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Mortificação da Imaginação

Meditação para o Décimo Sexta Sábado depois de Pentecostes. Mortificação da Imaginação

Meditação para o Décimo Sexto Sábado depois de Pentecostes

SUMARIO

Meditaremos sobre a mortificação da imaginação, e veremos:

1.° Que a nossa felicidade neste mundo depende do governo da nossa imaginação e da repressão de seus extravios;

2.° Que a nossa salvação eterna não depende disto menos.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De manhã, ao acordar, de ocuparmos o nosso espírito em santos pensamentos e o nosso coração em piedosos afetos, para evitar os extravios da imaginação;

2.° De nos recolhermos dentro em nós a diversas horas do dia, para ver se não cedemos à nossa imaginação, e renovar a resolução de a combater.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra do Espírito Santo:

“Não ponhais o vosso coração nas vossas imaginações” – Ne dederis in illis (phantasis) cor tuum (Ecl 34, 6)

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo no deserto, levado pelo demônio ao pináculo do templo, e transportado dali a um alto monte, de onde o espírito tentador Lhe mostra todos os reinos da terra, figura sensível da nossa imaginação, que nos transporta num instante de uma à outra extremidade do mundo, nos preocupa com as imagens das coisas exteriores e tenta seduzir-nos com os seus fantasmas. Rebelde à razão, rebela-se contra o império que se quer exercer sobre ela: e ainda quando estamos mais resolvidos a combatê-la, foge-nos, e tem rodeado o mundo antes que advirtamos o que foi feito dela. Ó Jesus tentado no deserto! Ensinai-nos a resistir às tentações que a nossa imaginação nos suscita.

PRIMEIRO PONTO

A nossa felicidade neste mundo depende do governo da nossa imaginação e da repressão de seus extravios

Não há seres mais degradados que os homens de imaginação não reprimida: o passado, o presente, o futuro, tudo os desconsola.

O passado mostra-lhes uma afronta, um revés, uma contradição, que os afligiram outrora; a imaginação aproveita-se logo da aflição, que já não existia, aumenta-lh’as, exagera-lh’as, faz-Ih’as sentir cem vezes e sempre com uma nova veemência, mudando a dor mais ligeira em uma dor acerba, e tornando permanente o mal mais passageiro.

O presente desgosta-os: julgam que estariam melhor onde não estão; que outros, que o merecem menos, são mais felizes que eles. Nunca atentam no que fazem; a imaginação distrai-os disso, enche-os de pensamentos estranhos, de vãos fantasmas, de remorso e de vergonha da sua leviandade.

O futuro não os importuna menos, ora com a perspectiva de uma suposta felicidade, que eles buscam, e de que em breve desesperam; ora com o receio de dores e tribulações imaginárias, mas que os não fazem sofrer menos do que se fossem reais. Por isso são insuportáveis a si mesmos, sempre inquietos e tristes, descontentes e inconstantes. Depois a sua imaginação faz-lhes ver no espírito dos outros suspeitas, desprezos, ódios, más intenções que não existem neles, e afligem-se; inspira-lhes cuidados e receios infundados, e esmorecem. Para repelir o desgosto e a dor, queriam aplicar-se a algum exercício sério, a uma boa leitura; mas a imaginação distrai-os ainda, absorve o seu pensamento, e enfastiados abandonam o exercício.

Não sucede tudo isto conosco, e não temos sacrificado muitas vezes a nossa felicidade a vãos fantasmas?

SEGUNDO PONTO

A nossa salvação eterna depende do governo da nossa imaginação e da repressão de seus extravios

Com efeito, quem não sabe que a imaginação é o lugar onde todas as paixões nascem, crescem e se fortificam, inclinando-se o coração para o objeto por amor, ou desviando-se dele por ódio, segundo que a imaginação lh’o pinta como um bem ou como um mal? Quem não sabe que, quando se deixa que todos os objetos se imprimam na imaginação, eles não só tiram a devoção e o fervor da caridade, mas expõem a alma a uma próxima perdição? É desta excessiva liberdade, concedida à imaginação, que procedem os pensamentos perigosos, as tentações de todo o gênero. Se a sociedade é tão perigosa para os que a frequentam, não o é menos, e talvez o seja mais, para os que a deixam introduzir-se na sua imaginação: porque é ai mais sedutora; as cenas ai são mais variadas, e causam uma impressão mais imediata sobre os sentidos, inflamam o desejo, despertam a paixão que estava adormecida, aumentam e fortificam a que dominava. Jerônimo, no deserto, trazia na imaginação todas as pompas de Roma; Agostinho, no retiro, via todos os prazeres da terra puxando-o pela túnica e dizendo-lhe:

«Que! Abandonar-nos-ás tu para sempre? Nunca mais terás comércio conosco?»

Felizes esses grandes santos por terem combatido a sua imaginação!De outra sorte ter-se-iam perdido.

— Mas ainda que a imaginação não nos arrastasse a essas desordens, ao menos é certo que ela seria um obstáculo para adquirir toda a virtude. Não se pode esperar da imaginação nem o hábito da reflexão, que faz que nos estudemos, nos conheçamos e vigiemos a nós mesmos, nem a viva fé, que supõe uma alma refletida; nem a caridade, que supõe o esquecimento dos defeitos ou das faltas do próximo; nem a modéstia, que procede da paz e boa disposição do interior; nem a humildade, que fecha os olhos ao quadro de sua excelência traçado na imaginação pelo amor-próprio, nem o hábito de orar essencialmente oposto aos extravios da imaginação.

Entremos dentro em nós: não temos gostado de seguir os extravios da nossa imaginação e de a espraiar sobre mil fantasmas?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo IV, p. 214-217)

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