I. Nossa confiança em Maria deve ser ilimitada porque ela é Rainha de Misericórdia
Maria é Rainha
Tendo sido a Santíssima Virgem elevada à dignidade de Mãe de Deus, com justa razão a Santa Igreja a honra, e quer que de todos seja honrada com o título glorioso de Rainha. Se o Filho é Rei, diz Pseudo-Atanásio, justamente a Mãe deve considerar-se e chamar-se Rainha. Desde o momento em que Maria aceitou ser Mãe do Verbo Eterno, diz S. Bernardino de Sena, mereceu tornar-se Rainha do mundo e de todas as criaturas. Se a carne de Maria, conclui Arnoldo, abade, não foi diversa da de Jesus, como, pois, da monarquia do Filho pode ser separada a Mãe?
Por isso deve julgar-se que a glória do reino não só é comum entre a Mãe e o Filho, mas também que é a mesma para ambos.
Se Jesus é Rei do universo, do universo também é Maria Rainha, escreve Roberto, abade. De modo que, na frase de São Bernardino de Sena, quantas são as criaturas que servem a Deus, tantas também devem servir a Maria. Por conseguinte, estão sujeitos ao domínio de Maria os anjos, os homens e todas as coisas do céu e da terra, porque tudo está também sujeito ao império de Deus. Eis por que Guerrico abade lhe dirige estas palavras: Continuai, pois, a dominar com toda a confiança; disponde a vosso arbítrio dos bens de vosso Filho; pois, sendo Mãe, e Esposa do Rei dos reis, pertence-vos como Rainha o reino e o domínio sobre todas as criaturas.
Maria é Rainha de Misericórdia
Maria é, pois, Rainha. Mas saibamos todos, para consolação nossa, que é uma Rainha cheia de doçura e de clemência, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós, pobres pecadores. Quer por isso a Igreja que a saudemos nesta oração com o nome de Rainha de Misericórdia. O próprio nome de rainha, considera Santo Alberto Magno, denota piedade e providência para com os pobres, enquanto que o de imperatriz dá ares de severidade e rigor. A magnificência dos reis e das rainhas consiste em aliviar os desgraçados, diz Sêneca. Enquanto que os tiranos governam tendo em vista seu interesse pessoal, devem os reis procurar o bem de seus vassalos. Por isso na sagração dos reis se lhes unge a testa com óleo. É o símbolo da misericórdia e benignidade de que devem estar animados para com seus súditos.
Devem, pois, os reis principalmente empregar-se nas obras de misericórdia, mas sem omitir, quando necessária, a justiça para com os réus. Não assim Maria. Bem que seja Rainha, não é rainha de justiça, zelosa do castigo dos malfeitores. É Rainha de Misericórdia, inclinada só à piedade e ao perdão dos pecadores. Por isso quer a Igreja que expressamente lhe chamemos Rainha de Misericórdia.
Eu ouvi – diz o Salmista – estas duas coisas: que o poder é de Deus e que é vossa a misericórdia (Sl 61,12,13). Considerando o afamado chanceler de Paris, João Gerson, as palavras de Davi, disse: Consistindo o reino de Deus na justiça e na misericórdia, o Senhor dividiu: o reinado da justiça reservou-o para si, e o reinado da misericórdia o cedeu a Maria. E ainda o Senhor ordenou que pelas mãos de Maria passariam, e a seu arbítrio seriam conferidas todas as misericórdias dispensadas aos homens. Isto mesmo confirma um escritor no prefácio das Epístolas canônicas, escrevendo: Quando a Santíssima Virgem concebeu o Divino Verbo e deu à luz, obteve metade do reino de Deus; tornou-se Rainha de Misericórdia e Jesus ficou sendo Rei da justiça.
O Eterno Pai constituiu Jesus Cristo Rei de justiça e fê-lo, por conseguinte, Juiz universal do mundo. Vem daí a exclamação do Salmista: Dai, ó Deus, ao rei a vossa equidade, e ao filho do rei a vossa justiça (Sl 71,2). Pelo que diz um douto intérprete; Senhor, destes ao vosso Filho a justiça, porque à Mãe do rei entregastes a misericórdia. Aqui S. Boaventura tece belo comentário à citada passagem, dizendo: Dai, ó Deus, vosso juízo ao Rei e vossa misericórdia à sua Mãe. Ernesto, Arcebispo de Praga, também diz que o Eterno Pai deu ao Filho o ofício de julgar e punir, e à Mãe o ofício de socorrer e aliviar os miseráveis. Por isso profetizou o mesmo profeta Davi que o próprio Deus (por assim dizer) consagrou Maria Rainha de misericórdia, ungindo-a com óleo de alegria.
“Por isso te ungiu o teu Deus com o óleo da alegria” (Sl 44,8).
E isso para que todos nós, miseráveis filhos de Adão, nos alegrássemos, considerando que temos no céu esta Rainha toda cheia de unção, misericórdia e piedade para conosco, observa Conrado de Saxônia.
Muito bem aplica Santo Alberto Magno a este propósito a história da rainha Ester, que foi figura de Maria, nossa Rainha. No cap. 4 do livro de Ester, lê-se que, reinando Assuero, saiu um decreto condenando à morte todos os judeus. Então, Mardoqueu, que era um dos condenados à morte, recomendou sua salvação a Ester. Pediu-lhe que interpusesse o seu valimento junto ao rei, a fim de que revogasse a sentença. Ao princípio, Ester recusou fazer este favor, temendo irritar ainda mais Assuero. Repreendeu-a Mardoqueu, mandando-lhe dizer que não pensasse só em salvar-se a si, pois o Senhor a tinha posto sobre o trono para obter a salvação de todos os judeus.
“Não te persuadas de que, por isso que estás na casa do rei, salvarás tu só a vida entre todos os judeus” (Est 4,13).
Essas palavras de Mardoqueu a Ester, nós, pobres pecadores, podemos repeti-las a Maria, nossa Rainha, se ela em algum tempo se recusar alcançar-nos de Deus o perdão do castigo, de nós bem merecido. Não cuideis, senhora, que Deus vos elevou a ser Rainha do mundo só para bem vosso. Se tão grande vos fez, é para que mais vos compadecêsseis, e melhor pudésseis socorrer nossas misérias.
Assuero, quando viu Ester, na sua presença, lhe perguntou com agrado o que lhe vinha pedir: Qual é o teu pedido? Respondeu-lhe a rainha: Meu rei, se em algum tempo achei graça a teus olhos, dá-me o meu povo, pelo qual te rogo (7,3). E Assuero a ouviu e atendeu, ordenando logo que se revogasse a sentença. Ora, se Assuero, por amor a Ester, lhe concedeu a salvação dos judeus, como poderá Deus, cujo amor por Maria é sem medida, deixar de ouvi-la quando pede pelos pobres pecadores, que a ela se recomendam? Se em algum tempo achei graça aos teus olhos, dá-me o meu povo – repete-lhe a Virgem Santíssima. Bem sabe a divina Mãe, que é bendita e bem-aventurada, que é a única entre as criaturas que achou a graça perdida pelos homens. Bem sabe que é a predileta de seu Senhor, por ele querida acima de todos os anjos e santos. Se me amais, Senhor, – diz-lhe então – dai-me esses pecadores pelos quais vos rogo. E é possível que o Senhor a deixe desatendida? Quem ignora o poder das preces de Maria junto de Deus? A lei da clemência está em sua língua, diz o Sábio (Pr 31,26). Toda súplica sua é como uma lei estabelecida pelo Senhor, para que se use de misericórdia com todos aqueles por quem Maria interceder. O autor dos Sermões sobre a Salve-Rainha indaga por que motivo a Igreja intitula Maria Santíssima Rainha de Misericórdia. E responde: Para que acreditemos que Maria abre o oceano imenso da misericórdia de Deus a quem quer, quando quer e como quer. Pelo que não há pecador, nem o maior de todos, que se perca, se Maria o protege.
Maria é Rainha de Misericórdia até para os mais miseráveis
Podemos, porventura, temer que Maria desdenhe empenhar-se pelo pecador, por vê-lo tão carregado de pecados? Ou acaso nos devem intimidar a majestade e a santidade desta grande Rainha? Não, diz o Papa São Gregório; porque quanto ela é mais excelsa e mais santa, tanto é mais doce e mais piedosa para com os pecadores, que se querem emendar e a ela recorrem. A majestade dos reis e das rainhas causa temor e faz com que os súditos temam chegar à presença deles. Mas onde estão, pergunta São Bernardo, os infelizes que podem ter medo de apresentar-se a esta Rainha de Misericórdia? Nela nada há de terrível e severo. É toda benigna e amável para os que a procuram. Maria não só dá quanto lhe pedimos, mas ela mesma nos oferece a todos nós leite e lã. Leite de misericórdia para animar-nos à confiança, e lã e refúgio para nos defender dos raios da justiça divina.
Narra Suetônio, do imperador Tito, que ele não sabia negar favor algum a quem lho pedia. Acontecia-lhe às vezes prometer mais do que se podia esperar. Disto advertido, respondia que o príncipe não devia deixar ir descontente nenhum daqueles que admitisse à sua presença.
Tito assim o dizia; porém, muitas vezes, ou mentia ou faltava à promessa. Nossa Rainha não pode, entretanto, mentir; pode sim alcançar quanto quiser para os seus devotos. Tão bom e compassivo lhe é o coração, que não deixa voltar de mãos vazias quem a invoca, observa Landspérgio. Mas como podereis vós, ó Maria, lhe diz São Bernardo, deixar de socorrer os infelizes, se vós sois a Rainha de Misericórdia? E quem são os súditos da misericórdia, senão os miseráveis? Sois a Rainha da misericórdia e eu, entre os pecadores, sou o mais miserável. Logo, se eu, por ser o mais miserável, sou o maior dos vossos súditos, vós deveis ter mais cuidado de mim que de todos os outros.
Tende, pois, piedade de nós, ó Rainha de misericórdia, e cuidai em salvar-nos. Não digais, ó Virgem Santíssima, parece acrescentar São Gregório de Nicomedia, que não vos é possível socorrer-nos, por ser grande a multidão de nossos pecados. Pois não há número de culpas que possa exceder ao vosso poder e amor Tão grande são eles! Nada resiste ao vosso poder. Pois nosso comum Criador, honrando-vos como sua Mãe, estima como sua a vossa glória. Alegra-se o Filho com vossa glorificação e atende a vossos pedidos, como se estivera saldando uma dívida. Quer o Santo dizer: Maria deve uma obrigação infinita ao Filho por havê-la destinado para sua Mãe. Contudo, não se pode negar que também o Filho é muito obrigado a esta Mãe, por lhe ter dado o ser humano. Por isso, estando agora na sua glória como em recompensa do que deve a Maria, Jesus a honra, especialmente ouvindo sempre todos os seus rogos.
Quanta não deve ser, pois, a nossa confiança nesta Rainha, sabendo nós quanto é ela poderosa perante Deus e cheia de misericórdia para com os homens! Tão misericordiosa é Maria, que não há na terra criatura que não deixe de participar-lhe dos favores e das bondades. Assim o revelou esta mesma Virgem amabilíssima a Santa Brígida. Eu sou – lhe disse – Rainha do céu e Mãe de Misericórdia; para os j ustos sou alegria e para os pecadores sou a porta por onde entram para Deus. Não há no mundo pecador tão perdido, que não participe de minha misericórdia; pois, por minha intercessão, todos são menos tentados do que, aliás, haviam de ser. Nenhum deles, continuou dizendo, a não ser o que de todo esteja repudiado por Deus (o que se deve entender da última e irrevogável sentença sobre os réprobos), nenhum deles é tão abandonado por Deus, que não consiga reconciliar-se com ele e conseguir misericórdia, se implora a minha intercessão. Mãe de Misericórdia me chamam todos. Em verdade, a misericórdia de Deus para com os homens me fez também tão misericordiosa para com eles. Infeliz, portanto, conclui a Virgem, infeliz será eternamente na outra vida, aquele que podendo nesta vida recorrer a mim, tão compassiva com todos, não me invoca e se perde!
Recorramos, pois, e recorramos sempre à proteção desta dulcíssima Rainha, se queremos seguramente salvar-nos. Espanta e desanima-nos a vista de nossos pecados? Lembremo-nos então de que Maria foi feita Rainha de Misericórdia, precisamente para com sua proteção salvar os maiores e mais abandonados pecadores que a ela se recomendam. Estes hão de ser a sua coroa no céu, como disse o seu divino Esposo:
“Vem do Líbano, esposa minha, vem do Líbano; serás coroada das cavernas dos leões, dos montes dos leopardos” (Ct 4, 8).
Quem são esses covis de feras e de monstros, senão os pecadores? Suas almas realmente transformam-se em antros de pecados que são os monstros mais disformes que se podem achar. Justamente destes miseráveis pecadores, salvos por vosso intermédio, ó grande Rainha, sereis coroada no paraíso, observa Roberto, abade. Pois a sua salvação, diz ele, será coroa vossa, coroa bem digna e própria da Rainha de Misericórdia.
Exemplo
Lê-se na vida de sóror Catarina de S. Agostinho que havia, no lugar em que morava esta serva de Deus, uma mulher chamada Maria. A infeliz levara uma vida de pecados durante a mocidade. E já envelhecida, de tal forma se obstinara na sua perversidade, que fora expulsa pelos habitantes da cidade, e obrigada a viver numa gruta abandonada. Aí morreu finalmente, sem os sacramentos e sem a assistência de ninguém. Sepultaram-na no campo como um bruto qualquer. Sóror Catarina costumava recomendar a Deus com grande devoção as almas de todos os falecidos. Mas, ao saber da terrível morte da pobre velha, não cuidou de rezar por ela, pensando, como todos os outros, que já estivesse condenada. Eis que, passados quatro anos, em certo dia se lhe apresentou diante uma alma do purgatório, que lhe dizia:
Sóror Catarina, que triste sorte é a minha! Tu encomendas a Deus as almas de todos os que morrem e só da minha alma não tens tido compaixão?
– Mas quem és tu? – disse a serva de Deus.
– Eu sou, – respondeu ela – aquela pobre Maria que morreu na gruta.
– E como te salvaste? – replicou sóror Catarina.
– Sim, eu me salvei por misericórdia da Virgem Maria.
– E como?
– Quando eu me vi próxima à morte estando juntamente tão cheia de pecados e desamparada de todos, me voltei para a Mãe de Deus e lhe disse: Senhora, vós sois o refúgio dos desamparados. Aqui estou neste estado abandonada por todos. Vós sois a minha única esperança, só vós me podeis valer; tende piedade de mim. Então a Santíssima Virgem obteve-me a graça de eu poder fazer um ato de contrição; depois morri e fui salva. Além disso, esta minha Rainha alcançou-me a graça de ser abreviada minha pena por sofrimentos mais intensos, porém menos demorados. Só necessito de algumas missas para me livrar mais depressa do purgatório. Rogo-te que as faças celebrar. Em troca, prometo-te pedir sempre a Deus e à Santíssima Virgem por ti.
Sóror Catarina logo fez celebrar as missas. Depois de poucos dias lhe tornou a aparecer aquela alma mais resplandecente do que o sol e lhe disse: Agora vou para o paraíso cantar as misericórdias do Senhor e rogar por ti.
ORAÇÃO
Ó Mãe de meu Deus e Senhora minha, ó Maria, tal como se apresenta a uma excelsa soberana um pobre chagado e repugnante, me apresento eu a vós, que sois a Rainha do céu e da terra. Rogo-vos, lá do alto trono, em que estais sentada, vos digneis volver os vossos olhos para este pobre pecador. Deus vos fez tão rica, a fim de socorrerdes aos pecadores; elegeu-vos Rainha para que pudésseis aliviar os miseráveis. Olhai, pois, para mim e compadecei-vos de minha miséria. Olhai-me e não me abandoneis enquanto de pecador não me tiverdes mudado em santo. Bem sei que nada mereço. Antes por minha ingratidão mereceria ser privado de todas as graças que do Senhor recebi por vosso intermédio. Mas vós, que sois Rainha de Misericórdia, buscais de preferência misérias e não méritos para socorrer os necessitados. Ora, quem há mais necessitado e miserável do que eu?
Ó Virgem excelsa, sei que sois Rainha do universo e minha Rainha também. Quero, porém, de um modo mais especial, consagrar-me ao vosso serviço, para que disponhais de mim segundo vosso beneplácito. Exclamo, pois, com S. Boaventura: Ó minha soberana, à vossa soberania me entrego, para que domineis conforme o vosso arbítrio sobre tudo quanto tenho e sou; não me abandoneis. Governai-me, dai-me vossas ordens, de mim disponde à vossa vontade. Castigai-me, até quando for desobediente, porque muito salutares me serão os vossos castigos. Considero maior ventura ser um vosso servo que ser senhor do universo. Sou vosso; salvai-me. Aceitai-me, ó Maria, como vosso servo e cuidai da minha salvação. Já não quero pertencer-me a mim mesmo; a vós me dou. E se mal até agora vos tenho servido, deixando de honrar-vos em tantas ocasiões, quero para o futuro associar-me a vossos mais devotados servos. Sim, ó amabilíssima Rainha, de hoje em diante mais do que ninguém vos hei de amar e honrar. Assim o prometo e assim espero executá-lo com o vosso auxílio. Amém.
II. Da confiança ainda maior que devemos ter em Maria por ser nossa Mãe
Maria é nossa Mãe espiritual
Não é sem motivo e sem boa razão que os servos de Maria a chamam de Mãe. Parece até que não sabem invocá-la com outro nome, nem se fartam de sempre lhe chamar de Mãe. Sim, Mãe, porque é verdadeiramente nossa Mãe, não carnal, mas espiritual, das nossas almas e da nossa salvação.
O pecado, quando privou a nossa alma da divina graça, a privou também da vida. Estávamos, pois, miseravelmente mortos, quando veio Jesus, nosso Redentor, com excessiva misericórdia e amor, restituir-nos a vida pela sua morte na cruz. Ele mesmo o declarou: Eu vim para elas (as ovelhas) terem a vida, e para a terem em maior abundância (Jo 10,10).
“Em maior abundância”, porque, dizem os teólogos, Jesus Cristo com a redenção trouxe-nos maior bem, do que Adão mal nos causou com o seu pecado. Assim, reconciliando-nos ele com Deus, se fez Pai das almas na nova Lei da graça como já estava profetizado por Isaías ao chamá-lo de “Pai do futuro e príncipe da paz” (Is 9, 6). Mas, se Jesus é pai de nossas almas, Maria é a Mãe. Pois em nos dando Jesus, deu-nos ela a verdadeira vida. Em seguida proporcionou-nos a vida da divina graça, quando ofereceu no Calvário a vida do Filho pela nossa salvação. Em duas diferentes ocasiões tornou-se, portanto, Maria nossa Mãe espiritual, como ensinam os Santos Padres.
Primeiramente, quando mereceu conceber no seu ventre virginal o Filho de Deus, conforme diz Santo Alberto Magno. E mais distintamente nos adverte São Bernardino de Sena com as palavras: Quando a Santíssima Virgem deu à anunciação do anjo seu consentimento, pediu a Deus vigorosissimamente a nossa salvação; e de tal modo a procurou, que desde então nos trouxe nas suas entranhas como Mãe amorosíssima.
Falando do nascimento do Salvador, diz São Lucas que Maria deu à luz o seu Filho primogênito (Lc 2,7). Logo, observa certo autor, se o evangelista afirma que então a Virgem deu à luz o primogênito, deve-se supor que depois teve outros filhos? Mas é de fé, continua o mesmo autor, que Maria não teve outros filhos carnais além de Jesus. Deve, por conseguinte, ser Mãe de filhos espirituais e esses somos todos nós. Isto mesmo revelou o Senhor a S. Gertrudes.
Depois de ler um dia a citada passagem do Evangelho, ficou a santa completamente perturbada. Não podia entender como, sendo Maria Mãe somente de Jesus Cristo, se pudesse dizer que ele foi o seu primogênito. E Deus lho explicou, dizendo-lhe que Jesus foi o seu primogênito segundo a carne, mas que os homens foram os outros filhos seus, segundo o espírito.
E com esta explicação se entende o que se diz de Maria nos Sagrados Cânticos:
“O teu seio é como um monte de trigo, cercado de açucenas” (7,2).
O que explica Santo Ambrósio, dizendo: No seio puríssimo de Maria havia um só grãozinho de trigo, que era Jesus Cristo. Não obstante, é ele comparado a um monte de trigo, porque naquele grãozinho estavam todos os eleitos, dos quais Maria também havia de ser Mãe. Por este motivo escreve S. Guilherme, abade: Maria, dando à luz Jesus, que é nosso Salvador e nossa vida, nos fez nascer a todos nós para a vida.
Pela segunda vez Maria nos gerou para a graça, quando no Calvário ofereceu ao Eterno Pai, por entre muitos sofrimentos, a vida de seu amado Filho pela nossa salvação. Porque ela então cooperou com o seu amor para que os fiéis nascessem para a vida da graça, por isso mesmo, segundo Santo Agostinho, veio a ser Mãe espiritual de todos nós, que somos membros da nossa cabeça, Jesus Cristo. Isto é precisamente o que se diz da Bem-aventurada Virgem nos Sagrados Cânticos:
“Eles (meus irmãos) me puseram por guarda nas vinhas. Eu não guardei a minha vinha” (1,5).
Maria, para salvar as nossas almas, sacrificou com amor a vida de seu Filho. Ou, como diz Guilherme, abade: Imolou a sua alma para a salvação de muitas almas. E quem era a alma de Maria, senão o seu Jesus, o qual era a sua vida e o seu amor? Por isso lhe anunciou Simeão que a sua alma bendita havia de ser transpassada com uma espada (Lc 2,36). Falou da lança que transpassou o lado de Jesus, que era a alma de Maria. E então ela com as suas dores nos proporcionou a vida eterna. Por isso todos podemos chamar-nos filhos das dores de Maria.
Esta nossa amorosíssima Mãe sempre esteve toda unida à vontade de Deus. Assim viu o quanto o Eterno Pai amava os homens, observa São Boaventura; conheceu também sua vontade de entregar o próprio Filho à morte pela nossa salvação; soube do amor do Filho em querer morrer por nós. Para conformar-se com este amor do Pai e do Filho para com o gênero humano, ela também com toda a sua vontade ofereceu e consentiu que o seu Filho morresse, a fim de que fôssemos salvos.
Verdade é que Jesus quis ser o único a morrer pela redenção do gênero humano.
“Eu calquei o lagar sozinho” (Is 63,3).
Mas viu como Maria desejava ardentemente tomar parte na salvação dos homens. Decidiu então que ela, com o sacrifício e a oferta da vida do seu mesmo Jesus, cooperasse para nossa salvação, e deste modo viesse a ser Mãe de nossas almas. E isto quis dizer o nosso Salvador, quando, antes de expirar, olhando da cruz para sua Mãe e para o discípulo S. João, que estavam ao lado deles, primeiramente disse a Maria: Eis o teu Filho! (Jo 19,26). Queria dizer-lhe: Eis o homem que, pela oferta que fazes da minha vida pela sua salvação, já nasce para a graça. E depois, voltando-se para o discípulo, lhe disse: Eis a tua Mãe! (Jo 19,27). Com tais palavras, disse S. Bernardino de Sena, Maria foi feita Mãe, não só de São João, mas também de todos os homens, por causa do amor que teve para com eles. No parecer de Silveira, é este o motivo por que São João, ao consignar a cena no seu Evangelho, escreve: Em seguida disse ao discípulo: Eis a tua Mãe! Note-se que Jesus Cristo não disse isto a João, mas ao discípulo. Fê-lo para significar que o Salvador nomeou Maria por Mãe universal de todos aqueles que, sendo cristãos, têm o nome de seus discípulos.
Maria é Mãe muito solícita e desvelada
“Eu sou a Mãe do belo amor” – diz Maria (Eclo 24,24). O amor de Maria, observa certo autor, embeleza nossas almas aos olhos de Deus e leva essa amorosa Mãe a nos ter por filhos. Onde está a Mãe, pergunta São Boaventura, que ame seus filhos e vele sobre eles como vós, dulcíssima Rainha, nos amais e cuidais de nosso adiantamento espiritual?
Bem-aventurados aqueles que vivem debaixo da proteção de uma Mãe tão amante e tão poderosa! Já antes do nascimento de Maria, procurava o profeta Daniel obter de Deus a salvação, confessando-se filho de Maria com as palavras: Salva o filho da tua serva! (Sl 85,16). Mas de que serva? Daquela que disse: Eis aqui a serva do Senhor – assim pergunta e responde Santo Agostinho. E quem jamais ousará, diz o Cardeal São Roberto Belarmino, tirar estes filhos do seio de Maria, depois que a ele se tiverem acolhido em busca de salvação contra os inimigos? Que fúria do inferno ou das paixões poderá vencê-los, se puserem esta confiança no patrocínio desta grande Mãe?
Conta-se que a baleia guarda na boca seus filhos, quando os vê ameaçados pela tempestade ou pelos caçadores. E que faz nossa boa Mãe, quando vê seus filhos em perigo no meio da tempestade da tentação? Esconde-os amorosamente como dentro de suas próprias entranhas, escreve Novarino, e ali os guarda até que os coloca no seguro porto do paraíso. Ó Mãe amantíssima, ó Mãe piedosíssima, bendita sejais e bendito seja para sempre aquele Deus que vos deu a nós todos por Mãe e refúgio seguro em todos os perigos desta vida! Revelou esta mesma Virgem a Santa Brígida que uma mãe, se visse seu filho entre as espadas dos inimigos, faria todo o esforço para salvá-lo. Assim, disse, faço e farei eu com meus filhos, por maiores pecadores que sejam, sempre que a mim recorrerem.
Eis como em todas as batalhas com o inferno seremos sempre vencedores seguramente, se recorrermos à Mãe de Deus, e nossa, dizendo e repetindo: Sob a tua proteção nos refugiamos, ó Santa Mãe de Deus! Oh! quantas vitórias têm os fiéis alcançado do inferno com o recorrerem a Maria por meio desta breve, mas poderosíssima oração! Aquela grande serva de Deus, sóror Maria Crucifixa, religiosa beneditina, assim vencia sempre o demônio.
Alegrai-vos, portanto, todos os que sois filhos de Maria. Sabei que ela aceita por filhos seus quantos o querem ser. Exultai! Como temer por vossa salvação, tendo esta Mãe que vos defende e protege? Todo aquele que ama essa boa Mãe e em seu patrocínio confia, afirma São Boaventura, deve reanimar-se e dizer: Que temes, minha alma? Não; não temas, porque a tua causa não se perderá. Pois a sentença está na mão de Jesus, que é teu irmão, e na de Maria, que é tua Mãe! A este mesmo respeito exclama cheio de alegria e nos anima Santo Anselmo: Ó bem-aventurada confiança, ó seguro refúgio! A Mãe de Deus é minha Mãe! Que certeza tem a nossa esperança, já que nossa salvação depende da sentença de um irmão tão bom, e de uma tão compassiva Mãe! – Eis pois a nossa Mãe que nos chama e diz: Quem for pequeno vem a mim (Sb 9,4). As crianças têm sempre na boca o nome da mãe. Em qualquer perigo que se vejam, ou medo que tenham, logo se lhes ouve gritar: mamãe, mamãe! Ah! Maria dulcíssima, ah! Maria amorosíssima, isto é justamente o que desejais de nós. Quereis que nos tornemos crianças e chamemos sempre por vós em todos os perigos. Pois é vossa vontade socorrer e salvar-nos, como j á o tendes feito a todos os vossos filhos, que recorreram a vós.
EXEMPLO
A História das fundações da Companhia de Jesus no reino de Nápoles conta-nos de um jovem fidalgo escocês, chamado Guilherme Elfinstônio. Era ele parente do rei Jaime e protestante desde o nascimento. Mas, iluminado pela graça divina que lhe fez conhecer os erros de sua seita, foi à França e aí, ajudado por um bom padre jesuíta, também escocês, e mais com a intercessão da bem- aventurada Virgem, reconheceu a verdade e fez-se católico.
Passou-se depois a Roma, onde mais ainda se afervorou na devoção à Mãe de Deus, escolhendo-a por sua única Mãe. Inspirou-lhe a Virgem a resolução de ser religioso, de que fez voto. Mas, achando-se doente, veio a Nápoles a fim de recuperar a saúde com a mudança dos ares. Em Nápoles, porém, quis o Senhor que ele morresse, e morresse religioso. Pouco depois de sua chegada adoeceu gravemente, correndo perigo sua vida. À custa de muitas lágrimas e rogos obteve dos superiores a graça de ser recebido na Companhia. Pelo que na presença do Santíssimo Sacramento, quando recebeu o Viático, fez os votos, e foi declarado religioso da Companhia. Depois disto a todos enternecia com os fervorosos afetos, com que dava graças a Maria, sua amada Mãe, por tê-lo arrancado da heresia, e conduzido para morrer na casa de Deus entre seus irmãos religiosos. Por isso exclamava: Oh! como é glorioso morrer no meio de tantos anjos! Exortam-no a que procure repousar, e ele: Ah! agora que já chega o fim da minha vida, não é tempo de repousar. Antes de expirar, disse aos assistentes: Irmãos, não vedes os anjos do céu que me assistem? E havendo um daqueles religiosos percebido que ele proferia entre os dentes algumas palavras, lhe perguntou o que dizia. Respondeu que o seu anjo da guarda lhe tinha revelado que pouco tempo havia de estar no purgatório, e que logo depois passaria para o paraíso.
Recomeçou em seguida os colóquios com Maria, sua doce Mãe, repetindo: Minha Mãe, minha Mãe! E assim expirou placidamente, como uma criança que se entrega aos braços da mãe, para neles repousar. Pouco depois foi revelado a um devoto religioso que ele já estava no paraíso.
ORAÇÃO
Como é possível, ó Maria, minha Mãe Santíssima, que, tendo uma Mãe tão santa, tenha eu sido tão mau? Uma Mãe que toda arde no amor para com Deus, e eu ame as criaturas? Uma Mãe tão rica de virtudes, e que delas seja eu tão pobre? Ó Mãe amabilíssima, já não mereço, é verdade, ser o vosso filho, porque de o ser me tenho feito indigno com as minhas culpas. Contento-me, pois, com que me aceiteis por vosso servo. Para ser o último de vossos servos, pronto estaria a renunciar a todos os reinos da terra. Sim, com este favor me contento. Entretanto, não me recuseis o de vos chamar também minha Mãe. Este nome consola-me, enternece-me, recorda-me o quanto sou obrigado a vos amar. Inspira-me também grande confiança em vós. Quando a lembrança dos meus pecados e da justiça divina me enche de terror, sinto-me reanimado ao pensar que sois minha Mãe. Permiti que vos chame minha Mãe, minha Mãe amabilíssima. Assim vos chamo e assim quero sempre chamar-vos. Vós, depois de Deus, haveis de ser sempre a minha esperança, o meu refúgio e o meu amor neste vale de lágrimas. Assim espero morrer, entregando naquele último instante a minha alma nas vossas santas mãos, e dizendo: Minha Mãe, minha Mãe, ajudai-me tende piedade de mim. Amém.
III. Grandeza do amor de Maria para conosco
Maria não pode deixar de amar-nos
Se, pois, Maria é nossa Mãe, consideremos quanto ela nos ama. O amor dos pais para com os filhos é um amor necessário. E esta é a razão, adverte Santo Tomás, por que, pondo a divina lei preceito aos filhos de amarem os pais, não pôs preceito expresso aos pais de amarem os filhos. Pois o amor aos próprios filhos é amor com tanta força imposto pela mesma natureza, que as mesmas feras mais cruéis, como disse Santo Ambrósio, não podem deixar de amá-los.
Contam os naturalistas que até o tigre, ouvindo a voz dos filhos capturados pelos caçadores, se lança ao mar e vai nadando até ao navio em que os levam. Se, pois, diz nossa Mãe terníssima, nem os próprios tigres se esquecem de sua prole, como poderei eu esquecer-me de meus filhos?
“Pode acaso uma mulher esquecer sua criança de braço, de sorte que não tenha compaixão do filho de suas entranhas? Mas se ela a esquecer, eu todavia não me esquecerei de ti” (Is 49,15).
E se em algum tempo, continua a Virgem, por impossível se desse o caso de uma mãe se esquecer de um filho, não é possível que eu cesse de amar uma alma, de quem sou Mãe.
Maria é nossa Mãe, não carnal, mas de amor. Eu sou a Mãe do belo amor (Eclo 24,24). Tão somente o amor que nos tem é que a faz ser nossa Mãe. Por isso a Virgem ufana-se, diz certo autor, de ser Mãe do belo amor, porque é toda caridade para conosco, por ela aceitos como filhos. E quem poderá algum dia descrever o amor que consagra a nós, miseráveis? Haroldo de Chartres diz que a Virgem, na morte de Jesus, ardentemente desejava imolar-se com o Filho por nosso amor. Ao mesmo tempo que o Filho agonizava na cruz, ajunta por isso Santo Ambrósio, a Mãe se oferecia aos algozes para dar a vida por nós.
Os motivos do amor de Maria para conosco
Consideremos também as razões deste amor e melhor entenderemos quanto nos ama essa boa Mãe.
a) A primeira razão do seu grande amor para com os homens é o seu grande amor para com Deus. O amor a Deus e o amor ao próximo, como disse São João, se contêm debaixo do mesmo preceito.
“E nós temos de Deus este mandamento, que o que ama a Deus, ame também a seu irmão” (1Jo 4,21). D
e sorte que quanto cresce um, tanto o outro aumenta. Não foi porque muito amaram a Deus, que tanto fizeram os santos por amor do próximo? Chegaram ao ponto de expor e perder a liberdade e até a própria vida pela sua salvação. Leia- se o que fez São Francisco Xavier nas Índias. Lá galgava montanhas, enfrentava mil perigos em busca de miseráveis criaturas dentro das cavernas, onde habitavam como feras. E tudo fazia para converter e socorrer as almas desses gentios. Um S. Francisco de Sales, quanto não fez para converter os hereges da província de Chablais! Por espaço de um ano se arriscou a passar todos os dias um rio, de gatinhas por cima de uma trave gelada, a fim de ir à outra banda catequizar aqueles obstinados.
Para alcançar a liberdade ao filho de uma pobre viúva, entregou-se um São Paulino por escravo. São Fidélis pregava aos hereges de uma localidade para levá-los a Deus e alegremente perdeu a vida pregando. Coisas tão grandes fizeram os santos pelo amor do próximo, porque amavam ardentemente a Deus. Mas quem jamais amou a Deus como Maria? Ela amou-o mais no primeiro instante da sua vida, do que o têm amado todos os anjos e santos em todo o decurso da sua existência. Vê-lo-emos mais difusamente, quando falarmos das virtudes de Maria.
A própria Virgem revelou a sóror Maria Crucifixa quão grande era o fogo de seu amor para com Deus. Nele colocado todo o céu e toda a terra, em um instante seriam consumidos por suas labaredas. Disse-lhe também que, em comparação dele, todos os ardores dos Serafins eram como fresca aragem. Não havendo, portanto, entre os espíritos bem-aventurados um só que no amor a Deus exceda a Maria Santíssima, não temos nem podemos ter quem abaixo de Deus mais nos queira, do que essa amorosíssima Mãe. Reuníssemos nós, enfim, o amor de todas as mães a seus filhos, de todos os esposos a suas esposas, de todos os anjos e santos para com seus devotos, não igualaria todo esse amor ao amor que Maria tem a uma só alma. É mera sombra o amor de todas as mães a seus filhos, quando comparado ao de Maria para conosco, diz o Padre Nieremberg. Muito mais nos ama ela só, diz o mesmo padre, do que amam uns aos outros os anjos e os santos.
b) Além disso, nossa Mãe ama-nos muito, porque lhe fomos entregues por filhos pelo seu amado Jesus. Isto aconteceu quando, antes de expirar, lhe disse: “Mulher, eis o teu filho”, indicando-lhe na pessoa de São João a todos os homens, como já acima dissemos. Foram estas as últimas palavras que lhe dirigiu o Filho. As últimas instruções, porém, deixadas por entes queridos na hora da morte, muito se estimam, e j amais se riscam da memória.
De mais a mais somos filhos muito queridos de Maria, porque lhe custamos muitas dores. Em geral as mães têm mais predileções pelos filhos cuja vida mais trabalhos e dores lhes custou. Somos nós como estes filhos de dores. Pois Maria obteve nosso nascimento para a vida da graça, oferecendo à morte, ela mesma, a amada vida do seu Jesus, consentindo em vê-lo expirar diante de seus olhos, à força de sofrimentos. Desta grande imolação de Maria nascemos então nós à vida da divina graça. Somos-lhe por conseguinte filhos mui queridos, porque lhe custamos muitas dores.
Do Eterno Pai diz o Evangelho que amou os homens a ponto de por eles entregar à morte seu Filho Unigênito (Jo 3,16). O mesmo também, diz São Boaventura, se pode dizer de Maria: Tanto amou os homens, que por eles entregou seu Filho Unigênito.
E quando foi que a nós o entregou? Deu-o, diz o Padre Nieremberg, quando lhe concedeu licença para entregar-se à morte. Deu-o, quando não defendeu a vida de seu Filho perante os juízes, deixando os outros de a defender ou por ódio, ou por temor. Pois com certeza as palavras de tão sábia e desvelada Mãe teriam causado grande impressão, pelo menos sobre o espírito de Pilatos. E ele não ousaria condenar à morte um homem, do qual ele próprio reconhecera e declarara a inocência. Mas, não; Maria não quis dizer nem uma só palavra a favor do Filho, por não impedir a sua morte, da qual dependia a nossa salvação. Deu-o, finalmente, milhares de vezes, naquelas três horas, em que ao pé da cruz lhe assistiu à morte. Então com suma dor e com intenso amor para conosco, estava sacrificando por nós a vida de seu Filho. E era-lhe tanta a constância, que, se então faltassem algozes, ela mesma o crucificaria para obedecer à vontade do Eterno Pai, que decretara aquela morte para nossa salvação. Assim discorrem Santo Anselmo e Santo Antonino.
Já em Abraão vemos um semelhante ato de fortaleza, querendo sacrificar o filho com as próprias mãos. Ora, devemos crer certamente que com maior constância o teria executado Maria, mais santa e mais obediente que Abraão. Mas voltemos ao nosso assunto. Qual não deve ser nossa gratidão para com Maria Santíssima por tanto amor, por tanto sacrifício que fez da vida do Filho, com tão grande dor sua, a fim de nos alcançar a salvação? Largamente remunerou o Senhor a Abraão o sacrifício que quis fazer-lhe do seu Isaac. Mas nós, que poderemos dar a Maria pela vida que nos deu do seu Jesus, Filho muito mais nobre e amado que o filho de Abraão? Este amor de Maria muito nos obriga a amá-la, observa São Boaventura. Pois não vemos como ela nos amou mais do que todas as criaturas, como entregou por nós seu Filho único, a quem amava mais do que a si mesma?
c) Daí resulta um outro motivo do amor da Virgem para conosco. É que ela sabe que somos o preço da morte de Jesus Cristo. Quanto não estimaria a um servo a mãe que o soubesse resgatado por seu filho querido, a preço de vinte anos de penoso cativeiro! Bem sabe Maria que o Filho não veio à terra senão para salvar-nos, como ele mesmo protestou: Eu vim salvar o que tinha perecido (Lc 19,10). E para salvar-nos despendeu até a própria vida, fez-se obediente até a morte na cruz. Se Maria nos amasse pouco, mostraria que pouco amava o sangue do Filho, que é o preço da nossa salvação. Foi revelado a S. Isabel da Hungria que a Virgem, durante sua estadia no templo, toda se entregava em rogar a Deus se dignasse apressar a vinda de Jesus Cristo. Ora, tanto maior devemos julgar seu amor para conosco, depois que viu quanto valemos para seu Filho, que se dignou resgatar-nos por um preço tão elevado.
Grandeza de seu amor para conosco
E porque todos os homens foram remidos com o sangue de Jesus, por isso Maria a todos ama e favorece. Viu-a São João vestida de sol: Apareceu também um grande sinal do céu, uma mulher vestida de sol (Ap 12,1). Pois assim como não há na terra quem se possa esconder do calor do sol, assim também nela não há vivente que seja privado do amor de Maria, escreve o Abade de Celes.
“Não há quem se esconda de seu calor” (Sl 18,7), isto é, da chama de seu amor. Pergunta aqui Santo Antonino: Quem será capaz de compreender a solicitude do bem-querer de Maria a todos nós? Por isso a todos oferece e dispensa a sua misericórdia. Nossa Mãe sempre desejou a salvação de todos, e sempre para ela cooperou. Afirma-o também S. Bernardo com as palavras: É notório que Maria foi solícita para com todo o gênero humano. É, portanto, muito recomendável a prática de alguns devotos de Maria, os quais, como refere Cornélio a Lápide, costumam pedir ao Senhor lhes conceda aquelas graças, que para eles lhe pede a Santíssima Virgem. E com razão, diz o citado a Lápide, pois a nossa Mãe deseja-nos bens maiores do que nós mesmos poderíamos desejar. O devoto Bernardino de Busti afirma que Maria deseja fazer-nos bem, e conceder- nos favores, ainda mais do que nós desejamos recebê-los. Aplica-lhe por isso Santo Alberto Magno estas palavras da Sabedoria: Ela se antecipa aos que a desejam e se lhes patenteia primeiro (Sb 6,14). Antecipa-se Maria a quantos a ela recorrem, para que a encontrem antes que a busquem. É tal o bem-querer alvoroçoso desta Mãe, diz Ricardo, que vem logo ao nosso socorro, mal descobre as nossas precisões. Tão boa Mãe é, pois, Maria para todos, até para os ingratos e indiferentes que pouco a invocam e amam! Que Mãe será então para aqueles que a amam e com frequência a invocam? “Facilmente é achada pelos que a amam” (Sb 6,13).
Oh! quanto é fácil, continua Santo Alberto Magno, àqueles que amam a Maria, o achá-la e achá-la toda cheia de piedade e de amor! “Eu amo aos que me amam” (Pr 8,17). Ela protesta que não pode desamar a quem a ama. E ainda que esta amantíssima Senhora ame a todos os homens como seus filhos, contudo, diz São Bernardo, que sabe reconhecer e preferir os que com mais ternura a querem. Esses ditosos servos não só dela são amados, mas também servidos, assevera o Abade de Celes.
A Crônica da Ordem Dominicana conta-nos que o irmão Leodato de Montpellier usava recomendar-se duzentas vezes por dia a essa Mãe de Misericórdia. Jazendo ele moribundo, apareceu-lhe uma bela rainha e assim lhe falou: Leodato, queres morrer e vir para junto de meu Filho e de mim? Quem sois vós? – perguntou-lhe o religioso. – Sou, respondeu ela, a Mãe de Misericórdia; invocaste-me tantas vezes! Agora venho buscar-te para ires comigo ao céu. Faleceu Leodato nesse mesmo dia e com a Virgem seguiu, como esperamos, ao reino dos bem-aventurados.
Nosso amor para com Maria
Feliz, feliz aquele que vos ama, ó Maria, Mãe dulcíssima! São João Berchmans, da Companhia de Jesus, costumava dizer: Se amo a Maria, estou certo da minha perseverança e de Deus obtenho tudo o que quiser. Renovava por isso sem cessar este propósito: Quero amar a Maria, quero amá-la sempre. Dizia-o seguidamente, a sós e baixinho. – Oh! como esta boa Mãe excede em amor a todos os seus filhos! Amem-na estes quanto puderem, sempre serão vencidos pelo amor que lhes consagra Maria, observa Pseudo-Inácio, mártir.
Cheguem a amá-la como um São Estanislau Kostka, tão terno em seu amor para com esta Mãe. Dela falando, abrasava os corações de quantos o ouviam. Imaginaram-se novos títulos e novas palavras em seu louvor. Não começava trabalho algum, sem primeiro pedir-lhe a bênção voltado para alguma de suas imagens. Ao recitar o ofício, o rosário, ou outras orações em sua honra, com tanta cordialidade o fazia, como se estivesse falando com a Virgem, face a face. Os sons da Salve-Rainha, afogueavam-lhe as faces em santo amor. Visitando certa vez com um padre jesuíta uma imagem da Santíssima Virgem, perguntou-lhe o companheiro se também a amava. – Ó meu padre – respondeu o Santo -, que mais posso dizer-vos? É minha Mãe! E tanta ternura notava-se então, diz o padre, na sua voz e no seu semblante, que parecia menos um jovem do que um anjo a falar do amor de Maria Santíssima.
Cheguem a amá-la como um Beato Hermano, que a chamava de esposa amada e por Maria em retorno foi honrado com o título de esposo; como um São Filipe Néri, a quem só o pensar em Maria já consolava, e por isso chamava-lhe suas delícias. Que a amem como um São Boaventura, o qual, para testemunhar-lhe a ternura de seu afeto, não só a chamava de Senhora e Mãe, senão também de seu coração e de sua alma. Abrasado em santo amor, dizia-se até roubadora dos corações. Pois não roubaste meu coração, minha boa Mãe?, perguntava-lhe então.
Chamem-na de sua namorada, como um S. Bernardino de Sena. Todos os dias ia visitar-lhe uma das imagens devotas, para em ternos colóquios entreter- se com a sua Rainha. Se lhe perguntavam aonde ia diariamente, respondia andar visitando sua namorada.
Cheguem a querê-la tal como um S. Luís Gonzaga, tão abrasado em seu amor que, em lhe ouvindo pronunciar o nome, tinha do amor as chamas no coração e os rubores na face.
Por que não amá-la como um São Francisco Solano? Em santa simplicidade (que ao mundo parece loucura) punha-se ele a cantar, ao som de um instrumento de música, diante de alguma imagem da Senhora. Alegava que, a exemplo dos apaixonados no mundo, queria fazer “uma serenata” à sua diletíssima Rainha.
Tenham-lhe a mesma ternura de amor com que a têm amado tantos de seus servos, que já nem sabiam o que mais fazer como prova do muito que lhe bem-queriam. Jerônimo de Trexo, padre da Companhia de Jesus, exultava de júbilo ao chamar-se escravo de Maria. Em sinal desta escravidão ia visitá-la muitas vezes em algumas de suas igrejas. Em chegando à igreja, primeiramente derramava lágrimas de um terno amor à Virgem. Depois beijava o pavimento muitas e muitas vezes, com grande amor, considerando que aquela era a casa da sua Senhora. Seu confrade, Padre Diogo Martínez, que pela devoção a Maria Santíssima nas suas festas era levado em espírito ao céu pelos anjos, para ver com quanta honra eram elas aí celebradas, este dizia: Desejara ter todos os corações dos anjos e dos santos para com eles amar a Maria; desejara ter as vidas de todos os homens para oferecê-las todas ao amor de Maria.
Amem-na como um Carlos, filho de Santa Brígida. Nada o consolava tanto neste mundo – dizia – como saber que Maria era tão amada por Deus. Acentuava que de bom grado sofreria todos os tormentos, para impedir que perdesse Maria um só grau de sua grandeza. Que, caso lhe pertencera a grandeza da Virgem Santíssima, a tudo renunciaria por ser ela sumamente mais digna do que ele. Desejem também dar a vida em protestação do seu amor para com Maria, como desejava Afonso Rodríguez. Cheguem finalmente a esculpir-se com agudos ferros sobre o peito o nome amável de Maria, como fizeram Francisco Binânzio, religioso, e Radegundes, esposa do rei Clotário. Cheguem também com ferros em brasa a imprimir sobre a carne o mesmo nome, para que se conserve mais impresso e mais durável.
Levados por amor, assim fizeram os servos de Maria: Batista Arquinto e Agostinho de Espinosa, ambos da Companhia de Jesus.
Façam, pois, ou procurem fazer quanto é possível a um esposo amante que pretende, quanto pode, dar a conhecer o seu afeto à esposa querida, jamais conseguirão amar a Maria tanto quanto ela os ama. Sei, ó minha Rainha, exclama São Pedro Damião, que de quanto vos amam sois a mais amante, e que vosso amor por nós não se deixa vencer por nenhum outro amor. Estava uma vez ao pé de uma imagem de Maria o Venerável Afonso Rodríguez, da Companhia de Jesus. Abrasado de amor para com a Virgem Santíssima, lhe disse: Minha Mãe amabilíssima, bem sei que vós me amais; mas vós não me quereis tanto quanto eu vos amo. Então, Maria, como que ofendida em seu amor, lhe respondeu: Que dizes, Afonso, que dizes? Oh! quanto é maior o meu amor por ti do que o teu por mim! Sabe, lhe disse, que do meu amor ao teu há mais distância que do céu à terra.
Tem, pois, razão São Boaventura ao exclamar: bem-aventurados aqueles que têm a dita de ser fiéis servos e amantes desta Mãe amantíssima! Sim, porque esta gratíssima Rainha não admite que em amor a vençam os seus devotos servidores. Maria, imitando nisto a Nosso Senhor Jesus Cristo, com seus benefícios e favores dá a quem a ama o seu amor duplicado. Exclamarei, pois, com o inflamado Santo Anselmo: Sempre arda por vós o meu coração, e toda a minha alma se consuma no vosso amor, ó Jesus, meu amado Salvador, ó Maria, minha amada Mãe. Concedei, pois, ó Jesus e Maria, a graça de amar-vos, já que sem a vossa graça não posso fazê-lo. Concedei à minha alma pelos vossos merecimentos, não pelos meus, que eu vos ame quanto vós mereceis. Ó Deus tão amante dos homens, vós pudestes morrer pelos vossos inimigos. E a quem vo-la pede, poderíeis negar a graça de amar a vós e a vossa Mãe?
Exemplo
Conta o Padre Auriema que uma pastorinha de ovelhas tinha muito amor a Maria Santíssima. Todas as suas delícias eram ir a uma capela da Virgem, que estava no monte, e aí entreter-se sossegadamente com sua boa Mãe, enquanto pastavam as ovelhas. E porque a pequena estátua da Mãe de Deus estava sem enfeite algum, pôs-se a fazer-lhe um manto, com suas pobres mãozinhas. Um dia, colhendo do campo algumas singelas flores, delas compôs uma grinalda. Depois, subindo ao altar, a pôs na cabeça da imagem, dizendo: Minha Mãe, eu quisera pôr-vos na cabeça uma coroa de ouro, mas não posso porque sou pobre. Assim recebei de mim esta pobre coroa de flores; aceitai-a em sinal do amor que vos tenho. Com estes e semelhantes obséquios buscava a piedosa pastorinha servir e honrar a sua amada Rainha. Ora, vejamos agora como a boa Mãe recompensou as visitas e o afeto desta sua filha.
Caiu ela enferma e chegou a termos de morrer. Sucedeu que dois religiosos passando por aquele lugar, e cansados da viagem, se puseram a descansar debaixo de uma árvore. Um dormia e o outro estava acordado. Mas ambos tiveram a mesma visão. Viram um grupo de belíssimas virgens, e entre elas estava uma que em beleza e majestade excedia a todas. A esta perguntou um dos religiosos: Quem sois vós, Senhora, e aonde ides? – Eu – respondeu a Virgem – sou a Mãe de Deus e vou com estas santas virgens visitar aqui na aldeia uma pastorinha moribunda, que muitas vezes me visitou a mim. Assim disse e desapareceu. Disseram então aqueles bons servos de Deus: Vamos nós também vê-la! Prepararam-se; e, chegando à casa onde estava a pastorinha moribunda, entraram na pobre choupana e ali a viram deitada sobre um pouco de palha. Saudaram-na; ela fez o mesmo e lhes disse: Irmãos, rogai a Deus que vos faça ver quem me está assistindo. Logo ajoelharam-se eles e viram a Mãe de Deus que estava ao lado da pastorinha com uma coroa na mão, e a consolava. Eis que as virgens começaram a cantar, e ao som daquele suave canto saiu do corpo a bendita alma da pastorinha. Maria colocou-lhe então a coroa na cabeça, tomou- lhe a alma e levou-a consigo ao paraíso.
ORAÇÃO
Ó doce Soberana, vós, conforme a expressão de São Boaventura, arrebatais os corações dos que vos servem, cumulando-os de vossa ternura e liberalidade. Eu vos suplico: arrebatai-me também o meu pobre coração que muito deseja amar-vos. Pela vossa beleza, ó minha Mãe, atraístes o vosso Deus, ao ponto de fazê-lo descer do céu à terra; e eu viverei sem vos amar? Não; antes vos digo com vosso amante filho João Berchmans: “Não me darei repouso, enquanto não tiver obtido amor terno e constante a vós, ó minha Mãe “, que com tanta ternura me tendes amado, ainda quando eu não vos amava. E que seria de mim, se vós, ó Maria, não me tivésseis amado e alcançado tantas misericórdias? Se, pois, me amastes quando eu não a amava, que devo esperar da vossa bondade agora que vos amo? Sim, amo-vos, ó minha Mãe, e quisera ter um coração capaz de vos amar por todos os infelizes que não vos amam. Quisera ter uma língua capaz de louvar-vos por mil línguas, para fazer conhecer a todo mundo a vossa grandeza, a vossa santidade, a vossa misericórdia, e o amor com que amais os que vos amam. Se tivera riquezas, todas quisera empregar em vos honrar; se tivera súditos, todos quisera fossem cheios de amor para convosco; quisera enfim sacrificar pelo vosso amor e glória, se fosse mister, até a minha vida! — Amo-vos, pois, ó minha Mãe; mas ao mesmo tempo receio que vos não ame, porque ouço dizer que o amor faz os que amam semelhantes à pessoa amada. Devo então crer que bem pouco vos amo, vendo-me tão longe de parecer convosco. Vós sois tão pura, eu tão imundo! Vós tão humilde, eu tão soberbo! Vós tão santa, eu tão mau! Mas isto, ó Maria, é o que vós haveis de fazer: já que me tendes tanto amor, tornai-me semelhante a vós. Para mudar os corações, tendes todo o poder; tomais, pois, o meu e mudai-o. Conheça o mundo o que podeis em favor dos que amais. Tornai-me santo e fazei-me digno filho vosso. Assim espero, assim seja.
IV. Maria também é Mãe dos pecadores arrependidos
Condições para o amor de Maria aos pecadores
Maria garantiu a Santa Brígida que é Mãe não só dos justos e inocentes, mas também dos pecadores que se querem emendar. Se, desejoso de emenda, recorre um pecador a esta Mãe de Misericórdia, oh! como a encontra pronta para abraçar e socorrer, ainda mais do que se fosse sua mãe corporal. Era justamente o que o Papa Gregório VII escrevia à princesa Matilde: Desiste da vontade de pecar e acharás Maria, eu o garanto, mais pronta em amar-te do que tua própria mãe. Portanto, quem aspira a ser filho desta grande Mãe, é preciso que primeiro deixe o pecado, e depois será sem dúvida aceito por filho.
Lemos nos livros Sagrados: Levantaram-se seus filhos e aclamaram- na ditosa (Pr 31,28). Refletindo Ricardo sobre estas palavras, nota que nelas primeiro se diz levantaram-se, e depois filhos. E isso porque, diz ele, não pode ser filho de Maria quem não procura primeiro levantar-se da culpa em que está caído. Quem procede de modo contrário ao de Maria diz por seus atos que não quer ser seu filho, observa São Pedro Crisólogo. Maria é humilde, e ele quer ser soberbo? Maria pura, e ele desonesto? Maria cheia de amor, e ele cheio de ódio para com o próximo? Isto é sinal de que nem é nem deseja ser um filho desta santa Mãe. Os filhos de Maria, escreve Ricardo, imitam-lhe a pureza, a humildade, a mansidão, a misericórdia. Mas como ousará chamar-se filho de Maria quem tanto a desgosta com a sua má vida? Certo pecador disse um dia a Maria: Mostra que és minha Mãe! E a virgem lhe respondeu: Mostra que és meu filho! Um outro, invocando-a, chamava-lhe Mãe de Misericórdia. Mas ela lhe disse: Vós, os pecadores, quando quereis que vos ajude, me chamais Mãe de Misericórdia; e depois por vossos pecados não cessais de me fazer Mãe de misérias e de dores.
É amaldiçoado de Deus o que aflige sua mãe, diz o Espírito Santo (Eclo 3,18). Sua mãe, isto é, Maria, comenta Ricardo. Deus amaldiçoa quem com sua má vida e ainda mais com sua obstinação aflige essa boa Mãe.
Digo com sua obstinação. Pois, quando o pecador, embora ainda em pecados, se esforça por abandoná-los e para isso procura o socorro de Maria, esta Mãe não deixará de o socorrer e de fazê-lo voltar à graça de Deus. Assim, um dia o ouvia Santa Brígida da boca de Jesus Cristo, que, falando com sua Santíssima Mãe, lhe disse: Ajudas aquele que procura converter-se e a ninguém deixas retirar-se sem consolo. Enquanto, pois, o pecador está obstinado, Maria não pode amar. Mas se ele, achando-se nas cadeias de alguma paixão que o faz escravo do inferno, ao menos se encomendar à Virgem e lhe pedir, com perseverança e confiança, que o ajude a sair do pecado, sem dúvida esta boa Mãe lhe estenderá a sua poderosa mão, quebrará suas cadeias, conduzi-lo-á pelas veredas da salvação.
Afirmar que todas as obras feitas por quem está em pecado são pecados, é heresia já condenada pelo Concílio de Trento. Disse São Bernardo que a oração na boca do pecador, ainda que não seja especiosa, porque lhe falta a companhia da caridade, contudo é útil e frutuosa para tirá-lo do pecado. Porque, como ensina Santo Tomás, a oração do pecador na verdade não tem merecimento, mas é muito apta para impetrar a graça do perdão. Funda-se esta sua força não tanto no merecimento daquele que ora, mas na bondade divina e nos méritos e promessas de Jesus Cristo, que disse: Todo aquele que pede recebe (Lc 11,10). O mesmo se deve dizer das preces dirigidas à Mãe de Deus. Se aqueles que oram, diz Eádmero, não merecem ser ouvidos, os merecimentos de Maria, a quem eles se encomendam, farão que o sejam. Exorta por isso São Bernardo todo pecador a invocar a Santíssima Virgem e a ter confiança na sua intercessão. Pois, continua o santo, se o pecador desmerece ser atendido, os merecimentos de Maria, a quem ele se encomenda, lhe conseguem que seja ouvido.
Efeitos do amor de Maria para com os pecadores
Suponhamos que uma mãe soubesse que dois filhos seus eram inimigos mortais, intentando um tirar a vida do outro. Em tal conjuntura não seria dever de uma boa mãe procurar encarecidamente como pacificá-los? Assim pergunta Conrado de Saxônia. Ora, Maria é Mãe de Jesus e Mãe dos homens. Aflige-se quando vê um pecador inimizado com Jesus e tudo faz por reconciliá-lo com seu divino Filho.
Do pecador só exige a benigníssima Rainha que se recomende a ela e tenha o propósito de emendar-se. Em o vendo a seus pés a implorar-lhe perdão, não olha para o peso de seus pecados, mas para a intenção com que se apresenta. Se esta é boa, mesmo que o pobre haja cometido todos os pecados do mundo, abraça-o e como terna Mãe não desdenha curar-lhe as chagas que na alma traz. Pois é Mãe de Misericórdia, não só de nome, senão de fato, e em verdade tal se mostra pela ternura e pelo amor com que nos socorre. A própria Virgem Santíssima assim o revelou a Santa Brígida.
“Por mais culpado que seja um homem, disse-lhe, se vem a mim com sincero arrependimento, estou sempre pronta a acolhê-lo. Não considero a enormidade de suas faltas, mas tão somente as disposições do seu coração. Não recuso ungir e curar as suas feridas, porque me chamo e realmente sou Mãe de Misericórdia.”
É Maria a Mãe dos pecadores que se querem converter. Como tal não pode deixar de compadecer-se deles. Parece até que sente como próprios os males de seus pobres filhos. A cananeia, ao pedir que o Senhor lhe livrasse a filha do demônio que a atormentava, disse-lhe: Senhor, filho de Davi, tem compaixão de mim; minha filha está muito atormentada do demônio (Mt 15, 22). Mas se a filha, e não a mãe, era atormentada do demônio, parece que havia de dizer: Senhor, tem piedade de minha filha! Mas não; ela disse: tem compaixão de mim e com muita razão. Pois sentem as mães como próprios os sofrimentos dos filhos.
Ora, do mesmo modo, disse Ricardo de São Lourenço, pede Maria a Deus, quando intercede por qualquer pecador que a ela recorre. Pede-lhe que dela se compadeça. Meu Senhor – parece dizer-lhe – esta pobre alma, que está em pecado, é minha alma; por isso compadecei-vos não tanto dela, como de mim, que sou sua mãe.
Oh! prouvesse a Deus que todos os pecadores recorressem a esta doce Mãe, porque todos certamente receberiam do Senhor o perdão! – Ó Maria, exclama admirado Conrado de Saxônia, tu acolhes maternalmente o pecador desprezado por todo mundo, nem o abandonas antes que o hajas reconciliado com o juiz. Quer ele dizer: Enquanto o pecador perseverar no seu pecado, é aborrecido e desprezado de todos; até as criaturas insensíveis, o fogo, o ar, a terra, quereriam castigá-lo em desafronta à honra do seu Criador ultrajado. Porém, se este pecador miserável recorrer a Maria, expulsa-o Maria? Não; se vem com intenção de que o ajude a fim de emendar-se, ela o acolhe com maternal afeto. Não o deixa, sem primeiro, com a sua poderosa intercessão, reconciliá-lo com Deus e o reconduzir à sua graça.
No Segundo Livro dos Reis (14,5) lemos o que se deu com a sábia mulher de Técua. Disse ela a Davi:
“Senhor, tinha tua serva dois filhos; para minha desventura um matou o outro; e assim perdi um filho. Quer agora a justiça tirar-me o outro, que é o único que me fica. Tem compaixão desta pobre mãe e não permitas que eu perca ambos os filhos”.
Então Davi, compadecendo-se da mãe, libertou o delinquente e lho entregou. – O mesmo parece que diz Maria, quando vê a Deus irado com algum pecador que a ela recorre.
“Meu Deus, lhe diz, eu tinha dois filhos, Jesus e o homem; o homem matou na cruz o meu Jesus; agora a vossa justiça quer condenar o homem. Senhor, já morreu o meu Jesus; tende compaixão de mim. Se eu perdi um, não me façais perder também o outro filho.”
Certamente Deus não condena os pecadores que recorrem a Maria e por quem ela intercede. Pois o próprio Deus recomendou os pecadores por filhos de Maria. O devoto Landspérgio põe as seguintes palavras nos lábios do Senhor:
“Eu recomendei a Maria de aceitar por filhos os pecadores. Por isso ela é toda desvelos para que, no desempenho de sua missão, não lhe aconteça perder a nenhum dos que lhe foram entregues, principalmente quando a invocam. E assim esforça-se o quanto pode em conduzir todos eles a mim”.
Quem pode explicar, interroga Blósio, a bondade e misericórdia, a fidelidade e a caridade com que esta nossa Mãe procura salvar-nos, quando lhe pedimos que nos ajude? Prostremo-nos, pois, diz São Bernardo, diante desta boa Mãe; abracemo-nos a seus sagrados pés e não a deixemos sem nos abençoar e sem nos receber por filhos seus. Nela esperarei, exclama S. Boaventura, ainda que me dê a morte; e cheio de confiança desejo morrer perante uma de suas imagens, e salvo estarei. Portanto, assim devem dizer todos os pecadores, que recorrem a esta piedosa Mãe: Minha Senhora e minha Mãe, por minhas culpas mereço ser repelido, e castigado por vós na proporção delas. Mas, ainda que me rejeiteis e me tireis a vida, não perderei nunca a confiança, e se tiver a felicidade de morrer na presença de qualquer imagem vossa, recomendando-me à vossa misericórdia, espero certamente que não me hei de perder, mas hei de louvar-vos no céu em companhia de tantos que vos serviram e morreram invocando vossa poderosa intercessão.
Leia-se o exemplo seguinte e veja-se que nenhum pecador deve desconfiar da misericórdia e amor desta boa Mãe, se a ela recorrer.
Exemplo
Esquil, jovem fidalgo, foi estudar em Hildesheim por ordem de seu pai. Mas, em vez de estudar, entregou-se a excessos de devassidão. Depois disso, adoeceu seriamente, não lhe restando já esperança alguma de vida. Estando próximo da morte teve a seguinte visão: Viu-se dentro de um quarto cheio de fogo e julgou que se achava num inferno. Pôde, felizmente, sair por um vão e refugiar-se num grande palácio. Lá encontrou, numa das salas, a Santíssima Virgem, que lhe disse: Temerário, como ousas apresentar-te diante de mim? Já e já retira-te daqui e mete-te no fogo que muito bem mereceste! Nisso começa o j ovem a implorar a misericórdia de Maria, e pede a algumas pessoas ali presentes que também o recomendem à Mãe de Deus. Elas atenderam-no, mas a Santíssima Virgem respondeu-lhes: Este moço levou uma vida muito desregrada e nunca me honrou com uma Ave-Maria sequer. Mas ele corrigir-se- á, amada Rainha, observaram elas. E o jovem ajuntou logo esta promessa: Sim, eu o prometo; quero corrigir-me e consagrar-me todo a vosso serviço, Senhora. Na mesma hora, Maria tornou-se meiga e disse-lhe com brandura: Bem; aceito a tua promessa; escaparás da morte e do inferno.
Após estas palavras terminou a visão. Voltando a si, Esquil agradeceu à Mãe de Deus e a todos relatou o ocorrido. Levou daí em diante uma vida santa, dedicou sempre especial devoção à Santíssima Virgem, e tornou-se mais tarde arcebispo de Lund, na Suécia, onde converteu muitos para a verdadeira fé. Já velho, renunciou ao arcebispado, entrando para a Ordem dos Cistercienses, em Claraval. Aí morreu na paz do Senhor, após quatro anos de edificante vida. Alguns escritores colocaram-no na lista dos santos daquela Ordem.
ORAÇÃO
Mãe digníssima de meu Deus e Soberana minha, Maria, vendo-me tão desprezível e carregado de pecados, não devia ter a ousadia de chegar-me a vós e chamar-vos minha Mãe. Não quero, porém, que as minhas misérias me privem da consolação e da confiança que sinto, dando-vos este doce nome. Verdade é que mereço me rejeites, mas vos peço considereis o que fez e sofreu por mim o vosso Filho Jesus. Depois rejeitai-me, se o podeis. Sou miserável pecador, mais do que os outros ultrajei a majestade divina.
Ai! o mal está feito; a vós que o podeis remediar imploro agora: Vinde em meu socorro, ó minha Mãe. Não me alegueis que não vos é possível ajudar- me, porque sei que sois onipotente e do vosso Deus conseguis tudo quanto desejais. Se me respondeis que não quereis socorrer-me, dizei-me ao menos a quem me devo dirigir para ser consolado no excesso de minha angústia. Apadrinhando-me com S. Anselmo, ouso dizer a vós e a vosso divino FÜho: Ou apiedai-vos de mim, dulcíssimo Redentor meu, perdoando-me, e vós, também, ó minha Mãe, intercedendo em meu favor; ou, mostrai-me a quem devo recorrer, que seja mais poderoso do que vós, e em quem eu possa confiar mais. Mas não; nem na terra, nem no céu posso achar quem tenha dos miseráveis mais compaixão que vós, ou quem melhor possa ajudar-me. Vós, Jesus, sois o meu Pai; e vós, Maria, sois a minha Mãe. Vós amais até aos mais miseráveis e ides à procura deles para salvá-lo. Eu sou um réu do inferno, o mais indigno de todos. Mas não é necessário ir à minha procura, nem eu pretendo que o façais. Apresento-me espontaneamente a vós, com esperança certa de que não me haveis de desamparar. Aqui estou aos vossos pés, meu Jesus, perdoai-me. Maria, minha Mãe, socorrei-me.
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