Meditação para a Sexta-feira Santa
SUMARIO
Destinaremos a nossa meditação a considerar a Sexta-feira Santa:
1.° Como um dia de amor;
2.° Como um dia de conversão.
— Tomaremos depois a resolução:
1.° De passarmos este santo dia no recolhimento de espírito e em frequentes aspirações de amor para com Jesus Cristo crucificado;
2.° De honrarmos a cruz com algumas pequenas mortificações, juntando-lhes o sacrifício que nos custar mais.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Apóstolo:
“O amor de Jesus Cristo nos constrange, fazendo este juízo, que ele morreu por todos a fim de que também os que vivem, não vivam mais para si mesmos” – Charitas Christi urget nos… aestimantes hoc, quoniam… pro omnibus: mortuus est Christis: ut et qui vivunt, jam non sibi vivant (2Cor 5, 14-15)
Meditação para o Dia
Transportemo-nos pelo pensamento ao Calvário; adoremos ali Jesus pregado na cruz para nossa salvação; e vendo este corpo todo coberto de feridas, deixemos trasbordar dos nossos corações a compaixão, o reconhecimento, a contrição, o louvor e o amor.
PRIMEIRO PONTO
A Sexta-feira Santa, dia de Amor
Percorramos com um olhar de amor o divino crucificado desde os pés até à cabeça, desde a menor palpitação de seu coração até as suas mais vivas emoções: tudo nos constrange a amá-lO; tudo nos clama:
“Meu filho, dá-me o teu coração” – Praebe, fili mi, cor tuum mihi
Os Seus braços estendidos dizem-nos que Ele nos abraça a todos na Sua dileção; a Sua cabeça, que não poderia repousar senão sobre os espinhos que a cobrem, se inclina para nos, a fim de nos dar o ósculo de paz e de reconciliação; o Seu corpo, todo ferido de golpes, ergue-se pelas pulsações do coração, que o amor move; as Suas mãos, fortemente rasgadas pelo peso do corpo; o Seu rosto pisado; todas as Suas veias exangues; a Sua boca ressequida pela sede; todas as chagas, finalmente, de que o Seu corpo está coberto, formam um concerto de vozes, que nos clamam:
“Vede como eu vos amei” – Sic Deus dilexit mundum
E não podermos penetrar no Seu coração! Veríamos esse coração cuidando de cada um de nós, como se só tivesse que amar cada um de nós, pedindo misericórdia para as nossas ingratidões, tibiezas e culpas; solicitando para nós todos os socorros da graça que temos recebido e que havemos de receber; oferecendo por nós a seu Pai o Seu sangue, a Sua vida, todas as Suas dores interiores e exteriores; finalmente, consumindo-se em indizíveis incêndios de amor, sem que nada o possa disso distrair.
Ó amor! Seria muito morrer de amor por tanto amor? Ó bom Jesus! Vos direi eu com São Bernardo:
«Nada me move, nada me constrange, nada me abrasa, nada me faz amar-Vos como a Vossa sagrada Paixão. É o que atrai mais suavemente a minha devoção, me impressiona mais fortemente, me une mais estreitamento a Vós» – Quos me plus movet, plus urget, plus accendit, plus amabilem te mihi facit, o bone Jesu! Calix quem bibisti, opus nostrae redemptionis. Hoc est quod devotionem blandius allicit, et justius exigit, et arctius stringit, et afficit vehementius
Oh! Quanta razão tinha São Francisco de Sales para dizer que o monte do Calvário é o monte do amor; que nas chagas do leão da tribo de Judá as almas fiéis acham o mel do amor e que até no céu, depois da bondade divina, a Vossa sagrada Paixão é o motivo mais poderoso, mais doce, mais forte, que enche de amor todos os bem-aventurados! E poderei eu, depois disto, ó Jesus crucificado, viver outra vida senão a vida de amor para conVosco ?
SEGUNDO PONTO
A Sexta-feira Santa, dia de Conversão
Para provar a Jesus crucificado que o amo verdadeiramente, devo converter-me, isto é, fazer morrer ao pé da cruz tudo o que é do homem em mim, todas as minhas negligências e tibiezas, todo o meu amor-próprio e orgulho, toda essa cobiça de bem estar e de gozo, tão inimiga do que incomoda ou desagrada, esse melindre, que se ofende de tudo; esse espírito de crítica e maledicência, que acha que dizer contra tudo; essa leviandade, essa distração e inaplicação do espírito, que não quer entregar-se à meditação; essa intemperança da língua que manifesta tudo o que o coração sente; finalmente, tudo o que é incompatível com o amor que Jesus crucificado pede aos seus. Devemos substituir estas más inclinações pelas sólidas virtudes que a cruz ensina: a humildade, a mansidão, a caridade, a paciência, a abnegação. Jesus no-lo pede por todas as Suas chagas como por outras tantas línguas (1). Poderei eu recusar-lh’o? Poderei conservar ainda as minhas inclinações, quando O vejo numa cruz (2), e não fazer da Sua nudez o meu vestido, dos Seus opróbrios a minha divisa, da Sua pobreza a minha riqueza, da Sua confusão a minha glória, das Suas dores o meu gozo?
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Quot vulnera, tot linguae
(2) Nudum nudum sequar
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 225-227)