Nas primeiras palavras nos recomendou Cristo, nosso Mestre, três excelentes virtudes: caridade com os nossos inimigos, compaixão com os infelizes, e acatamento a nossos pais. Nas quatro seguintes nos recomenda quatro não mais excelentes que aquelas, mas não menos necessárias para nosso bem: a humildade, a paciência, a perseverança , a obediência. A humildade que propriamente se pode dizer virtude de Cristo, pois nenhuma ideia dela nos dão os escritos dos sábios deste mundo, não só Ele a praticou em todo o decurso da Sua vida; mas, além disto, se declarou por termos, nada equívocos, mestre desta virtude, dizendo:Nunca tão declaradamente, porém nos recomendou esta virtude, e juntamente a da paciência, que dela é inseparável, como, quando disse:"Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração" (Mt 11)
Pois com esta expressão nos mostra o Senhor, que por permissão de Deus toda a Sua glória e primazia se tinha obscurecido na presença dos homens, o que também queriam dizer aquelas trevas, nem o Senhor pôde, sem a mais rendida humildade e paciência sujeitar-Se aquele abatimento."Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?"
Pode adicionar-se aos frutos antecedentes um quarto fruto, nascido não tanto da quarta palavra, quanto da circunstância da ocasião em que ela foi proferida; quero dizer, das horrendas trevas, que sem muito intervalo a antecederam, pois são elas muito apropriadas para esclarecerem os Hebreus e para conservarem os Cristãos na verdadeira fé se quiserem prestar séria atenção à força do raciocínio que vamos propor, deduzido daquelas mesmas trevas. Esta demonstração pode coligir-se sem dificuldade nenhuma de quatro verdades. A primeira é que estando Cristo na Cruz, o Sol se obscureceu completamente todo, de modo que no Céu se viram as estrelas, como se vêem de noite. Esta verdade resulta do dito de cinco testemunhas, merecedoras de todo o crédito, de diversas nacionalidades, e, que escreveram em diversos tempos e lugares, e por isso não podiam escrever coisas que entre si tivessem combinado, para as fazerem passar por fatos.
Quando o Senhor na Cruz disse bradando: Meu Pai, porque me abandonaste, não o disse por ignorar a razão por que seu Pai o abandonou. Como poderia, pois ignorá-lo Àquele, que tudo sabe? E nesta conformidade respondeu o Apóstolo Pedro ao Senhor, quando este lhe perguntou se ele O amava:
Outro fruto, e muito precioso, se pode colher da consideração do silêncio de Cristo nas três horas que decorreram da sexta até a nona. Que fez então o teu Senhor, dize-me, minha alma, naquelas três horas? Estava o universo envolvido em horror e trevas e o teu Deus não descansava deitado em brando leito, mas estava pendente da Cruz, nu, cheio de dores e sem consolação nenhuma. Tu, Senhor, que és o único que sabes os horríveis tormentos que padeceste, ensina os teus servozinhos a avaliarem quanto Te devem e a que, ao menos com piedosas lagrimas de Ti se compadeçam, e saibam algumas vezes privar-se neste desterro por amor de Ti de tudo quanto for regalo, se assim for da Tua vontade. Eu, filho, em toda a minha vida mortal, que toda foi trabalho e mortificação, nunca sofri tormentos maiores do que naquelas três horas; nem também sofri nunca de melhor vontade do que naquele espaço de tempo. Então, pelo cansaço do corpo cada vez mais se me rasgavam as chagas e se aumentava a violência das dores. Então por falta do calor do Sol, o frio subindo de intensidade, agravava o meu sofrimento por estar de toda parte desagasalhado. Então as trevas, que me tiravam a vista do Céu e da Terra, e de todos os objetos da criação, obrigavam-me de certo modo a não pensar senão nos meus tormentos. Assim aquelas três horas consideradas por este lado, pareciam-me três anos; porém o desejo em que meu peito ardia da honra de meu Pai, de cumprir a Sua vontade e da salvação das vossas almas, era tal, que quanto mais as dores se exasperavam, mais aquele desejo crescia, fazendo com que aquelas três horas me parecesse três minutos pelo grande gosto com que eu sofria.
Explicamos brevemente o que, quanto à Historia, diz respeito à quarta palavra. Agora a primeira consideração, que se nos oferece, para da árvore da cruz colhermos alguns frutos, é a de ter Cristo querido esgotar o cálice da Paixão completamente todo até a última gota. Tinha de estar na Cruz três horas, da 6ª até à 9ª, nela esteve três horas inteiras completas e mais que completas; pois foi crucificado antes da 6ª e expirou depois da 9ª, como se prova com o seguinte argumento: O eclipse começou à hora 6ª, como dizem três Evangelistas, São Mateus, São Marcos, e São Lucas; e expressamente São Marcos:
O encargo e jugo, imposto por Deus a São João de tomar a seu cuidado a Virgem Mãe, foi certamente encargo suave e jugo leve. Quem, pois não conviveria da mais boa vontade com aquela Mãe, que em seu ventre trouxe nove meses o Verbo Encarnado, e, que com Ele conviveu trinta anos inteiros com a maior dedicação e afeto? Quem não terá inveja ao Predileto do Senhor, que na falta do Filho de Deus mereceu a companhia da Mãe de Deus? Mas, se não me engano, também podemos nós com os nossos rogos alcançar da benignidade do Verbo, por amor de nós encarnado, e do extremoso amor de quem pelo mesmo motivo Se sujeitou ao tormento da cruz, que Ele também nos diga: Eis aí vossa Mãe; e à sua Mãe diga: Eis aí os teus filhos.
Em terceiro lugar aprendemos da cadeira da Cruz, e das palavras por Cristo dirigidas a sua Mãe e ao discípulo, quais são as obrigações dos bons pais para com seus filhos, e os deveres dos bons filhos para com seus pais. Comecemos por aquelas. Devem os bons pais amar seus filhos; de modo, porém, que este amor não se oponha ao amor de Deus: e é por isto, que o Senhor diz no Evangelho:
O segundo fruto desta terceira palavra colhe-se do mistério das três mulheres, que estavam junto da Cruz do Senhor; pois Maria Madalena representa os penitentes e os que começam a sê-lo; Maria de Cléofas os proficientes; Maria, Mãe de Cristo e Virgem, os perfeitos; e com ela podemos também reunir São João, virgem, e que dentro em pouco tempo havia de ser perfeito, se ainda não o era. São aqueles os únicos que se acham junto da Cruz do Senhor; porque os que vivem em pecado e não tratam de fazer penitência, afastam-se da Cruz que é a escada do Céu. Além disto todos os que estão junto da Cruz, tem motivo para lá estarem; pois precisam do auxílio do Crucificado, os penitentes ou incipientes estão em guerra aberta com os vícios e apetites desordenados, e muito precisam do auxílio de Cristo, nosso General, para se animarem a combater, vendo-o a lutar contra o Dragão, e não querendo descer da Cruz, sem dele obter completo triunfo, assim o diz o Apóstolo na sua Epístola aos Colossenses:
Desta terceira palavra muitos frutos pode colher, quem atentamente a ponderar. O primeiro será o conhecimento do infinito desejo, que Cristo teve de padecer, para nos salvar, a fim de que a redenção fosse pleníssima e copiosíssima. Enquanto os outros homens providenciam, que na sua morte, e principalmente na morte violenta, desonrosa e infamante, lhes não assistam os seus parentes, para que não tenham de sentir dobrado sofrimento e tristeza, por eles estarem presentes; Cristo, não satisfeito com o próprio sofrimento atrocíssimo, cheio de dores e de desonra, quis além disso que Sua mesma Mãe, e Seu amado discípulo assistissem, e em pé permanecessem junto da Cruz, para que a dor da compaixão de pessoas que Lhe eram caras Lhe duplicasse o Seu sofrimento.