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Quanta coisa não entendemos!

Na linda natureza de Deus
Há em redor de mim uma infinidade de coisas que não compreendo e que, apesar disso acredito.

Apresento um exemplo mui comum. Na química moderna calcula-se continuamente com a milionésima parte de uma grama: o “Gama”. No entanto já viram a milionésima parte da grama? Nenhuma vista humana jamais o alcançou. E todavia, na balança analítica é possível pesar um “Gama”, depois de estafante trabalho e cálculos de ¾ de hora.

Que é o “mícron”? É a milésima parte do milímetro. Entenda-se bem: a milésima parte do milímetro que para nós já é incrivelmente pequeno!

O éter é 500 bilhões de vezes mais leve do que o ar. Para que produza a cor violeta, são imprescindíveis 758 bilhões de vibrações por segundo. Pode-se “compreender” isso? “Saber” o que significa? Como se poderia sabê-lo? Apenas se pode crê-lo.

Toma-se mesmo necessária uma fé bem sólida!

Procuremos imaginar o que seja um bilhão! Se enfileirarmos um bilhão de cabelos no sentido da espessura (0,1 de milímetro), obteremos uma linha de cem mil quilômetros, isto é, um bilhão de cabelos fariam 3 vezes a volta da terra. Num fugaz segundo o éter faz 758 bilhões de vibrações! Não é preciso uma fé bem sólida para acreditá-lo?

Compreendemos como num átomo de urânio os 92 elétrons de eletricidade negativa giram ao redor dos 92 elétrons positivos reunidos num núcleo atômico, um bilhão de vezes por segundo! Isso não se pode entender nem “saber”, apenas acreditar.

Nossa terra, na sua trajetória pelo espaço percorre mais ou menos 30 quilômetros por segundo. Sentimos alguma coisa desse curso vertiginoso? Nada! Mas o acreditamos? Naturalmente que sim; devemos acreditá-lo se quisermos ser homens modernos. Logo precisamos da fé. Quanto mais se aprende, quanto mais se pensa, quanto maior número de experiências reunimos, tanto maior é o número de coisas de que se há de dizer: “não entendo isso!” Quem tudo “compreende”, aquele para quem não há problemas, é uma cabeça muito superficial e demonstra que não tem o costume de refletir profundamente.

Vou fazer algumas perguntas, as quais nem mesmo o maior sábio pode responder.

Por exemplo, que é o tempo? Todos pensam que o sabem, sem conseguir exprimi-lo. Incansavelmente rola a torrente sem margens do tempo; sobre suas ondas flutuamos nós. No entanto quem poderá dizer o que seja esse tempo? Falamos da presente, do passado e do futuro; mas, que é o presente? Presente não existe propriamente! O presente é um momento que não podemos segurar; quando pensamos tê-lo atingido, já pertence ao passado; não o atingimos ainda, pertence ao futuro. Que é, pois o presente? Compreendê-lo? Oh não! E, contudo, dele falamos. Entre dois mares nebulosos, entre o passado e o futuro está o presente, um indefinível, coisa vazia a escapar-nos das mãos sempre que o quisermos deter, e que escoa sem cessar, dum interminável oceano para outro. Compreendemo-lo? Não creio. Quanto mais quebrarmos a cabeça a esse respeito, tanto menos o compreenderemos.

E agora, ao reino infinito dos números: Que é que sabemos deles?

O maior número que podemos escrever com três algarismos é 999, não é? Agora não faço outra coisa senão escrever os dois últimos um pouco menores 999 (nove na nonagésima nona potência), e obtenho um número de 95 algarismos, maior do que o número de grãos de areia que a terra poderia conter. Como? Mais do que o globo terrestre? Se imaginarmos uma terra do tamanho de toda a sua órbita ao redor do sol, num único globo e se o enchermos dessa areia, ela ainda não caberia toda nesse corpo gigantesco. Maior do que ele é o número 999. E se eu escrever agora 999, isto é, 9 deve ser elevado à potência expressa por 99 (nove na nona potência)? Aqui para nossa fantasia e a razão humana já não nos auxilia! Qual seria esse inocente número? Se exprimirmos seu valor em algarismos comuns teremos um número com 369.693.100 algarismos. O primeiro algarismo desse número fantástico seria 4, o último 9. Querendo elevar 9 à nona potência, devemos multiplicar 9 nove vezes por si mesmo, do que resulta 387 429 489. Este número deve ser agora multiplicado nove vezes por si mesmo. O resultado seria um número do comprimento de 919 milhas, e só para escrevê-lo levaríamos 28 anos, suposto que nesse mister empregássemos diariamente 10 horas…

Quão pouco sabemos, quão pouco entendemos, mesmo do reino dos números!

O homem procura avançar sempre, anseia por saber mais. Muito bem, desde que não se torne presunçoso! Pois, se compararmos o pouco que sabemos com a imensidade do que não sabemos, mas que é digno de ser sabido, devemos confessar que Sócrates ainda hoje tem razão quando diz que é sábio apenas aquele que está convencido de sua ignorância.

“Deve, pois, tornar-se incrédulo quem estuda muito? Não é impossível ao sábio permanecer religioso?”

Pelo contrário! Após longo estudo convencer-nos-emos da verdade das palavras do sábio belga Van Benedem:

“Quanto mais profundamente penetramos no conhecimento da natureza, tanto mais profunda será a nossa convicção de que unicamente a fé num Criador Onipotente e numa Sabedoria Divina, que criou o céu e a terra segundo um plano predeterminado, pode solucionar os mistérios da natureza e da vida humana. Queremos continuar a erigir monumentos aos nossos concidadãos que se distinguem por sua lucidez de espírito, mas não esqueçamos aquilo que devemos a quem introduziu uma maravilha em cada partícula de pó e criou um mundo inteiro em cada gota d’água.”

Quanto mais estudamos, tanto mais percebemos quanto devemos crer. O poeta alemão diz espirituosamente:

Estudemos, estudemos,
Pois sábios nunca seremos:
O fim de nosso saber
É, sim, que devemos crer.
(Geibel)

Mais ou menos o mesmo diz Bacon de Verulâmio:

“Quem apenas prova o cálice das ciências, pode talvez tornar-se ateu; mas, a ciência profunda reconduz à religião.”

Certamente, toda a natureza em torno está cheia de enigmas e mistérios. Se nossa limitada inteligência não pode penetrar nem mesmo nas profundezas da natureza, não devemos admirar-nos de descobrir em Deus qualidades que não podemos atingir nem entender.

Talvez lastimemos não poder compreender como Jesus, Deus poderoso e onisciente, esteja presente no Santíssimo Sacramento, sob a forma duma singela e pequena hóstia branca.

Não o compreendemos por certo.

Entretanto, há coisas muito mais simples, que entendemos tão pouco. Comparemos dois ovos: um foi chocado durante três semanas, o outro esteve três semanas na adega fresca. Percebe-se diferença? Aparentemente não: cor, forma, tamanho, tudo é igual. E, todavia, embora não se veja a diferença, há de fato grande dissemelhança, o último é um corpo inanimado; o primeiro, ao contrário, encerra um ser vivo com coração a pulsar, órgãos de visão e audição, vida enfim. A diferença entre a simples hóstia e o Sacramento do Altar também não pode ser vista, e, contudo, acreditamos na palavra infalível do Senhor, que o próprio Cristo, vivo e vivificante, está encerrado nas espécies aparentemente inanimadas.

Vou além e afirmo ser bom para nós que em Deus haja muitos mistérios. Pois um Deus, ao qual a fraca inteligência humana pudesse compreender não seria nada mais do um homem, e não um Ente maior do que nós, de infinita perfeição.

Se nossa religião possui doutrinas cuja essência constitui mistério para nossa razão nada prova isso contra a religião — antes pelo contrário — testemunha sua procedência divina.

No final das contas, Deus permanecerá sempre um mistério para a razão do homem. Mas não é o próprio homem um enigma para seu semelhante? Quão difícil é, quanto tempo se gasta, para que um conheça ao outro! E quando pensa alguém ter chegado à alma do próximo, quantas pregas secretas lhe ficam veladas! Somente em Deus, o Ente Supremo, não deveria haver mistério? Poderia ser um verdadeiro Deus, aquele que nossa minúscula razão fosse capaz de abranger? Não! Poderia, quando muito, ser um ídolo!

Não nos impressiona, logo, a existência de mistérios em nossa religião, visto que toda a nossa vida está atapetada de enigmas. Mistérios há na imensidade do firmamento, mistérios encontramos no mundo microscópico dos seres invisíveis — os dois extremos, os dois misteriosos reinos, entre os quais está o homem.

“Não posso compreender a Deus!”

Queixam-se alguns. Não se lembram comer é estulto esse empreendimento? Para podermos compreender a Deus, deveríamos ser maiores do que Ele; pois, quem compreende alguma coisa, é sempre mais do que aquilo que é compreendido.

O sol envia seus dourados raios e ilumina tudo, mas ao lado da luz há sempre a sombra. Deus é tão grande que sua imensidade esmaga nossa pequenina razão. Por isso resta-nos apenas a prece da submissão humilde.

“Em um só Deus Eterno creio,
Que do amor mais ardente repassado,
Imóvel, dá ao céu o movimento”.
(Dante, Paraíso. XXIV, 13O – 132)

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(TOTH, Monsenhor Tihamer. Na linda natureza de Deus. Editora S. C. J., 1945, p. 166-172)

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