Por Dom Henrique Soares da Costa
“Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações” (Is 66,10s)
Caríssimos em Cristo, estas palavras de Isaías dão o tom da liturgia deste Domingo, chamado pela liturgia de Domingo Laetare – Domingo “Alegra-te!”. Não se trata de um “Domingo da Alegria” – isto não existe na Liturgia… Por favor, nunca esqueçamos que a Liturgia não celebra temas, mas eventos salvíficos, acontecimentos realizados pelo Senhor para a nossa salvação!
Pois bem, no meio da Quaresma, na metade do caminho para a solene celebração anual da Ressurreição do Senhor, a Igreja nos convida à uma atitude interior de alegria pela aproximação da Santa Páscoa. Daí hoje a cor rosa e até mesmo as flores na igreja. “Alegra-te, Jerusalém!” – Jerusalém é a Igreja, é o Povo santo de Deus, o novo Israel, é cada um de nós… Alegremo-nos, apesar das tristezas da vida, apesar da consciência dos nossos pecados! Alegremo-nos, porque a misericórdia do Senhor é maior que nossa miséria humana!
Como o povo da Antiga Aliança, também nós tantas vezes somos infiéis – já devíamos ter visto isso claramente a esta altura da Quaresma! É trágico, na primeira leitura, o resumo que o Livro das Crônicas traçou da história de Israel:
“Todos os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades, imitando as práticas abomináveis das nações pagãs. O Senhor Deus dirigia-lhes a palavra por meio de Seus mensageiros, porque tinha compaixão do Seu povo. Mas, eles zombavam dos enviados de Deus, até que o furor do Senhor se levantou contra o Seu povo e não teve mais jeito”.
Com estas palavras dramáticas, o Autor sagrado nos explica o motivo do terrível e doloroso exílio da Babilônia: Israel fez pouco de Deus, virou-Lhe as costas; por isso mesmo, foi expulso do aconchego do Senhor na Terra que lhe fora prometida, perdeu a liberdade, o Templo, a Cidade Santa, e tornou-se escravo no Exílio de Babilônia.
Aqui aparece toda a gravidade do pecado, que provoca a ira de Deus! É sempre essa a consequência do pecado: o exílio do coração, a escravidão da vida!
A Escritura nos ensina, caríssimos, que Deus nunca faz pouco do nosso pecado, nunca passa a mão na nossa cabeça, jamais faz de conta que não pecamos! Jamais dispensa de modo leviano as nossas infidelidades! E por quê? Porque realmente nos ama, nos leva a sério, faz conta de nós! Ora, o pecado, afastando-nos de Deus, nos desfigura e nos faz perder o rumo e o sentido da existência. Por isso mesmo, causa a ira de Deus! Pois bem, o Senhor levou, então, Seu povo para o terrível deserto do Exílio para corrigi-lo e fazê-lo voltar de todo o coração para Aquele que é seu único bem, sua verdadeira riqueza – aquele que é o seu Deus!
É por misericórdia que Ele corrige Israel, por misericórdia que nos corrige:
“Pois o Senhor não rejeita para sempre: se Ele aflige, Ele Se compadece, segundo Sua grande bondade. Pois não é de bom grado que Ele humilha e que aflige os filhos do homem” (Lm 3,31-33)
Deus é amor e misericórdia. A leitura do Livro das Crônicas nos mostrou que, uma vez Israel convertido, corrigido, o Senhor fá-lo voltar para a Terra sempre prometida. Sim, efetivamente, “não é de bom grado que Ele humilha e que aflige os filhos do homem”.
Caríssimos, esta mesma ideia que tantas vezes aparece no Antigo Testamento, cumpre-se de modo definitivo em Cristo Jesus. Hoje, o Evangelho que escutamos, com palavras comoventes, explica a missão do Cristo nosso Senhor:
“Deus amou tanto o mundo, que entregou o Seu Filho unigênito, para que não morra todo aquele que Nele crer, mas tenha a Vida eterna. De fato, Deus não enviou o Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele”
Porque “estávamos mortos por causa de nossos pecados”, Deus, na Sua imensa misericórdia, nos deu a Vida no Seu Filho único.
Vejamos bem, irmãos: há duas realidades que são bem concretas na nossa existência. Primeiro, a realidade do nosso pecado. Nesta metade de caminho quaresmal, é preciso que tenhamos a coragem de reconhecer que somos pecadores, que temos profundas quebraduras interiores, paixões desordenadas, desejos desencontrados que combatem em nós… Quantas incoerências, quantos fechamentos para Deus e para os outros, quantas resistências à graça, quantas máscaras! A humanidade é isso! Não somos bonzinhos! Somos todos feridos, todos doentes, todos pecadores, todos necessitados da salvação!
Mas, ao lado dessa realidade tão triste, há uma outra: Deus não Se cansa de nós; estende-nos a mão para nos tirar do nosso atoleiro e nos salvar! Essa mão estendida é o Seu Filho Jesus! Deus amou tanto o mundo, levou-nos tão a sério, que entregou o Seu Filho, o Amado, o Único, o Santo!
Grande o nosso pecado, imensa a misericórdia de Deus em Cristo;
grande a nossa treva, imensa a Luz de Deus que nela brilhou em Cristo;
grande o nosso egoísmo, imenso o amor de Deus manifestado em Cristo;
grande a nossa morte, imensa a Vida que nos foi dada em Cristo Jesus, nosso Senhor!
Amados em Cristo, a grande tentação de nossa época é fazer pouco de Deus e, cinicamente, mascarar nosso pecado. Quantos cristãos adulteram, roubam, fornicam, abortam, maltratam os demais, negligenciam seus deveres para com Deus e com a Igreja, desobedecem aos mandamentos, e não estão nem aí. É um espírito de descrença, de falta de atenção e delicadeza para com o Senhor. Vemos isso em tanta gente de Igreja… Aqueles que nos corrigem são chamados logo de reacionários, fechados, sem misericórdia, duros, insensíveis para o mundo atual… E no entanto, a Palavra do Senhor é clara: é necessário que fixemos o olhar em Cristo que Se entregou por nós e reconheçamos a gravidade e a concretude do nosso pecado! Volta, Israel! Volta, Igreja de Cristo! Volta, povo do Senhor! Voltemos, irmãos e irmãs! Em Cristo Jesus, nosso Salvador, “Deus quis mostrar a incomparável riqueza da Sua graça!” Não brinquemos com o amor de Deus, não recebamos em vão a Sua correção!
Recordemos que hoje, no Evangelho, após mostrar o imenso amor de Deus pelo mundo, a ponto de entregar o Filho amado, a Palavra santa nos previne duramente:
“Quem Nele crê, não é condenado, mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no Nome do Filho unigênito”
Ora, caríssimos, acreditar no Nome de Jesus não é aderir a uma teoria, mas levá-Lo a sério na vida pelo esforço contínuo de conversão à Sua Pessoa divina e à Sua Palavra santa! Crede, irmãos, crede, irmãs! Crede não com palavras vãs! Crede com o afeto, crede com o coração, crede com os lábios, mas, sobretudo, crede com as mãos, com os vossos atos, com a prática da vossa vida! De verdade creremos na medida em que de verdade nos abrirmos para a Sua luz; pois “o julgamento é este: a Luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz”.
Que o Senhor nos dê a graça de ver realisticamente nossos pecados, reconhecê-los humildemente e confessá-los sinceramente, para celebrarmos verdadeiramente a Páscoa que se aproxima e dela participar eternamente na glória do Céu. Amém.