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Esperança nossa, Salve!

I. Maria é a esperança de todos os homens

Maria é realmente nossa esperança

Não suportam os hereges modernos que nós saudemos e chamemos a Maria nossa esperança. Dizem que só Deus é nossa esperança, e que ele amaldiçoa quem põe sua confiança na criatura. “Maldito o homem que confia no homem” (Jr 17,5). Maria é criatura, objetam eles; como, pois, uma criatura há de ser a nossa esperança? Isto dizem os hereges. Entretanto quer a Santa Igreja que cada dia todos os eclesiásticos e todos os religiosos em voz alta, e em nome de todos os fiéis, invoquem e chamem a Maria com este nome de esperança nossa.

De dois modos, diz o Angélico Santo Tomás, podemos pôr nossa esperança numa pessoa, como causa principal ou como causa mediante. Quem deseja obter do rei uma graça, espera alcançá-la do rei como soberano senhor, e espera obtê-la do seu ministro ou valido, como intercessor. No último caso a graça concedida veio do rei, mas por intermédio do seu valido. – Portanto, quem pretende a graça com razão chama aquele seu intercessor a sua esperança. Por ser de infinita bondade, sumamente deseja o Rei do céu enriquecer-nos com as suas graças. Mas porque para tanto é necessária da nossa parte a confiança, deu- nos o Senhor, para aumentá-la, sua própria Mãe por advogada e intercessora, e concedeu-lhe plenos poderes a fim de nos valer. Por esta razão quer também que nela coloquemos a esperança de nossa salvação e de todo o nosso bem. Sem dúvida são amaldiçoados pelo Senhor, como diz Jeremias, aqueles que põem sua confiança na criatura unicamente. Tal é o procedimento dos pecadores que, em troca da amizade e dos préstimos de um homem, não se incomodam de ofender a Deus. São abençoados pelo Senhor e lhe são agradáveis, porém, os que esperam em Maria, tão poderosa como Mãe de Deus, para impetrar-lhe as graças e a vida eterna. Pois assim quer Deus ver honrada aquela excelsa criatura, que neste mundo o amou e honrou mais do que todos os anjos e homens juntos.

É, portanto, com muita razão que chamamos à Virgem esperança nossa, porque, como diz S. Roberto Belarmino, cardeal, esperamos por sua intercessão obter o que não alcançaríamos só com nossas orações. Invocamo-la, observa Suárez, para que a dignidade da intercessora supra a nossa falta de méritos. De modo que, continua ele, invocar a Virgem com tal esperança não é desconfiar da misericórdia de Deus, senão temer pela própria indignidade.

Motivo tem, pois, a Igreja em aplicar a Maria as palavras do Eclesiástico (24,24), com as quais vos chama a Mãe da santa esperança, Mãe que faz nascer em nós, não a esperança vã dos bens transitórios desta vida, mas a santa esperança dos bens imensos e eternos da vida bem-aventurada. Salve, esperança de minha alma, saudava-a Santo Efrém, salve, ó segura salvação dos cristãos, auxílio dos pecadores, defesa dos fiéis, salvação do mundo. Aqui pondera São Boaventura que, depois de Deus, outra esperança não temos senão Maria e por isso a invoca “como única esperança nossa depois de Deus”. Também é esta a convicção de Santo Efrém. Reflete o Santo sobre a presente ordem da Providência, com que Deus tem determinado (como diz São Bernardo e adiante nós demonstraremos largamente) que todos, que se hão de salvar, hajam de o conseguir por meio de Maria. E diz-lhe então: Senhora, não deixeis de guardar- nos e de proteger-nos sob vosso manto, j á que depois de Deus não temos outra esperança senão a vós. O mesmo diz São Tomás de Vlanova, para quem Maria é nosso único refúgio, socorro e asilo. S. Bernardo parece nos dar o motivo de tudo isso, quando diz:

“Considerai, ó homem, o desígnio de Deus, desígnio cuja finalidade é dispensar-nos mais profundamente sua misericórdia. Querendo ele remir o gênero humano, depositou o preço inteiro da redenção nas mãos de Maria para que o reparta à sua vontade”.

Ordenou o Senhor a Moisés que fizesse de ouro puríssimo o propiciatório, dizendo que daí lhe queria falar: Farás outrossim um propiciatório de finíssimo ouro… daí é que eu te darei minhas ordens e te falarei (Êx 25,17 e 22). Na opinião de Pacciucchelli, Maria é este propiciatório de onde o Senhor fala aos homens e concede-nos o perdão, a graça e todos os seus demais dons. Por isso foi que o Verbo Divino, antes de encarnar-se no seio de Maria, mandou o arcanjo pedir-lhe o consentimento; pois Deus queria que a ela ficasse o mundo devendo o mistério da Encarnação. Assim discorre Santo Ireneu. Por este motivo diz o Abade de Celes: Todos os bens, todas as graças, os auxílios todos que jamais receberam ou até ao fim do mundo receberão os homens, lhes têm vindo e hão de vir por intermédio de Maria. É, portanto, mui justa a exclamação do piedoso Blósio: Ó Maria, sois tão amável e agradecida para com os que vos amam; quem será tão louco ou infeliz que não vos ame? Nas dúvidas e confusões ilustrais o entendimento daqueles que a vós recorrem nas suas aflições. Consolais nos perigos aqueles que em vós confiam. Acudis a quem por vós chama; vós, depois do vosso divino Filho, sois a segura salvação de vossos fiéis servos. Salve, pois, ó esperança dos desesperados, ó refúgio dos abandonados. Sois onipotente, ó Maria, visto que vosso Filho quer vos honrar, fazendo sem demora tudo quanto vós quereis.

Maria é a esperança de todos

São Germano, reconhecendo em Maria a fonte de todo o nosso bem e a libertação de todos os males, assim a invoca: Ó Senhora minha, sois a minha única consolação dada por Deus, vós o guia da minha peregrinação, vós a fortaleza das minhas débeis forças; a riqueza das minhas misérias, a liberdade das minhas cadeias, e a esperança da minha salvação. Ouvi as minhas orações, tende compaixão dos meus suspiros, ó minha Rainha, que sois meu refúgio, minha vida, meu auxílio, minha esperança, minha fortaleza!

Tem, portanto, razão Santo Antonino ao aplicar a Maria estas palavras da Sabedoria (7,11): Juntamente com ela me vieram todos os bens. Já que Maria é a Mãe e a dispensadora de todos os bens, diz ele, bem se pode afirmar que todos os homens, especialmente os que vivem no mundo como devotos desta Soberana, juntamente com a devoção de Maria adquiriram todos os bens. Por isso, sem mais restrições, dizia o Abade de Celes: Quem ama Maria acha todo o bem, acha todas as graças e todas as virtudes, porque ela por sua intercessão lhe alcança tudo quanto lhe é necessário para enriquecê-lo com a divina graça. – Ela própria nos faz cientes de ter consigo todas as opulências de Deus, isto é, as divinas misericórdias, para dispensá-las aos que a amam.

“Comigo estão as riquezas… a magnífica opulência… para enriquecer os que me amam” (Pr 8, 18, 21).

Exorta-nos por isso Conrado de Saxônia a que não retiremos os olhos das mãos de Maria, a fim de, por seu intermédio, recebermos os bens que almejamos.

Oh! quantos soberbos, com a devoção de Maria, acharam a humildade; quantos coléricos, a mansidão; quantos cegos, a luz; quantos desesperados, a confiança; quantos transviados, a salvação! E isto mesmo o profetizou ela, quando proferiu em casa de Isabel aquele seu sublime cântico: Eis que já desde agora todas as gerações me chamarão de bem-aventurada (Lc 1,48). Sim, ó Maria, todas as gerações chamar-vos-ão de bem-aventurada – comenta São Bernardo – porque a todas tendes dado a vida e a glória; pois em vós acham perdão os pecadores e perseverança os justos. O piedoso Landspérgio imagina o Senhor falando assim ao mundo:

“Homens, pobres filhos de Adão, que viveis no meio de tantos inimigos e de tantas misérias, procurai honrar com especial afeto a minha e vossa Mãe; pois eu dei Maria ao mundo para vosso exemplo, para que dela aprendais a viver como é devido. Dei-a como vosso refúgio para que a ela recorrais em vossas aflições. Esta minha filha eu a fiz tal, que ninguém a pudesse temer, nem ter repugnância de recorrer a ela. Exatamente por isso a formei tão benigna e compassiva, que nem sabe desprezar os que a invocam, nem sonegar seus favores a quem a suplica. A todos abre o manto de sua misericórdia e não despede alma nenhuma desconsolada”.

Louvada seja, pois, e bendita a imensa bondade de nosso Deus, que nos concedeu esta excelsa Mãe e advogada tão terna e amorosa!

Como são ternos os sentimentos de confiança de um São Boaventura, tão abrasado de amor para com nosso Redentor e nossa amantíssima advogada, Maria! Ainda que o Senhor tenha-me reprovado quanto quiser, exclama o Santo, eu sei que ele não pode negar-se a quem o ama e a quem de todo o coração o busca. Eu o abraçarei com o meu amor e sem me abençoar não o deixarei; sem me levar consigo, ele não poderá ausentar-se.

Se mais não puder, ao menos esconder-me-ei dentro das suas chagas, onde ficarei para que me não possa encontrar fora de si. Finalmente, se o meu Redentor, por causa das minhas culpas, me lançar fora dos seus pés, eu me prostrarei aos pés de Maria, sua Mãe, e deles não me afastarei enquanto ela não me alcançar o perdão. Por ser Mãe de misericórdia, nem recusa nem jamais recusou compadecer-se de nossas misérias, e socorrer os infelizes que imploram o auxílio. E assim, se não por obrigação, ao menos por compaixão, não deixará de induzir o Filho a perdoar-me.

Olhai, pois, para nós, concluamos com Eutímio, olhai para nós finalmente com os vossos olhos piedosos, ó Mãe nossa misericordiosíssima! Pois somos servos vossos e em vós temos colocado toda a nossa esperança.

Exemplo

São Gregório Magno, Papa, conta-nos que uma virgem, chamada Musa, distinguia-se por uma grande devoção a Nossa Senhora. Achando-se, porém, em grande perigo de perder a sua inocência por causa dos maus exemplos das companheiras, apareceu-lhe certo dia a Mãe de Deus, na companhia de muitos Santos, e assim lhe falou: Musa, não queres entrar para o coro destas virgens? Musa disse que sim e ouviu como resposta da Rainha do céu o seguinte: Pois bem, nesse caso deixa as tuas companheiras e prepara-te, dentro de trinta dias estarás entre as santas virgens. – De fato, Musa deixou suas amigas e trinta dias depois estava para morrer, vitimada por gravíssima enfermidade. Outra vez apareceu-lhe a Mãe de Deus chamando-a por seu nome, ao que Musa respondeu: Sim, ó minha Rainha, já vou. Com essas palavras expirou na paz do Senhor.

Oração

Ó Mãe do santo amor, ó vida, refúgio e esperança nossa! Bem sabeis que vosso Filho Jesus Cristo, não contente de constituir-se nosso perpétuo advogado junto ao Eterno Pai, quis ainda que vos empenhásseis junto a ele para impetrar as divinas misericórdias. Ele dispôs que as vossas orações concorressem para nossa salvação, e deu-lhes tanto poder, que alcançam quanto pedem. Eu, miserável pecador, para vós me volto, ó esperança dos miseráveis. Espero, ó Senhora minha, que, pelos merecimentos de Jesus Cristo e pela vossa intercessão, me hei de salvar. Assim espero e confio tanto que, se a minha salvação eterna estivesse na minha mão, certamente eu a poria na vossa. Pois mais confio em vossa misericórdia e proteção, que em todas as minhas obras. Mãe e esperança minha, não me desampareis como eu mereço; olhai para as minhas misérias e movei-vos à piedade, socorrei-me e salvai-me. Confesso que com meus pecados tenho muitas vezes posto obstáculo às luzes e aos socorros que me tendes alcançado do Senhor. Porém vossa piedade para com os miseráveis e vosso poder junto a Deus excedem o número e a malícia de todos os meus pecados. É patente ao céu e à terra que quem é de vós protegido certamente não se perde.

Esqueçam-me, pois, todas as criaturas, vós, porém, não me esqueçais, ó Mãe de Deus onipotente. Dizei a Deus que eu sou vosso servo; dizei-lhe que vós me protegeis, e serei salvo. Ó Maria, tenho confiança em vós; nesta esperança vivo, e nela quero e espero morrer, dizendo sempre: Minha única esperança é Jesus e depois de Jesus, Maria.

II. Maria é a esperança dos pecadores

Maria é realmente a esperança dos pecadores

Depois que Deus criou a terra, criou também dois luzeiros. Um maior, isto é, o sol, para que alumiasse de dia. Outro menor, isto é, a lua, para que brilhasse à noite (Gn 1,16). O sol, diz o Cardeal Hugo, é figura de Jesus Cristo, de cuja luz gozam os justos que vivem no dia da divina graça. A lua é figura de Maria, por meio da qual são iluminados os pecadores que vivem na noite do pecado. Já que Maria é esta lua propícia aos miseráveis pecadores, se algum miserável, diz Inocêncio III, se acha imerso nesta noite de culpa, que há de fazer? Aquele que perdeu a luz do sol, perdendo a divina graça, volte-se para a lua, faça oração a Maria; dela receberá luz para conhecer a miséria de seu estado e força para deixá-lo imediatamente. Garante-nos São Metódio que os rogos de Maria convertem continuamente uma quase inumerável multidão de pecadores.

Um dos títulos com que a Santa Igreja saúda Maria, e que muito anima os pobres pecadores, é aquele da Ladainha: Refúgio dos pecadores.

Havia na Judeia, outrora, cidades de refúgio, nas quais os culpados podiam abrigar-se e ficavam a salvo das penas merecidas. Agora já não há tantas cidades de refúgio como antigamente. Só há uma que é Maria Santíssima, da qual foi dito: Coisas gloriosas se tem dito de ti, ó cidade de Deus (Sl 86,3). Existe aqui uma diferença, porém. Nas antigas cidades de refúgio não havia asilo para todos os culpados, nem para toda sorte de delitos, enquanto que sob o manto de Maria acham refúgio todos os pecadores e toda espécie de delito. Basta que se recorra a ela, para se estar a salvo. Sou cidade de refúgio para todos que a mim recorrem, faz São Damasceno dizer nossa Rainha. Só se exige que a ela se recorra.

“Ajuntai-vos e entremos na cidade fortificada e guardemos aí silêncio” (Jr 8,14).

Esta cidade fortificada, explica São Alberto Magno, é a Santíssima Virgem fortificada em graça e glória.
“Guardemos aí silêncio” – a isso observa a Glossa: Já que nós não temos de pedir ao Senhor, basta que entremos nesta cidade, e nos calemos; porque Maria falará e rogará por nós. Exorta por isso Benedito Fernandes todos os pecadores a refugiarem-se sob o manto de Maria, dizendo: Fugi, ó Adão, ó Eva, fugi, ó filhos seus que tendes ofendido a Deus, fugi e refugiai-vos no seio desta boa Mãe. Não sabeis que é ela a única cidade de refúgio e a única esperança dos pecadores? Também nos sermões atribuídos a Santo Agostinho, Maria é chamada nossa única esperança.

Da mesma forma exprime-se Santo Efrém: Vós sois a única advoga dos pecadores e daqueles que precisam de todo o socorro. Eu vos saúdo como asilo e refúgio no qual ainda podem os pecadores achar salvação e acolhimento. E isto precisamente Davi queria dizer com as palavras: Ele me põe a coberto no escondido do seu tabernáculo (Sl 26,5). E quem é este tabernáculo de Deus, senão Maria, como a chama André de Creta?

“Tabernáculo feito por Deus, em que só Deus entrou para cumprir os grandes mistérios da Redenção.”

Diz a este propósito o grande padre da Igreja São Basílio, que o Senhor nos deu Maria como um hospital público, onde se podem recolher todos os enfermos, que são pobres e desamparados de todos os socorros. Ora, pergunto eu, quais são os que mais direito têm a ser admitidos nos hospitais destinados aos indigentes? Não são porventura os mais pobres e mais enfermos? Portanto, quem se achar mais pobre, isto é, mais despido de merecimentos, e mais oprimido das enfermidades da alma, que são os pecados, pode dizer a Maria: Senhora, vós sois o refúgio dos enfermos pobres; não me desampareis. Pois, sendo eu o mais pobre de todos, tenho mais razão para que me aceiteis. Digamos com São Tomás de Vilanova: Ó Maria, nós, miseráveis pecadores, não sabemos achar outro refúgio fora de vós. Sois nossa única esperança, a quem confiamos a nossa salvação; perante Jesus Cristo sois nossa única advogada, a quem nos dirigimos.

Astro precursor do sol é Maria, nas revelações de Santa Brígida. Quer isto dizer: Quando em uma alma pecadora desponta a devoção a Maria, é sinal certo que dali a pouco Deus a virá enriquecer com a sua graça. Para avivar nos pecadores a confiança na proteção de Maria, recorre o glorioso São Boaventura à imagem de um mar agitado pela tempestade. Os pecadores já caíram da nau da divina graça e são carregados, de todos os lados, sobre as ondas, pelos remorsos de consciência e pelo temor da justiça de Deus, sem luz nem guia. Já estão próximos de perder toda a esperança, prestes a desesperar. Eis que neste momento o Senhor lhes mostra Maria, chamada comumente Estrela do mar, e brada-lhes: Pobres pecadores, já que estais quase perdidos, não desespereis; volvei os olhos para esta formosa Estrela e confiai; pois Maria vos livrará desta tempestade e vos conduzirá ao porto da salvação.

O mesmo diz São Bernardo: Se não queres ficar submergido das tempestades, olha para a Estrela e chama por Maria para que te socorra. Pois, como diz Blósio, é ela a única salvação de quem ofendeu a Deus, o único refúgio de todos os tentados e atribulados. – Esta Mãe de misericórdia é toda benigna, toda suave, não só para com os justos, mas também para com os pecadores e desamparados. Logo que os vê recorrer a ela, pedindo de coração seu auxílio, prontamente os socorre, acolhe-os e obtém-lhes o perdão de seu Filho. A ninguém desdenha, por mais indigno que seja. A ninguém sonega a sua proteção, a todos consola e, apenas é chamada, já está presente. Com a sua bondade muitas vezes atrai à sua devoção os afastados de Deus e desperta-os da letargia do pecado. Por este meio dispõem-se eles a receber a graça e tornam-se finalmente dignos da eterna glória. De coração compassivo e tão amável dotou o Senhor esta sua filha predileta, que ninguém pode recear recorrer à sua intercessão. Enfim, conclui o piedoso Blósio, não é possível que se perca quem com diligência e humildade cultiva a devoção para com a divina Mãe.

Maria é para os pecadores uma segura esperança

É Maria comparada ao plátano: Eu cresci como o plátano (Eclo 24,14). A isso bem atendam os pecadores. O plátano oferece agasalho ao viandante que em sua sombra pode repousar, livre dos raios do sol. Também Maria, quando vê acesa contra eles a ira da divina justiça, os convida a refugiarem-se à sombra da sua proteção. Lamentava-se o profeta Isaías em seu tempo, dizendo:

“Eis aí está que tu te iraste, Senhor, porque nós pecamos…; não há quem se levante e te detenha” (64, 5, 7).

Senhor, estais justamente irado contra os pecadores, queria ele dizer; não há quem por nós vos possa aplacar. Assim gemia o profeta, diz Conrado de Saxônia, porque então Maria ainda não era nascida. Mas agora, se Deus está irado contra qualquer pecador e Maria toma à sua conta protegê-lo, ela detém o Filho, para que não o castigue, e salva-o. Ninguém há, continua Conrado, mais apto do que ela para suspender a espada da divina justiça, para que não descarregue o golpe sobre os pecadores. Sobre este mesmo pensamento, diz Ricardo de São Lourenço que Deus, antes de no mundo existir Maria, se queixava de não haver quem o impedisse de punir os pecadores; mas agora é Maria quem o aplaca.

Ó pecador – exclama Basílio de Seleucia -, não percas a confiança, mas recorre a Maria em todas as necessidades; chama-a em teu socorro, pois a encontrarás sempre pronta para te valer, porque é vontade de Deus que ela nos valha em todos os nossos apuros. Tem esta Mãe de Misericórdia mui vivo desejo de salvar os pobres pecadores. Por isso vai pessoalmente em busca deles para os ajudar e sabe como reconciliá-los com Deus, se a ela recorrem.

Desejava Isaac comer alguma caça e prometeu a Esaú que o abençoaria, se lha trouxesse. Mas Rebeca queria que essa bênção coubesse a Jacó, outro filho seu. Mandou-o por isso buscar dois cabritos e guisou-os ao gosto de Isaac (Gn 27,9). Os cabritos são uma imagem dos pecadores, e Rebeca, segundo Santo Antonio, é figura de Maria. Trazei-me os pecadores, diz a Senhora aos anjos, quero prepará-los, obtendo-lhes contrição e bom propósito, para que se tornem dignos e agradáveis a meu Senhor. Revelou a própria Virgem Santíssima a Santa Brígida que não há no mundo pecador tão inimizado com Deus, que se não converta e recupere a divina graça, se a invocar e a ela recorrer. Certo dia a mesma santa ouviu Jesus Cristo dizer a sua Mãe que ela estaria pronta a obter a divina graça até mesmo a Lúcifer, caso este se humilhasse e implorasse seu auxílio. Jamais aquele espírito soberbo saberá humilhar-se para impetrar o socorro de Maria. Fora isso, entretanto, possível, dele tivera a Virgem piedade, e o poder de suas preces lhe obtivera perdão e salvação. Mas o que não é possível a respeito do demônio acontece com os pecadores que se dirigem a esta compassiva Mãe.

Figura foi de Maria a arca de Noé. Pois como nela acharam abrigo todos os animais da terra, igualmente sob o manto de Maria encontraram refúgio todos os pecadores, cujos vícios e pecados sensuais os tornam semelhantes aos brutos. Há esta diferença, entretanto, observa Pacciucchelli: na arca entraram os brutos e brutos ficaram. O lobo ficou sendo lobo e o tigre ficou sendo tigre. Mas debaixo do manto de Maria o lobo é mudado em cordeiro e o tigre em pomba. Um dia viu Santa Gertrudes a Maria com o manto aberto e debaixo dele muitas feras de diversas espécies: leopardos, ursos etc. Viu também que a Virgem não só os afugentava, mas antes docemente os recebia e afagava. Entendeu a Santa que eles figuravam os míseros pecadores, acolhidos por Maria com afável amor, quando a ela recorrem.

Razão sobejava, pois, a Egídio de Schoenau ao dizer à Santíssima Virgem:

“Senhora, não detestais a nenhum pecador, por mais asqueroso e abominável que seja. Se ele implora vossa proteção, nunca deixais de estender- lhe compassiva mão para arrancá-lo do abismo do desespero”.

Bendito e para sempre louvado seja Deus, que vos fez, ó Maria amabilíssima, tão compassiva e tão benigna até para com os mais miseráveis! Infeliz de quem não vos ama, e que podendo recorrer a vós, em vós não confia! Perde-se quem a Maria não recorre, mas quem jamais se perdeu, depois de implorá-la?

Maria é, às vezes, a última esperança dos pecadores

Lê-se no livro de Rute (2,3) que Booz permitiu a uma mulher por nome Rute respigar, indo atrás dos segadores. Aqui sugere Conrado de Saxônia: Como Rute achou graça aos olhos de Booz, assim Maria achou graça diante de Deus, para recolher as espigas abandonadas pelos segadores.

Estes últimos são os operários evangélicos, os missionários, os pregadores, os confessores, que com as suas fadigas continuamente colhem e amealham almas para Deus. Almas há, porém, rebeldes e obstinadas que são abandonadas por eles. Só a Maria é dado salvar, por sua poderosa intercessão, essas espigas largadas no campo. Mas quão infelizes são as almas que nem por esta doce Senhora se deixam apanhar! Estas, sim, serão, com efeito, perdidas e amaldiçoadas. Bem-aventurado, ao contrário, quem recorre a esta boa Mãe. Pecador algum, tão perdido e tão viciado há no mundo, diz Blósio, que Maria o aborreça e despreze. Não; se lhe vier pedir socorro, ela sabe e pode reconciliá-lo com seu Filho e alcançar-lhe o perdão.

É, pois, com razão, ó minha Rainha, que S. João Damasceno vos saúda como esperança dos desamparados. Com razão vos chama São Lourenço Justiniano esperança dos delinquentes; e o Pseudo-Agostinho, único refúgio dos pecadores; Santo Efrém, porto seguro dos náufragos, ajuntando que sois até protetora dos réprobos. Finalmente tem razão São Boaventura, ao exortar à esperança até os mais desesperados, enquanto cheio de ternura diz amorosamente a sua Mãe caríssima: Senhora, quem não há de confiar em vós? Vós socorreis até os desesperados. Não duvido – ajunta – que sempre que a vós recorremos, alcançaremos quanto quisermos. Em vós, pois, espere quem desespera.

Exemplo

Santo Antonino conta o seguinte de um homem que vivia da inimizade de Deus. Pareceu-lhe certa vez que comparecia perante o tribunal de Jesus Cristo. De um lado acusava-o o demônio, enquanto que Maria o defendia. O inimigo apresentava ao pecador a lista de seus pecados, a qual, posta na balança da divina justiça, pesava mais que todas as boas ações. Mas que fez então a sua grande advogada? Estendeu a sua compassiva mão e, pondo-a sobre a balança, fê-la inclinar a favor do seu devoto. E assim lhe fez entender que ela lhe alcançava o perdão, se mudasse de vida. Com efeito, aquele pecador, depois de tal visão, mudou de vida e se converteu.

Oração

Venero, ó Santíssima Virgem Maria, o vosso puríssimo Coração, delícia e repouso de Deus. Coração todo cheio de humildade, de pureza e de amor divino. Infeliz pecador, venho a vós com o coração todo manchado e chagado. Ó Mãe de piedade, não me desprezeis por me verdes assim, mas redobrai de compaixão e socorrei-me. Não busqueis em mim para ajudar-me nem virtude, nem méritos. Estou perdido e só mereço o inferno. Peço-vos que só olheis para a confiança que tenho em vós e para o propósito em que estou de emendar-me. Diante de vossos olhos coloco o quanto Jesus fez e padeceu por mim. Abandonai-me, se fordes capaz.

Apresento-vos todos os sofrimentos de sua vida, o frio que padeceu no presépio, a sua fuga para o Egito, o sangue que derramou, a pobreza, os suores, a tristeza, a morte que suportou por meu amor, estando vós presente. E por amor de Jesus empenhai-vos em salvar-me.

Ah! minha Mãe, não quero nem posso recear ser repelido, agora que recorro a vós e vos peço que me ajudeis. Se isto temesse, faria injuria a vossa misericórdia, que anda buscando miseráveis para os socorrer. Senhora, não recuseis vossa piedade àquele a quem Jesus não recusou seu sangue. Mas os merecimentos deste sangue não me serão aplicados, se não me recomendardes a Deus. De vós, pois, espero a minha salvação. E não vos peço riquezas, honras, nem outros bens da terra; peço-vos a graça de Deus, o amor para com vosso Filho, o cumprimento de sua vontade, e o paraíso para amá-lo eternamente. Será possível que não me ouçais? Não; vós já me entendestes, assim espero. Já me procurastes a graça que pretendo. Já me tomastes sob vossa proteção. Minha mãe, não me deixeis; continuai a rogar por mim até me verdes salvo no céu, para louvar e render-vos as devidas graças eternamente. Amém.

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