Meditação para a Quarta-feira das Rogações
SUMARIO
Depois de termos meditado as qualidades da boa oração, meditaremos os defeitos que a viciam e a tornam ineficaz. Santo Agostinho indica-os em três palavras:
“Nós não pedimos a Deus o que devemos pedir; pedimo-lo mal; pedimo-lo com más disposições” – Petimus mala, petimus male, petimus mali
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De nos prepararmos melhor para as nossas orações recolhendo-nos conosco antes de as começar, e penetrando-nos da grandeza do ato que vamos praticar;
2.° De orarmos muito mais pelos nossos interesses espirituais e eternos do que pelos interesses temporais.
O nosso ramalhete espiritual será as três palavras da nossa meditação:
“Nós não pedimos a Deus o que devemos pedir; pedimo-lo mal; pedimo-lo com más disposições”
Meditação para o Dia
Adoremos Jesus Cristo em oração, abrangendo na Sua meditação o céu e a terra: o céu, porque todos os Seus Anjos e Santos só O adoram por Ele (1); a terra, porque não apresenta a Deus as Suas orações senão por Ele (2). É efetivamente Ele que pede sempre a seu Pai tudo o que é melhor, que o pede como deve ser e com santas disposições. Demos-Lhes graças pelo grande serviço e exemplo que nos alcança a Sua oração.
PRIMEIRO PONTO
Muitas vezes o que pedimos a Deus não é o que Lhe devemos pedir: Petimus mala
1.º Pedimos muitas vezes a Deus bens temporais; pedimos-Lhe que disponha os acontecimentos conforme a nossa soberba ou a nossa ambição, a nossa vaidade ou a nossa sensualidade, que afaste de nós todas as tribulações, todas as doenças, a morte de todas as pessoas prezadas, finalmente todas as calamidades temporais. Não é porque estas petições sejam em si condenáveis, com tanto que se acrescente: Meu Deus, não seja feita minha vontade, mas a vossa; se vedes, que convém mais que eu não seja atendido, não me atendais; de outra sorte, elas seriam más. Por quanto nós não estamos já sob a lei mosaica, que sancionava os bens e os males terrenos; mas sim sob a lei evangélica, que nos prega o desapego dos bens temporais, e chama para o céu e para os bens eternos todas as nossas aspirações.
2.° Pedindo a Deus os bens espirituais, não Lhe pedimos o que é preciso senão deixando ao Seu arbítrio escolher a ocasião e o modo de no-los conceder: porque ora não estamos preparados para receber dignamente o que pedimos; ora porque nos é mais conveniente ter tempo para avaliarmos a nossa miséria, pedir mais tempo para aumentarmos os nossos méritos e inflamarmos os nossos desejos com a demora. Querer logo as melhores coisas, não é pedir o que é preciso.
Conformamo-nos nós com estas regras, seja quanto à ordem temporal, seja quanto à ordem espiritual?
SEGUNDO PONTO
Muitas vezes nós pedimos mal o que pedimos: Petimus male
Com efeito, nós tratamos muitas vezes Deus na oração de um modo estranho. Quando falamos ao último dos homens, pensamos no que lhe dizemos; falando a Deus, ai! Muitas vezes nem sequer pensamos no sentido das nossas palavras. Ora como atenderia Deus a uma oração assim feita? Como havia de ouvir aquele que não se ouve a si próprio?
“Pedis e não recebeis, diz o Espirito Santo, porque pedis mal” – Petitis, et non accipitis, eo quod male petatis (Zc 4, 3)
Para que a nossa oração seja atendida, devemos recolhermos nessa parte de nós mesmos, nesse templo interior, onde conversamos com Deus só, longe de todos os pensamentos do mundo. É ai que Deus gosta de ouvir as petições. Se o coração se escapuli, mau grado nosso, devemos chamar esse fugitivo, deplorar os seus desvarios, como Davi que exclama: O meu coração abandonou-me (3); e depois de o termos achado, devemos alegrar-nos como o santo rei e voltarmos à oração de toda a nossa alma (4). Devemos finalmente imitar São Hilarião, cuja história refere, que ele recitava os salmos do ofício divino como se Deus estivesse diante dele, atento ao que lhe dizia (5). Ai! Quão raras vezes oramos deste modo!
TERCEIRO PONTO
Muitas vezes as nossas más disposições viciam as nossas orações: Petimus mali
Orar a Deus com más disposições, é apresentar-Lhe um coração, que não tem pesar do mal passado; nem boa vontade de se converter, nem ânimo para fixar a sua leviandade, superar os seus desgostos, nem o hábito de recolhimento de espírito, nem energia para agradar a Deus. Ora, com semelhantes disposições, como haviam de ser as orações atendidas? O hábito da dissipação, a pusilanimidade e frouxidão que não querem incomodar-se, as inclinações do coração, que distraem, são como uma nuvem posta entre Deus e nós, que impede a nossa oração de chegar até Ele.
Entremos dentro em nós, e vejamos, se não viciamos as nossas orações de alguns destes modos.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Per quem laudant angeli
(2) Per Dominum nostrum Jesum Christum
(3) Cor meum dereliquit me (Sl 39, 13)
(4) Invenit servus tuus cor suum, ut oraret te (2Sm 7, 27)
(5) Tanquam Deo presente, recitabat (Lição do ofício)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 72-79)