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Do segundo fruto da quarta palavra

Capítulo 15: Do segundo fruto da quarta palavra
Outro fruto, e muito precioso, se pode colher da consideração do silêncio de Cristo nas três horas que decorreram da sexta até a nona. Que fez então o teu Senhor, dize-me, minha alma, naquelas três horas? Estava o universo envolvido em horror e trevas e o teu Deus não descansava deitado em brando leito, mas estava pendente da Cruz, nu, cheio de dores e sem consolação nenhuma.

Tu, Senhor, que és o único que sabes os horríveis tormentos que padeceste, ensina os teus servozinhos a avaliarem quanto Te devem e a que, ao menos com piedosas lagrimas de Ti se compadeçam, e saibam algumas vezes privar-se neste desterro por amor de Ti de tudo quanto for regalo, se assim for da Tua vontade.

Eu, filho, em toda a minha vida mortal, que toda foi trabalho e mortificação, nunca sofri tormentos maiores do que naquelas três horas; nem também sofri nunca de melhor vontade do que naquele espaço de tempo. Então, pelo cansaço do corpo cada vez mais se me rasgavam as chagas e se aumentava a violência das dores. Então por falta do calor do Sol, o frio subindo de intensidade, agravava o meu sofrimento por estar de toda parte desagasalhado. Então as trevas, que me tiravam a vista do Céu e da Terra, e de todos os objetos da criação, obrigavam-me de certo modo a não pensar senão nos meus tormentos. Assim aquelas três horas consideradas por este lado, pareciam-me três anos; porém o desejo em que meu peito ardia da honra de meu Pai, de cumprir a Sua vontade e da salvação das vossas almas, era tal, que quanto mais as dores se exasperavam, mais aquele desejo crescia, fazendo com que aquelas três horas me parecesse três minutos pelo grande gosto com que eu sofria.

Ó piedosíssimo Senhor, em vista disso muito ingratos somos nós, a quem é custoso empregar uma horazinha na meditação dos teus tormentos, quando Tu de boa vontade sofreste para nos salvares, estar cravado na Cruz três horas inteiras, no horror das trevas, ao frio, nu, padecendo uma sede ardentíssima, e horrivelmente martirizado! Ora dize-me, Amigo dos homens, eu te peço, se a veemência das dores naquele tão dilatado espaço de três horas pode desviar a tua alma da oração, porque nós, quando estamos atribulados, principalmente se sofremos alguma dor forte, não podemos sem grande custo rezar com atenção. Não fazia eu assim, filho, mas na carne enferma tinha o espírito pronto para a oração. Todas aquelas três horas em que nem uma palavra pronunciei, foram por mim empregadas em orar por vós a meu Pai com a boca do coração, mas também com a das chagas e do sangue. Eram tantas as bocas com que eu, clamando, pedia por vós a meu Pai, quantas eram as chagas em meu corpo; e muitas eram elas; e quantas eram as gotas do sangue que eu derramava, tantas eram as línguas que a meu Pai e também vosso, para vós pediam e rogavam misericórdia. Confundiste completamente, Senhor, a impaciência do Teu servo, que se for orar para rogar por si, ou fatigado de algum trabalho, ou incomodado por alguma dor, apenas pode elevar o pensamento a Deus; ou se por graça Tua o eleva, não pode assim continuar por muito tempo sem se ressentir do incômodo, do cansaço ou da dor. Compadece-Te, pois do Teu servo, Senhor, pela Tua grande misericórdia, para que à vista de tamanho exemplo que lhe dás, de paciência, ele aprenda a seguir os Teus passos e a desprezar, ao menos quando estiverem rezando, os seus pequeníssimos padecimentos.


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(BELARMINO, Cardeal São Roberto. As Sete Palavras de Cristo na Cruz. Antiga Livraria Chadron, Porto, 1886, p. 144-147)