A religião católica não teme a ciência. A fé de forma alguma, é inimiga do progresso cientifico. Verdade é que nossa religião não abandona seus bons e velhos princípios por causa de novas e infundadas hipóteses; mas, nem por isso ela entrava o verdadeiro progresso, antes pelo contrário, sempre o incrementou. O tempo vem sempre confirmando posteriormente, quão acertado é esse seu modo de agir da Igreja. Para mostrar quão prudente ele é citemos a teoria da origem do homem, a questão do darwinismo, que assediou durante séculos um dos fundamentos da fé: a diferença essencial entre o homem e o animal. Não há muito, era nota elegante proclamar que o homem descende do macaco. E o ensinavam francamente como verdade demonstrada pelas ciências naturais. Enquanto, porém todo o mundo parecia adotar o darwinismo, a Igreja Católica não abandonou sua antiga doutrina da criação do homem. Apodaram-na de arcaica e antiquada. Ela não se importou. E o tempo deu razão à Igreja. Hoje emudecem, um por um, os pregadores da doutrina darwinista.
O estudo torna incrédulo? Por que? O microscópio que nos revela o reino do imensamente pequeno, e o telescópio que faculta à vista penetrar na imensidade de mundos longínquos, ambos levantam a grande questão:
“Quem é o Senhor? Quem faz aqui as leis? Quem manda? Por que tudo isso é assim? Por que?”A palavrinha “por que?”, que já surge, instintivamente nos lábios da criança, é talvez a mais humana das palavras. O eterno “por que?” nos lábios dos homens é o grande símbolo do profundo desejo de saber, da grande ânsia que enche nossa alma. Analisamos, pesquisamos, avançamos sempre mais longe, de uma causa para outra, até que atinjamos a causa primária de tudo, à qual chamamos Deus. Inata em nossa alma é a sofreguidão; nenhures nos deixa fazer alto. As pesquisas em todos os campos da ciência são um atestado único da infinita sabedoria de Deus.
Não existe ciência propriamente neutra. Os jovens imaginam muitas vezes a ciência como uma deusa, imperando em alturas inacessíveis, por todos cultuada, de intransigente veracidade. Todavia, tal ciência não existe. Há sim, “sábios”, que não sendo seres abstratos, mas homens que vivem entre nós, pertencem a este ou àquele grupo humano, simpatizando com seu modo de pensar, entusiasmando-se por suas idéias, apoiando suas aspirações. Os resultados científicos, não os recebemos da “imparcial deusa ciência”, a qual não existe, mas dos representantes humanos do saber, de seus tratados e livros. Agora compreenderemos que não é indiferente ler um livro de um autor qualquer sobre esta ou aquela questão. É verdade: “A ciência não tem religião nem pátria.” — La Science n’a ni religion ni patrie — como reza a inscrição de um instituto zoológico na França; mas também é verdade o que Pasteur respondeu a isso:
“Os sábios, contudo, têm religião e pátria.”
À fé da juventude moderna poderá oferecer grande perigo ao grito de guerra de espíritos superficiais, que em toda a parte se ouve:
“O homem inteligente de hoje já não pode ser cristão e crente. As ciências modernas fizeram progressos fantásticos, e chegaram a resultados, que já não se podem coadunar com os preceitos da fé; e, pois, pode ser cristão somente aquele que ficou atrás do seu tempo.”Tal é a expressão, enunciada com maior ou menor franqueza, tanto em livros e conferências, como nas conversas levianas e superficiais dos salões ou na imprensa diária. Que se poderá responder? É possível que um jovem moderno, ilustrado, instruído, ainda seja devotado filho da Igreja católica? Ciência moderna e fé católica? Não se excluem elas reciprocamente?
Hoje em dia faz-se a miúdo um emprego abusivo do termo “ciência”. Tanto na positiva técnica como na teórica filosofia existe, a par de uma ciência construtiva e fecunda, outra que é destrutiva e malsã. Por exemplo, o gigantesco trabalho técnico, durante a Primeira Conflagração Mundial, foi preferentemente destrutivo, armas da guerra, gases devastadores, projéteis explosivos. Também no combate sempre aceso do mundo espiritual, o inimigo lança mão de gases deletérios, ardilosas minas e bombas explosivas. Destruir é fácil. Muito mais fácil do que construir. Alcebíades sozinho destruiu mais em Atenas, do que uma série de geniais governantes puderam edificar durante séculos, desde Solon até Milcíades, de Temístocles a Péricles. Alguns decênios de invasões bárbaras foram suficientes para aniquilar as grandiosas obras de mil anos de cristianismo. Por que demolir é mais fácil do que edificar? Porque para construir são necessárias grandes qualidades espirituais e morais, planos, perseverança, domínio de si mesmo, valorização de ideais. Destruir, porém, qualquer malfeitor ou imbecil o pode fazer.
Amanhã de tarde voltaremos para casa. Peta última vez, arde o fogo do acampamento. Todo o grupo o rodeia com saudade. Uma inefável tristeza se apoderou de nosso coração. Certamente, em casa a gente está bem... dormir em cama bem arrumada... um almoço preparado por mamãe ou pela cozinheira... mas estas três semanas! É duro despedir-se do riacho, da floresta, do firmamento! Sim, a separação é dura! Já eram dez horas.
O dia de hoje foi esplêndido — Os rapazes se divertiram o dia inteiro, em trajes de banho, ao redor das tendas ou junto ao regato. Que alegria, que sadio gozo. Infelizmente está para findar nossa vida de acampamento. Quanta pena tenho da mocidade “moderna”, de trajes ao rigor da moda e perfumada decadência... Essa juventude que procura a felicidade da vida unicamente nos cinemas, bares, teatros e “footing”! Pobres almas esfaimadas! Se uma vez que fosse saboreassem o gozo da natureza livre e vivificante!
Esta tarde, os pequenos organizaram uma partida de futebol. Nós “os grandes” repousávamos num declive, ao redor do professor. Júlio quebrou o silêncio inicial:
“Senhor professor, eu aprecio muito os livros de história natural. Ultimamente, lendo alguma coisa sobre assimilação dos alimentos, veio-me uma idéia interessante. Acho que, baseados no metabolismo e assimilação, poderíamos provar que temos uma alma, uma alma espiritual que se distingue do corpo.” “Estou curioso por ver, como você conseguirá isso.”
Ontem, no descascar batatas, Carlito cortou o dedo. Júlio, o enfermeiro, logo acorreu e aplicou um penso. O talho não fora profundo, mas Júlio teve a satisfação de poder utilizar seu ambulatório para fim um pouco mais sério do que as poucas gotas de amoníaco aplicadas ultimamente contra a ferroada da abelha, o que realmente não era serviço de monta... O Chiquinho, porém, correu direitinho ao mestre.
"Senhor professor, por obséquio! Carlos se cortou, e está sangrando horrivelmente!..."Como é natural, o professor apressou-se e de pronto surgiu na cozinha, onde a metade do acampamento, alarmado pelo Chiquinho, estava reunida: Felizmente não havia razão para sustos. O sangue já estancara.
Jorge procurou sanar sua ignorância em anatomia, e durante alguns dias dedicou-se a esse estudo. Em nossa biblioteca ambulante encontrava-se uma obra relativa ao assunto. Depois, orgulhoso apresentou-se ao professor para submeter-se a um exame. O mestre aceitou, fez algumas perguntas, mas intercalou muitas ponderações interessantes, sobretudo quanto à mão do homem.
“Diga-me, Jorge, que sabe você da mão?” “A mão do homem se compõe de 27 ossos, ligados entre si por meio de 4O músculos, segundo um princípio tão maravilhado quão simples”, começou Jorge.