Nas primeiras palavras nos recomendou Cristo, nosso Mestre, três excelentes virtudes: caridade com os nossos inimigos, compaixão com os infelizes, e acatamento a nossos pais. Nas quatro seguintes nos recomenda quatro não mais excelentes que aquelas, mas não menos necessárias para nosso bem: a humildade, a paciência, a perseverança , a obediência. A humildade que propriamente se pode dizer virtude de Cristo, pois nenhuma ideia dela nos dão os escritos dos sábios deste mundo, não só Ele a praticou em todo o decurso da Sua vida; mas, além disto, se declarou por termos, nada equívocos, mestre desta virtude, dizendo:
“Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11)
Nunca tão declaradamente, porém nos recomendou esta virtude, e juntamente a da paciência, que dela é inseparável, como, quando disse:
“Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”
Pois com esta expressão nos mostra o Senhor, que por permissão de Deus toda a Sua glória e primazia se tinha obscurecido na presença dos homens, o que também queriam dizer aquelas trevas, nem o Senhor pôde, sem a mais rendida humildade e paciência sujeitar-Se aquele abatimento.
A glória de Cristo, da qual fala São João no princípio do seu Evangelho, dizendo:
“E nós vimos a sua glória, glória como de Filho unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1)
Consistia no poder, na sabedoria, na probidade, na majestade de Rei, na beatitude da alma, e na dignidade divina, que Ele teve como verdadeiro e natural Filho de Deus. Todas estas excelências obscureceu a sua Paixão, e este obscurecimento dizem-no aquelas palavras:
“Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?”
A Paixão obscureceu-Lhe o poder, porque cravado na Cruz parecia, que nenhum poder tinha; e por isso os príncipes, os soldados, e até o mesmo mau ladrão, O insultavam, dizendo-Lhe, que Ele nada podia:
“Se tu és Cristo, desce da Cruz, Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si!” (Mt 27)
Quanta paciência e quanta humildade não foram necessárias, para nenhuma resposta dar a estes insultos Aquele que era verdadeiramente onipotente?
A Paixão obscureceu-Lhe a sabedoria; pois em presença dos príncipes, sacerdotes de Herodes e de Pilatos não responderam a muitas perguntas, que Lhe foram feitas, parecendo, que não sabia o que havia de responder, sendo por isto, depois de vestido de branco por ordem de Herodes, escarnecido por ele, e pelos seus soldados (Lc 23). Quanta paciência, quanta humildade, não precisou para tal suportar, quem não só era mais sábio que Salomão, mas era a mesma sabedoria de Deus?!
A Paixão obscureceu-Lhe a probidade da sua vida, quando estava cravado na Cruz entre dois ladrões, como se fosse um revolucionário e usurpador de um reino, que Lhe não pertencia, e esta glória da Sua inocência mais parecia ainda obscurecer-Lhe aquele abandono de Deus, que Ele mesmo confessava, dizendo:
“Porque me abandonaste?”
Pois Deus não desampara os bons, mas sim os maus. Todos os orgulhosos tem muita cautela, para não dizerem coisa nenhuma da qual, quem a ouvisse, pudesse suspeitar que eles mesmos confessassem a sua indignidade; mas os humildes, os sofredores, de quem Cristo foi o Rei, de boa vontade aproveitam qualquer ocasião de mostrarem a sua humildade e paciência, com tanto que não faltem à verdade. Quanta humildade, pois, quanta paciência, não mostrou em sofrer isto, Aquele de quem e Apóstolo, diz:
“Porque tal Pontífice convinha que nós tivéssemos, santo, inocente, imaculado, segredado dos pecadores, e mais elevado que os Céus” (Hb 7)
A régia majestade de tal modo lh’a obscureceu a Paixão, que Lhe trocou o áureo diadema por uma corôa de espinhos, o cetro por uma cana, o trono pelo patíbulo, o cortejo real por dois ladrões. Que humildade, que paciência, não devia ser a do Rei dos reis, do Senhor dos senhores, do Príncipe dos reis da Terra?! (Ap 1).
Que direi da beatitude, da alma de Cristo logo depois da Sua conceição, beatitude, que Ele, se quisesse, podia comunicar ao Seu corpo? Quão fortemente Lhe não obscureceu esta glória a sua Paixão, tornando-O sujeito às dores, conhecedor da Sua fraqueza, desprezado, e tido como o último dos homens, segundo Isaías (53), e sendo Ele mesmo, quem pela intensidade dos tormentos, gritava:
“Meu Deus, porque me abandonaste?!”
Finalmente a Sua elevadíssima dignidade de Pessoa Divina obscureceu-Lhe de tal modo a sua Paixão, que Aquele que se senta não só acima de todos os homens, mas também acima de todos os anjos, chegou a dizer por causa dela:
“Sou um verme e não um homem; sou o opróbrio dos homens, e o desprezo da plebe” (Sl 21)
A tão grande humilhação desceu finalmente Cristo, porém não ficou ela sem grande exaltamento, pois o que Deus mesmo muitas vezes prometeu, dizendo:
“Todo aquele que se humilhar será será exaltado” (Mt 23; Lc 14 e 18)
Se cumpriu na pessoa de Cristo. Assim o certifica o Apóstolo, dizendo:
“Humilhou-Se, obedecendo, até sacrificar a Sua própria vida morrendo numa Cruz; pelo que não só Deus O exaltou, mas até Lhe deu um nome, cuja excelência é superior à de todos os nomes; pois ao nome de Jesus tudo dobra o joelho, no Céu, na Terra, e no Inferno” (Fl 2)
Assim o que foi o último, foi elevado à primazia; a Sua humilhação foi brevíssima e, quase momentânea; porém o Seu exaltamento é sempiterno. O mesmo vemos que tem acontecido aos Apóstolos, e a todos os Santos, pois São Paulo nos diz (1Cor 4), que aqueles foram tidos em conta de lixo e lama dos sapatos, isto é, das coisas mais desprezíveis que se deitam à rua e são calcadas pelos transeuntes, tal foi, a humildade dos Apóstolos. Qual foi, porém a sua elevação? São João Crisóstomo (1) no-la declara dizendo, que eles agora no Céu estão próximos do trono de Deus, onde os Querubins o glorificam, onde voam os Serafins; isto é, que tem o mesmo lugar que os príncipes do Reino do Céu, o qual nunca perderá. Certamente, se os homens atentamente considerassem quão honrosos seja imitar no mundo, a humildade do Filho de Deus, e pudesse ao mesmo tempo de algum modo imaginar, a quão grande primazia se sobe pela escada da humildade; poucos seriam sem dúvida os soberbos, porém, porque a maior parte deles mede tudo pelos estímulos da carne, e pelas considerações, mundanas, não admira que tão rara seja no mundo aquela virtude, e infinito o número dos soberbos.
Referências:
(1) Hom. 32, In Epist. ad Roman.
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(BELARMINO, Cardeal São Roberto. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Antiga Livraria Chadron, Porto, 1886, p. 160-166)