Capítulo XXXV
Cum accepisset Jesus acetum dixit: Consummatum est – “Jesus havendo tomado vinagre, disse: Tudo está consumado” (Jo 19, 30)
O nosso Jesus, chegado que foi o momento de exalar o ultimo suspiro, disse em voz moribunda:
“Tudo está consumado”
Ao pronunciar esta palavra, Jesus repassou em seu pensamento todo o curso da sua vida, viu todas as fadigas que padecera, a pobreza, as dores, as ignomínias que sofrera, e as oferecera todas de novo a seu Pai pela salvação do mundo. Depois, tornando a nós disse: Consumatum est, como se dissera: Homens, tudo está consumado, tudo está cumprido: está acabada a obra da vossa redenção, satisfeita a justiça divina, aberto o paraíso; e eis o vosso tempo, o tempo dos que amam.
É tempo enfim, ó homens! Que penseis em amar-me. Amai-me, pois, amai-me, porque nada mais posso fazer para ser amado de vós. Vede o que eu fiz para adquirir o vosso amor; por vós passei uma vida cheia de toda a sorte de tribulações; no fim dos meus dias, antes de morrer, consenti que me esgotassem de sangue, me escarrassem no rosto, me despedaçassem o corpo, me coroassem de espinhos, me fizessem sofrer as dores da agonia neste madeiro em que me vedes. Que resta a fazer? Uma só coisa: morrer por vosso amor; muito bem, quero morrer: vem, ó morte, dou-te licença; tira-me a vida para a salvação das minhas ovelhas. E vós, ovelhas minhas, amai-me, amai-me, porque não está em meu poder fazer mais para me fazer amar. Tudo está consumado, diz o piedoso Taulero, tudo o que exigia a justiça, tudo o que pedia caridade, tudo o que podia recender amor!
Meu querido Jesus, ah! Se também eu pudesse dizer morrendo: “Senhor, tudo está consumado; fiz tudo o que me tínheis mandado, levei a minha cruz com paciência, esforcei-me por vos agradar em tudo”!… Ah! Meu Deus! Se eu devesse morrer agora, mui descontente de mim mesmo morreria, pois nada de tudo isto poderia dizer com verdade. Mas hei de eu então viver sempre assim ingrato para convosco? Oh! Não! De todo o meu coração vos peço, concedei-me a graça de vos agradar durante os anos que me restam de vida, afim que, quando vier a morte, possa dizer-vos que ao menos desde hoje cumpri vossa santa vontade. Se no passado vos ofendi, a vossa morte é toda a minha segurança: para o futuro não mais quero trair-vos. Mas de vós é que eu espero minha perseverança; por vossos méritos, ó Jesus meu! Vo-la peço e a espero. Assim seja.
RESOLUÇÕES PRÁTICAS
Pedir constantemente a Perseverança Final
A perseverança é, meu caro Teótimo, a graça das graças, e só a ela é que é concedida a coroa da imortalidade. É uma graça que tu não podes merecer, mas que Deus está pronto a dar-te, se tu lha pedires. Toma pois o habito, a partir de hoje, de muitas vezes a pedir ao nosso bom Salvador, pela intercessão de Maria; certo de que, se não cessares de a pedir, ela te há de ser concedida; a promessa de Jesus Cristo é formal. Petite, et accipietis. Mas não te contentes com simples orações, junta-lhes santas obras e uma boa vida, de outro modo seria tentar a Deus. Um cristão frouxo que vive na tibieza, que nenhum escrúpulo faz das faltas leves, merece ser ouvido quando pede a perseverança? Torno a repetir, vive, meu coro Teótimo, urna vida santa e fervorosa, e depois espera com humilde confiança esta graça da perseverança final; Jesus, com toda a certeza, não t’a há de recusar. Evita as ocasiões do pecado, aproxima-te frequentemente dos sacramentos da Penitencia e da Eucaristia, visita ao nosso Senhor oculto em nosso tabernáculos, sê fiel em cumprir exatamente todos os deveres do teu estado, leva a tua cruz com paciência: e o resto Deus o fará. Não te detenhas nesses pensamentos desoladores de que talvez um dia serás condenado, de que talvez bem cedo poderás abandonar o serviço do Senhor, etc., tais pensamentos o mais que podem fazer é comprimir-te o coração; de bem não têm nada. Confiança em Deus, não cesso de te repetir, pois isto é o que de nós quer este bom Pai. Ama-nos mais do que nós nos podemos amar a nós mesmos; em paz repousemos pois no seu amor. Em Maria deposita também grande confiança, e pede-lhe muitas vezes este dom de perseverança, que ela por sua poderosa intercessão não deixará de t’o alcançar.
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(Pinnard, Abade Dom. As Chamas do Amor de Jesus ou provas do ardente amor que Jesus nos tem testemunhado na obra da nossa redenção. Traduzido pelo Rev. Padre Silva, 1923, p. 254-256)