Meditação para a Quarta Terça-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos sobre a fé viva, a humildade profunda, o amor ardente, com que devemos assistir ao Santo Sacrifício.
— Tomaremos depois a resolução de ter durante o Santo Sacrifício estas três virtudes; e nosso ramalhete espiritual será a palavra, que o diácono dizia outrora na assembleia dos fiéis:
“As coisas santas são para os santos” – Sancta sanctis
Meditação para o Dia
Adoremos a bondade infinita de Jesus Cristo descendo ao altar à voz do sacerdote e imolando-Se ali por nós. Roguemos-Lhe, que nos faça compreender bem as disposições, com que devemos recebe-lO à Sua chegada entre nós.
PRIMEIRO PONTO
Fé viva com que devemos assistir ao Santo Sacrifício
Como neste inefável mistério, os sentidos nada dizem do que é na realidade; como os olhos, o gosto, a mão, longe de nos instruírem, nos encobrem a verdade das coisas, não podemos apreciar o Sacrifício do Altar senão em proporção da fé com que assistimos a ele. Com uma fé frouxa, a augusta ação do sacrifício não comove mais que a ação mais indiferente; a Sagrada Mesa é como uma mesa comum, o Pão do Céu como o pão da terra, e o Vinho Eucarístico como um vinho profano. As orações tão belas da liturgia nada dizem à alma; ouvem-se com frieza as palavras mais ardentes; e sai-se do Santo Sacrifício, no mesmo estado em que se foi assistir a ele, sem arrependimento das culpas, sem propósito firme de uma vida melhor. Ao contrário, com uma fé viva, vê-se no Sacrifício da Missa o mesmo sacrifício do Calvário; vê-se nele o sacrifício do céu, em que o Cordeiro está diante do trono como imolado, no meio dos Anjos e dos Santos, que cantam a Sua glória e dão a Deus por ele um louvor infinito. Juntamo-nos a todos os príncipes da côrte celestial para dizer com eles o cântico eterno (1); adoramos, agradecemos, oramos de toda a nossa alma por nós, pelos nossos parentes e amigos, pela Igreja, por todo o mundo; e os Anjos, como mensageiros celestes, partem de lá para abrir os cárceres do Purgatório, e distribuir pelo mundo as graças obtidas pela oferenda da divina hóstia (2). Oh! Quanta razão tem, pois, a Igreja para chamar à Eucaristia o mistério da fé (3), e com quanta vontade devemos repetir a petição dos Apóstolos:
“Senhor, aumentai-nos a fé!” – Adauge nobis fidem (Lc 17, 5)
Reconheçamos a necessidade que temos disto.
SEGUNDO PONTO
Humildade profunda com que devemos assistir ao Santo Sacrifício
Toda a liturgia da Missa não respira senão humildade, isto é, o aniquilamento da alma abismada diante das grandezas de Deus e no sentimento da Sua miséria. Apenas o sacerdote chega ao altar, a sagrada liturgia detém-o para o fazer pensar na majestade de Deus diante do qual se apresenta – Introibo ad altare Dei. Fá-lo pedir o auxílio da graça para uma ação tão santa – Adjuntorium nostrum in nomine Domini; e o acurva ao peso da sua indignidade – Confiteor Deo Omnipotenti. Fá-lo implorar o socorro de todo o céu – Ideo precor, etc... E pedir indulgência e perdão – Misereatur… Indulgentiam… Aufert a nobis iniquitates nostras… Indulgere digneris omnia peccata; e só é depois que o Senhor lhe mostrou a Sua misericórdia, que ousa subir os degraus do altar de Deus – Ostende nonis misericordiam tuam (Orações que diz o sacerdote no fundo do altar). Chegado ao cimo do monte santo, continua as suas humildes súplicas:
“Vós que tirais os pecados do mundo, tende misericórdia de nós” – Qui tollis peccata mundi, miserere nobis
“Purificar o meu coração e os meus lábios” – Munda cor meum ac labia mea
Continua estas palavras de humildade no ofertório:
“Ofereço-Vos este sacrifício por todos os meus pecados, ofensas e negligências. Recebei-me em espírito de humildade e coração contrito” – In spiritu humilitatis et animo contrito susci piamur a te
“Não deixeis perder a minha alma com os ímpios, tende de mim compaixão” – Ne perdas cum impiis, Deus, animam meam… miserere mei
Depois da Consagração, repete ainda as mesmas palavras de humildade, reconhecendo-se por pecador (4) dizendo:
Perdoai-nos as nossas ofensas (5); livrai-nos de todos os males passados, presentes e futuros. Vós que tirais os pecados do mundo, tende misericórdia de nós, Senhor. Eu não sou digno de Vos receber
Que continuas expressões de humildade para o sacerdote e para o fiel cristão que deve unir-se ao sacerdote!
TERCEIRO PONTO
Amor ardente com que se deve assistir ao Santo Sacrifício
Ó Jesus, quando Vos amaremos nós, se não for neste solene momento, em que, abaixando a altura dos céus, desceis ao altar por amor de nós; nesse momento solene, em que, rodeado dos Vossos Anjos, transportais a Vossa côrte para o meio de nós e fazeis das nossas igrejas um paraíso; nesse momento em que Vos ofereceis em sacrifício por nós, adorando, agradecendo em nosso lugar, expiando as nossas culpas, pedindo perdão, e apresentando todas as nossas necessidades à Santíssima Trindade; nesse momento finalmente em que estais todo ocupado no Vosso amor para conosco, sempre pronto a dar-Vos todo inteiro a nós, se quisermos receber-Vos pela comunhão? Ah! É esse por excelência o momento de amar, o momento em que o coração deve derreter-se todo em amor, em que nos seria preciso todo o amor do céu em nós. Ainda não seria bastante; na nossa pobreza, necessitamos ao menos de oferecer tudo o que temos, tudo o que somos, para não viver senão do Seu amor e nada mais desejar nem neste mundo nem no outro, senão amá-lO sempre mais.
É este o amor ardente, com que assistimos ao Sacrifício da Missa? Não nos tem ali visto os Anjos do santuário com espanto mais de uma vez tíbios, frios, indiferentes, distraídos? Que motivos de confusão para nós!
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Cum quibus et nostras voces ut admitti iubeas, deprecamur, supplici confessione dicentis: Sanctus, Sanctus, Sanctus
(2) São João Crisóstomos, hom. 28, ad Antioch.
(3) Mysterium fidei (Inter verb. cons. ca)
(4) Nobis quoque peccatoribus
(5) Dimitte nobis debita nostra
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 216-220)