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Amor que nos testemunhou Jesus Cristo instituindo a Santa Eucaristia para nutrir e consolar nossa alma

jesus eucaristia

Capítulo XVII

Sciens Jesus quia venit hora ejus et transeat ex hoc mundo ad Patrem cum dilexisset suos qui erant in mundo, in finem dilexit eos – “Sabendo Jesus que era cliogada a sua hora de passar d’este mundo ao Pai, como tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13, 1)

Accipite et comedite: hoc est corpus meumn – “Tomai e comei, este é o meu Corpo” (Mt 26, 26)

É no momento da morte quando urge separar-se das pessoas amadas, que cresce e redobra o afeto dos verdadeiros amigos; é então que mais que nunca procuram dar-lhe as ultimas lembranças do seu amor. Em todo o curso da sua vida mortal nunca Jesus cessara de nos dar testemunhos da sua ternura; por mil e mil maneiras nos mostrara quanto sabe amar-nos; mas chegada que foi a hora de voltar para o seu eterno Pai, não contente com o que por amor nosso já operara, não contente com derramar até à ultima gota de sangue, quis fazer mais ainda, quis deixar-nos mais extremosa prova do seu ardente amor para conosco. Prova mais extremosa!… Pois que! É possível dar mais que a vida para provar que se ama?… Ah! O que a nós é impossível, não o é à ternura de um Deus. Escutemos.

Era numa quinta-feira à tarde. Jesus depois de haver comido a ultima páscoa com os seus apóstolos, acaba de lhes lavar os pés; eles estavam ainda todos fora de si a um tão inaudito exemplo de humildade do seu bom Mestre. Sem duvida guardavam um religioso silencio; sem duvida anteviam que algum grande mistério ia realizar-se; sem duvida, se eles estavam atentos, divisavam no rosto do Salva¬dor o que quer que é de maior, mais majestoso, mais divino ainda que de ordinário…

“Jesus tomou o pão, elevou ao céu os olhos banhados em lágrimas e dando graças a Deus, seu Pai, benzeu este pão, partiu-o e deu-o a seus discípulos, dizendo: ‘Tomai e comei, este é o meu corpo'”

Ó prodígio! Pronunciadas que foram estas palavras, para logo o pão foi realmente mudado; já não foi mais pão, mas Jesus Cristo mesmo; Jesus Cristo, delicia dos bem-aventurados, terror dos demônios, Salvador do mundo; Jesus Cristo “constituído juiz dos vivos e dos mortos”; Jesus Cristo “a cujo nome se dobra todo o joelho dos que estão nos céus, na terra e nos infernos”.

Meu doce Salvador, consenti à vossa pobre criatura que vos pergunte qual é o fim que vos propuseste ocultando assim a vossa divindade e humanidade sob as vis aparências de um bocado de pão. Assas vos não rebaixastes vós já na encarnação, descendo do alto dos céus para vos revestirdes da nossa natureza humana, e, à exceção do pecado, de todas as misérias que são seu triste apanágio?

— É tão grande o amor que tenho a todos os homens, tão grande o que a ti mesmo, meu filho, consagro, que não pude resolver-me a vos deixar órfãos sobre a terra. Como era de interesse vosso que eu voltasse para o céu afim de ai vos aparelhar um lugar, em antes de deixar-vos chamei em socorro da minha ternura todo o meu poder, e descobri este meio de sempre estar aqui convosco, conservando-me ao mesmo tempo sentado à mão direita de Deus Pai. Sim, até à consumação dos séculos continuamente estarei convosco para ser este o vosso arrimo, a vossa consolação, o sustento de vossas almas. Em quanto sobre a terra correr uma só gota de sangue de Adão, sempre nele me terá preso o amor, sempre direi a quem me quiser ouvir:

“Vinde, vinde, e comei o pão que vos preparei; bebei o vinho que para vós derramei”

Vinde a mim, ó vós que tendes fome e sede de justiça; ó vós que buscais a paz e felicidade; ó vós que tendes necessidade de amar, vinde e eu vos saciarei: “tomai, comei, este é o meu corpo”, o corpo do vosso Deus, o corpo do vosso melhor amigo.

Ó bom Jesus! Não era assas para nos provar o vosso amor, haverdes-nos vós tirado do nada haverdes-nos criado à vossa imagem, haverdes-nos resgatado a preço do vosso sangue? Era preciso ainda que, pródigo de vós mesmo, vos désseis a nós em nutrição? Que! Exclama São Boaventura, o meu Deus tornou-se o meu sustento! O Verbo eterno, a sabedoria do Pai quis fazer-se refeição da minha alma! Aquele a quem os anjos só tremendo olham, aquele cujo fulgor e majestade não podem suster, ei-lo que desce ao meu coração para a mim se unir pelos mais íntimos laços! Coisa admirável! a pobre e misera criatura nutre-se do corpo do seu Criador! Ó dulcíssimo Jesus! sempre permiti que vo-lo diga, o vosso amor para convosco levou-nos fora de todas as medidas; pois “quem é o homem para que assim vos queirais ocupar dele com tanta solicitude?” Todo o homem vivente é outra coisa mais que vaidade, cinza e pó? E apesar de tudo isto, vós, ó meu Deus! ainda vos dignais lançar sobre ele olhos de bondade, ainda chegais mesmo a convida-lo para a vossa mesa e nutri-lo de vosso adorabilíssimo corpo! Ah! Deixai-me que vos repita com muitos de vossos fieis servos: vós levastes o amor para conosco até à loucura? Em verdade, em verdade, Senhor, um excesso destes não era para a vossa Majestade…

Assim é, filho meu; mas o amor quando quer fazer bem e comunicar-se ao amado não olha ao que convém. Vai não aonde o chama a razão, mas aonde o ardor o arrasta. Por isso é que olvidando o cuidado da minha própria gloria me encerrei na humilde aparência de um bocado de pão afim de ser a nutrição da tua alma. Ai! que seria dessa tua pobre alma, tão fraca, tão frágil, tão propensa ao mal; que havia de ser dela se a eu tivera amado menos e se a ela me não dera todo no sacramento do meu amor?

Ó meu Jesus! A vossa ternura para comigo cobre-me de vergonha e confusão à vista da minha in¬gratidão. Ah! Fazei-me a graça de vos não ser mais ingrato; abrasai o meu coração das vossas santas chamas, mas com tanta violência que eu esqueça o mundo, esqueça a mim mesmo e só pense em amar-vos e agradar-vos. A vós consagro corpo, alma, vontade, liberdade, a mim todo. Se no passado procurei a minha satisfação e isto com mil desgostos vossos, hoje me arrependo soberanamente, ó meu amor! Para o futuro nenhuma outra coisa quero procurar senão a vós. Ó meu Deus! Vós sois o meu tudo, Deus meus et omnia; só a vós quero e a nada mais. Oh! não poder eu consumir-me de amor por vós como vós vos consumistes todo por mim! Amo-vos, ó meu único bem, meu único amor; amo-vos e todo me abandono à vossa santa vontade; fazei que sempre vos ame e de cada vez mais até o meu ultimo suspiro.

“O que come, diz o nosso divino Salvador, o que come a minha carne e bebe o meu sangue está em mim e eu nele”

Que felicidade possuir em nosso coração um tal hospede! Que dita para uma alma que na santa comunhão o recebeu expor-lhe as suas necessidades, as suas misérias, repartir com ele das suas esperanças e temores, e dizer-lhe o seu amor! que ventura poder mostrar-lhe as suas chagas e pedir-lhe o remédio para elas! Esta felicidade a hei eu tido muitas vezes; e como me tenho aproveitado? Com que fé, com que humildade me aproximo do meu Deus no sacramento do seu amor? que disposições levo à santa comunhão? Uma só comunhão bem feita basta para do maior pecador fazer o maior santo!…

E eu sou melhor, eu? Estou mais perfeito depois de tantas comunhões? Que faltas corrigi? Que virtudes adquiri ou aumentei? A comungar todos os meses, todos os oito dias, todos os dias talvez, e passar uma vida sempre tão imperfeita, sempre tão imortificada, sempre tão dissipada, que horror! A receber tantas e tantas vezes um Deus humilhado, aniquilado por meu amor e estar sempre cheio de orgulho, cheio de vaidade, cheio de amor próprio, que vergonha!

Ó Senhor Jesus! Instantemente vos peço não me trateis como mereço. Ai! se fordes a examinar uma por uma as minhas iniquidades, as minhas in¬gratidões, as minhas irreverências para com o sacramento da vossa ternura, poderei eu com um tal exame? Não, meu Deus, não; confesso que “me seria impossível responder uma só palavra por mil”. Tão pouco tentarei justificar a tibieza com que na santa comunhão vos hei recebido, pois eu sei que se “pretendesse mostrar que sou inocente, vós me convenceríeis no mesmo instante da minha mentira e loucura”. Antes quero confessar-vos, ó doce Salvador da minha alma, antes quero confessar-vos a minha falta e chora-la diante de vós! Sim, sou inescusável. Oh! tantas vezes me hei nutrido do meu Deus, e ainda sou tépido no seu serviço, tão pouco sensível ao seu amor! tantas vezes recebi o Deus de toda a pureza e santidade, e sempre me acho ascorosamente coberto das ulceras de mil pecados, mil imperfeições! Ó céu! Devia, segundo São João Crisóstomo, devia ser ao sair da santa mesa semelhante a um leão, respirando fogo do divino amor; devia ser um objeto de terror e assombro às potências infernais, e por uma espécie de milagre diabólico fico depois da comunhão tão frio, tão imortificado como de antes… Ó meu Deus! Que conta vos hei de eu dar no grande dia do vosso juízo? Que escusa poderei alegar quando diante dos olhos me puserdes de um lado as graças que de uma só comunhão podia tirar, de outro as inúmeras faltas de que, apesar disso, me tornei culpável? Vós estareis lá, vós, meu Jesus; ante vós é que me verei apresentado. Mas ai! Não sereis já o esposo da minha alma, mas o seu juiz; não mais um cordeiro cheio de doçura, mas um leão justamente irritado… Oh! Que exprobrações tão severas me dirigireis vós então?…

Agora que fazer? Desesperar? Abandonar a santa comunhão? Não seguramente. Mas preparar-me-ei para ela com mais cuidado; levarei mais recolhimento, mais humildade, mais amor; farei ao meu Deus to¬dos os sacrifícios que me pede; abandonar-me-ei em tudo mais à sua misericórdia.

Sim, doce Jesus meu! É nos braços da vossa misericórdia que quero lançar-me; é no vosso coração que quero refugiar-me. Muito vos hei ofendido desde que estou sobre a terra; muitas amarguras vos causei; como novo filho pródigo, muitas e muitas lágrimas vos hei feito derramar pela minha fuga e desvarios; ingrato e desnaturado, como ao meu mais cruel inimigo vos hei tratado, e eis que vós consentis ainda em receber-me em o numero dos vossos filhos, ainda me ordenais que me sente à vossa mesa. Ai! Talvez eu tenha abusado de tão assinalado favor, talvez de vossos próprios benefícios me haja servido para ofender-vos!

Ó bom Jesus! Se cai na desgraça de a tal ponto vos ultrajar, perdoai a este coração contrito, per¬doai-lhe tudo; e pois que por um excesso de amor para comigo, me permitis que frequentemente vos receba na miserável casa do meu coração, fazei-me a graça de vos receber doravante com um ardente amor, e um pesar sincero de tão mal vos ter servido. Possa eu, ó meu bom Mestre, meu terno irmão, meu melhor amigo, minha esperança! Possa eu para o futuro reparar por meu fervor todas as angustias que por minhas tíbias comunhões vos causei! O’ meu doce Jesus, ouvi o meu desejo e tende de mim piedade. Amo-vos e quero amar-vos sempre, sempre, sempre! Amo-vos porque sois bom, amo-vos porque mereceis todo o meu amor. Amo-vos por causa de vossas infinitas perfeições, amo-vos por vós mesmo.

“E eis aqui que eu estarei convosco todos os dias até à consumação dos séculos”

Esta foi a promessa de nosso Senhor aos seus apóstolos quando voltava ao céu, e não foi feita em vão. Dezoito séculos há já que este bom pastor não deixa as suas ovelhas, por elas se impor a obrigação de descer do céu à voz dos seus padres, por elas se submeteu aos desprezos, às irreverências, aos ultrajes dos ímpios, ao esquecimento e abandono dos maus cristãos. Durante sua vida mortal, Jesus Cristo só na Judeia habitava, a poucos era dado vê-lo e ouvi-lo: já assim não é hoje; nada mais tenho que entrar numa Igreja católica que lá acharei o meu Deus. Está encerrado em nossos tabernáculos, ai! Às vezes bem podres, bem pouco dignos de quem contém. Está para ali só, abandonado, ninguém pensa em o ir visitar; ninguém se dá ao cuidado de lhe ir agradecer o seu amor. Ali está, ali me espera para sobre mim derramar as mais abundantes graças, para me dar o seu amor!… Oh! Feliz da alma que tem a fidelidade de amiúde o visitar no sacramento do altar! feliz da alma que lhe vai expor as suas misérias! Oh! Que tão doces lágrimas as de um pecador ao pés de Jesus ao recordar-se das suas faltas passadas! Repito-o e incessantemente o repetirei; Feliz, mil vezes feliz, a alma que não deixa passar dia, tendo para isso comodidade, em que não visite este Deus de amor! Por um quarto de hora de oração diante do Santíssimo Sacramento obterá muitas vezes mais do que alcançou em todo o dia com todos os exercícios espirituais.

Ó Jesus, ao considerar na ternura que vós me mostrais ficando no sacramento da Eucaristia para nos consolar nesta terra de dor e exílio, eu fico fora de mim mesmo; faltam-me expressões para dizer o que sinto e córo de vergonha por tão pouco vos ter amado, por me não haver ainda consumido do vosso amor. A qualquer hora do dia ou da noite que me apresente numa Igreja, lá vos encontro disposto sempre a escutar e atender as minhas orações. No meio de nós habitais como um nosso igual; de tão boa vontade morais na mais pequena aldeia coma na mais populosa cidade.

Está alguma de vossas ovelha na aflição, lá ides vós a toda a pressa oferecer-lhe consolações. Está estendida no leito de dor, ides vós mesmo pro¬cura-la e partilhar os seus sofrimentos. Está a dar o ultimo suspiro, correis instantaneamente para o pé dela, a anima-la a fazer o sacrifício da sua vida e com a vossa presença lhe suavizais os horrores da morte. Ó Jesus, quão inefável é o vosso amor para com os homens! quando, pois, de nossa parte vos pagaremos? Quando vos amaremos como é justo que vos amemos? Concedei-nos a todos esta graça, ó doce Salvador! mas particularmente a mira que de todos sou mais necessitado. Fiat, fiat! Assim seja.

RESOLUÇÕES PRÁTICAS

Hoje, meu caro Teótimo, deves tomar três resoluções da mais alta importância e ser-lhe para o diante muitíssimo fiel.

1. Todas as vezes que tiveres a dita de comungar prepara-te para esta tão grande ação como farias se imediatamente depois houveras de morrer. Lê de tempos a tempos a curta instrução que precede os atos para antes e depois da comunhão, e que acharás no fim deste livro.

2. Contrai o santo habito de fazer o que se chama comunhão espiritual; consiste ei-la em desejar receber a Jesus Cristo em nosso coração e entreter-nos familiarmente com ele como se realmente o recebemos. Abundantíssimas são as graças que uma tão simples como fácil pratica consigo traz. Pode-se repetir no dia quantas vezes se deseje.

3. Sempre que possas vai visitar todos os dias nosso Senhor no Sacramento do seu amor. No fim deste livro acharás a pratica de visita ao Santíssimo Sacramento. Faze dela bom e frequente uso que incalculáveis são as vantagens que podes auferir. Se és rico, sugerir-te-ei eu ainda uma prática que mui agradável será ao coração de Nosso Senhor. Raro não é, e sobretudo no campo, encontrar Igrejas pobres que quase não possuem uma única peça de linho que esteja boa para o serviço dos altares; daqui vem que muitas vezes o corpo do nosso bom Senhor repousa em corporais de grossa tela, às vezes rotos e já usados. Meu caro Teótimo, pelo amor deste terno amigo das nossas almas impõe-te algum sacrifício e faze com que ao menos repouse sobre corporais decentes e menos indignos dele. Porque não hás de fazer, tu que és rico, o que fazem tantas mulheres pobres que se dão a toda a sorte de fadigas por muitos anos afim de poderem comprar uma toalha do altar, castiçais limpos, purificatórios, corporais, etc.? Que admiráveis exemplos destes poderia eu citar-te agora! Perdão, meu caro Teótimo, se desço a estas miudezas; quando se trata do serviço e honra de nosso Deus nada é pequeno.

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(Pinnard, Abade Dom. As Chamas do Amor de Jesus ou provas do ardente amor que Jesus nos tem testemunhado na obra da nossa redenção. Traduzido pelo Rev. Padre Silva, 1923, p. 129-138)