Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João 16, 16-22
«Ainda um pouco, e deixareis de me ver; e um pouco mais, e por fim me vereis.» 17Disseram entre si alguns dos discípulos: «Que é isso que Ele nos diz: ‘Ainda um pouco, e deixareis de me ver, e um pouco mais, e por fim me vereis’? E também: ‘Eu vou para o Pai’?» 18Diziam, pois: «Que quer Ele dizer com isto: ‘Ainda um pouco’? Não sabemos o que Ele está a anunciar!»
19Jesus, percebendo que o queriam interrogar, disse-lhes: «Estais entre vós a inquirir acerca disto que Eu disse: ‘Ainda um pouco, e deixareis de me ver, e um pouco mais, e por fim me vereis’? 20Em verdade, em verdade vos digo: haveis de chorar e lamentar-vos, ao passo que o mundo há-de gozar. Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria! 21A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora; mas, quando deu à luz o menino, já não se lembra da sua aflição, com a alegria de ter vindo um homem ao mundo. 22Também vós vos sentis agora tristes, mas Eu hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria.
Meditação para o 3.º Domingo depois da Páscoa
SUMARIO
Meditaremos sobre três objetos de consolação que oferece o Evangelho do dia às almas provadas pelo padecimento:
1.º Os sofrimentos desta vida são curtos;
2.º Cristãmente suportados são a fonte dos maiores bens;
3.º São preferíveis a todos os prazeres do mundo.
– Depois destas considerações tomaremos a resolução:
1.° De aceitarmos de boa vontade todas as tribulações, que sobrevierem durante o dia;
2.° De desprezarmos todos os prazeres do mundo, como falsos e vãos.
O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Evangelho:
“O mundo se há de alegrar, e vós haveis de estar tristes; mas a vossa tristeza se há de converter em gozo, e o vosso gozo ninguém vo-lo tirará” – Mundus gaudebit, vos autem contristabimini; sed tristitia vestra vertetur in gaudium… et gaudium vestrum nemo tollet a vobis (Jo 16, 20-22)
Meditação para o Dia
Adoremos Jesus Cristo, o bom senhor e pastor das nossas almas. Ele vê de longe as perseguições, os sofrimentos de todo o gênero, que esperam os Seus discípulos: compadece-se deles e dirige-lhes, no Evangelho deste dia, as palavras mais próprias para os consolar e os animar. Agradeçamos-Lhes estas boas palavras, e roguemos-Lhe que no-las faça compreender e amar.
PRIMEIRO PONTO
Os sofrimentos desta vida são curtos
Um pouco, diz Jesus Cristo, e já me não vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis (1). Não se trata, pois, cá na terra senão de provações de curta duração. É verdade que parece que são longas, em quanto se padecem. Um dia, uma noite, as vezes uma hora até de sofrimento afigura-se-nos tão longas! Mas há três meios de encurtar a duração dos nossos sofrimentos. O primeiro é não juntar à dor presente as dores de um futuro desconhecido, que talvez nunca vejamos. A cada momento basta o seu mal: para quê nos havemos de inquietar com o dia seguinte, que é incerto? Para quê havemos de supor, que esse dia seguinte, se existir para nós, não há de estar em melhores condições, que o momento presente? Aceitemos este momento presente sem pensar no seguinte; os nossos sofrimentos já não nos parecerão senão de pouca duração.
O segundo meio é considerar o tempo e a eternidade juntamente, e não separadamente. Considerado assim, oh! Quão curto se nos afigurará o sofrimento! Do fundo da eternidade, do fundo de cem milhões de séculos, a duração das nossas provações nos aparecerá apenas como um relâmpago, que se dissipa quase ao mesmo tempo que brilha, como o dia de ontem, que já passou (2).
— Nosso Senhor, em seu amor, oferece-nos um terceiro meio de encurtar o tempo do sofrimento; permite-nos entremeter nele certas distrações, que mitigam a dor, com a condição que essas distrações sejam em si irrepreensíveis, que nos entreguemos a elas sem paixão, que nos proponhamos nelas um fim cristão, como uma honesta recreação ou o prazer do próximo, e finalmente que não se lhes destine mais tempo que o que permitem os deveres do nosso estado ou os nossos exercícios de piedade e de caridade.
Usamos nós destes três meios de encurtar os nossos sofrimentos?
SEGUNDO PONTO
Os sofrimentos são para o justo a fonte dos maiores bens
Vós haveis de chorar e gemer, e estar tristes, diz Jesus Cristo aos seus Apóstolos. Ora Ele, que os amava tanto, não os teria sujeitado a tais provas, se não visse nelas tesouros ocultos. É porque efetivamente o sofrimento desprende o coração da terra, enquanto o gozo o prende a ela. O sofrimento faz-nos pensar em Deus e na nossa salvação, enquanto que o gozo e os prazeres no-los fazem esquecer; o sofrimento é uma expiação do passado mil vezes mais suave que a do purgatório, reservada a quem não tiver feito, antes de morrer, uma suficiente penitência. O sofrimento é um preservativo dos pecados futuros, a que nos arrastariam os nossos destinos dispostos ao grado das nossas afeições e sensualidade. O sofrimento finalmente é um presagio de predestinação pela semelhança, que nos dá com Jesus Cristo padecente (3).
Viva, pois, a cruz, viva o sofrimento que nos alcança tão grandes bens. Se não achamos em nós este amor da cruz, peçamo-lo a Nosso Senhor; é um sentimento eminentemente cristão.
TERCEIRO PONTO
Os sofrimentos cristãmente suportados são preferíveis aos vãos prazeres do mundo
Todos os prazeres do mundo não poderiam contentar o coração. Não é mais que um gozo aparente, em que se ocultam os desgostos e os remorsos; e ainda no momento da morte esse falso gozo se há de converter em uma horrenda tristeza. Então o passado apresentará todos os pecados cometidos, todo o tempo perdido, todas as ocasiões de fazer bem frustradas: o presente dilacerá o coração pela necessidade de deixar tudo o que se tiver amado; e o futuro lançará a alma em indivisível temor, mostrando-lhe o juízo, que a espera, seguido de um inferno eterno. Ao contrário, os justos, no meio dos sofrimentos inseparáveis da vida presente, são consolados:
1.° Pela esperança da vida futura. Sobre os restos do mundo em ruínas, diz São Cipriano, nós estamos tranquilos, pacientes, sempre os mesmos; nem a adversidade nos abate, nem a enfermidade nos faz murmurar, porque compreendemos, que o gozo infinito, que nos espera, vale bem a pena de ser comparado com os sofrimentos da vida presente.
2.° Pelas doçuras da graça, e por esses testemunhos da boa consciência, que incitavam São Bernardo a dizer:
“Os mundanos vêem a cruz, e não vêem a unção, que a torna deliciosa” – Crucem vident, unctionem non vident
Depois, finalmente, na hora da morte, a sua tristeza se há de converter em uma alegria imensa e eterna (4). Quem, á vista disto, não ha de amar o sofrimento, ou, ao menos, o não há de aceitar com resignação?
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Modicum, et non videbitis me: et iterum modicum, et videbitis me (Jo 16, 17)
(2) Tanquam dies hesterna quae praeterlit (Sl 89, 4)
(3) Si cumpatimur, ut et conglorificemur (Rm 8, 17)
(4) Tristitia vestra vertetur in gaudium… et gaudium vestrum nemo tollet a vobis (Jo 16, 20-22)
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo III, p. 19-23)