impudicícia, diz São Jerônimo; aquele que se farta de vinho, alimenta a Vênus: Venter mero aestuans, despumat in libidines; qui ventrem farcit nutrit (Ad Eustoch.).

O vinho e a juventude são dois mananciais de impureza, prossegue São Jerônimo; e por que se lançaria o azeite sobre o fogo da juventude? Por que se acrescentaria fogo a um corpo que se abrasa?[18]

Este fogo que se introduz na carne com o vinho, diz São Basílio, é o fogo dos inflamados dardos do inimigo, aviva as paixões, como o combustível aviva o fogo: Ignis ille qui carni, ex vino innascitur, fomes fit ignitorum jaculorum inimici; voluptatis, ut oleum, flammam accendit (Homil. contra Ebriet.).

Uma taça de vinho é uma semente de impureza, diz São Jerônimo: Potum vini seminarium libidinis est (Lib. contra Jovin.).

Aristófanes chama ao vinho de leite de Vênus: Lac Veneris (Apud. Athen., lib. X).

A embriaguez é o manancial de todos os vícios

A sobriedade, diz Orígenes, é a mãe de todas as virtudes; e, pelo contrário, a embriaguez, a mãe de todos os vícios: Sobrietas omnium virtutum mater est; sicut, e contrario, ebrietas omnium vitiorum (Homil. III, de Levit.).

Ninguém é mais amigo do Inferno, diz São João Crisóstomo, do que aquele que se mancha com a embriaguez; porque esta paixão é o manancial, o principio e a mãe de todos os vícios: Diabolo nemo magis amicus est, quam qui deliciis et ebrietate maculatur. Haec enim fons est, haec mater est, et origo vitiorum omnium (Homil. LVIII, in Matth.).

A embriaguez é o arsenal de todas as paixões, diz Santo Ambrósio (In Lib. de Elia et jejunio). A embriaguez, diz em outra arte, é a mãe de todos os pecados, tempestade da carne, e naufrágio da castidade: Ebrietas est flagitiorum omnium mater, procela corporis, naufragium castitatis (Exhortat. ad Virgin.).

Onde estiver a embriaguez, diz São João Crisóstomo, ali está também o demônio e todas as iniquidades (Homil. LVIII).

A embriaguez, diz Santo Agostinho, principia por atacar a alma; é mãe de todas as malfeitorias, matéria das culpas, raiz de todos os crimes e origem de todos os vícios[19].

A embriaguez, diz São Basílio, é um demônio admitido na alma voluntariamente e por prazer. É mãe da malícia e inimiga declarada da virtude: Ebrietas daemon est sponte admissus pervoluptatem in ânimos. Ebrietas mater est malitiae, impugnatio virtutis (Apud Anton. in Meliss., lib. I, c. XLI).

O vinho eleva a libertinagem; a libertinagem, a fornicação; a fornicação à perda da fé e da religião; a perda da fé e da religião conduz à apostasia, e a apostasia à perda eterna de Deus e da salvação.

Ponciano chama à embriaguez de metrópole de todos os males: Malorum omnium matropolis (De Ebriet.).

Castigos da embriaguez

1.° Noé embriaga-se, e seu filho Cam insulta-o e castiga-o com uma zombaria sangrenta;

2.° Sansão, debilitado pelo vinho, é entregue a seus inimigos por Dalila; e os filisteus arrancam-lhe os olhos, e fazem-no dar voltas a um moinho como se fosse um quadrúpede;

3.° A embriaguez de Holofernes dá margem a que Judite corte-lhe a cabeça;

4.° O rei Baltazar vê, em meio do vinho, uma mão que escreve sua sentença de morte; e morre, com efeito, naquela mesma noite;

5.° Os filhos de , enquanto entregam-se aos prazeres da mesa, são esmagados pelas paredes da casa, a qual caiu sobre eles;

6.° Herodes, em sua embriaguez, mandara cortar a cabeça de João Batista, e ele mesmo foi ferido de morte cruel;

7.° O rico avarento do Evangelho, amigo do vinho, é precipitado aos Infernos, e nem sequer pode alcançar uma gota de água na outra vida, diz São João Crisóstomo: Dives epulo ob excessum in potu, ne guttulam quidem aquaepost hanc vitam habere meruit (Homil. in Luc. Evang.).

8.° Alexandre Magno, em sua embriaguez, mata a Clito, seu melhor amigo; e, mais tarde, mata-se a si mesmo (In Plutarchus.);

9.° Aman, computando seu orgulho na suntuosidade de seus festins, é condenado a ser enforcado; e, em meio aos vinhos, é quando paga a pena de sua embriaguez, diz Santo Ambrósio: Aman, dum se regali jactat convívio, inter ipsa vinapoenam suae ebrietatis exsolvit (In lib. de Elia et jejunio).

Ouçamos o que diz a Sagrada Escritura: Para quem são os “ais”? De que pais são as desditas? Contra quem serão as lutas? Para quem serão os precipícios? Para quem serão as feridas sem motivo algum? Quem traz os olhos acendidos? Não são estes os olhos daqueles que são dados ao vinho, e os que acham suas delícias em consumir taças? Cui vae? Cujus patri vae? Cui rixae? Cui faveae? Cui sine causa vulnera? Cui suffusio oculorum? Nonne his qui commorantur in vino, et student calibus epotandis? (Pr 23, 29-30).

Não incites os dependentes do vinho a beber, diz o Eclesiástico, porque do vinho vem a perdição de muitos: Diligentes in vino noli provocare, multos enim exterminavit vinum (Eclo 31, 30).

O bêbado, diz São Basílio, fica ao mesmo tempo absorvido ao absorver. Como o peixe que se lança com avidez sobre o anzol, que, em se apressando a tragar, encontra seu inimigo mortal nesta isca; assim também o bêbado recebe o vinho, que é seu inimigo, e que lhe impele a toda classe de excessos vis e vergonhosos[20].

Observemos que é um decreto justo e também um justo castigo de Deus, que os bens que nos havia dado para nosso uso e nossa santificação, convertem-se em desgraça nossa e em nosso castigo se abusamos deles, de maneira que chegam a ser nossos perseguidores e verdugos depois que nós os convertemos em ídolos. Assim sucede com o vinho, assim sucede com os homens, as riquezas e o deleite; assim sucede com as criaturas animadas, nas quais pomos nossa excessiva complacência.

Ai de vós, que vos levantais de manhã, para embriagar-vos!, exclama Isaías: Vae qui consurgitis mane ad ebrietate sectandam! (Is 5, 11).

Baltasar foi pesado na balança da justiça divina, e foi encontrado leve: Appensus est in statera, et inventus est minus habens (Dn 5, 27).

Os possuídos, diz São Basílio, são atormentados pelo demônio, entretanto, contra sua vontade; o bêbado, pelo contrário, é voluntariamente atormentado: A daemone torquentur daemoniaci, sed inviti et coacti; at ebrius ebrietate torquetur quiaplacet (Admonit. ad filium spirit.).

Debilitar intencionalmente a saúde e a vida, perder a honra e a razão; perder a fortuna e a tranquilidade; perder a família; perder a alma, ao Céu e a Deus etc. não são espantosos todos estes castigos que caem sobre o bêbado?

Assemelhar-se aos animais brutos, fazer-se ainda inferior a um animal imundo, excitar todas as demais vergonhosas inclinações, sem poder, nem tampouco querer dominá-las, não é tudo isso um terrível castigo?

Beber o cálice do furor de Deus, ficar embriagado com o vinho da angústia, da perplexidade, da ignomínia e confusão até o cúmulo da justiça de Deus, não são grandes castigos?

Colocar-se no estado de não poder arrepender-se, de não poder obter misericórdia, nem receber os Sacramentos, não é o mais horrível dos estados para a eternidade? O bêbado expõe-se, pois, a todas as desgraças, a todos estes castigos; atrai-os ordinariamente para si, e os merece sempre.

Beberá também, diz o Apocalipse, do vinho da ira de Deus, daquele vinho puro preparado no cálice da cólera divina; será atormentado com fogo e enxofre; e a fumaça de seus tormentos subirá pelos séculos dos séculos, sem que tenha descanso nenhum, dia e noite: Bibet de vino irae Dei, quod mixtum est mero in cálice irae ipsius; et cruciabitur igne et sulfure; et fumus tormentorum eorum ascendet in secula seculorum, nec habent requiem die ad nocte (Ap 14, 10-11).


Referências:

[1]  Qui alterum cogit ut se pius quam opus est bebendo inebriet; minus malum ei erat, si carnem ejus vulnararet gladio, quam animam ejus per ebrietatem necaret (Serm. CCXXXI).

[2]   Ebrietas corpus debilitat, mentem illaqueat. Ebrietas generat perturbationem mentis. Ebrietas auget furorem cordis. Ebrietas ita alieuat mentem, ut homo nescait semetipsum; nec est aliud ebrietas quam manifestissimus daemon (Lib. de modo bene vivendi, c. XXV).

[3]  In ebrietatis aegritudine corpus simul et anima corrumpitur; spiritus pariter cum carne vitiatur; omnia membra debilitat; pedem, manum, linguam resolvit; óculos tenebrat; mentem velat oblívio, ita ut hominem se esse nesciat, nec sentiat (Homil. III, in Levit.).

[4]  Quid est ebrietas? Est daemon voluntatius, malitiae mater, virtutis inimica, fortem virum reddit ignavum; ex temperante facit lascivum; justitiam ignorat, prudentiam extruinguit. Quid, quaeso, sunt ebrii, aliud quam gentium idola? Óculos habent, et non vidente; aures habent, et non audiunt; pedes habent, et non ambulant (Homil. XIV de Ebriet.).

[5]  Vinum mel ori est, sed fel capiti venenosum; sapit in ore, ardet in ventre, fumat in capite, contendit sensos, vigorem confundit, imaginationem destruit, tollit mentem, visum obnubilat, nervos laxat, linguam balbuficat et inhonestat, manus mobilitat, pectus inflammat, spumat luxuriam, vim gignitivam enervat, gressus inordinate; totumque corpus vastat, ita quod a planta usque ad verticem non est in sanitas (Lib. IV de Prov., c. V).

[6]  Ebrietas est imbecillitas, obvolvit linguam, impedit sermorem, corrumpit ert sanguinem, obtundit visum, perturbât venas, obturat auditum, infirmat nervos, subvertit sensum, resolvit viscera, onerat cerebrum, debilitat memoriam, aufert fortitudinem, flagitat somnum, impedit menstrua, obturat animum, maculat corpus, et hominem suo vitio coinquinat, et sine honore facit (In Collectanes).

[7]  Nec servus, sec serva, umquam vinum gustat: nec ipsi quidem magistratus illo, quo magistratus gerunt, anno; neque gubernatores, neque judices, dum ônus suum exercent, ullo modo vinum gustent (Lib. II de Legib.).

[8]   O amabile, Dulce, et omne venenum!Odis amantes te, diligis abhorrentes te, occidis te perfruentes, submergis te sectantes, laedis abutentes, mederis te atentes, novi te, mellitum venenum! (Apolog. in Judith).

[9] Illis qui in ebrietate et luxuria vivunt, dies in caliginem nocturnam vertitur; non quidem extincto sole, sed mente ipsorum per ebrietatem obfuscata. Ebrietas est rectae rationis alienatio, et delirium, et secundum animam sanitatisperditio (Homil. LIV adpop.).

[10]   Sicut aqua igni est adversa, sic vinum immodicum rationem supprimit. Ebrietas est rationis interitus, fortitudinispernicies, senectus imatura, mors momentânea (Homil. XVI de Ingluv.).

[11]  Texto ao qual o autor faz referência: Verum hii quoque prae vino nescierunt et prae ebrietate erraverunt sacerdos et propheta nescierunt prae ebrietate absorti sunt a vino erraverunt in ebrietate nescierunt videntem ignoraverunt iudicium (Nota do tradutor).

[12] Sues ex hominibus facit; nullo discrimine a demoniaco separatur; et os, oculos, nares et caetera sensuum instrumenta, amaríssimas voluptatis conflict cloacas (Homil. LVIII in Matth. ).

[13] Non enim in conventibus tantum intilis ebrius, aut in privatis et publicis negotiis, sed et solo aspecto est omnibus gravissimus, foetores exhalans teterrimos (Homil. LVII).

[14]  Ubicumque saturitas et ebietas, ibi libido dominatur. Numquam ego ebrium castum putabo, qui, etsi vino consopitus dormierit, tamen potuit peccare per vinum. Noe ad unius horae ebrietatem, nudat femora sua, quae per sexcentos annos sobrietate contexerat. Lot per temulentiam, libidinem nesciens, miscet incestum; et quem Sodoma non vicit, vina viverunt (In c. I ad Tit., VII).

[15] Non Aethnaei ignes, non Vulcania tellus, non Vesubius et Olympus tantis ardoribus aestuant, ut juvenibus madullae vino plenae et dapibusinflammatae (AdFuriam).

[16]  Siquidem, naturali vapore corporis, et praeter naturam, vini flammati, cohibere se non queunt, et in bestiales libidines excitantur (Apol. II David, c. III).

[17] São coisas próprias e normais de sua natureza animal (Nota do tradutor).

[18]   Vinum et adolescentia, duples est voluptatis incendium. Quid oleum flamma adiicimus? Quid ardenti corpúsculo fomenta ignium ministramos? (Ad Eustoch.)

[19] Ebrietas ab animae injuria incipit, et flagitiorum omnium mater est, culparum matéria, radix criminum, origo ominium vitiorum (Tract. de Sobriet. et Virgin, c. L.).

[20]  Ebriosus, cum se putat bibere, bibitur. Sicut enim piscis, cum avidis faucibus properat ut glutiat escam, repente inter fauces reperit hostem; ita ebriosus intra se vinum suscipit ininicum, quod eum impellit ad omne opus foedissimum (Admonit. Ad filium spirit.).