Meditação para a Quinta-feira da Pascoela
SUMARIO
Meditaremos sobre dois outros obstáculos à paz interior, a saber:
1.° As tentações;
2.° Os escrúpulos.
— Tomaremos depois a resolução:
1.º De nos distrairmos tranquilamente das nossas tentações, logo que as descobrirmos;
2.° De servirmos a Deus com desafogo, confiança e amor, sem nos inquietarmos com o temor de Lhe desagradar.
O nosso ramalhete espiritual será a petição da oração dominical:
“Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal” – Ne nos inducas in tentationes, sed libera nos a malo
Meditação para o Dia
Adoremos Jesus Cristo dando-nos a Sua paz na pessoa dos Apóstolos (1). Agradeçamos-Lhe um dom tão precioso, e supliquemos-Lhe a graça de não no-lO deixar arrebatar pela tentação nem pelo escrúpulo.
PRIMEIRO PONTO
A Tentação, obstáculo à Paz Interior
“Porque estás triste na tentação, alma minha, e porque me conturbas?” – Quare tristis es, anima mea? Et quare conturbas me? (Sl 41, 6. 12)
Examinemos diante de Deus, se há razão para perder a paz nestas circunstâncias. Seria por julgarmos que a tentação em si é um pecado? Mas Jesus Cristo, mas todos os Santos foram tentados; mas nenhum pensamento mau, nenhuma ideia, ainda a mais hedionda, é em si um pecado; todos esses pensamentos são descobertos incessantemente por Deus, que vê tudo, e eles não mancham de forma alguma a sua infinita pureza. Seria por temermos ter consentido na tentação? Mas ainda quando nela tivéssemos consentido, não deveríamos perturbar-nos com isso, pois que vimos na precedente meditação, que até depois de cometido o pecado, convém conservar a paz, e que perdê-la seria um pecado acrescentado a outro pecado. Depois, se a tentação nos desagradou, molestou, contristou; se nos inspirou horror, se só a suportamos contra a nossa vontade, temos nisto a prova de que não consentimos. Não se peca senão pela vontade; o que é contra vontade não pode ser imputável.
Seria por temermos de consentir mais tarde? Mas porque perder a confiança em Deus e não esperar que nos há de amparar, se lhO pedirmos bem, se desconfiarmos de nós mesmos, se evitarmos as ocasiõs e não presumirmos das nossas próprias forças?
Seria, finalmente, porque esta vida de combates e de luta nos enfada? Mas:
1.° Nós podemos diminuir esses combates e essas lutas, desprezando o tentador até não pensar nele para lhe responder, até lhe voltar as costas em voz de nos batermos com ele, a exemplo da boa dona de casa, que ouve latir o cão à porta sem se comover, nem interromper o seu trabalho. Como ela deixemos o demônio ladrar fora sem fazermos caso disso, e continuemos em paz o que temos a fazer (2).
2.° Podemos diminuir as nossas tentações não refletindo nelas, quando passaram, para ver se nelas consentimos, porque refletir nelas, seria um meio de as fazer reviver; não devemos lembrar-nos delas senão a esmo, para despertar em nós a vigilância, o espírito de oração, e nos aniquilarmos diante de Deus, por um lado, no sentimento da nossa miséria, como Santa Tereza, que dizia:
«Ó Deus! Quão pouco eu valho! Eis o que o meu mau terreno pode produzir, eis a erva do meu jardim»
Por outro lado, na admiração e no amor da bondade divina:
«Ó Deus! Quão bom Sois por descer o Vosso amor até mim!»
É assim que nos portamos nas tentações?
SEGUNDO PONTO
Os Escrúpulos, obstáculo à Paz Interior
Há escrúpulos, aos quais atormenta o temor de não amar bastante a Deus: inquietam-se, cansam-se, consomem-se em esforços e contenções de espírito; põem o coração em apuros, para exprimir os seus afetos, e o espírito em tortura, para fixar as circunstâncias. Isto não é segundo Deus. Deus quer que tudo seja suave e moderado no Seu serviço; e só nos pede uma sólida preferência, uma vontade bem decidida de conformarmos a nossa vontade com a Sua. Quando dizemos a um amigo que o amamos sinceramente, que tudo o que possuímos está à sua disposição, pensamos que há de ficar contente, posto que lhe dizemos isto simplesmente e sem esforço: o mesmo acontece com Deus.
Há outros escrúpulos, a quem atormenta o temor de não se acharem em estado de graça e de pecar em tudo o que fazem como em tudo o que dizem. Há três remédios para este mal:
1.º A obedecer ao confessor. Obra-se sempre bem quando se obedece; e ainda quando o confessor se enganasse, a obediência desculparia o penitente perante Deus.
2.° Na dúvida, o escrupuloso não deve nunca julgar ter pecado mortalmente; deve sempre decidir em seu favor, a menos que não tenha a respeito da sua culpabilidade uma certeza que exclua toda a duvida.
3.° Convém considerar sempre Deus como um bom Pai que quer ver nos que O servem a simplicidade, a confiança, o amor de um menino, e não o temor de um escravo que se aniquila, se agita, repete as suas súplicas e quisera incessantemente repetir as suas confissões.
Com estas regras, teremos sempre a paz interior a respeito dos escrúpulos.
Resoluções e ramalhete espiritual como acima
Referências:
(1) Pacem meam de vobis (Jo 14, 27)
(2) Age quodis agis
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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo II, p. 273-276)