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Concórdia

Concórdia, Tesouros de Cornélio à Lápide

Necessidade da concórdia

A razão e a vontade são duas irmãs; é preciso que harmonizem e que a vontade, que é inferior, esteja sujeita à razão e obedeça-lhe. Unidas estas duas irmãs, são fortes como uma cidade guerreira, são inexpugnáveis. Se, ao contrário, a razão e a vontade não estão de acordo, se a vontade levanta-se contra a razão, resultam divisões interiores que minam as forças de uma de outra.

Necessidade da concórdia consigo mesmo… Necessidade da concórdia com os demais!

A concórdia é o cimento que une as pedras de um muro; retirai o cimento, e o muro cairá. A concórdia é o laço que une e faz aderir entre si os membros da família e da sociedade; eliminai a concórdia, e os homens se desgarram como bestas ferozes. Mais caridade, mais justiça, mais indulgência, mais perdão!

O centro une todos os raios do círculo, tirai o centro, e o círculo desaparece. A concórdia é o centro das famílias, das cidades, das nações.

A discórdia causou a queda do Império Romano: o povo levantou-se contra os magistrados; os soldados levantaram-se contra o Senado; o próprio Senado dividiu-se também; e daí veio a ruína daquela grande e poderosa República.

Excelência da concórdia

A concórdia é a verdadeira fraternidade; ser irmão de alguém é ser quase outro “si mesmo”: Frater dicitur quase fere alter.

Em três coisas compraz-se o meu coração, diz o Eclesiástico, as quais são da aprovação de Deus e dos homens: a concórdia entre os irmãos e parentes, o amor dos próximos, e um marido e mulher bem unidos entre si: In tribos placitum est spiritui meo; quae sunt probata coram Dei et hominibus: concordia fratrum, et amorproximorum, et vir et mulier bene sibi consentientes (Pr 25, 1-2).

A concórdia entre irmãos é a paz, diz São Agostinho; a concórdia entre irmãos é a vontade de Deus, a alegria de Jesus Cristo, a perfeição da santidade, a regra de justiça, o fundo da doutrina, a zeladora dos costumes, e em todas as coisas um a disciplina digna de louvor: Pax concordia fratrum, concordia fratrum voluntas Dei est, juncunditas Christi, perfectio sanctitatis, justitiae regula, matéria doctrinae, morum custodia, atque in rebus omnibus laudabilis disciplina (Sentent.).

A concórdia, acrescenta aquele grande Doutor, é a mãe do amor, o sinal certo de uma alma pura, pede a Deus tudo o que quer, e tudo quanto quer consegue: Pax dilectationis mater est, ac purae mentis indicium manifestum; quia sibi exigit de Deo quod velit, quidquid voluerit, petit, sumit (Sentent.).

São Gregório Nazianzeno diz acertadamente que a base e as belezas do universo consistem na concórdia dos elementos diferentes que se combinam em unidades contrárias. Contanto que o universo, esta obra de Deus, esteja em calma e tranquilo; contanto que seus elementos se harmonizem e sigam conformes à sua natureza, e nenhum deles se levante contra o outro, e conservem os laços de benevolência, por meio dos quais a poderosa palavra do Criador os uniu, o universo está verdadeiramente na ordem e na concórdia; sua beleza é incomparável. Porém, se sai da calma, se seus elementos entram em guerra, já cessa de existir.

A razão consiste em que Deus é a Concórdia Primeira, incriada, suprema, e ama infinitamente tudo o que permanece unido, à semelhança Sua e como obra própria e perfeitamente Sua. Porque a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, está infinitamente de acordo, não acidentalmente, senão de maneira essencial. E a Santíssima Trindade comunicou e imprimiu sua concórdia aos céus, aos elementos e a todas as coisas. Deus fez participante de sua Trindade na Unidade a tudo aquilo que criou. Dispôs todas as coisas com número, peso e medida, segundo aquelas palavras da Sabedoria: Omnia in mensura, et numero, et pondere disposuisti (Sb 11, 21).

Isto mesmo é também o que vemos na celestial família do Verbo Encarnado, que consta de três pessoas santíssimas: Jesus Cristo, sua divina Mãe e seu pai putativo, São José. Ali, encontra-se a concórdia perfeita, o amor, o respeito mútuo, a santidade elevada ao mais alto grau. Há um dever nos esposos e nas famílias: o de contemplar assiduamente e de imitar aqueles divinos modelos. Nisto estriba a sua felicidade (In Distich).

Ali onde há a concórdia, ali está Jesus Cristo, ali está Deus, ali está toda a Santa Trindade, formando, de certo modo, naqueles que vivem bem unidos, uma trindade na unidade, isto é, a união dos espíritos, dos corações e das ações.

Vantagens da concórdia

O irmão que é ajudado por seu irmão, é como uma praça forte; e os juízos retos são como as fortalezas das cidades, dizem os Provérbios (Pr 18, 19). Esta sentença de Salomão concorda com um apólogo contado por Plutarco (In Apol. Reg.). Siluro, diz, tinha oitenta filhos; quando sentiu que se aproximava a sua morte, reuniu-os ao seu redor, e apresentando a cada um deles um feixe de flechas, convidando a que o rompessem; todos se negaram a fazê-lo dizendo que era impossível. Então, Siluro separou as flechas e as rompeu todas, uma a uma, dizendo a seus filhos:

“- Filhos meus, se entre vós reina a concórdia, sereis fortes, invencíveis; porém, ao contrário, sereis frágeis e facilmente vos vencerão se estais desunidos! ”

Eis aqui uma máxima devida ao rei Micipsa, que Salustio conservou-nos. As coisas pequenas crescem com a concórdia e as maiores são aniquiladas pela discórdia: Concordia parvae res crescunt; discórdia autem máxime dilabuntur (In Jugurth.). A verdade destas palavras manifesta-se claramente vendo aos Apóstolos, aos religiosos e aos claustros. Nota-se o contrário, vendo o que se passa com os hereges.

Antisteno dizia que os irmãos que estavam de acordo (entre si) eram mais fortes que as mais fortes muralhas (Ita Laert.).

Digo-vos mais, que se dois de vós estiverdes unidos sobre a terra para pedirem algo, seja lá o que for, ser-vos-á outorgado por meu Pai que está nos céus, diz Jesus Cristo; porque onde dois ou três se acham congregados em meu Nome, ali, encontro-Me Eu no meio deles: Iterum dico vobis, quia si duo ex vobis consenserint super terram de omni re, quacumque petierint, fiet illis a Patre meo, qui in caelis est. Ubi enim sunt duo vel tres congregati in nomine meo, ibi sum in medio eorum (Mt 18, 19-20).

Uma corda tripla dificilmente rompe-se, diz o Eclesiastes: Funiculus triplex difficile rumpitur (Ecl 4, 12). Os primeiros cristãos não tinham mais que um só coração e uma só alma, dizem os Atos dos Apóstolos: Erat cor unum et anima una (At 4, 32).; e nada pode vencê-los, nem as ameaças, nem as perseguições, nem as correntes, nem os cárceres, nem os tormentos de toda classe.

A concórdia fortifica as famílias, as cidades, os reinos… a discórdia rompe e destrói; traz conflitos e guerras de extermínio.

A discórdia é infernal e diabólica, posto que tira sua origem de Lúcifer, primeiro autor da discórdia, aquela que existiu entre os Anjos do Céu; por isso, foi precipitado repentinamente e com a rapidez de um raio aos Infernos, lugar de eternas discórdias. Assim, a discórdia produziu infernos e demônios…

Por outro lado, a concórdia, vinda do Céu, converte em paraíso a terra, e leva ao paraíso da eternidade. A discórdia produziu réprobos; a concórdia faz santos e eleitos.

Vede as maravilhas que opera a concórdia entre os astros, entre as árvores e as plantas, entre as formigas, as abelhas etc., no seio de uma família, em um exército; o homem é agradável a Deus pela concórdia.

A concórdia assegura a vitória; e a discórdia a derrota.

Perguntavam a Agesilau por qual motivo Esparta não estava rodeada de fortificações. Ao que respondeu, apontando para os cidadãos concordes e perfeitamente unidos: – Eis aqui, diz, as fortificações da cidade: Hi sunt civitatis moenia (Ita Stobaeus).

Meios de praticar a concórdia

O Abade Onofre ensinou, de um modo engenhoso, a seus seis irmãos a maneira de praticar a concórdia. Todas as manhãs, durante várias semanas seguidas, apedrejava uma estátua, e à noite lhe dizia:

“Perdoa-me”

Seus irmãos perguntaram-lhe por que fazia aquilo; e o Abade respondeu-lhes:

“— Pensava em vós. Vós me vistes lançar pedras ao rosto desta estátua. Agora bem: ela me respondeu? Ela me disse injúrias? Ela se encolerizou?”

“Não”, responderam eles.

“- E quando eu pedi perdão por havê-la ultrajado, ela se comoveu? Disse-me, por acaso: ‘- Não vos perdoo?’”

“- Não”.

“- Pois bem. Nós que somos sete irmãos, se queremos viver juntos, devemos parecer a esta estátua”.

Todos o prometeram, foram fiéis à sua resolução, e passaram assim sua vida na mais perfeita concórdia e na paz mais agradável (Vit. Patr.).

Quando entrei na vida religiosa, diz o Abade Nestero, disse à minha alma:

“­Deves te assemelhar a um animal de carga. Quando a pega, não responde nada e sofre a injúria. Opera tu da mesma maneira, ó minha alma, meditando as palavras do Rei Profeta: Estive diante de ti como um animal de carga, e estou sempre contigo [Uti jumentum factus sum apud te, et ego semper tecum: (Psalm. LXXII, 23 – Vit. Patr.)].

Imitai a pomba, diz o Abade Agathou: quando a insultam, não se irrita; quando a louvam, não se orgulha (Vit. Patr.).