Segue-se o quarto fruto, que se pode colher da felicíssima atenção com que foi ouvida a oração do Senhor, para que nós, animados com tão lisonjeiro resultado, mais nos inflamemos em Lhe encomendarmos o nosso espírito, pois com toda a verdade o Apóstolo deixou escrito (Hb 5) que Nosso Senhor Jesus Cristo fôra atendido pela Sua reverência. Tinha o Senhor pedido a seu Pai, como acima demonstramos que não fosse demorada a ressurreição do Seu corpo, foi ouvida aquela oração, para que a ressurreição se não demorasse mais tempo do que o preciso para se acreditar, que sem dúvida o corpo do Senhor morrera, pois se não pudesse provar-se que assim fôra, a Sua ressurreição, e a fé cristã ficava sem base.
Um quinto fruto se há de colher daquela palavra, por ela significar também, que o edifício da Igreja se concluiu na Cruz, e que a mesma Igreja saiu do lado de Cristo moribundo, assim como Eva saíra da costela de Adão, quando este dormia. Este mistério nos ensina que amemos a cruz, que a honremos, e que dedicadamente nos afeiçoemos a ela. Quem há, pois, que não tenha afeição ao lugar da naturalidade de sua mãe? Admirável é sem dúvida a que todos os fiéis consagram à sacratíssima casa do Loreto, por nela ter nascido a Virgem Mãe de Deus, pois o Anjo diz a José:
"O que nela se gerou, é obra do Espírito Santo" (Mt 1)
Pode colher-se um quarto fruto da explicação da quarta palavra: Tudo está consumado. Sendo verdade, como não pode deixar de o ser, que por justo juízo de Deus Cristo, livrando-nos da escravidão do Diabo, nos passou para o reino do Filho da sua predileção; indaguemos diligentemente, e não nos cansemos de indagar a causa, enquanto não a descobrirmos, porque tamanho número de gente antes queria tornar-se escravo do inimigo do gênero humano, para com ele arder eternamente nas chamas do inferno, do que servir a Cristo, Príncipe benigníssimo; e, mais ainda do que isto reinar felicíssima e certissimamente com Ele. Eu não acho outra senão que no serviço de Cristo se deve começar pela cruz, e que é necessário crucificar a carne com todos os seus vícios e apetites. Esta amarga bebida, este cálice de absinto, nauseia o homem, fraco por natureza; e é muitas vezes o motivo porque ele antes quer continuar na enfermidade, do que curar-se, tomando aquele remédio.
O Antigo Testamento explica-se a maior parte das vezes pelo Novo, porém neste mistério da sede do Senhor as palavras do Salmo 68 podem ter-se como comentário do Evangelho; pois nele não se diz claramente, se os que ofereceram vinagre ao Senhor, na Sua sede, o fizeram por obséquio, se para mais O atormentarem; isto é, se por amor, se por ódio. Nós com São Cirilo tomamos a má parte aquele oferecimento do vinagre: são, porém, tão claras as palavras do Salmo, que não carecem de explicação; e delas colheremos o fruto de aprendermos de Cristo a termos a sede que devemos ter: a sede da salvação. As palavras do profeta são as seguintes:
"Esperei por quem tomasse parte na minha tristeza; e ninguém a tomou; esperei que alguém me consolasse; e ninguém me deu consolação, na minha fome deram-me fel, e vinagre na minha sede"
Por isso os que a Cristo, Senhor Nosso, deram pouco antes de ser crucificado, vinho misturado com fel, e os que depois de crucificado, Lhe ofereceram vinagre, eram daqueles de quem Ele se queixa, dizendo: Esperei por quem tomasse parte, etc.
Em terceiro lugar aprendemos da cadeira da Cruz, e das palavras por Cristo dirigidas a sua Mãe e ao discípulo, quais são as obrigações dos bons pais para com seus filhos, e os deveres dos bons filhos para com seus pais. Comecemos por aquelas. Devem os bons pais amar seus filhos; de modo, porém, que este amor não se oponha ao amor de Deus: e é por isto, que o Senhor diz no Evangelho:
"Quem ama seu filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim" (Mt 10)
Isto cumpriu com todo o rigor possível a Bem-aventurada Virgem; pois estava junto da Cruz, sofrendo a maior dor com a maior constância. Aquela dor era a prova do sumo amor a seu Filho, pendente da Cruz; aquela constância asseverava a sua muito submissa obediência a Deus: doía-se de que seu Filho inocente, que afetuosissimamente amava, fosse atormentado de cruelíssimas dores; mas nem por isso a elas obstaria por palavras ou por obras, ainda que pudesse, porque sabia que Ele padecia aqueles martírios por determinação e presciência de Deus Pai (At 2).
O segundo fruto desta terceira palavra colhe-se do mistério das três mulheres, que estavam junto da Cruz do Senhor; pois Maria Madalena representa os penitentes e os que começam a sê-lo; Maria de Cléofas os proficientes; Maria, Mãe de Cristo e Virgem, os perfeitos; e com ela podemos também reunir São João, virgem, e que dentro em pouco tempo havia de ser perfeito, se ainda não o era. São aqueles os únicos que se acham junto da Cruz do Senhor; porque os que vivem em pecado e não tratam de fazer penitência, afastam-se da Cruz que é a escada do Céu. Além disto todos os que estão junto da Cruz, tem motivo para lá estarem; pois precisam do auxílio do Crucificado, os penitentes ou incipientes estão em guerra aberta com os vícios e apetites desordenados, e muito precisam do auxílio de Cristo, nosso General, para se animarem a combater, vendo-o a lutar contra o Dragão, e não querendo descer da Cruz, sem dele obter completo triunfo, assim o diz o Apóstolo na sua Epístola aos Colossenses:
"Despojou os Principados e Potestades, e os trouxe confiadamente publicamente deles em si mesmo, e pouco antes Encravando na Cruz a cédula do decreto, que havia contra nós" (Col 2)
Breve introdução sobre a Paciência e o Apóstolo Patrono
Estamos na terra para fazermos penitência e merecermos; não é ela, portanto, lugar de repouso, mas de trabalhos e sofrimentos. As dores, adversidades e outras tribulações hão de ser as mais belas jóias da nossa corôa no paraíso. Pratiquemos a paciência: 1. Quando a morte nos arrebata os parentes ou amigos; 2. Na pobreza; 3. Nos desprezos e perseguições; 4. Nas desolações espirituais; 5. Nas tentações; 6. Nas doenças. A resignação na morte, para fazer a vontade de Deus, é bastante para assegurar a nossa salvação eterna. Pondera que nesta vida, quer queiras, quer não, terás necessariamente de padecer. Procura por isso padecer de maneira meritória, isto é, pacientemente; violenta-te e evita romper em queixas e lamentos. Se te venceres, Deus te fará experimentar durante a tribulação uma doçura desconhecida dos mundanos, mas muito conhecida daqueles que amam a Deus. Se Deus te visitar com doenças, pobreza, perseguições e outras adversidades, humilha-te diante dEle, e dize com o bom ladrão:
"Recebemos o que mereciam nossas ações” (Lc 23, 41).
E mesmo que não tenhas perdido a inocência batismal, certamente já terás merecido um longo purgatório. Por isso alegra-te se fores castigado neste mundo e não no outro. Consola-te também nos sofrimentos internos com a esperança do céu. Recorda-te das palavras de São Paulo:
“Os padecimentos deste mundo não tem comparação com a glória futura que será manifestada em nós” (Rom 8, 18)
“O que aqui é para nós uma tribulação momentânea e ligeira produz em nós, de um modo maravilhoso no mais alto grau, um peso eterno de glória” (2 Cor 4, 17)
Se tua vida te parecer insuportável, olha para teu divino Salvador, que te precede, carregando a cruz. Ouve o que Ele diz:
“Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo e tome todos os dias a cruz sobre si” (Lc 9, 23)
Teu Salvador vai sempre adiante, e só pára ao chegar ao monte Calvário, para ai morrer por ti. Acostuma-te a submeter-te já antecedentemente na oração a todos os sofrimentos que talvez te sobrevirão; assim procederam os santos e por isso estavam sempre prontos a abraçar todas as cruzes, mesmo as que lhes sobrevinham inesperadamente. Suplica, finalmente, ao Senhor instantemente que te conceda a graça da paciência, pois, sem a oração, nunca obterás essa grande graça. Justamente na oração encontraram os santos mártires a coragem para suportar os mais atrozes tormentos e a morte mais ignominiosa. Se recorreres ao Senhor com confiança, Ele te livrará dos teus padecimentos ou então te concederá a graça de suportá- los com paciência. Ele mesmo disse:
“Vinde a mim todos que andais em trabalhos e vos achais carregados e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28)
Meditação para a Vigésima Quarta Sexta-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Depois de termos visto a natureza e excelência da sabedoria cristã, meditaremos sobre os seus sinais ou caracteres, e veremos: 1.° O que ela é em si; 2.° O que ela é em suas relações com o próximo. — Tomaremos depois a resolução: 1.° De pedirmos muitas vezes a Deus a sabedoria cristã, e de nos examinarmos a nós mesmos com frequência durante o dia, para ver se as nossas obras, palavras e sentimentos, tem os seus, caracteres; 2.° De nos conservarmos nesse espírito habitual de recolhimento, fora do qual não reside a verdadeira sabedoria. O nosso ramalhete espiritual será a invocação a Santíssima Virgem como assento ou trono da verdadeira sabedoria:
"Virgem, prudentíssima, trono da sabedoria, rogai por nós" - Virgo prudentissima, sedes sapientiae, ora pro nobis
Meditação para a Vigésima Quarta Sexta-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Depois de termos visto a falsidade da sabedoria do mundo, meditaremos sobre a sabedoria cristã, e veremos: 1.° Em que consiste; 2.° Qual é a sua excelência. — Tomaremos depois a resolução: 1.° De olharmos em todas as coisas a nossa salvação como o supremo fim a que devemos referir tudo; 2.° De evitarmos com cuidado o que poderia expô-la a perigo. O nosso ramalhete espiritual será a súplica de Salomão:
"Dai-me, Senhor, aquela sabedoria, que está ao pé de vós no vosso trono, para que esteja comigo e comigo trabalhe" - Da mihi (Domine) sedium tuarum assistricem sapientiam... ut mecum sit et mecum aboret (Sb 9, 10)
Meditação para a Vigésima Quarta Quinta-feira depois de Pentecostes
SUMARIO
Meditaremos sobre a falsa sabedoria do mondo, e veremos: 1.º Quanto ela é digna de reprovação; 2.° Quanto efetivamente Deus a reprova. — Tomaremos depois a resolução: 1.° De deixarmos o mundo obrar, dizer e pensar o que quiser, e de seguirmos a Jesus Cristo como a única verdadeira sabedoria; 2.° De consultarmos muitas vezes este adorável Salvador, rogando-Lhe que nos esclareça a respeito de tudo o que devemos pensar, dizer ou obrar. O nosso ramalhete espiritual será o anátema que Deus proferiu contra a falsa sabedoria do mundo:
"Destruirei a sabedoria dos sábios e reprovarei a prudência dos prudentes" - Perdam sapientiam sapientium, et prudentiam prudentium reprobabo (1Cor 1, 19)